terça-feira, 30 de junho de 2009

Torres Vedras há 120 anos, na imprensa regional - (2) Junho de 1889

(Torres Vedras, numa gravura do Século XIX)

A comemoração dos Santos Populares foi um tema recorrente na imprensa torriense de há 120 anos.
O Santo António foi “festejado por algumas famílias. Na véspera houve illuminação e fogos de artificio no sitio da Costa do Castello. Algumas fogueiras n’outros pontos.
“No próprio dia fez-se, na forma dos mais annos, arraial no Varatojo”[1] .
O S. João teve as suas comemorações mais importantes em Runa:
“Realisou-se no dia 24, em Runa, a costumada festa de S. João Baptista, a qual teve o luzimento dos annos anteriores, achando-se a egreja bellamente adornada.
“Abrilhantou a festa a orchestra regida pelo maestro Lagrange, que foi como sempre correcto no seu desempenho. Orou o revº Conceição Vieira de Lisboa (…).
“O arraial, artisticamente ornamentado, esteve muito concorrido; á noite a illuminação produziu um bello efeito, e durante o fogo de artificio, que foi bastante vistoso, tocou variadas e escolhidas peças de musica a phylarmonica d’esta villa [de T. Vedras]”[2] .
Mas o S.Pedro foi sempre o ponto alto nos festejos dedicados aos Santos Populares em Torres Vedras, graças à realização da secular que lhe é dedicada, descrita de forma pitoresca por um jornalista local:
“O sol de Verão, que andava a modo com maleitas, dignou-se apparecer em toda a sua plenitude coruscante, e animar o grande quadro da feira, estendida em todo o vasto recinto da Porta da Várzea, rematando ao sul com a passagem typica do acampamento da ciganagem, com as suas tendas improvisadas, os seus montões de farrapagens, os seus vestuários sujos e garridos, os seus rostos acobreados, com molduras de cabello desgrenhado. A caravana, dividida em grupos, sobre a alfombra da relva, e no fresco abrigo do arvoredo copado, por ali relaçava(sic), entre a récua de cavalgaduras, que teem faltado aos respectivos donos, e que os ciganos vão trocando e vendendo, conseguindo sempre augmentar-lhe o numero, sem os comprarem.
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“A concorrência de expositores e feirantes foi enorme. No dia de S. Pedro, desde a madrugada, que um enorme concurso de povo afflui ao mercado, e às 10 horas dois comboios, chegados successivamente, trouxeram mais umas 600 pessoas que fizeram da Porta da Várzea um mar de cabeças humanas.
“Há quem diga que a feira foi mais concorrida do que no anno passado, e com referencia a commercio, todos a suppõem mais vantajosa. Appareceram muitos gados, e realisaram-se algumas transacções em gado cavallar. O gado bovino, próprio para trabalho, estava mais caro do que na feira chamada das fructas novas, em Santo Quintino [Sobral de Monte Agraço], por isso quem desejava comprara bois, resolveu-se a esperar. Comtudo houve algumas transacções, especialmente em gado para abater.
“O commercio nas lojas da villa esteve animado. Muitos touristas vieram, por mero passeio, visitar Torres Vedras, muitos d’elles eram nossos antigos amigos, que tivemos o gosto de abarcar. Não lhes enumeramos aqui nomes, com receio de incorrer n’alguma omissão.
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“Hoje apenas resta da feira uma ou outra bancada nua e retardatária; e d’aquelle bulício atroador, apenas accorda ainda os ecos das encostas circundantes da vasta alameda, o zambuar da barraca dos fantoches, que ahi se demoraram, fabricando gargalhadas, com as suas peripécias burlescas” [3].
Para aproveitar o público dessa feira , estabeleceu-se na vila um teatro ambulante, o “Theatro Club”.[4]
Outras festas de carácter religioso tiveram lugar no concelho esse mês como a Festa de Santa Catarina na Ribaldeira, Domingo 2 de Junho [5], ou a “Procissão de Corpus Christi”, realizada a 20 de Junho, que decorreu “ com a solemnidade dos mais annos, saindo da collegiada de Santa Maria do Castello, e percorrendo algumas ruas da villa” [6].
O início do Verão trazia a Torres Vedras, a caminho de Santa Cruz para “banhos”, um grupo de 60 crianças, vindas “de Lisboa no comboio da manhã de quarta-feira, (…) acompanhadas de três irmãs de caridade, e dos respectivos professores, ou regentes, do Collegio de Campolide”, sendo depois conduzidos em “trens” para a “referida praia”[7].
Os primeiros anos do comboio a passar por Torres Vedras foram essenciais para marcar uma nova dinâmica na actividade da vila.
Embora queixando-se da “ por ora diminuta (…) concorrência de passageiros de Lisboa a esta vila e seus subúrbios”, a imprensa local fazia notar que, ainda “assim no serviço dos hotéis conhece-se diferença para mais do que o costume; e é de presumir que, continuando o belo tempo dos últimos dias, haja afluência de visitantes nos próximos dias santificados. Oxalá ”[8].
A maior afluência de forasteiros a Torres Vedras e as possibilidades de expansão comercial, por causa do caminho-de-ferro, obrigou a várias obras de melhoramentos nas estradas do concelho.
Foi o que aconteceu com a “estrada de S. Pedro da Cadeira”, tomando-se conhecimento esse mês, por “telegramma recebido no dia 27 pelo sr. Administrador do concelho, e expedido pelo deputado d’este círculo, o sr. Dr. Casal Ribeiro” de “ haver sido concedida a estrada de S. Pedro da Cadeira, cuja construcção, que será feita por empreitadas parciaes, começará brevemente”[9].
Actividade que conhecia igualmente grande expansão, a vinicultura, atraia a Torres Vedras vários comerciantes do ramo, como o “ mr. A de Pomarède, accreditado negociante de vinhos, e membro da câmara do commercio de Bordéus”[10] .
Decorreram assim os dias desse mês de Junho de 1889, cujos ecos distantes chegaram até nós em descrições intensas e coloridas, publicadas na imprensa local da época.

[1] A Voz de Torres Vedras, 15 de Junho de 1889.
[2] A Voz de Torres Vedras, 29 de Junho de 1889.
[3] A Semana, 4 de Julho de 1889.
[4] A Semana, 27 de Junho 1889.
[5] A Semana, 30 de Maio de 1889.
[6] A Voz de Torres Vedras, 22 de Junho de 1889.
[7] A Voz de Torres Vedras, 8 de Junho de 1889
[8] A Voz de Torres Vedras, 11 de Junho de 1889
[9] A Voz de Torres Vedras, 26 de Junho de 1889.
[10] A Semana, 6 de Junho de 1889.

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