domingo, 31 de outubro de 2010

RITA REDSHOES - Fotografias "impressionistas"

Aqui fica um registo fotográfico "impressionista" do espectáculo da noite de ontem de Rita Redshoes em Torres Vedras.
O "impressionismo" é uma desculpa para a qualidade das fotografias, obtidas do meio da sala, sem flash e com uma pequena máquina digital compacta.
Mas dá para perceber o ambiente...










sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Torres Vedras em Festa - Festival Internacional de Acordeão

Com a qualidade a que nos tem habituado o Carlos Mota, alma deste evento, vai ter início mais uma edição do Festival Internacional de Acordeão de Torres Vedras, a mais emblemática iniciativa das Festas da Cidade.
O Programa deste ano pode ser consultado AQUI.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

AS CORES DO OUTONO



Não é preciso ir longe. Nos arredores de Torres Vedras um "vinha velha" oferece-nos magníficas cores de outono.
Até lá para meados de Novembro é um deslumbramento andar pelas estradas e caminhos do Oeste.

Céu de Torres Vedras

Se há espaço que muda todos os dia, o Céu é um deles.

Os “céus” nunca são iguais e apresentam muitas diferenças se nos deslocarmos entre terras diferentes. O céu de uma vila alentejana é diferente do céu de Lisboa, ou, neste caso, de Torres Vedras.

Estas fotografias foram tiradas a partir do Parque Verde da Várzea de Torres Vedras, num fim de tarde de Setembro último.

…É preciso mais tempo para olhar o céu que nos envolve diariamente.





terça-feira, 19 de outubro de 2010

A "Origem" Das Linhas de Torres Vedras

(uma vista das Linhas de Torres em 1910)

Uma das questões que ainda hoje levante polémica é a da atribuição da paternidade das “Linhas de Torres”.

As condições naturais que fizeram do território a norte de Lisboa uma região com a importância estratégico-militar na defesa dessa cidade, foram observadas ao longo dos séculos por todos aqueles que percorreram a região.

Que dizer da profusão de castros do calcolítico na região? Ou da rede viária romana estrategicamente construida ao longo dos vales defendidos pelas serras circundantes que fizeram do sítio da actual cidade de Torres Vedras o centro neválgico dessa rede na chamada “Península de Lisboa”? Ou do conjunto de torres defensivas que os muçulmanos construíram neste território e que obrigaram D. Afonso Henriques a contorná-las, conquistando Lisboa a partir do mar e não da terra? Ou da importância estratégica do castelo de Torres Vedras nos episódios históricos de 1383-1385 ou de 1580-1640?

De facto essas condições naturais estiveram na origem do crescimento e desenvolvimento de Torres Vedras.

Não terá sido portanto de estranhar que Junot, depois de se apoderar de Lisboa em1807, e conhecendo as intenções inglesas de desembarcar em Portugal, encarregasse o coronel Vincent, chefe de engenheria do seu exército, de fazer um reconhecimento da região a norte de Lisboa, com o objectivo de defender a capital de um desembarque britânico.

“Vincent que era um engenheiro militar distincto e activo, não só fez o reconhecimento do terreno ao longo da costa, mas principalmente no seu regresso a Lisboa, da peninula entre o Tejo e o Oceano. Vincent reconhecendo o partido que podia tirar, para a defesa de Lisboa, da natureza do terreno entre o Tejo e o oceano, e não tendo uma planta d’esta região, pois a não havia no nosso Archivo que elle bem conhecia, tendo até augmentado o pessoal do gabinete e desenho para obter copias dos trabalhos existentes, encarregou o então tenente coronel do Real Corpo de Engenheiros, Francisco Bernardo de Caula, com dois officiaes a sua escolha de proceder ao levantamento d’esta planta” (Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26).

Francisco Caula já tinha trabalhado anos antes num levantamaneto de carta geográfica do reino.

Caula escolheu para o acompanhar “os dois officiaes então em serviço no Archivo Militar, os majores do Real Corpo de Engenheiros José Maria das Neves Costa e Joaquim Norberto Xavier de Brito (...). Dos dois officiaes escolhidos apenas Neves Costa foi empregado n’este serviço, Caula fez a maior parte da triangulação, a parte restante, o estudo do detalhe e reconhecimento militar do terreno ficou a Neves Costa” (Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26).

Quando da expulsão de Junot, em 1808, já se tinha procedido ao levantamento de uma parte da costa, trabalho que foi suspenso com a saída dos franceses.

Logo que a autoridade portuguesa foi reposta, Neves Costa fez uma “representação” ao Conde da Feira, secretário da regência, no sentido de defender as vantagens em continuar o trabalho iniciado pelos franceses.

O secretário da regência deu provimento à proposta de Neves Costa sendo este, por aviso assinado pelo comandante do real Corpo de Engenheiros, Antas Machado, com a data de 28 de Novembros de 1808, encarregado “do reconhecimento militar e levantamento da planta do terreno ao norte de Lisboa, sendo nomeado para o coadjuvar o 2º tenente José Feliciano Farinha; e o tenente Caula, auxiliado pelo major Joaquim Norberto Xaviar de Brito, é encarregado dos trabalhos de triangulação, isto é, da medida trignometrica dos pontos principaes d’aquelle terreno, para organisação da referida planta”. (Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26).

Contudo “Antas Machado, assim como os officiaes portuguezes e estrangeiros d’aquella epocha, entendiam que Lisboa se devia defender por uma primeira linha de defensa proximo da capital, não tendo emgrande consideração os trabalhos de Neves Costa” mandando por isso interromper “os trabalhos de levantamento da planta e reconhecimento militar do terreno ao norte de Lisboa, sendo, Neves Costa, mandado servir, ás ordens do tenete general E Rodrigo de Lencastre, nas obras de fortificação de Lisboa (...) e o tenente coronel Caula nomeado Governador militar de Villa Franca”.

Finalmente, em “18 de fevereiro de 1809 conseguiu, Neves Costa, ser novamente encarregado de concluir o trabalho da planta do terreno ao norte de Lisboa, não sendo então nomeados os outros dois officiaes para o coadjuvarem; em 4 de março d’esse anno concluiu o trabalho da planta do terreno,que remetteu em officio ao Secretario da Guerra, Pereira Forjaz, ficando empregado na redacção da respectiva memoria; mas, em 17 de abril, Antas Machado mandava-o novamente para as fortificações de Lisboa (...), onde esteve, até que no principio de maio, por intervenção do Secretario da guerra, Pereira Forjaz, é dispensado do serviço para concluir a sua memoria, trabalho que concluiu e remetteu em oficio ao referido Secretario da Guerra, em 6 de Junho de 1809, sendo a sua memoria e planta do terreno presentes a Lord Wellington.

“Esta planta, apresentada em esboço, foi depois passada a limpo no Archivo Militar e accrescentada com a parte do terreno ao longo da costa, copiada d’uma planta da barra de Lisboa, que já existia, pelo major Franzini.

“Em 26 de outubro de 1810 apresentou-se no Archivo Militar o capitão dos Reaes Engenheiros britannicos, Dickinson, com um officio do tenente coronel Fletcher para, por ordem de Lord Wellington, lhe ser entregue uma copia a limpo dareferida planta”.

(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26, pp. 9 a 11).

Contudo Wellington, tentou posteriormente desvalorizar o papel de Neves Costa, como se conclui da leitura deste despacho da autoria desse general inglês:

“Nunca tive por habito deixar de elogiar os officiaes que estão debaixo das minhas ordens, quando o merecem, ou de os recommendar a lembrança e generosidade dos seus superiores e do seu soberano; mas protesto sollemnemente contra a pretensão do major Neves Costa e do coronel Caula, de se arrogarem a formação do plano, ou concepção do systema que se seguiu para a salvação de Lisboa, debaixo da minha direcção.

“V. Ex.ª deu-me em 1809 um plano do paiz em questão e uma memoria feita pelo major Neves. Todavia sou forçado a declarar que apenas examinei os logares, achei o plano e a memoria por tal maneira inexactas, que nenhuma confiança pude ter n’ellas. É um facto que, tendo-me referido n’uma única occasião ao citado plano e memoria, sem ter reconhecido os logares, vi-me obrigado a fazer uma segunda viagem a Lisboa no mez de fevereiro de 1810, de que resultou mandar destruir as obras que se tinham começado, levantando-se outras em seu logar”

(“Despacho do Duque de Wellington por Gurvoord”, Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p.532).

Também Luz Soriano desvaloriza o papel de Neves Costa:

“Pelo que respeita á promptificação da carta militar, feita pelo major Neves Costa, e á da sua memória descriptiva, não nos parece haver n’isto cousa que possa ser de gloria especial para o seu auctor, poisque qualquer outro official de engenheiros, a quem o governo commettesse similhantes trabalhos, seguramente os desempenharia por um modo analogo á sua capacidade: era uma cousa propria da sua profissão, e não podia haver n’ella outro merito mais do que o da sua maior ou menor exactidão e perfeito acabamento. Agora quanto a ter elle sido quem preveníra lord Wellington no seu projecto das linhas defensivas de Lisboa, e a ter sido o promotor da carta topographica do terreno ao norte da referida cidade e da respectiva memoria descriptiva; e finalmente a ter indicado na sua dita memoria a maior parte das posições que o dito lord mandára depois fortificar (...) são os tr~es pontos que verdadeiramente nos cumpre examinar.

“(...) a idéa de defender Lisboa por meio de linhas defensivas ou fortificações, segundo as circumstancias e o systema dos differentes tempos, nem é privativa de lord Wellington, nem d’elle major Neves Costa, pois data conhecidamente do dominio dos mouros em primeiro logar, e depois d’elles do reinado de el-rei D. fernando entre nós. (...) tambem já em tempos muito mais proximos ao nosso, como os dois reinados de el-rei D. João IV e D. Affonso VI, houve igualmente entre nós quem procurasse defende-la, mesmo pelo moderno systema de posições fortes pela natureza, como se prova por esse começo de fortificações que se vê, não só na quinta dos viscondes da Bahia, no sitio de Entremuros, na parte que olha para a baixa da Palhavã e quinta dos antigos marquezes de Louriçal, mas até mesmo em algumas partes da ribeira de Alcantara. (...) já no anno dd 1799 fôra apresentado ao governo portuguez um plano detalhado da defeza de Lisboa pelo general inglez, sir Carlos Stuard, pae do individuo que com o mesmo nome foi alguns annos depois ministro de Inglaterra junto aos governadores do reino, poisque o dito general viera em 1797 para Portugal com uma divisão auxiliar(...). Tambem (...) o general Gomes Freire de Andrade apresentara igualmente em 1801 um plano de defeza das Lisboa, por occasião da nossa desgraçada guerra com a Hespanha e a França n’aquelle anno. Acresce a isto que nos primeiros assomos de resistencia aos francezes, concebidos em 1806 pelo ministro de guerra, Antonio de Araujo de Azevedo, antes da partida da familia real para o Brazil, acha-se tambem incluida a idéa da defeza de Lisboa, apresentada por elle a D. Miguel Pereira Forjaz, que trabalhava no seu gabinete, e se diz ter para tal fim confeccionado um plano, de que nada resultou, em consequencia de se ter depois effeituado a referida partida, chegando todavia a realisar-se em esboço o mappa dos terrenos, que vão desde Villa Franca até Torres Vedras.

“Na falta porém de documentos com que possamos abonar a existencia dos tres planos que acabãmos de expor, diremos, fundando-nos para isso nos papeis officiaes, que já antes do major Neves Costa ter entregado a sua allegada memoria descriptiva, cuidava o mesmo D. Miguel Pereira Forjaz nas fortificações de Lisboa, como se prova pelo officio que na data de 1 de abril de 1809 dirigiu ao marechal Beresford, participando-lhe ter expedido as competentes ordens ao inspector das obras publicas, o major de engenheiros Duarte José Fava, para com os competentes louvados avaliar os prejuizos causados aos particulares com as obras das fortificações que se íam executar, e posto que ainda não tivesse recebido aviso de taes avaliações se terem feito, prevenia-o de que não devia por modo algum retardar a execução da fortificação, porque em todo o tempo se podia concluir aquella diligencia. Ao chefe dos engenheiros inglezes, o proprio tenente coronel Fletcher, chegado a Lisboa nos primeiros dias do citado mez de abril, se lhe haviam já por aquelle tempo commettido os trabalhos da fortificação da capital, como se vê de um outro officio, que na data de 12 do referido mez o mesmo D.Miguel Pereira Forjaz tornou a dirigir ao marechal Beresford, communicando haver-se-lhe apresentado o referido tenente coronel de engenheiros, o qual, tendo de acompanhar o exercito britannico, lhe dissera que deixaria em seu logar um official da sua confiança, para dirigir e vigiar a execução dos trabalhos da fortificação de Lisboa, e para que n’elles houvesse a precisa actividade e conveniente acordo, tencionava commissionar para aquelle fim, alem do dito official, o chefe dos engenheiros portuguezes, o marechal de campo José de Moraes Antas Machado. Era effectivamente d’este general e não do major Neves Costa o plano das obras defensivas com que no citado mez de abril de 1809 se buscou guarnecer Lisboa, por escolha de posições fortes pela natureza, entricheirando-as entre si, como se prova pela memoria descriptiva que da respectiva linha nos deixou o citado general. Acresce mais que alem d’elle tambem o lente da antiga academia de fortificação, Lourenço Homem da Cunha d’Eça, se mandou ouvir sobre a defeza de Lisboa, como se vê da memoria que atal respeito dirigiu ao goveno em março de 1809 , dizendo-lhe que a linha defensiva da capital devia passar pelas alturas de mafra, Cabeça e Bucellas, tendo a direita na Alhandra, a esquerda na Ericeira e o centro na Cabeça e Bucellas. Resulta pois do que temos dito que a idéa de defender Lisboa por meio das vantagens que offerecem os terrenos fortes pela natureza nas vizinhanças d’esta capital, quer seja na sua maior ou menor proximidade, nem é privativa de lord Wellington, nem tambem do major Neves Costa. Vejamos agora se a este official cabe ou póde caber alguma parte no que directamente diz respeito ás chamaas linhas de Torres Vedras.

“(...) Napier (...) diz (...) o seguinte: “As montanhas que cobrem a lingua de terra em que Lisboa está edificada deram a idéa original da defeza d’esta cidade.Lord Wellington tinha em seu poder bem feitas e exactas plantas, executadas em 1799 por sir Carlos Stuard, assim como as minutas do coronel Vincent, dos engenheiros francezes, mostrando a maneira como estas montanhas cobriam a capital e por ellas se podia defender. A estes preciosos documentos se attribue pois a idéa original das celebres linhas de Torres Vedras. Comtudo aquelles officiaes (Stuard e Vicent) só tinham considerado o terreno com relação á defeza, que n’elle podia fazer um exercito em movimento, na presença de um inimigo de forças iguaes ou superiores. Foi portanto lord Wellington o primeiro que concebeu o projecto de transformar estas vastas montanhas n’uma immensa e inexpugnavel cidadella, na qual se encerraria a independencia de toda a peninsula”.

“(...) os trabalhos do reconhecimento do coronel Vincent, como tambem succede aos de neves Costa, não tinham por fim a ligação de linhas intrincheiradas, que lord Wellington deu ás posições que lhe pareceram convenientes para formar taes linhas, e constituirem a cidadella inexpugnavel de que falla Napier. E tendo o citado major Neves Costa acompanhado o coronel Vincent nas suas incursões ao respectivo terreno, é um facto que a carta topographica e a memoria descriptiva por elle apresentadas a D. miguel Pereira Forjaz, são em tudo modeladas pelo mesmo systema do referido coronel, tendo por principal objecto, como este diz, mostrar as differentes estradas que pelos terrenos ao norte de Lisboa se dirigem para esta cidade, e provar a facilidade que há em lhe defender o accesso, cousa que o mesmo Neves Costa pela sua parte confirma igualmente, quando nos diz que o alvo dos seus trabalhos não era designar um determinado plano de defeza, mas sim descrever todas as posições fortes pela natureza, que se podiam aproveitar para formar outros tantos systemas ou planos particulares defensivos.Possuindo pois lord Wellington as minutas do coronel Vincent, como afirma Napier, de pouco lhe poderiam servir a carta topographica e a memoria descriptiva do major Neves Costa, já por estar senhor das minutas do coronel francez, e já porque a inspecção que pessoalmente fez do respectivo terreno lhe dispensava até mesmo as citadas minutas, a não o termos por tão inhabil, que lhe fosse preciso quem lhe demonstrasse o que os seus olhos viam, ou as posições que mais lhe convinha incluir nas linhas que pretendia levantar.

“(...)

“Um outro argumento que o major Neves Costa apresenta no seu folheto, parecendo ter grande força, para provar ter elle sido o iniciador das linhas de Torres Vedras, é o dizer que a maior parte das posições comprehendidas por lord Wellington nas referidas linhas já por elle tinham sido indicadas na sua memória de reconhecimento. Este argumento não é para nós convincente, porque as posições fortes de qualquer terreno, que se pretenda defender, a todo o homem entendido na materia por si mesmas se lhe fazem reconhecer como taes, apenas lance os olhos sobre o referido terreno (...).”

(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 521-530).

Perante o peso dos seus argumentos, o próprio Luz Soriano acaba por ignorar o papel de Neves Costa, atribuindo as origens das Linhas de Torres “ 1º, à muralha com que el-rei D. Fernando carcára Lisboa e ao bom resultado qu aoabrigo d’ella tirou seu irmão, el-rei D. João I, quando em 1384 resistiu aos exercitos castelhanos; 2º, á conducta de Francisco I, rei de França, quando em 1536 se oppoz á invasão que o imperador Carlos V fez na Provença; 3º ao mappa topographico dos terrenos ao norte de Lisboa, levantado ou mandado levantar pelo general Stuard, mappa que acompanhava sir Arthur Wellesley, quando em 1808 veiu para Portugal, segundo o seu proprio testemunho, mencionado no seu relatorio á commissão de inquerito, instituida em Londres n’aquelle mesmo anno, 4º, finalmente de novo ao referido mappa, de que tornou a munir-se no anno de 1809, quando por segunda vez veiu a Portugal, e ás minutas do coronel Vincent, que tambem comsigo trazia(...)”.

(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, 531).

Vieira Ribeiro, por sua vez, repões Neves Costa no lugar que, quanto a nós, merece:

“(...) podemos pois concluir que as linhas de Torres se devem a Vincent que, conhecendo as vantagens que podia tirar para a defesa de Lisboa da natureza do terreno ao norte, mandou levantar a sua planta.

“A Neves Costa que, primeiro por ordem de Vincent e depois por iniciativa propria, levantou a planta do terreno e escreveu uma Memoria do seu reconhecimento militar em que detalhadamente descreve as differentes posições com valor militar que cada uma d’ellas tem; a qual foi entrgue a Lord Wellington em junhio de 1809 e o levou ao estudo e organisação das Linhas.

“A Fletcher que, pela sua intelligencia, actividade e boa organisação dos trabalhos, pôde em tão curto espaço de tempo, oprganisar tão completamente as duas linhas de entrincheiramento.

“Ao nosso povo que, animado do maior patriotismo, a tudo se sacrificou para defesa da patria”.

(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 2ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 2-16º ano, Fevereiro de 1911, pp.49-59, p.58).

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

No Bicentenário da Batalha de Dois Portos

A “Batalha de Dois Portos”, uma batalha “quase” esquecida



Por vezes são os momentos menos espectaculares, ou até quase esquecidos, que se revelam decisivos num guerra prolongada.
Foi o caso da chamada “Batalha de Dois Portos”, episódio pouco conhecido da terceira invasão francesa.
No dia 9 de Outubro de 1810 o exército aliado chegava às Linhas de Torres, sempre seguido de perto pela cavalaria francesa em distância à vista.
Alguns oficiais e soldados da guarnição das Linhas, a cavalo, aguardavam pelas diferentes unidades para as guiarem para as obras ou localidades que lhes eram destinadas.
Desde o dia 7 ou 8, conforme as fontes, chovia copiosamente, obrigando as tropas anglo-lusas, recém chegadas, “a buscar arrebatadamente o abrigo das casas, que pela maior parte estavam abandonadas”, queixando-se o autor desta descrição, o padre torriense Madeira Torres, de “então se perderam, e” serem “preza dos soldados nacionaes, e alliados, os fructos não só pendentes, e mal começados a colher, como vinho e azeite,” bem como “os mesmos recolhidos nos celleiros publicos e particulares, que não eram guardados immediatamente por seus donos, e munidos de sentinellas, chegando o excesso a serem a maior parte das casas despejadas dos seus moveis, quasi todos os cartorios publicos, e particulares parcialmente roubados, o do Escrivão das Sizas, e de um da Correição totalmente destruídos” (in Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 178).

Com a chuva, encheu-se rapidamente o lado direito do rio Sizandro “tornando-se pelo lado de Torres Vedras n’um formidavel obstaculo defensivo sobre o flanco esquerdo da citada linha, não lhe restando então em toda ella, desde o Oceano até ao Tejo, mais do que um intervallo de duas leguas e meia, pouco mais ou menos, não fortificado, ao sul do valle de Runa, entre a villa de Torres Vedras e Monte Agraço”(in  Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 217-218).

Entretanto, fustigados pelo mau tempo, as tropas francesas iam-se aproximando lentamente das Linhas, cuja existência desconheciam:“Vinha à frente, comandando a cavalaria de reserva, o general Montbrun, que na manhã de 11, depois de na véspera à tarde ter repelido as últimas fracções do exército anglo-luso, sob o comando de Craufurd (…), mandára reconhecer a estrada em direcção de Vila Franca”. Foi o brigadeiro Pedro Soult, encarregado desta missão, que o informou “dos fortes entricheiramentos que vira em Alhandra. A exploração feita na direcção do Sobral, Arruda e Zibreira trouxe-lhe notícias análogas, o que levou o aludido general, por sua vez, a informar o comandante chefe, então ainda longe, à rectaguarda, de que tinha na sua frente uma linha contínua de fortes entricheiramentos e estendendo-se até um ponto, para oeste, que não podia ainda precisar.
“Os reconhecimentos continuaram nos dias 12 e 13, ocasionando escaramuças, algumas de certa importância, como a que se travou na vila do Sobral (…)” (in J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 415-416)

No dia 12 de Outubro marchou a vanguarda do exercito francês para Vila Franca de Xira, “tomando lá as posições que julgou convenientes, distribuindo as tropas pela dita villa, por Povos e Castanheira”. O oitavo corpo marchou de Alenquer para o Sobral, apoderando-se desta vila onde, durante a noite, construiu algumas trincheiras para defesa própria, sendo no Sobral que Massena estabeleceu o seu quartel general.
“Para alem de Runa a serra do Barregudo e os fortes que se tinham levantado em Torres Vedras não permittiam ao marechal Massena movimento algum de flanco por aquelle lado, não lhe restando portanto mais que a possibilidade de dispor as suas tropas entre Villa Franca e o Sobral, com a vantagem de que emquanto a testa das suas columas ameaçava as partes mais fracas da linha, podia elle em poucas horas concentrar todo o seu exercito no ponto que mais lhe conviesse atacar entre o Tejo e a citada serra do Barregudo. O segundo corpo, continuando a occupar as serras fronteiras da Alhandra, estendia a sua direita até á villa da Arruda, sobre um terreno bastante aberto. Um forte posto de cavallaria, collocado na dita villa, cobria a extremidade da sua direita, ligando-a com o oitavo corpo, cuja frente se achava para diante do Sobral, occupando as menores alturas da citada serra do Barregudo, e guarnecendo tambem as duas margens do rio Sizandro até ás Duas Portas” (sic) “, sobre a estrada de Runa” ( in  Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 236 e 237).

É na sequência deste posicionamento que tem lugar, em 13 de Outubro, a chamada “batalha de Dois Portos”.

O combate foi travado entre as tropas de um dos postos avançados das Linhas Torres Vedras, e uma “considerável força inimiga”, que, na tarde do dia 13, avançando sobre o mesmo posto, provocou a batalha. Nela participaram, pela parte aliada, duas companhias do regimento n.ºs 11 e 23.(in Claudio de Chaby, Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.237-238).
Sabe-se que a posição definida para esses regimentos era, respectivamente, a Portela e a Patameira, entre as posições da Ribaldeira e do Sobral ( in Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 222).

O registo dessa batalha deve-se à memória anónima de um oficial português que a ela assistiu:

“ Por ordem anterior fomos de madrugada formar para o outro lado da ponte de Dois Portos, a qual, assim como outra que ha do lado direito, estão já minadas para saltarem em caso de necessidade. Sendo já dia claro [13 de Outubro] retirámo-nos para os quarteis. - Pelas duas horas da tarde, tendo-se percebido já que os francezes tentavam algum reconhecimento pelo lado do Sobral, para onde tinhamos as nossas avançadas, principiou-se a ouvir fogo, entre elles e uma avançada ingleza que havia à nossa esquerda: viu-se que um forte corpo de tropas francezas, tomava uma altura junto a um moinho. Eu que tinha sido mandado em observação, dei d’isto parte ao general e ao brigadeiro, e quando elles chegaram era já respeitavel a força inimiga, que se apresentava contra as nossas avançadas. A poucos minutos principiou o fogo com os nossos, pois que os estrangeiros se tinham retirado; e tanto valor mostravam as nossas tropas, que obrigaram os francezes a desistir da tentativa depois de bem destroçados. - Não tive eu a fortuna de tomar parte no calor da acção, porque tinha sido mandado pelo general encaminhar a brigada ao alto da outra parte, pelo caminho que no dia 12 tinha reconhecido para retirada, receiando elle que a isso fossemos depois obrigados. Tivemos a sensivel perda do coronel Harvey commandante da brigada, que na acção ficou ferido, a ponto de lhe ser necessario ir tratar de si com todo o cuidado. Esta perda é geralmente sentida por toda a brigada e mesmo pelos officiaes generaes do exercito. - Á noite tornou o inimigo para as suas antigas guardas; nós não baixámos: fizemos saltar as pontes.”. ( in Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 222).

Ao mesmo acontecimento referiu-se o duque de Wellington nos seguintes termos: “O inimigo atacou hoje [13 de Outubro] os piquetes da divisão do general Cole, ao pé do Sobral, porém não teve muito effeito este seu ataque. Tenho sabido com maior satisfação, que as tropas portuguezas da brigada do coronel Harvey, composta dos regimentos 11 e 23, outra vez se hão distinguido n’esta occasião; o coronel Harvey ha infelizmente ficado ferido, porém espero que o haja sido levemente (...)” (in Claudio de Chaby, Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.237-238).

Ao combate referiu-se igualmente Beresford na sua “Ordem do Dia” de 16 de Outubro:

“Sua Excellencia o Senhor Marechal Commandante em Chefe do Exercito Portuguez, não póde deixar de fazer menção da excellente conduta de hum Piquete Composto de duas Companhias dos Regimentos de Infantaria N. 11 e 23, Commandado pelo Major Miller do ultimo destes Regimentos, em hum choque contra o Inimigo na tarde de 13 do corrente. O Senhor Major General Cole fez a Sua Excellencia os maiores elogios do comportamento desta pequena força contra outra consideravelmente superior, a qual atacou de Boioneta , repulsou e seguio atá á sua reserva. O valor e sangue frio das referidas duas Companhias foi admirável bem como a do Major Miller, e o Capitão Joaquim Telles do Regimento N.11 se distinguio muito. He com o maior pezar, que Sua Excellencia recebeo a participação de que neste choque o Commandante da Brigada, o Senhor Coronel Harvey tinha sido consideravelmente ferido; a perda dos serviços deste excellente Official na presente conjuntura lhe he sensível com particularidade, e S. Excellencia sabe que esta perda não he menos sentida pelos Officiaes e Soldados da Brigada, que conhecem a vantagem que lhe tem resultado de o terem por Commandante” (In “Collecção das Ordens do Dia do Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Guilherme Carr Beresford (…)”, Segundo Anno, Coimbra, na Real Imprensa da Universidade, 1810, Ordem do Dia de 16 de Outubro de 1810, no Quartel Gereral de Enxara do Bispo, pág. 118).

No dia seguinte ainda se registaram alguns recontros esporádicos à volta do Sobral, chegando nesse mesmo dia o grosso do exército francês.
Depressa os franceses se aperceberam da impossibilidade de se movimentarem mais para sul, lutando desesperadamente contra a falta de mantimentos.
A situação era descrita por Wellington nos seguintes termos: “As difficuldades que o inimigo experimenta em procurar subsistencias, o que é devido a elle por haver invadido este paiz sem o apoio de depositos, e sem que adoptasse medidas para segurar a sua retaguarda, ou as suas communicações com Hespanha, o tem posto na necessidade de que os seus soldados se extraviem com o fim de procurarem com que se mantenham, e por isto mesmo não passa dia sem que venham desertores e prisioneiros”( in “officio do marechal general lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz”, de 20 de Outubro, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº74, pp.190 a192).

Rotos, esfomeados, acossados pela guerrilha, as tropas comandadas por Massena iniciaram, em 15 de Novembro, a sua retirada da frente das linhas.

A batalha de Dois Portos foi assim, apesar de pequena, decisiva para impedir que as tropas francesas lograssem romper as Linhas de Torres.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Os homens das posições fortificadas de Torres Vedras

Durante a 3ª Invasão Francesa (1810-1811), mais concretamente entre Outubro de 1810 e Março de 1811,  o território de Torres Vedras foi ocupado por vários regimentos de milícias para guarneceram as posições fortificadas das Linhas de Torres Vedras. À data da sua chegada existiam 12 fortes construídos (Forte de Olheiros, Forte de S. Vicente, Forte da Forca, Forte da Ordasqueira, Castelo, reduto de S. João, Forte do Grilo, Forte da Alquiteira, Forte de S. Pedro da Cadeira, Forte do Paço, Forte das Gentias e a bateria  da foz do Sizandro), guarnecidos pelos Regimentos de Milícias de Alcácer do Sal, Regimento de Milícias de Setúbal,  Regimento de Milícias de Voluntários a Pé de Lisboa Ocidental , Regimento de Milícias de Voluntários a Pé de Lisboa Oriental e uma companhia do Regimento de Milícias de Torres Vedras (as restantes companhias deste regimento guarneciam outras posições das Linhas de Torres Vedras).

Sobre a localização exacta destes regimentos ao longo das doze posições, apenas se sabe que o Regimento de Milícias de Voluntários Reais a Pé de Lisboa Ocidental  guarneceu o forte de S. Vicente. Este regimento, organizado por voluntários de Lisboa em 1809, era comandado pelo coronel José Sebastião Pereira Coutinho e composto por 969 elementos, sendo 661 praças. Por uma carta do comandante do regimento de 24 de Outubro de 1810, verifica-se que este corpo militar estava muito mal armado, na medida em que se pediu 720 armas ao Secretário da Guerra para substituir as existentes, muito danificadas e incapazes para o serviço militar. Nos meses de Outubro e Novembro os soldados voluntários permaneceram acampados no interior do forte, mas a partir de Dezembro até 22 de Março passaram a ficar aquartelados nas casas da então vila de Torres Vedras e sítio do Paúl, nas proximidades do forte.

Para além dos regimentos de milícias, a guarnição dos fortes compunha-se por artilheiros. Os artilheiros tinham duas origens distintas: uns eram artilheiros de linha, ou seja, provenientes das forças regulares, nomeadamente do Regimento de Artilharia n.º 1 e Regimento de Artilharia n.º 2. Com a função de os auxiliar nas manobras e operações da artilharia, o Comandante em Chefe do Exército Português, general Beresford ordenou a criação dos artilheiros ordenanças, compostos por elementos retirados das ordenanças existentes em cada capitania mór. Recebiam treino e formação dos artilheiros de linha  para o apoio nas operações das peças de fogo. Os artilheiros ordenanças (ou milicianos) estavam organizados em 24 companhias que cobriam as duas linhas de defesa. Cada companhia era formada por 1 capitão, 1 alferes, 2 sargentos, 4 cabos e 50 soldados que recebiam por dia 1 pão e 40 réis de soldo. No distrito de Torres Vedras existiam 10 companhias, comandadas a partir de 10 de Setembro de 1810 pelo major de engenharia Lourenço Homem da Cunha de Eça. Após a fim da Guerra Peninsular e o subsequente desartilhamento das Linhas de Torres Vedras a partir de 1818, as companhias de artilheiros ordenanças continuaram a existir com a função de vigilância e conservação das posições fortificadas até ao período das Guerras Liberais (1832-1834).


Fontes:

Arquivo Histórico Militar (AHM)

AHM- DIV-1-14-156-19
AHM-DIV-1-14-354-03
AHM-DIV-1-14-096-025
AHM-DIV-1-14-097-02
AHM-DIV-1-14-096-095




segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Documentos Para O Estudo do Impacto da Guerra Peninsular na Região de Torres Vedras

Há uns anos atrás, estando destacado nos serviços educativos do Museu Municipal Leonel Trindade, resolvi reunir vária documentação existente neste concelho, na sua biblioteca, no museu e no arquivo municipal, com o objectivo de tornar acessível às escolas locais uma vasta informação sobre a situação de Torres Vedras em relação à Guerra Peninsular.
Infelizmente esse levantamento e a sua divulgação ficaram a meio, mercê do meu afastamento dessas funções por imposição do Ministério de Educação de então, que decidiu cortar nos destacamentos.
Ficou a idéia de aprofundar e editar um dia o resultado dessa recolha, mas tal não foi possível até hoje.
Passando hoje o bicentenário da chegada da guarda avançada das tropas de Massena às Linhas de Torres Vedras, penso ser esta a ocasião para divulgar esse material.
A recolha só incluiu materias conhecidos até à década de 90 do século passado. Felizmente nos últimos anos, mercê das comemorações do bicentenário, tem vindo a público um vasto material documental sobre a época, mercê da iniciativa de muitos, em especial do Prof. António Ventura.
Também em Torres Vedras se tem assistido a um conjunto significativo de actos comemorativos e à edição de várias obras historiográficas, destacando-se nesta acção a iniciativa do Dr.Carlos Guardado.
Espero que a divulgação agora e aqui deste material ainda possa ter alguma utilidade e actualidade.

TORRES VEDRAS E AS INVASÕES FRANCESAS –

A documentação que a seguir se reúne teve por objectivo ajudar a preparar convenientemente uma visita à sala do museu Leonel Trindade, dedicada às guerras peninsulares.

Juntamos documentos de vários tipos, lógicamente organizados, que podem igualmente servir de base para qualquer trabalho de investigação feito por alunos dos mais diversos níveis de ensino.

Tendo por centro o impacto dos acontecimentos desse período na região de Torres Vedras, procurámos igualmente incluir textos e documentos que permitam enquadrá-los no âmbito mais vasto da época.

A maior parte das obras citadas existem, ou na biblioteca do Museu Municipal, ou na Biblioteca Municipal, ou no Arquivo Municipal de Torres Vedras.

Esperamos deste modo contribuir para despertar um maior interesse pelo estudo desse período, tão importante na história do país e deste região, mas merecendo infelizmente muito pouco destaque nos progamas de história e, para além de estudos de carácter militar, quase ignorado na recente investigação histórica.

Venerando Aspra de Matos (1998)


1 – Do “Bloqueio Continental à 1ª Invasão Francesa

O “Bloqueio Continental”

“Artº 1 – As Ilhas Britânicas são declaradas em estado de bloqueio.
“Art.º 2 - Todo o comércio e toda a correspondência com as Ilhas Britânicas são proibidos.
“(...)Art.º 4 - Todo o armazém, mercadoria e propriedade seja de que natureza for pertencentes a cidadãos ingleses são confiscados.
“(...)Art.º 6 - É proibido o comércio de produtos ingleses. Todas as mercadorias pertencentes à Inglaterra ou provenientes das suas fábricas ou das suas colónias são confiscadas.
“Art.º 7 - É proibido a entrada em qualquer porto de produtos quer de Inglaterra quer das suas colónias”.
(Decreto de Berlim, Novembro de 1806).

Portugal e o “Bloqueio Continental”

“Decidido a vencer a Inglaterra, que lhe tinha praticamente posto fora de combate toda a marinha de guerra em Trafalgar (1805), impedindo-o, assim, de proteger os numerosos navios com que se propunha invadir a ilha inimiga, Napoleão concebe o Bloqueio Continental. Velho aliado da Grã-Bretanha, era difícil a posição de Portugal, onde numerosa colónia inglesa contribuía para o desenvolvimento comercial do País, particularmente para a exportação do vinho do Porto, uma das nossas grandes fontes de receita nesse tempo. Acrescia ainda a certeza de que, tão depressa Portugal aderisse ao bloqueio, logo as esquadras britânicas se apossariam da Madeira, de Cabo Verde, do Brasil e das colónias africanas, que possivelmente jamais nos seriam restituídas.

“(...) Vendo que o príncipe regente” (D.João) “ não se decidia a fechar os portos do País aos navios ingleses, nem a expulsar estes de Portugal, ao mesmo tempo que tomava atitudes de baixa subserviência para com ele, imperador,”(Napoleão) “,resolve concertar com a Espanha um plano de invasão de Portugal.

“(...) em 12 de Agosto de 1807, o encarregado dos Negócios da França em Lisboa fazia chegar ao Governo Português uma nota a exigir que se declarasse a guerra à Inglaterra até 1 de Setembro, todos os portos fossem fechados aos navios britânicos, os navios de guerra portugueses se juntassem à esquadra franco-espanhola e todos os ingleses residentes ficassem detidos, com confisco das suas propriedades (...). Hesitante, o Governo Português apelou para o Gabinete de Londres, que respondeu dizendo tolerar o encerramento dos portos desde que em Portugal não entrassem tropas francesas nem espanholas. Quanto à prisão dos súbditos britânicos e sequestro dos seus bens, negou-se o Governo de Lisboa a fazê-lo, por ver nisso um atentado à honra e à religião professada pelo País. Nada tendo Lisboa resolvido até meados de Setembro no sentido de dar cumprimento ao ultimato franco-espanhol, o encarregado dos Negócios da França e o embaixador da Espanha receberam ordem para abandonar o País no dia 30. Entretanto, durante o mês de Outubro, prosseguiram as negociações entre Napoleão e Godoy, até que no dia 27 se assinou o célebre Tratado de Fontainebleau, entre a França e a Espanha, para a partilha de Portugal: a província de Entre Douro e Minho, constituindo o reino da Lusitânia Setentrional, com o Porto por capital, caberia ao rei da Etrúria, recentemente desapossado do seu reino por Napoleão; o Alentejo e o Algarve formariam o principado dos Algarves, que seria entregue ao Príncipe da Paz”( D. Manuel Godoy, favorito dos reis de Espanha)”; as restantes províncias ficariam em poder da França até à paz geral, decidindo-se então o seu destino. Dez dias antes, porém, da assinatura do tratado, Napoleão ordenava ao general Andoche Junot, comandante do corpo de observação da Gironda, com 25 000 homens, que entrasse imediatamente em Espanha, onde se lhe reuniriam as tropas espanholas para a invasão de Portugal. Nos princípios de Novembro, com um tempo horrível de chuva e vento, chegaram os Franceses a Salamanca, onde já tinham ordens do imperador para não esperarem pelos Espanhóis e seguirem imediatamente a caminho da capital portuguesa. Receava Napoleão, por um lado, que as tropas inglesas pudessem desembarcar em Lisboa e ocupar o País e, por outro, que a família real saísse para o Brasil, pondo-se fora do seu alcance. Junot, em marcha forçada, cruza a fronteira a 19 de Novembro, em condições deploráveis de abastecimento, chegando os seus soldados a Castelo Branco como horda de famintos malfeitores, saqueando a cidade.”

(António Álvaro Dória, “PENINSULAR, Guerra (1807-1813), in Dicionário de História de Portugal, Vol. V , pp.47 a 51, 2ºed., p.47) .

Início da Primeira Invasão

“Não se fizera ao acaso o projecto da grande expedição que em Novembro de 1807 penetrou em Portugal, sob o comando do general Junot (...). No ano de 1805 fora embaixador em Lisboa e aqui estabeleceu relações que lhe fizeram conhecer o estado político e militar do País. Do exército que no prazo de dois meses reuniu em Baiona faziam parte outros chefes com experiência da Península, onde haviam participado na campanha de 1801. Um grupo de engenheiros elaborou relatórios e plantas sobre as vias de comunicação e as fortalezas, de modo a informar Junot das capacidades reais de Portugal em matéria de defesa e de víveres. Tudo se estabeleceu para uma conquista fácil do território, crendo-se na submissão passiva dos habitantes e que o exército português, desprovido de recursos, não oporia resistência ao invasor.

Variam os cálculos quanto aos efectivos do exército de Junot, mas pretende-se que atingiam 25 000 homens de infantaria e 3 000 a 5 000 de cavalaria. Era uma força considerável, a que se deviam juntar os 8 000 infantes e os 3 000 cavaleiros espanhóis a quem, por força do Tratado de Fontainebleau, se incumbia a tarefa de invadir o Minho e o Alentejo. Mas o plano de Napoleão sofreu vários contratempos que se fizeram sentir na estratégia francesa. Na travessia da Espanha não foi possível recolher os víveres necessários, pelo que os soldados chegaram à fronteira em péssimas condições de subsistência. Também a zona da Beira Baixa não dispunha de recursos bastantes para alimentar tantos milhares de homens, o que conduziu a duras pilhagens desde Salvaterra do Estremo até Castelo Branco. Não foi mais fácil a caminhada para Abrantes, com a difícil passagem do Zêzere, perante a desolação da terra e a pobreza dos habitantes. Ainda com a agravante de que o Inverno se mostrava de grande inclemência, pelo que os soldados chegaram a Abrantes a 22 de Novembro, quase todos famintos e rotos.

“(...) Não era um exército organizado o que ia à conquista de Lisboa, mas 1500 homens em bandos, quase todos andrajosos e fatigados pelos rigores da chuva e do frio. No dia 29 chegavam a Sacavém, onde se lhe juntaram tropas mais frescas idas de Torres Novas e de Santarém. (...) E foi num desfile pouco marcial que a expedição penetrou no dia seguinte em Lisboa, sem manifestações hostis que dessem azo a qualquer incidente.

“(...) O general instalou-se no palácio do barão de Quintela, na rua do Alecrim, enquanto as tropas se alojaram nos principais conventos e os oficiais superiores em casa particulares.

“(...) Numa estratégia combinada com a França, também o exército espanhol atravessou as fronteiras do Alentejo e do Minho. No primeiro caso dirigiu-se à foz do Sado, para dominar o Baixo Alentejo e a península de Setúbal, enquanto outro corpo militar passava a Andaluzia para tomar conta do reino do Algarve.”

(Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1807-1832) , vol. VII, ed. Verbo 1983, pp. 20 a 23).

Fuga da Corôa Portuguesa

“(...) o príncipe regente, ao ter conhecimento de que Napoleão decretara a invasão de Portugal, tomado de pânico, fez saber ao imperador que iria cumprir à letra as disposições do bloqueio; em 30 de Outubro declarou guerra à Grã-Bretanha e no mês imediato mandou prender os ingleses que ainda aqui se encontravam, embora Lorde Stangford, o embaixador, continuasse em Lisboa. De regresso a Portugal, o nosso embaixador em Paris informou ter-se encontrado em Burgos com as tropas de Junot, enquanto a esquadra de Sir Sydney Smith bloqueava a foz do Tejo, sendo para lá que se retirou finalmente Lorde Strangford, que mandou entregar ao príncipe regente o exemplar de Le Moniteur de 30 de Outubro, com o decreto pelo qual Napoleão I bania a Casa de Bragança de reinar em Portugal. Mas, no dia 25, o tenente-coronel Carlos Frederico Lecor chegava a toda a pressa com a notícia de se encontrarem os Franceses em Abrantes. Convocou então o príncipe o Conselho de Estado, que após discussão acalorada, emitiu o parecer de que a família real devia embarcar imediatamente com destino ao Brasil, o que se fez no meio da maior confusão, tendo-se levado para bordo muitas preciosidades, que não voltaram a Portugal. Na hora da partida, D. João nomeou um Conselho de Regência, de cinco membros e dois secretários, mandando afixar editais a aconselhar o povo a receber os Franceses como amigos, para evitar represálias. A 27 embarcava finalmente toda a família real, saindo os navios portugueses, sob a protecção dos canhões da esquadra britânica, só no dia 29, dia em que Junot era cumprimentado em Sacavém por uma deputação do conselho de Regência e outra da Maçonaria Portuguesa. No dia imediato entrou o general em Lisboa, à frente de 1500 homens (...)”.

(António Álvaro Dória, “PENINSULAR, Guerra (1807-1813), in Dicionário de História de Portugal, Vol. V , pp.47 a 51, 2ºed., p.48).


2 – Portugal sob o domínio de Junot

A Igreja Perante o Invasor

“Não temais amados filhos, vivei seguros em vossas casas e fora delas; lembrai-vos que este exército é de sua magestade o imperador dos franceses e rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos; vós o sabeis, o mundo todo o sabe; confiai com segurança inalterável neste homem prodigioso, desconhecido de todos os séculos: Ele derramará sobre nós as felicidades da paz se vós respeitardes as suas determinações, se vos amardes todos mutuamente, nacionais e estrangeiros, com fraterna caridade... Tornamos finalmente a recomendar muito a todos os párocos nossos coadjutores, e mais clero deste patriarcado, e até lho pedimos pelas entranhas de Jesus Cristo, que concorram quanto lhes for possível para esta união em todas as ocasiões e lugares”
(Pastoral do Cardeal Patriarca de Lisboa, de Dezembro de 1807, citada por Luz Soriano).

Um dos primeiros decretos do governo francês

“(...) Todo o Cão, que se achar sem dono ou conductor, poderá logo ser morto por aquelle que o encontrar, pertencendo neste caso a pelle ao matador
“(...) Os Regulamentos, que prohibem conduzir Vacas e Cabras pelas Ruas de Lisboa depois das onze horas do dia, para se mugirem ás portas das Casas, são igualmente renovados com as Multas, e Penas nelles mencionadas.
“(...) He igualmente prohibido que se deixem vagar pelas Ruas, e encruzilhadas Bois, Vacas, e Cabras sem Campainha, sob pena de serem tomadas, e confiscadas em beneficio dos Hospitais(...)”.
(Edital publicado pelo Intendente Geral da polícia de Lisboa e do Reino de Portugal, P. Lagarde, em 8 de Abril de 1808).

Torres Vedras e a 1ª Invasão

“Torres Vedras (...) foi a primeira em participar da consternação e saudade justamente excitadas pela ausencia do nosso adorado Principe. Quando os habitantes começavam a lamentar-se de tamanha perda, nos primeiros dias de dezembro de 1807, logo no dia 6 do mesmo mez de improvizo foram constrangido a franquear quarteis, e munições de bôcca para a tropa de mais de duas brigadas, ou de quasi toda a segunda divisão, cujo commando ainda então estava (como o fóra pela marcha) provisoriamente no Brigadeiro Charlot, que o largou logo nos dias seguintes ao General Loison posteriormente chegado de França. No dia 8 do mesmo mez adiantou-se para a Praça de Peniche o General de Brigada Thomiers com dois batalhões, e passados alguns dias retrocederam dois para Mafra, onde Loison estabeleceo ordinariamente o seu Quartel General, e permaneceram aqui fixos os dois Batalhões dos regimentos 12 e 15 de infantaria ligeira, que avultavam a perto de tres mil homens, debaixo das immediatas ordens do Brigadeiro Charlot.
“Nos primeiros dias padeceo esta Villa não só os gravissimos incommodos do alojamento, mas quasi todo o pêso das requisições para a inteira subsistencia da tropa; ainda mesmo depois que o seu fornecimento esteve á conta dos contractadores, continuou a haver diversas requisições para o tractamento dos generaes, entre os quaes se distinguio pela parcimonia, e desinteresse o mencionado Charlot, merecendo por isso, e pelas disposições pacificas, que constantemente mostrou, ser com justiça reputado o mais humano dos Empregados Francezes, que vieram a Portugal.
“A sua moderação contribuio em grande parte para a gloria, de que com ufanía póde jactar-se esta Villa, de haver negado o menor obsequio público, ao intruzo Governo Francez, de que não podem desvanecer-se outras maiores Povoações, que aliás não gemiam debaixo da força militar. Igualmente contribuio ella para nunca se interromperem as funcções do Culto, nem mesmo a do Natal, e para se fazerem com boa ordem, e até com esplendor. Quando chegou o tempo mais quente, fez o general alleviar a Villa d’algum pêzo de tropa, mandando destacar duas Companhias para a Lourinhã, e duas para o logar do Turcifal: Em fim nos ultimos dias de Maio levantou-se o quartel do General Charlot, quando partio com o Batalhão do regimento 12, e com os outros, que estavam em Mafra, para a frustrada expedição do Douro e Porto, commandado por Loison. Pelo mesmo tempo se transferio o Batalhão do Regimento 15 para Mafra, e veio para aqui um dos alojados na Praça de Peniche, de que era Commandante o Major Bertrand, o qual apenas se demorou um dia. Desde então ficou esta Villa alleviada de tropa effectiva; mas não deixou de ser frequentada, e incommodada por alguns destacamentos, pelo transito dos Officiaes do Estado Maior, e tambem de varios corpos do Exercito.”
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.164 a 171).

Memórias de um membro da élite Torriense

“Estava eu”(Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato) “com toda a família, na Quinta Nova” (em Matacães) “(...).Alli nos chegou a noticia do embarque da Familia Real e da entrada dos francezes em Lisboa. Meu irmão e eu (...) assentámos em ficar aquelle inverno” (de 1807) “ no campo, sem virmos para Lisboa, como costumavamos vir todos os annos. Assim o fizemos e, permanecendo alli por todo otempo que os francezes estiveram em Portugal, escusado é dizer que nem tivemos nem desejámos ter influencia alguma no seu Governo. Apenas tivemos a comunicação necessaria ou de civilidade com o General Charlot, que residia em Torres, e com os poucos officiaes que mais viviam com elle. Tambem vimos o general Loison, que por alli passou na sua espedição das Caldas da Rainha; não vimos mais nenhum General nem outro empregado, e até ao mez de Agosto seguinte” (de 1808) “não tivemos incommodo ou susto algum, porque Charlot não era mau homem e queria conservar a paz e o socego”.
(Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato (...) (1777 a 1826), ed. revista e coordenada por Ernesto de Campos de Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.52)

Imposto de Guerra

“ No dia 4 de Fevereiro de 1808 foi divulgada a ordem de Napoleão, dada em Milão a 23 de Dezembro anterior, para se lançar em Portugal, por efeitos da guerra, um imposto extraordinário de 100 milhões de francos. Devia a contribuição servir de resgate de todas as propriedades que eram pertença de entidades particulares; e seria repartida por provincias e cidades, de acordo com “as posses de cada huma”. Incidia sobre os rendimentos em matéria tributária que cabiam ao Estado. A cobrança era imediata, sendo objecto de confisco os bens da Casa real e os dos fidalgos que, tendo seguido para o Brasil, não voltassem ao Reino até 15 de Fevereiro. O que era de todo impossível, mesmo que algum o quisesse ou sonhasse fazer.
“Como consequência deste decreto, o general francês lançou sobre o Reino uma contribuição de 40 milhões de cruzados, dando já por recebidos os 2 milhões que cobrara desde a entrada do seu exército.”
(Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1807-1832) , vol. VII, ed. Verbo 1983, pp. 30-31).

Valor do imposto de guerra a pagar pelas vilas da comarca de Torres Vedras

“Derrama sobre as villas da comarca de Torres Vedras, por ordem da Junta do Comércio de 8 de Abril de 1808”(em réis)

Torres Vedras 3000$000

Julgado da Ribaldeira 1200$000

Sobral de Monte Agraço 200$000

Villa Verde 60$000

Lourinhã 400$000

Cadaval 800$000

Enxara dos Cavaleiros 200$000

Gradil e Fanga da Fé 200$000

Ericeira 400$000

Reguengo da Carvoeira 80$000

Colares 500$000

Cascais 500$000

Bellas 100$000

Mafra 360$000

TOTAL 8000$000

(Fonte: Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 17 de Abril de 1808, ff.164 e 164 v.)

Valor do imposto de guerra a pagar pelas vintenas do concelho de Torres Vedras

“Cobradores particulares das vintenas de Torres Vedras para a contribuição e derrama ordenada pelo decreto de 1 de Fevereiro de 1808 e respectivo valor”

VINTENA, COBRADOR, VALOR (réis)

Runa, João Rodrigues Colares de Runa 140$000

Matacães, João Rodrigues Colares de Runa 60$000

Ribeira de Matacães, João Rodrigues Colares de Runa 12$800

Carvoeira, José Gonçalves da Carvoeira 70$000

A da Rainha, José Gonçalves da Carvoeira 40$000

Zibreira, Severiano José Lopes da Zibreira 30$000

Panasqueira, Severiano José Lopes da Zibreira (nada)

Monte Redondo, José Gonçalves de Monte Redondo 20$000

Ermegeira, José Gonçalves de Monte Redondo 19$200

Póvoa e Maceira, Luís Paulo de A dos Cunhados 12$800

A dos Cunhados, Luís Paulo de A dos Cunhados 12$800

Maxial, Joaquim dos Reis do Maxial 30$000

Aldeia Grande, Joaquim dos Reis do Maxial 3$200

Vila Seca, Joaquim dos Reis do Maxial (nada)

Fonte Grada, Miguel Alves da Ponte do Rol 20$000

Ponte do Rol, Miguel Alves da Ponte do Rol 60$000

Varatojo, Capitão Jacinto da Serra da Villa 20$000

Serra da Villa, Capitão Jacinto da Serra da Villa 12$800

Carvalhal, Cipriano José dos Santos do Carvalhal 100$000

Turcifal, Luís António, dizimeiro do lugar do Turcifal 250$000

Melroeira, Luís António, dizimeiro do lugar do Turcifal 50$000

Mugideira, Luís António, dizimeiro do lugar do Turcifal 30$000

Cadriceira, Luís António, dizimeiro do lugar do Turcifal 12$800

Enxara do Bispo, António Martins, cirurgião desse lugar 80$000

Azoeira, António José da Quinta 150$000

Vermoeira, José Arantes da Vermoeira (nada)

Sobral d’ Abelheira, José Esteves, sombreireiro desse lugar 40$000

Freiria, Francisco José da Silva 200$000

Sarreira, António Simões do lugar dos Chãos 100$000

S. Mamede, José Joaquim da Moçafaneira 80$000

Zimbral, Bernardino da Serra de Secarias 100$000

Lobagueira, Tomás Bernardes desse lugar 100$000

Barril, Pedro Francisco Sardinha 20$000

Villa Facaia, Mateus Rodrigues do Ameal 6$400

Ramalhal, Mateus Rodrigues do Ameal 60$000

S. Sebastião, (desconhecido) 70$000

S. Pedro da Cadeira, (desconhecido) 80$000

Villa de Torres Vedras, (desconhecido) 907$200

TOTAL 3000$000

(Fonte: Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 30 de Abril de 1808, ff.166v. a 170v.)

3 - Insurreição do reino, em 1808, contra o domínio Francês

Inicio da Insurreição - 1

“Poderíamos pensar que o perigo que a nacionalidade portuguesa corria provocara muito cedo uma reacção patriótica. Não nos parece o caso. Na verdade, até final de 1807, e mesmo até à Primavera de 1808, ficamos sobretudo surpreendidos pela passividade, pela indiferença daquilo a que ousamos chamar a opinião pública (...). Por ocasião da entrada das tropas francesas, no final de 1807, foi respeitada a ordem dada pelo príncipe regente de as acolher bem. O comportamento das classes dirigentes foi essencialmente neutral.
“Pelo contrário, o primeiro incidente importante foi de origem popular. O próprio general Foy descreveu como a substituição da bandeira portuguesa pela bandeira francesa, a 13 de Dezembro de 1807, no Castelo de S. Jorge, provocou uma manifestação em Lisboa. Em Junho de 1808, o chefe da polícia francesa, Lagarde, referia por diversas vezes o papel predominante da “classe baixa” na agitação, enquanto o clero, a nobreza e os magistrados eram considerados como de boa conduta. De qualquer forma, é claro que a hostilidade para com os franceses não parou de crescer à medida que a ocupação se prolongava. As dificuldades económicas originadas pela presença francesa, as exigências financeiras da administração de Junot, são suficientes para o explicar. Da mesma forma, a incontestável manifestação patriótica de 1808 seguiu-se aos acontecimentos ocorridos em Espanha”.
(Albert Silbert, Portugal na Europa Oitocentista, ed. Salamandra, 1998, pp. 17-18).

Inicio da Insurreição - 2

“A insurreição de Madrid, o famoso “dos de mayo,” (2 de maio de 1808) “deu sinal à insurreição portuguesa que, iniciada no norte começou a estender-se até ao sul”
(Charles-Alphonse Raeuber, Les Renseignements, La Reconnaissance et Les Transmissions Militaires Du Temps de Napoleon - l’exemple de la troisième invasion du Portugal - 1810, ed. Comissão Portuguesa de História Militar, Lisboa 1993, p.11)

Desenvolvimento da Insurreição - 1

“A primeira revolta contra o invasor foi desencadeada a 27 de Janeiro de 1808 em Caldas da Rainha, culminando a crescente tensão do relacionamento entre a população dessa vila e as tropas francesas aí estacionadas. A revolta foi esmagada a 5 de Fevereiro pelas divisões de Thomiers e Loison, julgando e condenando-se à morte 15 “paisanos” portugueses. Destes, cinco conseguiram fugir e um foi perdoado por estar ferido. Os restantes foram fuzilados.
“Esta revolta foi um movimento isolado, mas precursor do grande movimento nacional que se iniciaria em Junho.
“Foi a 4 de Junho que se registaram os primeiros motins, que tiveram lugar em Chaves, mas foi no Porto que começou o movimento decisivo que levou à proclamação da restauração.
“Assim sucedeu em 6 de Junho de 1808, num movimento conspirativo chefiado pelo general espanhol Ballestra, no qual tomaram parte elementos do Senado da Câmara, da Relação e do Governo das Armas.
“É interessante registar ter sido o mesmo contigente que colaborou na ocupação militar do norte a desencadear a revolta nacional contra o exército francês.
“Esta primeira revolta do Porto malogrou-se devido à acção do brigadeiro Luís de Oliveira Osório e de alguns magistrados.
“Contudo, esmagada essa rebelião, logo que se afixavam os editais anunciando a reposição no poder de Junot, a 18 de Junho, a população do Porto começou a rasgá-los, pronunciando os primeiros vivas à restauração e tomando rapidamente conta da cidade.
“A revolta do Porto propagou-se rapidamente ao Minho e a Trás-os -Montes, num rápido contágio que se ficou a dever à insuficiente cobertura militar daquelas províncias por parte das tropas invasoras e à resistência das autoridades locais em aplicarem os decretos e editais sobre desarmamento.
“Outros dois focos regionais importantes da revolta foram Coimbra e o Algarve, enquanto que a libertação do Alentejo, iniciada em 19 e 24 de Junho, respectivamente em Vila Viçosa e Beja, parece ter estado directamente relacionada com a revolta em Espanha.”.
(Venerando A . de Matos, A Insurreição de 1808, trabalho inédito, 1997).

Desenvolvimento da Insurreição - 2

“(...) no dia 11” (de Junho) “ o tenente-general Manuel Gomes de Sepúlveda, governador-das-armas de Trás-os-Montes, soltou, por sua vez, o grito de revolta, organizando-se uma Junta, a que presidiu. (...) no dia 20 se dá nova sublevação no Porto, onde se organizou uma Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, presidida pelo bispo da diocese”
(António Álvaro Dória, “PENINSULAR, Guerra (1807-1813), in Dicionário de História de Portugal, Vol. V , pp.47 a 51, 2ºed., p.49).

A Insurreição vista de Torres Vedras

“(...) principiaram a chegar pouco a pouco” (a Torres Vedras) “ as noticias de que a expedição do general Loison se tinha malogrado, e que as provincias do Norte se davam as mãos para destruir o intruzo governo, e proclamar o nosso legitimo Soberano; soube-se depois, que este heroico enthusiasmo já chegava á Cidade de Leiria, e que bem depressa as outras Povoações da Extremadura, ainda opprimidas pelo inimigo, poderiam patentear os seus verdadeiros sentimentos. Esperava-se com impaciencia a aproximação do exercito Nacional, auxiliado com o socorro que se dizia chegado d’Inglaterra, mas a demora, e a incerteza das noticias concorriam para a geral anciedade”
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 171).

4 – O Auxilio Britânico

Motivações para o auxílio Britânico

“O movimento insurrecional limpára de francêses uma grande parte do nosso litoral.
“A sua influência, devido ao levantamento, achava-se limitada ás visinhanças de Lisbôa, que muito lhes importava conservarem em seu poder, á praça de Peniche, baluarte da costa, e ás praças fronteiriças de Elvas e Almeida, atalaias da Espanha, para onde era preciso assegurar a retirada, bem dificil a esse tempo, em consequencia da derrota de Dupont e do retrocesso do rei José para o Ebro.
“Era pois, chegado o momento oportuno para a intervenção inglêsa na Peninsula. Compreendendo-o bem, deliberou o gabinete britanico enviar ás duas nações peninsulares subsidios valiosos em armas, munições e dinheiro, de que muito se carecia; e preparou-se para tentar um esforço supremo, enviando á Iberia um forte exército, não inferior a 30:000 homens.
“(...) Os corpos de exército que o govêrno do Reino Unido tinha disponiveis, nos fins de Julho, eram:
“Os 8:800 homens comandados pelo tenente general sir Arthur Wellesley, depois lord Wellington, general experimentado e precedido já duma grande e fundada reputação militar, corpo que fóra organizado para socorrer as colonias americanas da Espanha; quasi 5:000 homens da chefia do general Spencer, premitivamente destinados a desembarcarem em Cadiz; 10:000 do comando do tenente general sir John Moore, que voltava do Baltico, onde nenhuma tentativa tinha podido fazer; duas brigadas – 5:000 homens- que tinham por chéfes os generais Anstruther e Ackland, prontas a marchar, para onde a sua acção fòsse necessaria
“Todas estas tropas receberam ordem de se aproximarem da costa ocidental da Peninsula, tendo por objectivo auxiliarem ao mesmo tempo a Espanha e Portugal na guerra sem tréguas contra a França.
“O general Beresford, que ainda ocupava a Madeira, era intimado a, sem desguarnecer completamente aquela ilha, seguir imediatamente para o continente, com os elementos de que podesse dispôr.
“O comando superior do exército de operações era dado ao general sir Hew Dalrymple, governador de Gibraltar, sendo nomeado chéfe do estado maior, o tenente general, sir Harry Burrard.
“A escolha de Dalrymple para o desempenho de tão elevado cargo, pondo de parte Wellesley cuja reputação e talento estavam confirmados, foi consequencia do extremado zelo que manifestou no sul da Espanha, no govêrno de Gibraltar.
“Como prova da mais assentuada confiança no movimento espanhól, desejava o govêrno britanico que o exército, enviado á Peninsula, estabelecesse a sua base de operações num dos pontos de Cadiz ou Corunha. Opuzeram-se os espanhóis, (....) deliberando o gabinete de Londres, em presença da formal recusa por parte da Espanha, que se tomasse Lisboa como base.
“A esta providencial circunstancia se deveu, sem duvida, o completo exito, da primeira parte da campanha do exército anglo-luso.
“Desde que os francêses fossem expulsos da capital portuguêsa, onde haviam concentrado a sua principal resistencia, mais facil era depois limpar o País do inimigo, e auxiliar mais tarde a Espanha pela fronteira terrestre de Portugal”.
(Coronel Ferreira Gil, A Infantaria Portuguesa na Guerra da Peninsula, Primeira Parte, Lisboa 1912, pp.253 a 255).

O Início do auxílio Britânico

“(...) sir Arthur Wellesley, embarcando em Cork (...) no dia 12 de julho a bordo da nau Donegal, passou no dia 13 para bordo da fragata Crocodillo, e n’ella seguiu viagem para a Corunha, onde chegou a 20 do mesmo mez. Conferenciando ali com a respectiva junta governativa, por ella foi informado da desastrosa batalha do Rio Secco, em que os francezes (...) tinham completamente derrotado no dia 14 os exercitos da Castella e da Galliza (...). Apesar d’isto Wellesley, sondando a junta, para saber d’ella se queria alguma cousa do exercito do seu commando, a resposta que ella terminantemente lhe deu foi a de que não precisava do socorro das suas tropas, mas que só queria ser fornecida o mais breve possival de armas, munições e dinheiro.(...) a mesma junta exprimiu tambem o seu vivo desejo de que as tropas inglezas fossem empregadas em expulsar os francezes de Portugal, persuadida de que os hespanhoes do norte e do meio dia da peninsula não alcançariam jamais vantagens decididas (...) emquanto estes” (os franceses) “ não fossem expulsos de Portugal (...). Finalmente a dita junta acrescentou mais que lhe parecia de vantagem que o desembarque das tropas inglezas se fizesse ao norte de Portugal (...) aproveitando o auxílio das tropas portuguezas que o governo do Porto tinha reunido nas vizinhanças d’esta cidade. Vê-se por conseguinte que os hespanhoes queriam evidentemente subtrahir o seu paiz aos males que geralmente andam inherentes ás marchas e operações de um exercito estrangeiro em campanha (...). Sobre Portugal queriam portanto que pesasse aquelle onus, de que por este modo se livraram, habilitendo-se aliás a recolher as vantagens”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp.365-366).

Plano Britânico para Portugal

“O seu plano de campanha comprehendia (...) tres principaes objectos : 1.º, seguir sempre o litoral, não só para ter sempre livres as suas communicações com a esquadra, mas tambem para evitar diminuir a força do seu exercito, tirando d’elle numerosos destacamentos, de que em tal caso seria necessario priva-lo, para guardarem os armazens que teria de estabelecer á beiramar, e finalmente para favorecer o desembarque dos reforços que esperava lhe viessem em breve de Inglaterra; 2.º, ter as suas tropas sempre reunidas, para que podessem descarregar um duro golpe contra o inimigo, quando as circumstancias lh’o permitissem; 3.º. effeituar esse golpe o mais perto possivel da cidade de Lisboa, para que os negocios de Portugal fossem promptamente decididos”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p.373).

Escolha do local de desembarque

“A 26 de Junho de 1808 os estudantes de Coimbra ocuparam o forte da Figueira da Foz, na embocadura do rio Mondego.Deste modo, no princípio do mês de Agosto, o general Wellesley, o futuro duque de Wellington, encontrava um lugar para desembarcar as forças expedicionárias britânicas”.
(Charles-Alphonse Raeuber, Les Renseignements, La Reconnaissance et Les Transmissions Militaires Du Temps de Napoleon - l’exemple de la troisième invasion du Portugal - 1810, ed. Comissão Portuguesa de História Militar, Lisboa 1993, p.11)

O Desembarque das tropas inglesas em Portugal

“Wellesley (...), deixando a Corunha no dia 22” (de Julho de 1808) “, para no dia seguinte se ir juntar á frota britannica que já por então se achava na altura do cabo Finisterra.
“Chegado que foi á esquadra, em breve a tornou a deixar, para se dirigir ao Porto, a fim de ir ali conferenciar com o bispo d’aquella diocese e os officiaes generaes, commandantes das tropas portuguezas. Esta conferencia teve logar no dia 24 de Julho (...). No dia 25 Wellesley tornou-se a runir á frota, que novamente deixou durante a noite para conferenciar com o almirante sir Carlos Cotton em frente da embocadura do Tejo.
“(...) Da conferencia entre o general e o almirante inglez resultou assentar-se que o desembarque das tropas britannicas se effeituasse junto á foz do Mondego, por se julgar impraticavel effeitua-lo junto á foz do Tejo, em Cascaes, ou perto do cabo da Roca, pellas difficuldades que para isto offerecia a muralhada do mar, o estado das fortalezas da barra, os promptos recursos que o inimigo tinha por si em Lisboa, e a natureza desfavoravel da costa.
“Tomado que foi o mencionado accordo, Wellesley deixou a esquadra em frente do Tejo no dia 27, indo-se no dia 30 reunir á frota dos seus transportes na altura do Mondego.
“(...) O vento de oeste, que soprava rijo, o marulho ou vagalhão do mar, que rebentava fortemente no mar, o escarpado da costa ao norte, perto de Buarcos, e os parceis ao sul, perto de Lavos, impacientavam grandemente o general Wellesley, pelas dificuldades que oppunham a fazer-se o desembarque com a rapidez desejada, pois que começando no ´(...) dia 1 de agosto, só se effeituou na totalidade no dia 5, em que tambem ali chegava o general Spencer, cujas tropas só nos dias 7 e 8 poderam igualmente desembarcar, por continuarem ainda os mesmos embaraços que ficaram mencionados (...).
“(...) No dia 10 largou a vanguarda do exercito inglez das margens do Mondego, dirigindo-se para Pombal, onde no dia 11 se reuniram os differentes corpos do (...) exercito portuguez, o qual fez no dia 12 em Leiria a sua juncção com o exercito portuguez.N’esta cidade novas contestações se levantaram entre o general portuguez e o inglez (...), allegando Bernardim Freire ao general inglez que, não se marchando sobre a Beira, não tinha pão para dar aos seus soldados, e querendo que o acompanhasse pelo litoral, forçoso era em tal caso que (...) Wellesley lhe garantisse a subsistencia das suas tropas, para estas o poderem acompanhar nas suas operações. Com toda a rasão se negou a isto o general inglez, porque se um exercito portuguez não achava meios de se poder sustentar no seu proprio paiz, muito menos os poderia um exercito inglez, que pelo caracter de auxiliar devia ser sustentado á custa d’esse paiz que vinha libertar (...). No meio d’este embate de opiniões diversas, Wellesley julgou por melhor dispensar o auxilio de Bernardim Freire, a quem sómente pediu lhe cedesse 1:600 homens, em que entravam 260 cavallos (...). Deixando pois em Leiria o general portuguez com as suas tropas para vigiar as forças de Loison, que se achavam alem da serra de Minde, Wellesley marchou no dia 13 de Leiria para a Calvaria, chegando no dia 14 a Alcobaça, onde recebeu pão e cevada, desembarcados nas praias da Nazareth.
“(...)No dia 15 marchou sir Wellesley da villa de Alcobaça para a de Caldas, onde fez alto no dia 16, para tornar a receber os mantimentos que lhe vieram da Nazareth “.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp.366 a 374).

5 – Os Franceses na defensiva

Junot prepara a defesa

“(...) Junot, soubera elle no dia 2 de agosto do desembarque dos inglezes junto da Figueira. As suas forças, subindo a 26:000 homens, achavam-se por então consideravelmente dispersas: Loison com a sua divisão de uns 5:000 a 6:000 homens, com 40 cavallos e 6 peças de artilheria, ainda por aquelle tempo estava pelo Alemtejo, d’onde o mesmo Junot o mandou apressadamente retirar para Abrantes (...), indo entrar n’aquella praça no dia 9 de agosto, e no dia 11 em Thomar (...).
“(...) foi o general Delaborde (...) mandado ao encontro do exercito inglez, saíndo de Lisboa no dia 6 de agosto, levando debaixo das suas ordens os generaes Thomiers e Brenier, com dois esquadrões do regimento nº26 de caçadores a cavallo e cinco peças de artilheria. O coronel Vincent, commandante dos engenheiros do exercito francez, seguiu a columna com os officiaes da sua arma, para reconhecer o paiz onde as tropas francezas tivessem de combater. Delaborde seguiu a estrada real de Villa Franca a Alcoentre, e Thomiers a de Torres Vedras a Obidos e Alcobaça. No dia 11 de agosto as avançadas francezas achavam-se na Batalha, entrando o general Loison n’este mesmo dia em Thomar. Com a approximação do exercito inglez Delaborde ladeou com a sua divisão para Alcobaça, d’onde retirou para Obidos no dia 12, quando soube que os exercitos portuguez e inglez se tinham reunido em Leiria. (...). A 14 tomou posição para combate junto ao logar da Roliça, a uma legua para a retaguarda de Obidos, na direcção de Lisboa, postando um batalhão de vanguarda junto de um moinho, que lhe ficava para a esquerda de Arnoya, e destacando tambem tres companhias do regimento nº70 para o Bombarral, Cadaval e Segura, a fim de ligar as suas operações com as do general Loison (...).
“Das Caldas tinha o general Wellesley mandado para Obidos, a fim de explorar a estrada, quatro companhias de riflemen, que junto ao moinho lateral de Arnoya se foram lá encontrar com o batalhão de vanguarda franceza, que d’alli fôra repellido e se retirou, indo postar-se na frente do logar da Roliça, depois de ter occasionado aos inglezes a perda de 29 homens, em que entraram 21 prisioneiros ou extraviados. No dia 16 Wellesley mandára fazer alto para se assegurar das praias da Nazareth, d’onde lhe vieram os viveres de que precisava, e que o obrigaram a uma paralysação de movimentos, não obstante saber que n’esse dia se deveria reunir o general Loison com o general Delaborde”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp.375 a 377).

Batalha da Roliça

“Desde que Wellesley entrara em Alcobaça, cortára inteiramente as communicações entre aquelle” ( general Loison) “e o general Delaborde, e collocado o mesmo Wellesley entre as divisões de um e outro general francez, alguem pensou que, a virar-se contra Loison, desde que de Alcoentre marchára a reunir-se a Delaborde, facil lhe seria derrotar as suas forças, perseguidas como estavam sendo por quasi todos os lados, e voltar-se depois contra Delaborde, a quem tambem faria o mesmo. Entretanto Wellesley, não julgando prudente abandonar o litoral pelos reforços de gente e viveres que lhe vinham da esquadra, nada lhe importou com a divisão de Loison, cuidando só em se adiantar para Lisboa pela estrada da beiramar. Delaborde, pensando em lhe embaraçar a marcha, foi tomar posição nas alturas e desfiladeiros da Roliça e Columbeira, que para a parte da capital ficam por detrás da villa de Obidos.
“Por esta fórma pôde o general francez disputar vagarosamente o terreno ao general inglez, ganhando assim o tempo de que precisava para lhe reunirem os generaes Junot e Loison.
“(...) Demorando na passagem do rio de Sacavem, por terem os seus moradores destruido a ponte, Junot chegou a Villa Franca de Xira mais tarde do que devia. D’ali partiu na manhã de 17 a juntar-se ao corpo do general Loison, que n’este mesmo dia foi encontrar perto de Otta, quando lenta e tardiamente vinha em marcha do Cercal. Era por então que as forças do general Delaborde se achavam em combate com as forças britannicas. Este general, que apenas tinha comsigo uns 6:000 homens, incluido 500 de cavallaria e 5 peças de artilheria, julgando que se lhe reuniria pela noite o general Loison, resolveu-se a disputar effectivamente ao general Wellesley a sua marcha para Lisboa na forte posição da Roliça (...).
“Começando o combate, uma das brigadas” (inglesas) “ do centro conseguiu formar-se na planicie em frente do inimigo, sendo convenientemente sustentada por um regimento de infantaria. Duas outras brigadas avançaram antão á posição dos franceses na Roliça, quando já a infanteria portugueza se achava na pequena povoação de S. Mamede, á sua esquerda, e os caçadores de uma das brigadas do centro sobre as collinas, á sua direita. Desde então Delaborde julgou dever abandonar a defeza da sua posição principal na Roliça, que está por diante da Columbeira, onde tomou segunda posição, retirando-se da planicie pelos caminhos das montanhas, e na melhor ordem.
“Seguiu-se depois o ataque d’esta segunda posição, e ainda depois a de uma terceira na Zambujeira dos Carros. Os differentes caminhos acommetteram-se com denodo, incumbindo-se á infanteria portugueza o marchar por um d’aquelles que ficavam á direita do exercito atacante. Todos os ditos caminhos eram de difficil accesso, sendo alguns d’elles sustentados com muita bizarria e denodo. O inimigo defendeu-se galhardamente bem, sendo n’este encontro que o exercito luso-britannico teve maior perda (...). Expulsos os francezes de todas as posições, por elles tomadas nos caminhos das montanhas, os atacantes poderam finalmente ganhar o cume d’ellas, onde triumphantes plantaram o estandarte da victoria, e viram mais desafogados a retirada dos vencidos, depois de quatro horas de fogo (...).
“ Entretanto nem Loison, nem Junot appareciam em socorro dos atacados, e Delaborde, que mal podia com tão poucas forças fazer face ás do adversario, manobrando com muita habilidade, e tirando toda a possivel vantagem das suas posições, vendeu caro ao vencedor o terreno, que por fim lhe abandonou, cobrindo de não pouca gloria as forças do seu commando, as quaes tão valorosamente combateram contra um inimigo disciplinado. Os francezes retiraram em boa ordem, perdendo todas as suas posições, bagagens, munições de guerra e de bôca, 600 homens, entre mortos e feridos, entrando no numero d’estes o general Delaborde, e 3 peças de artelharia que como primeiro padrão da gloria militar do general Wellesley lhe ficaram nas mãos”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp.383 a 389).

Derrotado, Delaborde atravessa o concelho de Torres Vedras

“(...) na tarde de 17 d’Agosto de 1808, constou” (em Torres Vedras) ” da batalha da Roliça (...) pelos que se retiravam feridos do Exército, e por alguns prisioneiros, que aqui vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do Corpo da Polícia. N’essa acção era commandado o Corpo da Tropa Franceza pelo General Delaborde, o qual vendo-se obrigado a retirar-se depois de sustentar o resto do dia com evoluções, se aproveitou da noite para largar de todo o campo, e tomou a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça. Em quanto o Corpo principal seguia, não deixavam de passar pela Villa em toda a noite soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum severo castigo”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819, pp. 171-172).

Junot decide concentrar tropas em Torres Vedras

“Junot, sendo informado por uns camponezes que Laborde estava combatendo só com as tropas inglêsas, suppoz que estas seguiam sobre Lisboa, pela estrada de Torres, emquanto o exercito português seguiria a estrada real de Rio Maior- Alcoentre.
“Como ligava mais importancia ao exercito inglês, resolveu atacar primeiro este, e, só depois de vencel-o, viria atacar o exercito português.
“D’esta forma determinou fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras.
“Com esse fim enviou ás 7 horas da noite de 17 do Cercal uma ordem a Thiébault para que marchasse sobre Torres Vedras, onde elle ia reunir todas as forças para dar batalha aos inglêses.
“Junot entrou em Torres Vedras com a divisão de Loison no dia 18, mandando ordem a Delaborde, que estava em Montachique, para se lhe ir reunir. Este general chegou a Torres no dia 19.
“Emquanto á columna, que seguia sob o commando de Thiébault, marchava mui lentamente, porque a estrada era pessima, (pois tinha deixado a estrada real de Rio Maior), dando logar a um alongamento consideravel, de forma que só a hora adiantada da noite de 17 attingiu Otta.
“(...) Na manha de 20 entrava Thiébault em Torres, mas os diversos elementos da columna foram chegando pouco a pouco.
“Na tarde 20 de agosto reunia Junot em Torres todas as forças disponiveis”.
(Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 112-113).

Torres Vedras ocupada pelas tropas de Junot

“Quando se pensava, que no seguinte dia 18 d’Agosto entraria” (em Torres Vedras) ”o Exercito alliado, esperado com tanto alvoroço, aconteceo ao contrario espalhar-se o susto, e perturbação, pela noticia de que vinha proximo todo o Exercito Francez, e na frente d’elle o mesmo General em chefe, e que com rigorosas ordens se mandavam apromptar quarteis, viveres, e forragens. Foi o primeiro mensageiro d’esta noticia o Meirinho, que então era do Provedor da Comarca, o qual recolhendo-se na intelligencia de achar a Capital da Comarca restaurada, veio encontrar-se com o Exercito Francez, e teve d’executar as ordens de Junot. Este General entrou com o seu Estado-Maior pelas tres horas da tarde do indicado dia 18, rodeado dos Generaes quasi todos, e de uma forte escolta de cavallaria, a qual se dividio, e occupou logo as entradas da Villa, não se permittindo a sahida d’alguem, sem guia ou passaporte do Commandante da Praça, que então foi o Chefe dos Gens d’armes. Sómente os Officiaes do Estado-Maior tiveram alojamentos, porque os dos corpos ficaram com os mesmos sobre os campos visinhos. Concorreram aqui muitos individuos não militares, uns por empregados, e unidos ao Exercito nas suas diversas repartições, e outros meramente por buscarem o seu abrigo, receosos de serem sacrificados ao seu furor nas pequenas povoações. Ainda que nos armazens existissem alguns sobrecellentes do antigo fornecimento, nada eram para supprir ás urgencias de um Exercito, que se computava em 20$000 sem contar os seus aggregados: por isso foram indispensaveis as requisições violentas para a entrega dos generos necessarios; as quaes para mais prompto effeito se faziam por pregões, ameaçando-se os habitantes que se subtrahissem, com as penas de morte, e do incendio das suas casas, que seriam examinadas”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 172-173).

Composição das Forças Francesas que ocuparam Torres Vedras

“Nêste dia “ (20 de Agosto) “dispunha Junot, em Torres Vedras, de todas as forças do exército do seu mando, que haviam saído a campo contra os inglèses, elevando-se á totalidade de 13:056 homens. Organisou com elas três divisões de infantaria e uma de cavalaria. (1)
“(1) Infantaria :
Divisão Laborde : Brigada Brenier ... 4 batalhões
“ Thomier ..... 2 “
Divisão Loison : “ Solignac ... 3 “
“ Charlot ....... 2 “
Reserva do comando de Kellermann 4 “
10 : 405 combatentes
Cavalaria :
Divisão de Margaron : 3 esquadrões ................ 1 : 951 combatentes
Artilharia:
23 peças, engenharia e trem ............................... 700 combatentes
Total... 13 : 056 “
“As divisões Laborde e Loison, formando o corpo principal, tomaram posição na vila, e a reserva de Kellermann na rétaguarda déla
“A vanguarda ocupava a forte posição de S. Vicente e do Alto da Fòrca, ao norte da povoação, vigiando as estradas.
“A cavalaria explorou activamente, nos dias 19 e 20, todo o terreno para a frente, até estabelecer o contacto com o inimigo (...).”
(Coronel Ferreira Gil, A Infantaria Portuguesa na Guerra da Peninsula, Primeira Parte, Lisboa 1912, pp.289 a 291).

Crimes de Guerra em Torres Vedras

“Na manhã d’este dia” (20 de Agosto de 1808) “alguns soldados extraviados haviam roubado o Convento dos Religiosos Arrabidos do Barro, penetrando até ao Sacrario, e espalhando as sagradas Particulas sobre o pavimento da Capella Mór. Em quanto se commettia este horroroso desacato, tinha o General Junot mandado matar dois mendigos desconhecidos, um d’elles Hespanhol idozo, o outro Asiatico coxo, que foram prêsos como suspeitos de espiões: outro miseravel da mesma fortuna, residente n’esta Villa,” (de Torres Vedras) “ e quasi cego, que estava junctamente prêso, escapou de experimentar igual sorte pela liberdade e vehemencia, com que fallou em sua defeza o Desembargador Vigario da Vara” (Madeira Torres) “chamado por ordem positiva de Junot para interrogar os prêsos, e depôr da sua conducta, e para ser expectador da injusta e barbara morte, que tiveram, sem que fossem convencidos do crime imputado, nem admittidos a algum preparo christão, e nem de modo algum tractados como homens, mas antes como féras pela indifferença e avidez de matal-os: bem facil é de ver, que esta crueldade foi commetida para exemplo, que indicasse como seria castigada qualquer communicação com o Exercito alliado(...)”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 173-174).

6 – A Batalha do Vimeiro

O Exército britânico posiciona-se no Vimeiro

“Sir Wellesley convergia para a Lourinhã, por saber que as divisões do general Anstruther e Ackland se achavam á vista da costa, alem de uma consideravel frota de navios carregados de provisões, e como aquellas paragens são bastante perigosas, julgou-se obrigado a proteger o desembarque dos recem-chegados, indo para este fim no dia 19 tomar posição no logar do Vimeiro, emquanto o dito desembarque se effeituava a uma legua de distancia do referido logar, na pequena bahia ou sitio do Porto Novo, junto a Maceira, onde desemboca uma ribeira ou pequeno rio chamado Alcobrichel” (sic).“ No Vimeiro o campo de Wellesley era formado pela seguinte maneira: a sua ala esquerda achava-se postada na capella do referido logar, tendo a direita na praia da Maceira. Na ponta d’esta ala achava-se ancorada uma fragata de guerra e uns trinta navios de transporte com barcaças fóra. No dia 20 desembarcára a brigada do general Antruther, que se uniu ao exercito de Wellesley na força de 2:400 homens, e de tarde chegou á Maceira o tenente general sir Harry Burrard. Aos 21 pela manhã cedo desembarcou e se juntou ao exercito inglez a brigada do general Ackland, na força de 1:750 homens”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 392).

Junot marcha para o Vimeiro

“No dia 19 de tarde sahio” (de Torres Vedras) “pela estrada da Lourinhã Junot com os outros Generaes (entrando n’esse numero Delaborde, que já se lhe havia reunido) e com os seus respectivos ajudantes a observar a situação do Exercito alliado. Não dava indicios de entrar em combate com tanta brevidade, como depois determinou, talvez movido pelas noticias, de que se via o mar coberto de transportes na altura correspondente ao Vimeiro, que era a posição tomada pelo Exercito Inglez: o certo é, que na tarde do dia 20 convocou os Generaes a conselho, e o resultado foi levantar-se rapidamente a tropa, e começar a marchar depois das cinco horas pela mesma estrada da Lourinhã”
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 173).

Um plano de Wellesley que ía deitando tudo a perder...

“O general inglês,” (Wellesley) “julgando que Junot não tomaria a offensiva e se limitaria a defender o desfiladeiro de Torres Vedras propunha-se tornear aquella posição, seguindo uma columna pela Fonte Grada, atravessando a Bordinheira entre S. Mamede da Ventosa e S. Pedro da Cadeira, seguindo pela Freiria e Picanceira, emquanto a mais importante iria pelas Secarias, Coutada, S. Pedro da Cadeira e a Murgeira, onde deixaria uma forte guarda da retaguarda, emquanto que com as restantes forças iria tomar uma posição que impedisse a retirada de Junot por Cabeça de Montachique. Todo este plano tinha sido esboçado em presença da carta que Wellesley possuia dos arredores de Lisboa, e que julgava excellente, assim como das indicações topographicas fornecidas pelo tenente-general C.Stuart.
“(...) Quando porém Wellesley tinha tomado todas as disposições para o movimento de 21, recebeu a communicação da presença de H. Burrard a bordo da fragata Brazen nas proximidades de Porto Novo.
“Ainda mesmo no dia 20 foi Wellesley conferenciar com o novo commandante do exercito inglês e expoz-lhe o seu plano.
“Sir Harry Burrard não aprovou tal plano, considerando que as forças de John Moore eram insufficientes para fazerem frente a Junot, caso este retirasse por Santarem, e accrescentou que aquelle general já tinha recebido ordem para vir desembarcar as suas forças na Maceira, e que só depois de reunidas todas as tropas é que marcharia sobre Lisboa. Foi em vão que Wellesley se esforçou por convencer Burrard da grande vantagem que havia em tomar immediatamente a offensiva, aproveitando o estado moral das tropas, animadas sobremaneira com o bom resultado do combate da Roliça.
“Burrard não accedeu e Wellesley voltou para o acampamento muito exasperado, increpando violentamente a fraqueza do seu chefe.
“O plano de Wellesley tem sido apreciado de diversas maneiras.
“(...) Tudo nos leva (...) a crêr que a marcha de Wellesley seria muito a tempo descoberta pela cavallaria inimiga e que Junot tomaria as disposições necessárias para ir atacar as tropas inglêsas durante a sua marcha de flanco.
“A columna da esquerda seria facilmente repellida e bastava occupar a posição de S .Pedro da Cadeira, para deter a marcha da columna da direita, que correria o risco de ser lançada sobre o mar.
“O plano de Wellesley era pois temerario e injustificavel, visto que assentava na hypothese do inimigo não conhecer a tempo um tal movimento, e collocava o exercito, no caso d’um ataque, n’uma situação critica tal que, uma derrota importaria a sua perda total”.
(Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 117 a 119).

O Exército português atrasa-se

“Emquanto os inglêses se conservavam na defensiva na posição do Vimeiro, e os francêses, depois de concentrados em Torres Vedras, se dispunham a tomar a offensiva, as tropas portuguêsas de Bernardim Freire saiam no dia 18 de Leiria para Alcobaça; a 19 entravam nas Caldas; a 20 occupavam Obidos.
“No dia 19 recebera Bernardim Freire nas Caldas, uma carta de Wellesley, datada de 18, na qual lhe pedia que avançasse e fosse reunir-se-lhe. O general português não attendeu a tal pedido e no dia 20 só percorreu os 6 kilometros que vão das Caldas a Obidos, d’onde não saiu. na noite de 20 recebe outra carta de Wellesley, communicando-lhe que os francêses estavam em Torres e que elle ia seguir o caminho de Mafra, torneando aquella posição.
“Convidava-o a avançar, pois era provavel que o inimigo, logo que visse que era torneado, abandonasse Torres par alcançar Lisboa.
“Não houve meio de demover Bernardim Freire do seu proposito. Allegando que estava esperando dois batalhões de granadeiros e caçadores de Traz-os-Montes, e que deviam chegar em 21, não passou da Lourinhã no dia 22, quando o inimigo já tinha sido derrotado.
“Bernardim Freire deu as mais evidentes provas da sua fraqueza e não admira pois que Wellesley fizesse a mais triste idéia das nossas tropas e dos seus chefes”.
(Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.126).

Junot antecipa-se

“Junot, decidido a tomar a ofensiva quanto antes, para não dar tempo a que viessem juntar-se ao exército inglês a divisão de Moore e os portuguêses de Bernardim Freire, saíu de Torres Vedras, ás 2 horas da tarde do dia 20, e, transpondo, de noite, o desfiladeiro entre Torres e Vila Facaia, mandou fazer alto ás suas tropas junto desta povoação, na margem direita da ribeira de Alcabrichel, com o fim de lhes dar descanço e permitir-lhes que cosinhassem a refeição da manhã.
“Ás 7 horas, devisava-se, ao longe, das alturas do Vimeiro, uma densa nuvem de poeira, e, ás 8 horas, via-se já distinctamente, apesar do terreno ser coberto de arvoredo, a vanguarda da cavalaria francêsa, que marchava na direcção da Carrasqueira, seguida de infantaria. Ia dar-se a memoravel batalha na qual se decidiu a sorte de Portugal”.
(Coronel Ferreira Gil, A Infantaria Portuguesa na Guerra da Peninsula, Primeira Parte, Lisboa 1912, p.296).

Descrição do sítio do Vimeiro

“A aldeia deste nome” (Vimeiro) “ está situada num vale, que atravessa o rio Maceira:” (sic) “pela parte de trás ao nordeste está um monte, de que a ponta oeste toca o mar e a de este é dividida por uma profunda quebrada, das alturas por onde passa a estrada da Lourinhã, e do norte para o Vimeiro”
(descrição do sítio do Vimeiro, feita por Arthur Wellesley, segundo um memorando datado desse lugar no próprio dia da batalha, citada por José Acúrsio das Neves, no tomo V da sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, p.423 da reedição dessa obra pelas Edições Afrontamento, s/d.)

A Posição do Vimeiro

“O terreno, onde se vae travar a batalha (...) é bastante accidentado.
“Tres ribeiras - a de Alcobrichelle,” (sic) “ a de Toledo e a de Mariquiteira, sendo estas duas affluentes da margem direita da primeira, - dividem o terreno em tres massiços de alturas.
“Quasi no centro da bacia formada por estas tres ribeiras fica a povoação do Vimeiro, que deu o nome á batalha.
“Esta povoação fica proximo da confluencia da ribeira de Toledo com a ribeira de Alcobrichelle. A ribeira da Mariquiteira tem a sua confluencia quasi junto á pequena povoação da Maceira, que fica na margem direita da ribeira de Alcobrichelle, e a 2.400 metros da foz d’esta ribeira, foz que constitue o chamado Porto Novo, ou da Maceira, e que hoje está quasi entulhado de areia.
“(...) O Vimeiro fica a 4 kilometros da foz, sendo de toda a parte dominado pelas alturas, que o circulam.
“A éste do Vimeiro eleva-se um vasto planalto, que era então bastante arborisado (...).
“Por este plan’alto passava a estrada, que de Torres Vedras ia á Lourinhã (...). Indo por esta estrada, a Lourinhã ficava a 20 Kilometros de Torres.
“Da estrada Torres-Lourinhã se destacam os caminhos que vão ao Vimeiro.
“Um, o mais directo, logo pouco depois da ponte do Amial, se separa d’aquella estrada, e, passando entre os altos do Mouzebre e da Bombarda, atravessa o Alcobrichelle na ponte de Santa Maria, entra em A dos Cunhados, e seguindo proximo d’aquele rio, contorna o alto dos Carrascaes (...), descendo para o Vimeiro; outro, que se separa proximo do logar da Carrasqueira, atravessa as Esteveiras (...) e entra no Vimeiro, e transpondo a ribeira de Toledo sóbe ao planalto da Mariquiteira e d’alli a Lourinhã; um outro, vindo da Martelleira, passava em Toledo, seguindo parallelamente á ribeira do mesmo nome, e ligando-se depois com o caminho da Mariquiteira-Ventosa.
“(...) Ao norte do Vimeiro, entre as ribeiras de Toledo e da Mariquiteira, se levanta outra série de alturas, que, partindo do saliente, onde está o moinho da Pegada (...), vae successivamente elevando-se até á povoação da mariquiteira (...) para depois ir baixando sobre a Lourinhã . É por este planalto que corre a estrada que vem da Lourinhã (...).
“Entre o Alcobrichelle, o Oceano e o ribeiro da Mariquiteira, o terreno é tambem bastante elevado, formando uma cadeia d’alturas, paralellas ao mar (...) que são interrompidas na Areia Branca (...).
“A sud’oeste do Vimeiro, na margem esquerda do Alcobrichelle, e frente ao outeiro do Seixo, levanta-se o plan’alto das Portellas (...), que é a continuação d’aquella altura, e da qual está separada pela profunda ravina onde corre o Alcobrichelle. Este plan’alto extende-se do mar até ao Vimeiro, do qual é cortado por aquelle rio.
“(...) O plan’alto das Portellas domina todo o terreno a norte e éste do Vimeiro, assim como o terreno ao sul.
“D’este plan’alto seguia o caminho que, passando nas Secarias e Coutadas, ia por S.Pedro da Cadeira e Encarnação á Picanceira (...).
“As communicações das Portellas para a Maceira e para o Vimeiro eram difficeis, attendendo á maneira como o Alcobrichelle ahi corre ancaixado. O terreno para o lado do mar tambem é abrupto e perigoso.
“Se pois esta posição era forte por natureza, offerecendo excellentes condições para proteger um desembarque no Porto Novo tinha comtudo o grave perigo de estar muito proxima ao mar, não permittindo uma zona-manobra, e podendo concorrer para um verdadeiro desastre, no caso d’um ataque bem succedido por parte do inimigo.
“A sul do Vimeiro havia ainda uma pequena ravina, tendo origem nos Carrascaes, e que contornava uma pequena altura (...) mesmo junto á povoação.
“D’esta altura se batia uma extensão consideravel do valle de Alcobrichelle.
“Tinha porém o inconveniente de ter muito proximo um bosque denso de carrascos.
“Taes eram as posições occupadas pelas tropas britannicas (...)”.
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 121 a 124).

Os Franceses preparam-se para o combate

“Aos alvores do dia 21 de Agosto, está Philipe de Villepin escanhoando o rosto, reflectindo na lâmina da espada que o impedido ergue à sua frente, sondando os olhos que lhe parecem da cor do chumbo àquela claridade ténue que se levanta no horizonte alaranjado onde se recortam irregularmente as colinas a Leste do Vimeiro. Depois, trás na concha das mãos até ao rosto a água da celha, uma e outra vez, prolongando o frio a penetrar nos poros da pele. Com gestos lentos dum ritual repetido em dias de batalha, enverga o colete branco sobre a camisa, abotoa-o devagar, o soldado ajuda-o a calçar as botas impecavelmente engraxadas, coloca-lhe as esporas, veste-lhe à cinta o boldrié com a espada, entrega-lhe as luvas com canhão de anta grossa.
“Acerca-se Philipe dos restos de uma fogueira, junto ao muro arruinado na quinta onde acampam, a recolher um quarto de pão seco e um púcaro de café. Ração de soldado.É demasiado cedo para os generais, aquela hora em que as ordenanças cardam o dorso dos cavalos, lhes põem diante os sacos de aveia, areiam os freios, as chapas metálicas das focinheiras e testeiras, os bridões, as fivelas, e ensebam as cabeçadas, os cabrestos, as rédeas, os coldres dos arções para deslizarem melhor as pistolas junto das selas alinhadas, com as mantas, os xairéis, as sabretaches.(...).
“(...) O sargento Jeannot (...) vem informá-lo que o general Margaron mandou convocar os oficiais e o espera na tenda do comando.E prevê: Hoje vai ser dia de castanha, meu capitão, já sinto no ar o fedor dos messieurs de la Tamise. vamos dar-lhes uma lição, como naquele dia em que fomos atrás do pobre general Desaix, seguindo o som dos canhões austríacos que martelavam os nossos, e ganhámos a batalha de Marengo, com aquela carga fantástica que mais parecia uma tempestade de vento que coisa de cavaleiros. Os inglishes... É bom que saibam nadar, que a nossa cavalaria vai hoje atirá-los ao mar, ou eu não me chame Jeannot.
“Lá mais para trás, numa clareira perto da estrada de Torres Vedras, o general Andoche Junot prepara-se para atacar um copioso e bem regado almoço, na companhia das senhoras de Trousset e de Foy.”
(do romance de Álvaro Guerra , Razões de Coração, ed. Publicações Dom Quixote, 1991, pp. 245-246).

Os Ingleses preparam-se para o combate

“Durante a noite de 20, e manhã dedo dia 21, deram aviso as nossas patrulhas dos movimentos do inimigo; mas sendo inferiores em cavallaria, não puderam ir a maior distancia e as suas notícias eram vagas. Julgando o cavalleiro Wellesley ser provavel, que se elle não atacasse o inimigo, elles o atacariam, preparou-se para os receber na madrugada d’aquelle dia, assentando as suas peças de 9, e fortalecendo o seu centro, aonde esperava o ataque, pela maneira em que o inimigo dispunha as suaspatrulhas”
(“Relatório da mesa da inquirição estabelecida em Inglaterra para indagar as circunstancias da convenção de Cintra”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº37, pp.61-62)

A Batalha do Vimeiro contada por Arthur Wellesley

“(...) O inimigo apareceu logo pelas 8 horas da manhã em consideráveis corpos de cavalaria pela nossa esquerda sobre as alturas, em que corre a estrada da Lourinhã, e desde então foi fácil de conhecer que o combate se travaria contra a nossa guarda avançada e contra a esquerda da nossa posição. A brigada do Major General Ferguson dirigiu-se imediatamente através da quebrada para os altos e para o caminho da Lourinhã, com 3 peças de artilharia, e foi sucessivamente seguido pelo Brigadeiro General Nightingale, com a sua brigada e 3 peças, pelo Brigadeiro General Ackland com a sua brigada, e pelo Brigadeiro general Bowes também com a sua (...) : formadas (...) estas tropas nas montanhas, com a sua direita no vale que conduz ao Vimeiro e a esquerda na outra quebrada que separa estas mesmas alturas da cordilheira que termina no lugar de desembarque da Maceira. As tropas Portuguesas que estavam na baixa junto ao Vimeiro postaram-se nestes pequenos montes, e eram sustentadas pela brigada do Brigadeiro General Crawford.
“(...) o Major General Hill teve ordem de se conduzir para o centro da montanha, onde se havia postado o principal corpo de infantaria, a fim de sustentar estas tropas, e servir de reserva a todo o exército, havendo além disto para apoio a reserva da cavalaria na rectaguarda da sua direita.
“O inimigo principiou o seu ataque em muitas colunas contra o total das tropas postadas nesta altura. Avançou sobre a esquerda, não obstante o fogo importuno dos caçadores, até se encontrar com o regimento 50, e não foi embaraçado ou obrigado a retroceder senão depois de haver cruzado as suas baionetas com este corpo. O segundo batalhão do regimento 43 travou igualmente combate com o inimigo corpo a corpo no caminho que vai para o Vimeiro, tendo uma parte deste corpo recebido ordem de ocupar o cemitério da povoação, para obstar a que nele entrasse o inimigo. Na direita da posição foi este repelido pelas baionetas do regimento 92, o qual foi muito bem sustentado pelo segundo batalhão do regimento 52 que, tendo-se adiantado em coluna, acometeu o inimigo pelo flanco. Além desta oposição que se fez ao inimigo quando atacou a nossa guarda avançada, foi ele investido em flanco pela brigada do Brigadeiro General Ackland no acto de ir tomar a sua posição sobre as alturas da esquerda, e a artilharia que aí se achava prosseguiu em canhonear de lado as colunas do inimigo.
“Por fim, depois de um desesperado combate, o inimigo foi obrigado a desistir deste ataque, e repelido em desordem com parda de 7 peças de artilharia e de um grande número de oficiais e soldados, entre mortos, feridos e prisioneiros. Foi perseguido pelo destacamento do regimento 20 de dragões ligeiros, mas a cavalaria do inimigo era tão superior em número que este destacamento sofreu muito, e infelizmente foi morto o Tenente-Coronel Taylor.
“Quase ao mesmo tempo principiou o ataque do inimigo sobre as alturas ao longo da estrada da Lourinhã. Este ataque foi apoiado por um corpo numeroso de cavalaria e executado com a costumada impetuosidade das tropas francesas; mas recebido com firmeza pela brigada do Major General Ferguson, que se compunha dos regimentos 36, 40 e 71. Estes corpos carregaram sobre o inimigo apenas este se aproximou, e continuaram sobre ele quando retrocedia, sustentados pelo regimento 82, um dos da brigada do Major General Nightingale, que formou logo parte da primeira linha à medida que o terreno se alargava, pelo regimento 29 e pelas brigadas dos Brigadeiros Generais Bowes e Ackland, enquanto a brigada do Brigadeiro General Crawford e as tropas portuguesas avançavam em duas linhas ao longo das alturas da esquerda. A brigada do major General Ferguson tomou na sua marcha 6 peças ao inimigo e muitos prisioneiros, além de um grande número de mortos e feridos.
“O inimigo tentou depois recobrar uma parte da sua artilharia, atacando os regimentos 71 e 82, que tinham feito alto em um vale onde ela havia sido tomada. Estes regimentos deixaram o terreno escavado onde estavam, na baixa, e dirigiram-se para as eminências, onde fizeram alto em frente do inimigo, a que depois fizeram fogo, havendo ele então chegado ao mesmo terreno escavado que as nossas tropas tinham abandonado: finalmente avançando mais para ele, o forçaram outra vez a retirar-se com grande perda.
“Nesta acção, em que se empregou o total das forças francesas existentes em Portugal, debaixo do comando do Duque de Abrantes em pessoa, e na qual não entrou mais que metade do exército Britânico em efectivo combate, o inimigo, que nos era superior em artilharia e cavalaria, sofreu um assinalado destroço(...)”
(descrição da Batalha do Vimeiro, feita por Arthur Wellesley, segundo um memorando datado desse lugar no próprio dia da batalha, citada por José Acúrsio das Neves, no tomo V da sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, pp.423 a 427 da reedição dessa obra pelas Edições Afrontamento,s/d.)

A Batalha do Vimeiro vista por um militar português que nela combateu

“Vimeiro pelas 6 da manhã, 22 de Agosto de 1808. - Ill.mo e Ex.mo Sr.r - Chegou Sir Harry Durrand, e com o maior sentimento vejo que Sir Arthur Wellesley, que com bastante sangue frio commandou a acção de hontem, em que os Francezes atacando em duas Colunas perderão 21 peças (...) de 23 que tinhão; 2 Generaes, vendo eu (que) Brenier, e outros muitos officiaes e soldados talvez em numero de 400 a 500, forão feitos prizioneiros; a mortandade foi grande da parte dos Francezes; pois que certamente tiverão 800. Os Inglezes só tiveram hum official de consideração ferido gravemente, o Coronel dos Dragoens; Eu achei-me sempre no meio do fogo e das Ballas, e huma ainda tocou o meu Cavallo e outra matou um soldado ao pé de mim. - Os Francezes ainda são bastantes, mas Junot não chegou ao pé das ballas, e se conservou sempre em distancia, reunindo-se ás suas Tropas depois da fugida no Caminho daqui para Torres, como eu vi. Os nossos Cavallos entrarão na acção morrendo o Comand.te Eleziario da Policia, hum Cadete e outros feridos, mas devo dizer que de todos q.m merece maior elogio foi o Tenente Antonio Pinto. - Creio que ainda hoje aqui se fica, não obstante aqui nada haver, mas penço querem dezembarcar m.ta mais Tropa, com tudo aqui nada já ha, nem vinho, nem pão, nem coiza alguma. se V. Ex.ª quizer dirigir-me a Carta que hade escrever ao General Novo, eu lha entregarei. - Esse soldado me acompanhou sempre hontem, e poderá contar alguma coiza, mas não lhe acho enteligencia p.ª o fazer bem - Rogo-lhe queira mandar logo essa Carta ao seu destino - Sou de V.Ex.ª am.º obrigado e attento Criado - Joaquim Paes de Sá”.
(carta enviada ao comandante do exército português Bernardim Freire de Andrade, Arquivo Histórico Militar -publicada no Boletim do Arquivo Histórico Militar, 1º volume, 1930).

Baixas da Batalha

“Perderam os francêses no Vimeiro : 2:000 homens entre mortos e feridos e prisioneiros, incluindo varios generais e oficiais superiores, entre os quais se contam os generais Laborde, Thomiéres, Charlot, brenier, Solignac; coroneis : Foy e Prost. Perderam tambem muito material: 13 peças d’artilharia, 23 carros de munições, 20:000 cartuchos e importantes bagagens.
“Pêrdas dos inglêses: 720 homens, sendo 135 mortos, entre eles 4 oficiais; 534 feridos, entrando 35 oficiais: e 51 extraviados, sendo 2 oficiais.
“Pêrdas dos portuguêses: 2 soldados mortos e 7 feridos. No gado: 7 cavalos mortos e 1 ferido”.
(Coronel Ferreira Gil, A Infantaria Portuguesa na Guerra da Peninsula, Primeira Parte, Lisboa 1912, p.302, nota 2)

Baixas Francesas

“As perdas dos franceses tinham sido consideraveis. Perderam um general, muitos officiaes e uns 1.800 homens, 13 pecas d’artelharia, 23 cofres de munições e mais de 20.000 cartuchos, que ficaram espalhados pelo campo de batalha. Os ingleses tiveram 783 mortos e feridos.
“Da parte dos francêses ficára prisioneiro o general Brenier, e foram mais ou menos gravemente feridos o general Solignac, o general Charlot, os coroneis Foy e Prost e outros officiaes superiores. Um grande numero de feridos foram evacuados para Torres Vedras, e só no campo de batalha foram pensados 800”.
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.132).

A Lenda da “Lagoa de Sangue”

“Diz a tradição (...) que a carnificina foi tão grande que, após o combate, as águas do rio Alcabrichel iam tintas de sangue!
“O Pinhal da Trombeta e o Sítio da Lagoa, na povoação do Vimeiro, são recordados frequentemente, pois relacionam-se com a célebre peleja então travada.
“O pinhal fica a nascente da “Memória” da batalha e foi lá que, segundo corre, se ouviram os primeiros toques de clarins do inimigo.
“O Sítio da lagoa, a nordeste do pinhal da Trombeta, lembra o violento combate com os franceses, cujas perdas teriam causado, ao exército derrotado, tão grande efusão de sangue que esta chegaria para formar uma lagoa”
(Pedro Garcia Anacleto, “Fastos da História de Portugal - A Batalha do Vimeiro”, in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, IIª série, nº 61/62, 1964, p.143).

Causas da derrota francesa-1

“Junot demonstrou na concepção e preparação da batalha e no desenvolvimento desta a maior incapacidade militar para a alta missão de um general em chefe, chegando a dar a alguns oficiais do seu exercito a impressão que estava embriagado, tantas, e tão sucessivas, foram as faltas e os erros de tática e de estratégia que cometeu, no juizo dos técnicos militares. A essa incapacidade mental veio juntar-sea ausência da visão das circunstâncias e a falência de uma moral que nem em tais momentos se sabia elevar sôbre os instintos e dominá-los. Foi o caso que, logo após a derrota, quando ainda se combatia, como no rescaldo de um grande incêndio, o comandanta em chefe metia-se numa carruagem e na companhia de Madame Foy, sua amante, atravessava o exército, por entre as chufas de uns e a indignação de outros, em direcção a Tôrres Vedras.”.
(António Ferrão, A Iª Invasão Francesa, Coimbra , Imprensa da Universidade, 1923, pp.cccxiii-cccxiv, nota 3).

Causas da derrota francesa-2

“(...) na batalha do Vimeiro, a série de ordens e contra ordens, dadas por Junot, foram por alguns atribuídas a excesso de vinhos e licores, que o general ingerira ao almoço desse dia, tomado sobre a erva, ou ao excesso de calor, mais que à intemperança; outros opinavam que o cheiro da pólvora o perturbava, até ao ponto de fazê-lo perder o domínio das suas faculdades mentais; mas para ele barão” ( de Thiebault, que serviu sob as ordens de Junot) “ a verdadeira causa é que Junot desde essa época começou a sofrer de alienação mental” (Junot suicidou-se em 29 de Julho de 1813 quando, num ataque de loucura, se atirou de uma janela).
(citado por Artur da Silva Lino no seu artigo “O Rio Sizandro na Convenção de Sintra”, Estremadura, IIª série, nº 41/43, 1956, p. 162).

Tipo de armamento usado

“A arma dominante de cada lado era o mosquete do soldado de infantaria. No exército britânico e português (...) a infantaria estava equipada com o mosquete “East India”, que era uma modificação do “Brown Bess”, a espingarda padrão britânica (...). Esta tinha um cano liso de 39 polegadas” (1 metro) “ de comprimento e um funcionamento do mecanismo de fecho de pederneira.O calibre era de 0,75 polegadas” (1,9 cm.) “e projectava uma bala de peso ligeiramente superior a uma onça” (28, 35 gramas) “(...) Apesar da bala ser mortífera até uma distância de 300 jardas” (274, 3 metros) “ nem mesmo o melhor atirados poderia contar em acertar num alvo colocado a uma distância superior a 80 jardas” (73,2 metros).
“(...) A percentagem de falhas duma arma de fogo era tão elevada como 2 para 13, mesmo com bom tempo, sendo muito possível que em tempo de chuva não se pudesse efectuar qualquer tiro. Um soldado treinado podia recarregar e fazer fogo num tempo entre 12 e 15 segundos. Durante esse período de tempo ele estava indefeso, possuindo apenas a sua baioneta (...).
“Só formando ombro a ombro e fazendo um fogo de rajada rigorosamente controlado é que se poderia atirar um pêso suficiente de balas ao inimigo de modo a evitar que ele efectuasse uma carga.
“(...) os soldados foram treinados a não fazer fogo até que o inimigo estivesse a uma distância de 100 jardas “( 91,4 metros) “ou menos.(De facto os soldados não faziam fogo até poderem ver o branco dos olhos dos seus inimigos).
“ Carregar uma arma era complicado e compreendia deitar pólvora pela boca da arma, colocando depois uma bala e uma bucha, sendo todo este conjunto fortemente empurrado por uma vareta comprida. Polvilhava-se a pólvora numpercursor o qual era incendiado por uma pederneira, provocando a descarga da arma.
“Tropas bem treinadas poderiam efectuar esta operação duas vezes num minuto, mas seriam ao mesmo tempo obrigadas a parar de vez em quando para limpar o depósito de pólvora do interior do cano; as pederneiras teriam que ser mudadas após 30 tiros. A pólvora era áspera, significando isto que os canos tinham de ser lavados frequentemente (...). Uma grande chuvada podia tornar a arma ineficaz, uma vez que a pólvora humedecia e não explodia e o mais que se pode dizer a respeito desta pesada e ineficiente arma é que ela descarregava uma bala suficientemente forte para parar um rinoceronte (..); uma descarga efectuada a curta distância e por tropas bem disciplinadas podia causar tantas baixas como uma metralhadora e provocar horríveis ferimentos”.
(citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.39-40, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Artilharia

“A peça de campanha usual na artilharia anglo-portuguesa era a peça que disparava uma granada de 6 libras” ( pêso de 2,72 Kg.). “Esta podia disparar tanto metralha como bala. A metralha, que vinha em caixas contendo um grande número de pequenas balas, era usada especialmente contra alvos situados a distâncias muito curtas, de 200 ou 300 jardas” (182, 9 ou 274,3 metros). “Considerava-se que uma salva de projécteis em esfera sólida, fosse a mais eficaz até uma distância de 800 jardas” (732 metros).
“(...) A maior parte da artilharia francesa era de calibre mais pesado do que a dos aliados, mas durante a guerra os britânicos tinham a vantagem da recente invenção do Major Shrapnell dum projéctil que explodia sobre as cabeças do inimigo estilhaçando balas de mosquete. Uma outra contribuição britânica para a ciência da artilharia foi o foguete explosivo, desenvolvido por Sir William Congreve (...).
“É importante lembrar que todas estas armas utilizavam pólvora, a qual provocava uma considerável quantidade de fumo. Como resultado, qualquer luta corpo-a-corpo efectuava-se em condições atmosféricas semelhantes às de um dos nevoeiros londrinos mais cerrados.”
(citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.40-41, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Descrição das fardas e armamento usado pelas tropas portuguesas

“Todos têm o nº16 no chapéu porque o exército da época pertencia ao regimento de infantaria 16.
“No chapéu usavam uma pluma.
“Por cima das botas usavam plainas.
“Os soldados tinham plainas de tecido e os graduados de cabedal.
“Só os graduados usavam espadas e lanças. Usavam dragonas nos ombros.
“Só o comandante tinha dragonas com franjas.
“...
“Ao desfilar usam o cistre que marca a cadência do pé esquerdo.
“O tambor marca o tempo, mas quando faz “prrum” marca o pé direito.
“Os homens dos tambores usam uma espécie de avental branco. Na época o tambor tinha o nome de timbalão.
“Os chapéus eram azuis. O resto da farda era também azul escura, vermelha (escura) e branca. As botas eram pretas. de cabedal até ao joelho. a faixa vermelha na cintura só era usada pelos oficiais.
“Todos os homens usavam uma gola de cabedal preto, para impedir que olhassem para os lados. Todos eles usavam luvas brancas, mesmo em combate.
“...
“As armas usadas eram os mosquetes que se carregavam pela boca e funcionavam a pólvora e uma bolinha chumbo.O mosquete tinha na parte de cima a baioneta, espécie de punhal pontiagudo e que tinha duas funções: carregava a arma e servia de defesa.
“Usavam pendurada no cinto, uma pequena mala de cabedal preto, a cartucheira, onde guardavam os cartuchos e as bolinhas de chumbo.
“Quando as tropas desfilavam à frente ía o cistre, a seguir os soldados a tocar tambor, só depois os soldados armados e por fim os oficiais com as espadas.
“A maneira de marchar era muito diferente da que hoje se usa no nosso exército, era mais lenta, mais compassada.”
(dados recolhidos pelos alunos da Escola do Ensino Básico Mediatizado nº783 da Ponte de Rol, durante as comemorações das defesas das Linhas de Torres que anualmente se realizam nesta cidade, gentilmente cedidos pela professora Helena Lúcio )

7 – Consequências da Batalha do Vimeiro

Os generais britânicos desentendem-se

“Sir Harry Burrard desembarcára com o seu estado maior logo no começo da batalha, mas vindo por um mau caminho demorára-s em chegar ao local onde estava Wellesley. este quiz entregar o commaando; porem sir Burrard não quiz assumi-lo e aprovou o plano que Wellesley estava executando.Quando o inimigo fôra derrotado e só restava persegui-lo, sir Harry Burrard interveiu então, tomou o commando e ordenou que cessasse em toda a linha a perseguição.
“Uma tão intempestiva resolução não deixou de magoar Wellesley. Inutilmente este general apresentou o projecto de seguir as tropas de Junot (...).
“A 1ª e 5ª brigadas não tinham dado um tiro, e as brigadas 4ª e 8ª poucas perdas tinham tido. As munições não faltavam, e os soldados estavam exaltados pela victoria obtida. tudo fazia prever que o exercito francês seria completamente aniquilado, e que por certo não poderia entrar na capital.
“Sir H. Burrard não se deixou convencer com taes razões, e a sua opinião era tambem partilhada pelo ajudante-general Cliton, pelo coronel Murray e pelo quartel-mestre general.
“Sir H. Burrard allegou : que o material d’artelharia estava quasi todo fóra de serviço ; que os cavallos de tiro estavam tambem em grande parte inutilisados ; que nos serviços administractivos lavrara a maior desordem ; que os conductores civis portuguêses, que tinham alugado os seus carros, haviam fugido com elles, ficando o exercito privado do trem de aquipagens ; e que finalmente o tenente-general Spencer acabava de communicar, que tropas frescas tinham vindo reforçar o inimigo.
“Em vista de tal situação o novo commandante do exercito inglês julgava prudente não se aventurar a nova batalha e antes esperar que chegassem os 10.000 homens do general Moore ao Porto Novo.
“E desta forma Junot poude reorganisar as suas desbaratadas forças e retirar para Torres Vedras, continuando as tropas inglêsas nas suas posições do Vimeiro.”
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.133).

Junot manda iluminar Torres Vedras para “enganar a derrota”

“No dia 21 d’Agosto pelas 9 horas da manhãa começou a ouvir-se o estrondo d’Artilharia: no primeiro tempo do combate vieram noticias agradaveis aos Francezes: mas não tardou muito, que lhes chegassem outras, com que se mostraram descontentes, posto que ainda alentados, ao menos apparentemente; enfim correram os boatos d’uma derrota completa, que se viam verificados pelos estragos, e até depois pela propria confissão, dos que se recolhiam do campo. A tropa entrou de noite,” (em Torres Vedras) “ e buscou acampar-se, como antes de ir para a batalha. No dia seguinte viam-se companhias commandadas por um cabo d’esquadra (tal havia sido a carnagem na officialidade): e todo o grande trem d’Artilharia reduzido a tres carretas. Apezar de ser tão vizivel, e avultado o destroço, ainda Junot se occupava com a impostura de fazer illuminar a Villa em aplauso da victoria, e seguindo igual rutina se occupava o impodente La Garde em remetter ao Juiz pela Ordenação , que então servia, um Officio enviando-lhe junctamente o Boletim do Exercito, e recommendando-lhe, que só acreditasse o que elle lhe dizia. No meio de imposturas tão ridicula, não se occultava o temor, confusão e impaciencia de Junot. Elle logo na manhãa do dia 22 chamou ao seu quartel os Generaes, e lhe propoz pedir capitulação, o que foi adoptado (...)”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p.174).

Junot decide negociar com os britânicos

“Na manhã de 22 reuniu Junot no quartel general os generaes Delaborde, Loison, Kellermann, Thiébault, Taviel, o coronel d’engenheria Vincent e o ordenador em chefe Trousset, com elles formou um conselho de guerra, no qual foi reconhecida a impossibilidade de tentar de novo a sorte das armas. Faltava a artelharia; as munições apenas chegariam para 3 horas de combate; os cavallos, por falta de forragens, não offereciam condições para o serviço; as perdas tinham sido consideraveis, e o exercito estava desmoralisado. Reconheceu-se mesmo a impossibilidade de entrar em Lisboa, e até de retirar para Hespanha. Determinou-se portanto entrar em negociações com o inimigo.
“Foi o general Kellermann o encarregado de ir sondar as disposições do inimigo, partindo para o quartel general do exercito inglês sob pretexto de conferenciar relativamente aos prisioneiros e aos feridos, mas com plenos poderes para propôr um armisticio.
“Kellermann era um excellente general e um fino diplomata e por isso Junot depositára n’elle a maior confiança.
“Emquanto Kellermann ia desempenhar-se de tão importante missão, as tropas francêsas abandonavam Torres Vedras.
“(...) Quando Kellermann chegou aos postos-avançados inglêses, acompanhado d’um clarim e um esquadrão de cavallaria, houve um verdadeiro sobressalto, pois se julgou aue um reconhecimento se ia effectuar e que os francêses, tendo recebido reforços, iam recomeçar a lucta. Mas logo que se reconheceu que era dum parlamentario que se tratava, tudo voltou ao seu estado normal e Kellermann foi conferenciar com Wellesley”.
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.139).

Os ingleses continuam a desentender-se

“No dia 22 de manhã tinha desembarcado na Maceira o novo commandante em chefe do exercito inglês, Sir Hew Dalrymple, de forma que n’um periodo de 24 horas tinha aquelle exercito tres commandantes.
“O novo commandante, não conhecendo bem a situação do exercito, recebeu com verdadeiro jubilo a notícia de que os franceses queriam negociar um armisticio.
“Apesar do governo inglês lhe ter recommendado que desse toda a importancia a sir Wellesley, Dalrymple inclinou-se para a opinião de H.Burrard, que julgava indispensavel a chegada das forças de J.Moore, antes de começarem qualquer operação contra os francêses.
“Por sua parte Wellesley julgava muito desacertado o desembarque das tropas de Moore na Maceira, não só pela difficuldade do desembarque, mas tambem pela falta de provisões, pois os portugueses continuavam a não fornecer viveres.
“Dalrymple, vendo o desaccôrdo que havia entre sir H.Burrard e Wellesley, e julgando o exercito inglês em estado de não poder emprehender qualquer acção demorada, e que exigisse o afastamento da costa, considerou opportuno o ensejo que se lhe deparava de chegar a um accordo com o inimigo.
“Não foi, pois mui difficil a Kellermann obter um tratado o qual só se tornaria definitivo depois da aprovação de sir Charles Cotton, almirante da esquadra inglêsa, fundeada na foz do Tejo”.
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.140).

Negoceia-se o Armistício

“(...) chegou ao Vimeiro o general franc~es Kellermann, cerca do meio dia, ao 22, fazendo proposições para suspensão de armas, em ordem a ajustar uma convenção definitiva, para a evacuação de Portugal, pelo exercito francez. Os tenentes generaes Burrard, e Wellesley assistiram ao commandante das forças, nas discussões que houve sobre este objecto; e parecendo-lhes, vistas todas as circumstancias, e commandando uma força que obrava em alliança com o soberano de Portugal, e combatia no seu paiz (...) contra um inimigo actualmente de posse da sua capital, das suas fortalezas, e, n’um ponto de vista militar, do seu reino, que seria conveniente, e de bom conselho, fazer uma convenção ou capitulação se se offerecesse occasião, pela qual se expellissem os francezes de Portugal, com promptidão, e honrosamente. Concordou-se pois em uma cessação de armas, que devia terminar com a intimação prévia de quarenta e oito horas. Os artigos principaes de uma convenção ficaram tambem justos, e o general Kellerman voltou para Lisboa, cerca das nove da noite, com o instrumento (...) que não se devia considerar como effectivo, sem a concorrencia do almirante cavalleiro Carlos Cotton. Cedo na manhã de 23, partiu o tenente coronel Murray com o proposto convenio, a buscar a concorrencia do almirante, e voltou na noite de 24, com a resposta do cavalleiro Carlos Cotton; que elle não podia acceder a isto; mas que entraria em um tratado, com o almirante russiano”
(“Relatório da mesa da inquirição estabelecida em Inglaterra para indagar as circunstancias da convenção de Cintra”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº37, p. 64)

Armistício do Vimeiro

“Suspensão de armas, concordada entre Mr. o Cavalheiro Arthur Wellesley, Tenente-General, e Cavalheiro da Ordem do Banho de uma parte, e Mr. Kellermann, general de Divisão, Grão-Oficial da legião de honra, Comendador da Ordem da coroa de ferro, Grão-cruz da Ordem do Leão da Baviera, da outra parte, ambos munidos com os poderes dos Generais respectivos dos exércitos Franceses e Ingleses.
“ No Quartel General Inglês,” (Vimeiro) “22 de Agosto de 1808.
“(...)Artigo III. O rio Sizandro formará a linha de demarcação entre os dois exércitos: Torres Vedras não será ocupada, nem por um nem por outro.
“(...)Artigo V. Concordou-se provisoriamente que o exército francês não poderá ser considerado em caso algum como prisioneiro de guerra: que todos os indivíduos que o compõem serão transportados a França, com armas, bagagens e suas propriedades particulares, quaisquer que sejam, de que nada se lhes poderá tirar(...)”.
(publicado por José Acúrsio das Neves, no tomo V da sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, pp.433 a 435 da reedição dessa obra pelas Edições Afrontamento,s/d.).

O “Bufete” do Vimeiro

“Se um objecto ou um móvel estão ligados à tradição comprovada de um facto histórico (...), e se esse acontecimento foi uma batalha travada e ganha pela independência da Pátria, esse objecto ou esse móvel são peças históricas de primeira grandeza.
“Está nesse caso o Bufete da Maceira .
“(...) cabe-me uma honra que não declino: a de ter conseguido que o seu proprietário de então , José da Cunha Santos Bernardes, casado com uma ilustre senhora, descendente dos Morgados da Maceira e Moita Longa, cedesse, a rogos meus, a sua propriedade ao Museu Mnicipal a troco de outro bufete “exactamente igual”.
“Com que alvoroço (...) eu gastei dos fundos do Museu o conto e tal, orçamentado para fazer um bufete exacta e rigorosamente igual ao bufete histórico, no feitio, nas dimensões e até na madeira.
“Assim foi construída a mesa de pés e travessas torneados em contas, com a sua travessa suplementar ao meio, sobre dois pés rasteiros, e, como o outro, um pouco sobre o quadrado, com as gavetas e tremidos tambem iguais.
“(...) O valor do elegantíssimo móvel é extraordinário.
“É tempo de dizer em que consiste a historicidade incontroversa e rica do seu passado.
“Em 21 de Agosto de 1908 engalanou-se a pequena povoação do Vimeiro, ao norte de Torres Vedras, no concelho da Lourinhã (...).
“O rei D.Manuel II, generais, ministros e oficiais de alta patente, deslocaram-se ao histórico local a inaugurar o obelisco comemorativo da Batalha do Vimeiro, travada e ganha exactamente cem anos antes.
“Do solar dos Morgados da Maceira foi para o local um móvel pedido para esse fim: o Bufete Histórico da Maceira.
“Sobre ele foi assinado o auto de inauguração do obelisco (...).
“Porque foi pedido e deslocado para ali esse bufete?
“Porque exactamente cem anos atrás, o general Kellerman, delegado de Jean Andoche Junot, o primeiro invasor francês de Portugal a seguir ao tratado de Fontainebleau, de 27 de Outubro de 1807, assinou sobre essa mesa gloriosa o “arrangement avec armistice” de que fala Foy, ditado por Sir Arthur Wellesley,como representante das forças vitoriosas anglo-lusas (...)”.
(Salinas Calado, Memórias dum Ferro-Velho, Lx. 1947, pp. 18-19).

Wellesley discorda dos termos do armistício

“Zambujal 6 de Setembro de 1808
“Cumpre-me participar a V. Excia. Revma. que a Batalha de 21 de Agosto foi a conclusão do meu commando das forças Britanicas em Portugal. De facto, um official superior, sir H. Burrard, estava no campo durante o fim da acção e foi quem dirigiu as operações feitas depois d’aquella batalha estar concluida.
“O actual Commandante em chefe, Sir H.Dalrymple, desembarcou na manhã de 22 de Agosto; e n’essa tarde negociou pessoalmente com o General Francez Kellermann um accordo para a suspensão de hostilidades. Eu estava presente durante a negociação d’este accordo; e por vontade do Commandante em chefe, assignei-o. Mas, segundo acima informei V. Excia. Revma., não fui eu que o negociei; nem posso de qualquer maneira ser considerado responsavel pelo seu contheudo.
“A este acordo seguiu-se a negociação d’uma Convenção com o Commandante em Chefe dos Francezes, para a evacuação de Portugal pelo Exercito Francez, por intermedio do Coronel Murray, Quartel Mestre General do Exercito, cuja convenção foi concluida e ractificada pelos Commandantes em Chefe dos dois Exercitos e está agora a ser executada.
“Eu não vi esta convenção, nem posso informar V.Ex.ª do seu contheudo; mas não duvido de que será apresentada a V.Ex.ª pelo Com. em Chefe.
”Arthur Wellesley”.
(comunicação de Wellesley ao Bispo-Presidente da Junta Provisional do Supremo Govêrno do Porto, publicada com o nº 255 nas Selections from the Dispatches and General Orders of Field Marshal the Duke of Wellington, Londres, 1842).

Torres Vedras festeja a vitória do Vimeiro

“Nos preliminares da capitulação foi o rio Sizandro constituido linha de separação do terreno, em que deviam conter-se os dois Exercitos, e Torres Vedras ficou neutral; assim tanto que o Exercito Inglez se adiantou para as alturas d’aquem Amial (fixando os Generaes os seus quarteis n’esse logar, e ainda mais no do Ramalhal) começou a ser innundada de gente annexa ao Exercito, recebida com vivissimo enthusiasmo, e prazer; e apezar da supposta neutralidade, houve sem demora sinceras, e voluntarias demonstrações de contentamento pela victoria, e communicação dos allidos. As auctoridades da Villa foram logo comprimentar os Generaes Inglezes, e de todas as visinhanças concorriam numerosos ranchos de pessoas, até do sexo feminino a observar o campo da batalha, o admiravel espectaculo do Comboio estacionado defronte do Porto Novo, e a brilhante linha e revista do Exercito alliado.
“No segundo dia em que se disfructava tanto prazer, houve um incidente, que o perturbou, e foi o rumor de que retrocedia o Exercito inimigo, e já se viam as suas avançadas; por cujo motivo as familias receosas das crueldades, que de certo experimentariam, procuraram precipitadamente ao menos a segurança das vidas com a fuga para a retaguarda da linha ingleza. Isto aconteceo perto da noite, tempo ainda mais opportuno para soffrerem saque as casas abandonadas; porém felizmente desvaneceo-se este rebate, e até se escapou do menor roubo, sem que se fizessem por isso muito sensiveis os incommodos de marchar a pé uma grande legoa,e de pernoitar no campo em uma tão bella estação.
“No intervallo em que se arranjavam diffinitivamente os artigos da capitulação, adiantou-se mais o Exercito Inglez a occupar as alturas situadas ao norte da Villa, desde o logar de Sarges até adiante do do Paul, e os Generaes tomaram quarteis nas casas mais proporcionadas. Ao mesmo tempo adiantou-se pelo flanco direito o Exercito Nacional vindo da Lourinhã para o logar da Encarnação, d’onde ultimamente passou para Mafra na mesma occasião, em que o Exercito Inglez dividido marchou pelas estradas do Sobral, e Bucellas, e pela da Enxara dos Cavalleiros, proseguindo até occupar a Capital.
“(...) Pelo que temos dicto fica manifesto, que sôbre esta Villa, e seus contornos carregou por dias o pêso de tres Exercitos (contando-se o Nacional por duas vezes, sendo a segunda quando se retirou para as Provincias); e apezar dos estragos causados nos fructos, que ainda se recolhiam, e estavam pendentes, tal é a fertilidade do terreno, e tal foi a particular abundancia d’aquelle anno, que se supprio ao fornecimento da tropa, e não padeceram falta os habitantes.”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.175-176).

Os icómodos de um “grande” de Torres Vedras

“O socego de que gozei na Quinta Nova” (Matacães) “ em todo este tempo, alterou-se muito desde o meio de Agosto até ao principio de Setembro” (de 1808), “por causa da retirada que os francezes fizeram da Roliça e da batalha do Vimeiro, e suas consequencias, que mais se fizeram sentir naquelle sitio vizinho ao theatro da guerra; então tomámos o partido de nos retirarmos para a Quinta de Carmões, d’onde sahimos antes das coisas estarem em inteiro socego, porque era preciso apparecer uma e mais vezes no Quartel General de Bernardim Freire de Andrade, que esteve muitos dias nas vizinhanças de Torres e em Mafra”.
(Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato (...) (1777 a 1826), ed. revista e coordenada por Ernesto de Campos de Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.54)

O armistício é contestado.O exército britânico prepara-se para voltar a combater, ocupando posições em T. Vedras

“Sir Hew Dalrymple enviava o coronel Jorge Murray a bordo do Hibernia, junto do almirante Cotton para este ractificar a convenção.
“O exercito inglês adiantou-se até ás alturas da Senhora do Amial, estabelecendo-se o quartel general do commandante em chefe no Ramalhal.
“Torres Vedras, apesar de ter sido considerada neutral, recebeu no dia 23 bastantes empregados do exercito inglês (...).
“Estavam todos já rejubilando-se com a proxima retirada francêsa, quando repentinamente se espalhou a noticia que as hostilidades iam recomeçsr e que até mesmo o inimigo vinha avançando (...).
“Fora o caso do almirante Cotton não quere admittir a neutralidade do porto de Lisboa relativamente á esquadra russa, que elle queria aprisionar, em virtude de instrucções que tinha do seu almirantado.
“Esta recusa ameaçava, pois, a rotura do armisticio dentro de 48 horas.
“No exercito inglês tudo se preparou para o movimento geral, e a ideia de que se iam renovar as operações era acolhida com verdadeira alegria pelos officiaes inglêses, que tinham ficado bastante desgostosos da maneira como o negociára com os francêses.
“Acrescia agora a circunstancia de ter chegado á bahia de Maceira as tropas de sir J.Moore” (chegou a 24 e fundeou a 25) “(... ) (1)
“(1) O desembarque das tropas de sir John Moore fez-se com grande difficuldade, pois levou 5 dias, e pereceram afogados bastantes marinheiros e soldados. Os transportes soffreram taes estragos que só 30 ficaram em condições de prestarem serviço (...).
“(...).
“Na previsão de se não reatarem as negociações tinha-se dado ordem ás tropas de Moore para irem ocupar Torres Vedras, emquanto que os restantes corpos, sob o commando de Wellesley, deixando sobre a sua esquerda a estrada do Ramalhal a Bucellas, iriam tornear a posição de cabeça de Montachique, e o corpo do general Bernardim Freire, avançaria para ir ocupar Mafra.
“De facto, o exercito inglês adiantou-se um pouco, indo estabelecer-se nos logares do Sarge, de Paul e Torres. As tropas portuguesas vieram estabelecer-se na Encarnação (Lobagueira).
“Sir Hew Dalrymple estava porém pouco resolvido a continuar a lucta e por isso enviou a Lisboa o coronel Murray para informar Junot da resolução do almirante Cotton, levando porém Murray plenos poderes para iniciar e concluir uma nova convenção.
“As negociações entre Murray e Kellermann tornavam-se demoradas e só a 30 d’agosto é que foi definitivamente assignado o tratado em Lisboa e ratificado por Dalrymple no dia 31 no seu quartel general de Torres Vedras.(3).
(3) Não ha rasão para chamar Convenção de Cintra á convenção feita entre os dois exercitos, pois não foi tratada, nem assignada n’aquella villa. Foi comtudo de Cintra que, com a data de 1 de setembro, Dalrymple enviou ao seu governo uma carta com a copia da convenção (...).
“Em virtude da nova convenção o almirante Cotton devia tratar em separado com o almirante russo Siniavan”.
(Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp.141 a 143).

Negociações para a convenção definitiva

“(...) quando o capitão Dalrymple, do regimento 29, trouxe o proposto tratado (ratificado pelo general Junot) que chegou aos 24 de agosto ao quartel general do Ramalhal, todos os tenentes generaes (Burrard, Moore, Hope, Frazer, Wellesley) estavam presentes; excepto lord Paget (que não fõra chamado). Comtudo discutiu-se formalmente o proposto tratado. O cavalleiro Wellesley assentou as minutas das alterações, que se propozeram, quaes se exhibiram a esta mesa, e o commandante das forças não teve rasão para crer, que o cavalleiro João Moore, ou outro algum tenente general que veiu com elle, exprimisse alguma desapprovação do estado e termos da negociação. O tratado com as alterações propostas, foi transmittido ao tenente coronel Murray.
“Apparece que o tratado concluido pelo tenente coronel Murray aos 30, foi trazido por elle a Torres vedras aos 31, para ser ratificado: convocaram-se os tenentes generaes que estavam presentes, e mandou-se chamar o cavalleiro Wellesley. Não veiu lord Paget, que estava distante nem tambem o cavalleiro Arthur Wellesley, por haver o seu corpo marchado n’aquella manhã. Os outros tenentes generaes (Burrard, Moore, Frazer, e Hope), vieram á conferência; approvaram-se as alterações, que fez o tenente coronel Murray, e foi o tratado então ratificado pelo commandante das forças o cavalleiro Dalrymple, com a approvação dos tenentes generaes presentes. Foram agora alterados, n’este tratado de 30, alguns artigos, que no tratado de 21, não mereceram a approvação dos tenetes generaes; e se inseriram outras boas alterações, que não haviam lembrado antes.”
(“Relatório da mesa da inquirição estabelecida em Inglaterra para indagar as circunstancias da convenção de Cintra”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº37, p. 65).

A Convenção de “Sintra”

“Os inglezes, costumados durante a sua guerra terrestre contra a França a constantes derrotas, julgaram cobrir-se de perennal gloria assignando uma convenção que os inhibia de colherem todas as vantagens que a sua victoria do Vimeiro lhes proporcionava (...). Dalrymple, demasiadamente apprehensivo na resistencia que os francezes lhe podiam ainda oppor na Cabeça de Montachique, e em outras mais paragens que ainda ha em frente da capital (...), não hesitou em lhes conceder: 1.º, que evacuassem Portugal com armas, bagagens, artilheria de calibre francez, petrechos de guerra e propriedades do exercito; 2.º, que o governo inglez lhes forneceria os respectivos navios para o embarque das suas tropas, ficando os doentes ao cuidado do governo britannico (...); 3.º, que emquanto o exercito francez não effeituasse o embarque se concentraria em Lisboa e em duas leguas á roda, e o inglez se approximaria tres leguas; (...) 6.º, que aos generaes se lhes permittiria levar as suas propriedades , condição a que o já citado almirante Cotton muito se oppoz, interpretando-a justamente como uma salva guarda de tudo quanto os interessados haviam roubado em Lisboa e pelo interior do reino”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 424-425).

A “Convenção de Sintra” desagrada aos portugueses

“Todo o povo portuguez forçosamente havia de receber com o mais vivo desagrado a noticia das condições estipuladas (...). O general Bernardim Freire protestou formalmente contra ella em 4 de setembro (...).
“A suprema junta do Porto tambem pela sua parte dirigiu ao gabinete de S.James uma representação contra as estipulações da convenção de Cintra, a que dentro em pouco tempo se seguiram igualmente as queixas que sobre o mesmo assumpto formulou a côrte do Rio de Janeiro, quando na data de 23 de novembro de 1808 expoz a lord Stangford, ministro inglez, na mesma côrte, a pouco ou nada lisa conducta dos generaes inglezes por occasião da assignatura da referida convenção, que tantas e tão consideraveis vantagens dava a Junot e ao seu exercito, e tamanhas desvantagens trazia para Portugal.
“(...) Não foi sómente n’este reino que a convenção de Cintra foi altamente censurada: na propria Gran-Bretanha succedeu a mesma cousa.
“(...) A consequencia de todos estes incidentes, produzidos pela convenção de Cintra, foi que o ministerio britannico, ou por convicção propria, ou por condescender com a opinião publica do seu paiz e poupar-se aos clamores da opposição, privou do commando os generaes que na negociação da referida convenção haviam tomado parte. Wellesley, cujos talentos tinham sido nullificados pela acção malefica de chefes mediocres, vendo que a guerra da peninsula se achava por causa d’elles entrada em mau caminho, deixou sem pezar algum o seu posto para ir retomar os seus trabalhos se secretario do governo da Irlanda e os de membro do parlamento”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 425 a 438).

O exército francês deixa Portugal

“Foi no dia 15 de setembro que os francezes evacuaram Lisboa definitivamente, embarcando-se nos differentes navios que se lhes tinham destinado no Tejo (...). O embarque effeituou-se com muito trabalho da parte dos inglezes, que mostraram muito zêlo e actividade em que os francezes se não molestassem. Evitou-se pois quanto possivel a effusão de sangue; mas houve ainda assim muita gritaria e indignação, acompanhadas de algumas pedradas, contusões e cabeças quebradas. O tenente general sir John Hope, commandante das tropas destinadas para aquelle effeito, proclamou ao povo de Lisboa, convidando-o a não perturbar a tranquilidade publica, e ao mesmo tempo afiançando-lhe que o general em chefe do exercito britannico estava ancioso por estabelecer o governo que o principe regente nomeára, quando se retirou para o Brazil (...).
“Ao embarque dos francezes seguiu-se o estabelecimento da antiga regencia, que o principe regente nomeára em Lisboa, por decreto de 26 de novembro de 1807, no momento de partir para o brazil, excluindo-se de fazerem parte d’este governo aquelles dos seus membros reputados em circumstancias de n’elle não figurarem pela sua adhesão, ou real ou supposta, ao partido francez”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 452 a 459).

Torres Vedras festeja a restauração do reino

“N’esta Villa” (de Torres Vedras) “foram grandes as demonstrações d’alegria pela gloriosa restauração do Reino em 1808. Logo no mez de Setembro do dicto anno os seus habitantes a festejaram com muitos dias de luminarias, e em seguida a Camara fez celebrar uma solemne Festividade em acção de graças na Matriz de Sanctiago, com mais tres dias de luminarias, prestito pelas ruas com o seu Estandarte (que já dias antes se tinha arvorado nos Paços do Concelho) dando vivas a S.A.R. o Principe Regente”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), nota (a) dos Editores, p. 177).

Um registo comemorativo de gosto popular

“Outra peça consagradora, mas esta a gosto popular, que a família Moura Borges guardava avaramente, deu entrada também no Museu, por solicitação minha, oferecida nobremente pela referida família: a tabuleta de A dos Cunhados.
“(...) É uma grossa tábua de pinho, de 0,03 m de espessura, 0,60 m de alto e 0,30 m de largo, pintada de branco numa das faces, tendo uma faixa larga de negro enquadrando os seguintes versos ingénuos e frementes de patriotismo:

NESTE LVGAR DOS CV-
CNADOS COM GRANDE
PRAZER E GOSTO FOI O PRIN-
CIPE ACLAMADO EM
19 D AGOSTO
1808 ERA
O ANO QVE CORIA
SACODIOCE O JVGO
FRANCES RESTAV
ROVSE A MONAR
QVIA

“A tabuleta apresenta os dois orifícios com que fora pregada na praça onde se fazem as transacções do peixe, da praia do Porto Novo, no lugar de “A dos Cunhados”.
“Depois, o primeiro proprietário da tabuleta, o Capitão Luís Paulo Cosme, que providencialmente a recolheu, utilizava-a, cedendo-a ao sapateiro que lhe ía a casa consertar o calçado para a numerosa família, e a madeira acusa bem o uso inglório que dela faziam”.
(Rafael Salinas Calado, Memórias dum Ferro-Velho, Lx. 1947, pp. 21-22).

Sobre a expressão popular “ir para o maneta”

“Designa ela o mais fatal dos desastres e invoca indirectamente o rol de vítimas que por cá fez o comandante da 2ª Divisão do Exército da Observação da Gironda. general Luis-Henri Loison a quem, de facto, faltava um braço, no qual rol se incluia a modesta participação de Mafra, na pessoa de Jacinto Correia, fuzilado numa alameda do Convento por ter ceifado mortalmente dois soldados do dito Maneta . A expressão terá sido usada pela primeira vez por ocasião do passamento do Cambão da Rua das Mestras, fulminado por uma apoplexia quando acertava meias solas numas botas do Pinto Careca que, indo por elas, o encontrou esticado ao pé da banca, empunhando ainda a sovela. O qual Pinto demandou a estalagem do Pipa, a afogar o choque emocional numa tigela de tinto, depois de anunciar à freguesia : “O Cambão lá foi para o Maneta!”.
(do romance de Álvaro Guerra, Razões de Coração, ed. Publicações Dom Quixote, 1991, pp.285-286).

8 – Preparativos para enfrentar novas invasões

Torres Vedras fortifica-se

“Illustrissimos senhores vereadores:
“Tendo sido mandado por Sua Alteza Real para fortificar provizoriamente esta villa,” (Torres Vedras) “precizo par por em pratica o q se tem projectado que Vossas Senhorias me fornessão na manhã de segunda feira dez do corrente (...) na meia laranja da Ponte de Mentira o seguinte: trinta trabalhadores, dez enxadas, dez cêstos, quatro picaretas, duas paviolas e dois (...?) - Torres Vedras oito de Abril de 1809”
“Tenente Coronel de Enginharia; Cypriano José da Silva, encarregado pella Regencia em nome de Sua Alteza Real para a Fortificação d’esta villa”
(in Livro nº24 dos Acordão da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), sessão de 8 de Abril de 1809, ff. 193v-194, AMTV) .

Torres Vedras melhora o sistema de comunicações

“Tendo-se estabelecido signaes em cazo de rebate para avizar os Povos pertencentes a esta capitania mór, se determinou por ser o metodo mais facil o uzarem de foguetes para o que se fazem precizos quatro duzias de foguetes de quatro respostas cada hum. Rogo portanto a Vossa Senhoria queira mandallos apromptar com toda a brevidade como tambem seis covados de sarafina ou outra qualquer fazenda encarnada que devem servir para signaes de Faxos”
(oficio do Governo Militar, datado de 6 de Abril de 1809, enviado à Câmara de T.Vedras, in Livro nº24 dos Acordão da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), sessão de 8 de Abril de 1809, f.196, AMTV) .

Beresford reorganiza o exército português

Em Março de 1809 tomou posse, como “marechal commandante em chefe do exercito portuguez” o Marechal inglês Guilherme Carr Beresford, nomeado para essas funções por “Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal” com o objectivo de organizar o desbaratado exército português.
Encontrou esse marechal grandes dificuldades para conseguir esse objectivo, confrontando-se com hábitos enraizados que ele não se cansava de denunciar nas suas “ordens do dia”. Através delas podemos ficar com uma idéia dos usos e costumes dos soldados portugueses dessa época, bem como da indisciplina que existia no seu seio.
São alguns excertos dessas “ordens do dia” que a seguir transcrevemos:

“O Snr. Marechal não sómente recommenda, mas insiste que se tenha a maior attenção á limpesa dos diferentes Corpos pois que a falta de aceio he a causa das muitas molestias que tem sofrido o Exercito, e Ordena por tanto que se obriguem os Soldados a lavarem-se frequentemente, e com particularidade os pés, pernas, cabeça e mãos (...). Sem limpesa he impossivel o conservar-se a saude, e o estarem cançados não póde servir de desculpa, porque depois de huma marcha longa, e fatigante nada refresca tanto como o lavar (...)” (ordem do dia de 21 de Agosto de 1809)

“He com bem pezar que Sua Excellencia o Sr. Marechal Commandante em Chefe, foi informado, e observou elle mesmo a irregularidade na marcha de muitos Soldados de quasi todos os Corpos, e a pilhagem que tem feito em muitos lugares (...). Já está prohibido a todo o Soldado o affastar-se das fileiras, porque nunca ha necessidade para isto, e aquelles que se afastão, he sempre com o objectivo de se separarem dos Officiaes para pilharem.(...)” (ordem do dia de 3 de Outubro de 1810).

“Torna-se a annunciar ás Tropas, que todos os individuos que forem apanhados pilhando ou roubando, serão enforcados, e todos os extraviados ou Soldados ausentes dos seus Corpos, serão castigados no lugar em que forem achados sem mais forma alguma de processo” (ordem do dia de 4 de Outubro de 1810).

“Sua Excellencia o Senhor Marechal (...) está tão admirado como descontente de vêr, que Soldados de muitos Corpos trazem postos os seus capotes durante a marcha; e mesmo que se cobrem com cobertores, fazendo delles capotes; prohibe Sua Excellencia absolutamente isto, porque quando chove, os Soldados que tem experiencia devem saber, que hum tal meio não os livra de se molharem, pelo contrario os capotes se molhão tambem e se tornão assim muito pezados, e fatigão o Soldado na marcha, e quando chega ao fim desta, não tem nada enxuto para se cubrir em quanto enxuga o seu fato (...)” (ordem do dia de 10 de Outubro de 1810).

“Sua Excellencia o Sr. Marechal, manda declarar aos Corpos que he á quantidade de pão, e á qualidade deste que devem attender, e de modo algum á sua fórma, isto he, se este se lhes distribue partido, ou não.

“Tem-se feito muito reparavel ao Sr. Marechal, que os Corpos tenhão tanta munição estragada, e julga ser huma das cauzas, o fazerem os Soldados da Patrona” (cartucheira) “ Traveceiro (...)” (ordem do dia de 1 de Novembro de 1810).

“O (...) Marechal Beresford foi informado, de que alguns Commissarios das Brigadas, e dos Corpos, e até pessoas por elles mandados, tem aprehendido algum gado, daquelle que se achava coberto pela linha da defeza, sem que este fosse pago a seus donos, nem mesmo se lhe désse clareza alguma; Sua Excellencia prohibe taes violencias (...) “ (ordem do dia de 13 de Dezembro de 1810).

(Collecção das Ordens do Dia do illustrissimo e excellentissimo senhor Guilherme Carr Beresford..., vários volumes, Lisboa).

9 – A origem das “Linhas de Torres Vedras”.

O levantamento do coronel Vincent

“Pouco depois de Junot se ter apoderado do Governo do Reino, constou em Lisboa, que os inglezes preparavam um desembarque de tropas na Figueira, Junot mandou ali o coronel Vincent, chefe da engenheria do seu exercito, a fim de fazer um reconhecimento da região e estudar os meios de obstar a qualquer desembarque dos inglezes; Vincent que era um engenheiro militar distincto e activo, não só fez o reconhecimento do terreno ao longo da costa, mas principalmente no seu regresso a Lisboa, da peninula entre o Tejo e o Oceano. Vincent reconhecendo o partido que podia tirar, para a defesa de Lisboa, da natureza do terreno entre o Tejo e o oceano, e não tendo uma planta d’esta região, pois a não havia no nosso Archivo que elle bem conhecia, tendo até augmentado o pessoal do gabinete e desenho para obter copias dos trabalhos existentes, encarregou o então tenente coronel do Real Corpo de Engenheiros, Francisco Bernardo de Caula, com dois officiaes a sua escolha de proceder ao levantamento d’esta planta (...).
“Caula propoz, para o auxiliarem, os dois officiaes então em serviço no Archivo Militar, os majores do Real Corpo de Engenheiros José Maria das Neves Costa e Joaquim Norberto Xavier de Brito (...). Dos dois officiaes escolhidos apenas Neves Costa foi empregado n’este serviço, Caula fez a maior parte da triangulação, a parte restante,o estudo do detalhe e reconhecimento militar do terreno ficou a Neves Costa.
“(...) Caula tinha sido ajudante do Dr. Ciera, nos trabalhos da Carta do reino, mas, tendo só o curso da Academia de Marinha, não tinha pratica de reconhecimentos militares; Neves Costa tinha sido alumno premiado das duas Academias de Marinha e de Fortificação, tinha quasi sempre sido empregado em trabalhos de reconhecimento, andando com o Conde de Chambors, ás ordens do Marquez de La Rosière, nos trabalhos de reconhecimento da fronteira do Alemtejo(...).
“Durante o governo de Junot, foi levantada a parte da planta ao longo da costa, expulsos os francezes ficaram suspensos estes trabalhos”.
(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26, pp. 7 a 9).

A Importância de Neves Costa-1

“Em 26 de outubro de 1808, Neves costa fez uma representação ao Conde da feira, secretario da regencia, em que lhe expunha a necessidade e as vantagens da continuação d’este trabalho, esta sua representação foi attendida, sendo, para mais rapida conclusão do trabalho nomeados mais officiaes para o coadjuvarem.
“Por aviso, do commandante do real Corpo de Engenheiros, Antas Machado, de 28 de novembro de 1808, é Neves Costa encarregado do reconhecimento militar e levantamento da planta do terreno ao norte de Lisboa, sendo nomeado para o coadjuvar o 2º tenente José Feliciano Farinha; e o tenente Caula, auxiliado pelo major Joaquim Norberto Xaviar de Brito, é encarregado dos trabalhos de triangulação, isto é, da medida trignometrica dos pontos principaes d’aquelle terreno, para organisação da referida planta.
“Antas Machado, assim como os officiaes portuguezes e estrangeiros d’aquella epocha, entendiam que Lisboa se devia defender por uma primeira linha de defensa proximo da capital, não tendo emgrande consideração os trabalhos de Neves Costa; e (...) manda interromper os trabalhos de levantamento da planta e reconhecimento militar do terreno ao norte de Lisboa, sendo, Neves Costa, mandado servir, ás ordens do tenete general E Rodrigo de Lencastre, nas obras de fortificação de Lisboa (...) e o tenente coronel Caula nomeado Governador militar de Villa Franca.
“Em 18 de fevereiro de 1809 conseguiu, neves Costa, ser novamente encarregado de concluir o trabalho da planta do terreno ao norte de Lisboa, não sendo então nomeados os outros dois officiaes para o coadjuvarem; em 4 de março d’esse anno concluiu o trabalho da planta do terreno,que remetteu em officio ao Secretario da Guerra, Pereira Forjaz, ficando empregado na redacção da respectiva memoria; mas, em 17 de abril, Antas Machado mandava-o novamente para as fortificações de Lisboa (...), onde esteve, até que no principio de maio, por intervenção do Secretario da guerra, Pereira Forjaz, é dispensado do serviço para concluir a sua memoria, trabalho que concluiu e remetteu em oficio ao referido Secretario da Guerra, em 6 de Junho de 1809, sendo a sua memoria e planta do terreno presentes a Lord Wellington.
“Esta planta, apresentada em esboço, foi depois passada a limpo no Archivo Militar e accrescentada com a parte do terreno ao longo da costa, copiada d’uma planta da barra de Lisboa, que já existia, pelo major Franzini.
“Em 26 de outubro de 1810 apresentou-se no Archivo Militar o capitão dos Reaes Engenheiros britannicos, Dickinson, com um officio do tenente coronel Fletcher para, por ordem de Lord Wellington, lhe ser entregue uma copia a limpo dareferida planta”.
(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 1ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26, pp. 9 a 11).

A Importância de Neves Costa-2

“(...)até junho de 1809, epoca em que a memoria de Neves Costa, foi presente a Lord Wellington,os generaes e engenheiros militares portuguezes e ingleses, entendiam que o systema de defesa de Lisboa era o da defesa proxima da capital, devendo ser organisada a primeira linha de defesa, tendo o seu flanco direito n Cruz de Pedra, o centro na Penha e Alto do Carvalhão e a esquerda na Ribeira d’Alcantara.”
(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, Revista de Engenheria Militar, nº 1-16º ano, Janeiro de 1911, pp.5-26, p.14).

Wellington desmente a importância de Neves Costa...

“Nunca tive por habito deixar de elogiar os officiaes que estão debaixo das minhas ordens, quando o merecem, ou de os recommendar a lembrança e generosidade dos seus superiores e do seu soberano; mas protesto sollemnemente contra a pretensão do major Neves Costa e do coronel Caula, de se arrogarem a formação do plano, ou concepção do systema que se seguiu para a salvação de Lisboa, debaixo da minha direcção.
“V. Ex.ª deu-me em 1809 um plano do paiz em questão e uma memoria feita pelo major Neves. Todavia sou forçado a declarar que apenas examinei os logares, achei o plano e a memoria por tal maneira inexactas, que nenhuma confiança pude ter n’ellas. É um facto que, tendo-me referido n’uma única occasião ao citado plano e memoria, sem ter reconhecido os logares, vi-me obrigado a fazer uma segunda viagem a Lisboa no mez de fevereiro de 1810, de que resultou mandar destruir as obras que se tinham começado, levantando-se outras em seu logar”
(“Despacho do Duque de Wellington por Gurvoord”, Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p.532).

... tal como Luz Soriano

“Pelo que respeita á promptificação da carta militar, feita pelo major Neves Costa, e á da sua memória descriptiva, não nos parece haver n’isto cousa que possa ser de gloria especial para o seu auctor, poisque qualquer outro official de engenheiros, a quem o governo commettesse similhantes trabalhos, seguramente os desempenharia por um modo analogo á sua capacidade: era uma cousa propria da sua profissão, e não podia haver n’ella outro merito mais do que o da sua maior ou menor exactidão e perfeito acabamento. Agora quanto a ter elle sido quem preveníra lord Wellington no seu projecto das linhas defensivas de Lisboa, e a ter sido o promotor da carta topographica do terreno ao norte da referida cidade e da respectiva memoria descriptiva; e finalmente a ter indicado na sua dita memoria a maior parte das posições que o dito lord mandára depois fortificar (...) são os tr~es pontos que verdadeiramente nos cumpre examinar.
“(...) a idéa de defender Lisboa por meio de linhas defensivas ou fortificações, segundo as circumstancias e o systema dos differentes tempos, nem é privativa de lord Wellington, nem d’elle major Neves Costa, pois data conhecidamente do dominio dos mouros em primeiro logar, e depois d’elles do reinado de el-rei D. fernando entre nós. (...) tambem já em tempos muito mais proximos ao nosso, como os dois reinados de el-rei D. João IV e D. Affonso VI, houve igualmente entre nós quem procurasse defende-la, mesmo pelo moderno systema de posições fortes pela natureza, como se prova por esse começo de fortificações que se vê, não só na quinta dos viscondes da Bahia, no sitio de Entremuros, na parte que olha para a baixa da Palhavã e quinta dos antigos marquezes de Louriçal, mas até mesmo em algumas partes da ribeira de Alcantara. (...) já no anno dd 1799 fôra apresentado ao governo portuguez um plano detalhado da defeza de Lisboa pelo general inglez, sir Carlos Stuard, pae do individuo que com o mesmo nome foi alguns annos depois ministro de Inglaterra junto aos governadores do reino, poisque o dito general viera em 1797 para Portugal com uma divisão auxiliar(...). Tambem (...) o general Gomes Freire de Andrade apresentara igualmente em 1801 um plano de defeza das Lisboa, por occasião da nossa desgraçada guerra com a Hespanha e a França n’aquelle anno. Acresce a isto que nos primeiros assomos de resistencia aos francezes, concebidos em 1806 pelo ministro de guerra, Antonio de Araujo de Azevedo, antes da partida da familia real para o Brazil, acha-se tambem incluida a idéa da defeza de Lisboa, apresentada por elle a D. Miguel Pereira Forjaz, que trabalhava no seu gabinete, e se diz ter para tal fim confeccionado um plano, de que nada resultou, em consequencia de se ter depois effeituado a referida partida, chegando todavia a realisar-se em esboço o mappa dos terrenos, que vão desde Villa Franca até Torres Vedras.
Na falta porém de documentos com que possamos abonar a existencia dos tres planos que acabãmos de expor, diremos, fundando-nos para isso nos papeis officiaes, que já antes do major Neves Costa ter entregado a sua allegada memoria descriptiva, cuidava o mesmo D. Miguel Pereira Forjaz nas fortificações de Lisboa, como se prova pelo officio que na data de 1 de abril de 1809 dirigiu ao marechal Beresford, participando-lhe ter expedido as competentes ordens ao inspector das obras publicas, o major de engenheiros Duarte José Fava, para com os competentes louvados avaliar os prejuizos causados aos particulares com as obras das fortificações que se íam executar, e postoque ainda não tivesse recebido aviso de taes avaliações se terem feito, prevenia-o de que não devia por modo algum retardar a execução da fortificação, porque em todo o tempo se podia concluir aquella diligencia.Ao chefe dos engenheiros inglezes, o proprio tenente coronel Fletcher, chegado a Lisboa nos primeiros dias do citado mez de abril, se lhe haviam já por aquelle tempo commettido os trabalhos da fortificação da capital, como se vê de um outro officio, que na data de 12 do referido mez o mesmo D.Miguel Pereira Forjaz tornou a dirigir ao marechal Beresford, communicando haver-se-lhe apresentado o referido tenente coronel de engenheiros, o qual, tendo de acompanhar o exercito britannico, lhe dissera que deixaria em seu logar um official da sua confiança, para dirigir e vigiar a execução dos trabalhos da fortificação de Lisboa, e para que n’elles houvesse a precisa actividade e conveniente acordo, tencionava commissionar para aquelle fim, alem do dito official, o chefe dos engenheiros portuguezes, o marechal de campo José de Moraes Antas Machado. Era effectivamente d’este general e não do major Neves Costa o plano das obras defensivas com que no citado mez de abril de 1809 se buscou guarnecer Lisboa, por escolha de posições fortes pela natureza, entricheirando-as entre si, como se prova pela memoria descriptiva que da respectiva linha nos deixou o citado general. Acresce mais que alem d’elle tambem o lente da antiga academia de fortificação, Lourenço Homem da Cunha d’Eça, se mandou ouvir sobre a defeza de Lisboa, como se vê da memoria que atal respeito dirigiu ao goveno em março de 1809 , dizendo-lhe que a linha defensiva da capital devia passar pelas alturas de mafra, Cabeça e Bucellas, tendo a direita na Alhandra, a esquerda na Ericeira e o centro na Cabeça e Bucellas. Resulta pois do que temos dito que a idéa de defender Lisboa por meio das vantagens que offerecem os terrenos fortes pela natureza nas vizinhanças d’esta capital, quer seja na sua maior ou menor proximidade, nem é privativa de lord Wellington, nem tambem do major Neves Costa. Vejamos agora se a este official cabe ou póde caber alguma parte no que directamente diz respeito ás chamaas linhas de Torres Vedras.
“(...) Napier (...) diz (...) o seguinte: “As montanhas que cobrem a lingua de terra em que Lisboa está edificada deram a idéa original da defeza d’esta cidade.Lord Wellington tinha em seu poder bem feitas e exactas plantas, executadas em 1799 por sir Carlos Stuard, assim como as minutas do coronel Vincent, dos engenheiros francezes, mostrando a maneira como estas montanhas cobriam a capital e por ellas se podia defender. A estes preciosos documentos se attribue pois a idéa original das celebres linhas de Torres Vedras. Comtudo aquelles officiaes (Stuard e Vicent) só tinham considerado o terreno com relação á defeza, que n’elle podia fazer um exercito em movimento, na presença de um inimigo de forças iguaes ou superiores. Foi portanto lord Wellington o primeiro que concebeu o projecto de transformar estas vastas montanhas n’uma immensa e inexpugnavel cidadella, na qual se encerraria a independencia de toda a peninsula”.
“(...) os trabalhos do reconhecimento do coronel Vincent, como tambem succede aos de neves Costa, não tinham por fim a ligação de linhas intrincheiradas, que lord Wellington deu ás posições que lhe pareceram convenientes para formar taes linhas, e constituirem a cidadella inexpugnavel de que falla Napier. E tendo o citado major Neves Costa acompanhado o coronel Vincent nas suas incursões ao respectivo terreno, é um facto que a carta topographica e a memoria descriptiva por elle apresentadas a D. miguel Pereira Forjaz, são em tudo modeladas pelo mesmo systema do referido coronel, tendo por principal objecto, como este diz, mostrar as differentes estradas que pelos terrenos ao norte de Lisboa se dirigem para esta cidade, e provar a facilidade que há em lhe defender o accesso, cousa que o mesmo Neves Costa pela sua parte confirma igualmente, quando nos diz que o alvo dos seus trabalhos não era designar um determinado plano de defeza, mas sim descrever todas as posições fortes pela natureza, que se podiam aproveitar para formar outros tantos systemas ou planos particulares defensivos.Possuindo pois lord Wellington as minutas do coronel Vincent, como afirma Napier, de pouco lhe poderiam servir a carta topographica e a memoria descriptiva do major Neves Costa, já por estar senhor das minutas do coronel francez, e já porque a inspecção que pessoalmente fez do respectivo terreno lhe dispensava até mesmo as citadas minutas, a não o termos por tão inhabil, que lhe fosse preciso quem lhe demonstrasse o que os seus olhos viam, ou as posições que mais lhe convinha incluir nas linhas que pretendia levantar.
“(...)
“Um outro argumento que o major Neves Costa apresenta no seu folheto, parecendo ter grande força, para provar ter elle sido o iniciador das linhas de Torres Vedras, é o dizer que a maior parte das posições comprehendidas por lord Wellington nas referidas linhas já por elle tinham sido indicadas na sua memória de reconhecimento. Este argumento não é para nós convincente, porque as posições fortes de qualquer terreno, que se pretenda defender, a todo o homem entendido na materia por si mesmas se lhe fazem reconhecer como taes, apenas lance os olhos sobre o referido terreno (...).”
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 521-530)

O Plano de Wellington

“Lord Wellington (...) n’uma carta que para o Rio de Janeiro dirigiu ao principe regente de Portugal, (...) diz que feita a paz da França com a Austria no mez de outubro de 1809, o unico corpo organisado, que na peninsula podia manter o campo contra o inimigo commum, era o exercito alliado do seu commando e que sendo por outro lado indispensavel manter a comunicação com o referido principe e com a Gran-Bretanha, tomou por ponto capital do seu plano a conservação da cidade de Lisboa e a do Tejo, cuja posse tão importante era igualmente para o inimigo. Alem do exposto, acrescia tambem que as circumstancias exigiam não dever elle arriscar temerariamente esse unico corpo de salvação para a peninsula, e talvez mesmo que para toda a Europa, aos imprudentes azares de uma batalha, cuja decisão, tão incerta como para elle era, podia ser a ruina total da causa commum, parecendo-lhe portanto que o plano mais seguro, no meio das circumstancias em que se achava, era o da guerra defensiva, que com tanta rasão a prudencia lhe aconselhava como cousa mais salutar por então. Taes foram pois as causas que com tanto acerto o levaram a escolher uma posição em que se podesse com toda a segurança manter. Esta posição não podia deixar de ser effectivamente Lisboa, por ser esta cidade a chave de todos os recursos do reino, por não poder ser torneada pela retaguarda pelo inimigo, e finalmente por ser por meio d’ella, e do seu magnifico porto, que estava em segura e constante communicação com o mar, tanto porque d’elle lhe vinham os recursos de que precisava, como porque por meio d’ella podia effeituar uma retirada para o seu paiz, se porventura algum grande desastre a isto o obrigasse. Alem do exposto, esta posição dava-lhe de mais a mais a vantagem de dominar todas as estradas e caminhos, que a ella se dirigiam; de poder n’ella fortemente intrincheirar-se, e por modo tal, que podesse formar uma praça de armas, onde concentrasse todas as forças defensivas do reino, o exercito, as milicias e as mais tropas irregulares, e onde conjunctamente com os inglezes, estas forças estivessem aprovisionadas de viveres e munições por cero espaço de tempo, entretanto que elle ocuparia o campo de batalha que julgasse mais favoravel para decidir, quando lhe aprouvesse, n’uma acção geral a sorte da capital e do reino, e talvez mesmo que da Europa (...)”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 535-536).

A defesa de Lisboa....

“O grande objectivo em Portugal é a posse de Lisboa e do rio Tejo e todas as medidas terão de ser dirigidas com este objecto em vista. Existe um outro, ligado igualmente com este primeiro objectivo para o qual devemos também prestar atenção, e que é o embarque das tropas britânicas em caso de revés.
“Qualquer que seja a época do ano em que o inimigo possa entrar em Portugal ele fará o seu ataque provavelmente por duas linhas distintas, uma a norte do Tejo e outra asul; e o sistema de defesa adoptado terá que levar em conta este facto.
“(...) O objectivo dos aliados deverá ser o de obrigar o inimigo, tanto quanto possível a realizar o seu ataque com o corpo do exército concentrado: Eles deverão ficar em todas as posições que o terreno possa permitir, o tempo necessário para permitir que a população rural local evacue as vilas e aldeias levando consigo ou destruindo todos os meios de subsistencia e meios de transporte que não forem necessários aos exércitos aliados; cada corpo do exército deve ter o cuidado de manter as suas comunicações com os outros e a sua distância relativa do lugar de junção.”
(Excerto do memorando do duque de Wellington para o tenente coronel Fletcher, datado de Lisboa , a 20 de Outubro de 1809, citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.20-21, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

...e do exército britânico

“A maior parte dos autores perfilham a opinião errada de serem as linhas de Torres Vedras destinadas a proteger Lisboa. Ora a verdade é que o fim das linhas que Wellington mandou levantar só subsidiàriamente era esse. O seu projecto de campanha (...) era tornar práticamente impossível a vida de um exército invasor, destruindo ou transportando para outro ponto todas as produções utilizáveis do País. Assim a região escolhida pelos Franceses para seguirem a sua marcha em Portugal tornar-se-ia numa espécie de deserto, em que o invasor não poderia subsistir. (...) O Governo Português procurou transportar para fora das suas residências os habitantes da zona em que operavam as tropas francesas, mas (...) a evacuação dessas regiões não foi total. Todavia, aqueles que se mantiveram nas proximidades das suas habitações afastaram-se da zona de marcha, refugiando-se em pontos pouco acessíveis e levando consigo ou escondendo os objectos de maior valor e as subsistências (...). Ora, para proteger o exército aliado, que retirava sem combater ou resistindo só em condições excepcionalmente favoráveis, e também para abrigar as marchas de habitantes afastados dos lugares de onde tiravam os seus meios de vida, era necessário criar uma linha contínua e suficiente forte para tais fins. Por outro lado, como as tropas inglesas tinham, em regra, mostrado fraca capacidade combativa no continente, Wellington procurava evitar uma acção que pudesse tornar-se geral, comprometendo a existência do seu exército, não só por motivos exclusivamente militares, mas também por causa da política interna da Inglaterra, onde existia um forte partido de oposição ao Governo e favorável à retirada das tropas expedicionárias para a sua Ilha.”
(Gastão de Mello de Mattos, “Torres Vedras, Linhas de (1810)”, in Dicionário de História de Portugal, vol. VI, 2ª ed. , pp.180 a 182)

Condições naturais da região de Torres Vedras

“Quem, dirigindo-se de Tôrres Vedras para Lisboa, tranpõe a cumiada da Serra da Vila, por onde, pouco depois de deixar aquela povoação, vai serpeando a estrada velha, vê diante de si um extensíssimo vale, verdejante e risonho, cuja harmonia não conseguem destruir uma ou outra colina e no qual a espaços se destaca das verdejantes e ferteis várzeas a alvura dos povoados e casais, dando ao observador a suave impressão duma feliz e inalteravel paz rural. Espraiando a vista por essas paragens, divisa-se a cêrca de duas léguas para o sul uma linha de alturas, que, erguendo-se do lado do Oceano, junto ao sítio de Ribamar, cortam e limitam o horizonte, estendendo-se para leste até se perderem de vista, na direcção do Tejo. Essa linha de contornos irregulares, mas sempre de aspecto formidavel, onde se assinala primeiro Mafra, pelas gigantescas tôrres do seu convento, e depois Montachique e Bucelas pelo branquejar da casaria, apresenta-se, mesmo a olhos inexperientes, quanto mais aos conhecedores dos processos da guerra, como uma barreira que, resolutamente defendida, só á custa de muito sangue poderá ser senhoreada.
“Não passou ela certamente despercebida ao grande e experimentado homem de guerra que era Wellington, nem aos do seu séquito, quando pela primeira vez a viram, em setembro de 1808, ao dirigirem-se vitoriosos a Lisboa, depois de negociada a convenção, por Tôrres e Montachique (...)”
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 339-340).

Wellington decide-se pela construção das Linhas de Defesa

“(...) em outubro do aludido ano de 1809, quando o exército estava acantonado nas margens do Guadiana, veiu êle” (Wellington) “ a Lisboa e percorreu durante alguns dias o terreno em questão, acompanhado do coronel Murray, seu quartel-mestre general, e o tenente-coronel Fletcher, ao qual deixou instruções tão precisas quanto o póde dar um general chefe, para a execução do seu pensamento, que se póde resumir no seguinte: escolher uma posição suficientemente ampla para abrigar todas as tropas, quer da primeira, quer da segunda linha, das duas nações, que lhes permitisse ocupar uma situação vantajosa para cobrir Lisboa, séde dos recursos do país, e que não pudesse ser torneada nos seus flancos pelo inimigo, devendo ter uma comunicação segura com o mar, para permitir o embarque das tropas inglesas no caso de revezes sucessivos as obrigarem a êsse extremo”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 341-342).

A quem atribuir a origem das Linhas de Torres Vedras-1

“(...) podemos pois concluir que as linhas de Torres se devem a Vincent que, conhecendo as vantagens que podia tirar para a defesa de Lisboa da natureza do terreno ao norte, mandou levantar asua planta.
“A Neves Costa que, primeiro por ordem de Vincent e depois por iniciativa propria, levantou a planta do terreno e escreveu uma Memoria do seu reconhecimento militar em que detalhadamente descreve as differentes posições com valor militar que cada uma d’ellas tem; a qual foi entrgue a Lord Wellington em junhio de 1809 e o levou ao estudo e organisação das Linhas.
“A Fletcher que, pela sua intelligencia, actividade e boa organisação dos trabalhos, pôde em tão curto espaço de tempo, oprganisar tão completamente as duas linhas de entrincheiramento.
“Ao nosso povo que, animado do maior patriotismo, a tudo se sacrificou para defesa da patria”.
(Vieira Ribeiro, “Neves Costa e as Linhas de Torres Vedras”, 2ª parte, Revista de Engenheria Militar, nº 2-16º ano, Fevereiro de 1911, pp.49-59, p.58).

A quem atribuir a origem das Linhas de Torres Vedras-1

“É nossa convicção que, a admittir-se iniciativa que suggerisse a lord Wellington a construcção e levantamento das citadas linhas de Torres Vedras, tal iniciativa se deve attribuir: 1º, à muralha com que el-rei D. Fernando carcára Lisboa e ao bom resultado qu aoabrigo d’ella tirou seu irmão, el-rei D. João I, quando em 1384 resistiu aos exercitos castelhanos; 2º, á conducta de Francisco I, rei de França, quando em 1536 se oppoz á invasão que o imperador Carlos V fez na Provença; 3º ao mappa topographico dos terrenos ao norte de Lisboa, levantado ou mandado levantar pelo general Stuard, mappa que acompanhava sir Arthur Wellesley, quando em 1808 veiu para Portugal, segundo o seu proprio testemunho, mencionado no seu relatorio á commissão de inquerito, instituida em Londres n’aquelle mesmo anno, 4º, finalmente de novo ao referido mappa, de que tornou a munir-se no anno de 1809, quando por segunda vez veiu a Portugal, e ás minutas do coronel Vincent, que tambem comsigo trazia(...)”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, 531).

10 – A construção das “Linhas de Torres Vedras”.

Descrição - 1

“A construção das Linhas começou pelos fortes de S.Julião, Sobral e Tôrres, em 3 de novembro de 1809; (...). Na primavera de 1810 estava tudo em pleno andamento e a azáfama era grande.
“Quando o exército aliado ocupou as Linhas, em outubro de 1810, as duas mais avançadas numeravam 126 obras com 427 bocas de fogo; mas os trabalhos continuaram durante a permanência das tropas ali e ainda posteriormente, até ao ano de 1812, em que foram dados por concluidos, elevando-se então o número das obras a 152 e as bocas de fogo a 534, exigindo um total de 34.125 homens para a sua guarnição.
“Toda a artilharia com que se guarneceram as obras daquêle extenso perímetro de fortificações, foi fornecida pelo Arsenal do Exército, de Lisboa, então debaixo da direcção do general José Antonio da Rosa (...).
“As obras subordinavam-se na sua posição, na fórma, e no tamanho, ao objectivo que cada uma tinha em vista, resultando daí haver entre elas diferenças consideraveis.
“Assim, ao passo que uns redutos tinham capacidade para 50 homens e 2 bocas de fogo, outros alojavam até 500 praças e 6 peças. Distinguia-se, porém, de todos, o forte de S.Vicente, em Tôrres Vedras, cuja lotação era de 2.200 homens e 50 bocas de fogo, e o nº 14, a que o povo chamava Forte Grande, na Serra dos Cazais, a uns 2 Kilómetros ao sul do Sobral, que alojava 1.000 defensores e assentava nos seus parapeitos 25 canhões, sendo tais o seu tamanho, construção e meios de resistência, que até poderia sofrer um cêrco regular.
“(...) Nalgumas pequenas obras avançadas aproveitaram-se os moinhos, organizando-os defensivamente.
“Á medida que se iam aprontando, as fortificações iam sendo numerados por meio de algarismos inscritos em grandes taboletas, de modo a verem-se bem, de longe, mas como não ha campo, nem monte, nem vale, nem chã, nem portela que não tenha nome, em breve o povo as apelidou a todas e era pelo nome que as conhecia e conhece ainda hoje.
“Afim de permitir uma facil comunicação entre tantos pontos fortificados, construiram-se, onde os não havia, caminhos nas encostas das montanhas, ocultos das vistas do inimigo, e assim se obteve atrás de cada linha uma estrada contínua, suficientemente larga e calçada, correndo do Tejo ao Oceano.
“Ainda hoje existem em grande parte, e na tradição dos povos daquelas regiões ficou-lhes o nome de -- estradas militares”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 346 a 348).

Descrição - 2

“As defesas eram de toda a espécie possível. Os rios foram represados e as vias de acesso aos sopés dos montes numa extensão de muitos quilómetros foram transformados em pantânos intransponíveis. As estreitas ravinas foram bloqueadas com abatis, atravessando uma grande ravina elevou-se um muro de pedra com 16 pés” ( 4,9 metros) “ de espessura e 40 pés” (12,2 metros) “ de altura. Ao longo do cume de um monte e por uma distancia de 3 milhas” (4,8 kilómetros) “ amontoaram-se muros de pedra com 6 pés” (1,8 metros)” de altura e 4 pés” (1,2 metros) “ de espessura. Num ponto o monte foi escarpado numa distancia de 2.000 jardas” ( 1.328,8 metros) “ de modo a formar um precipício que não podia ser escalado. Num plano geral as linhas consistiam de fortificações fechadas espalhadas pelas duas cadeias de montes. Em certos locais as fortificações expandiram-se até atingir a escala de acampamentos militares sendo o todo ligado com todos os tipos de defesa. As fortificações estavam de tal modo relacionadas umas com as outras que a frente toda era varrida por fogo cruzado; e todas as aproximações da linha exterior tinham sido desnudadas de vegetação até se parecerem com uma ladeira”.
(citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.14, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Descrição - 3

“Nalguns sítios, tanto da 1ª como da 2ª linha, lançaram-se fortes abatizes, isto é, troncos de árvores aguçados, para dificultarem a passagem, noutros escarpou-se o terreno para frustrar qualquer tentativa de escalada, e noutros ainda recorreu-se a vários meiospara tornar mais forte a defesa, tais como palissadas, covas de lôbo, etc.
“O exército tinha pois uma vasta região onde podia livremente manobrar e reabastecer-se, porque o acesso ao mar estava completamente livre, e onde aos esforços dos seus soldados se juntavam os parapeitos das fortificações para fechar ao inimigo o caminho de Lisboa.
“Os flancos destas formidaveis linhas eram ainda reforçados por flotilhas de barcos dos navios ingleses, no Oceano e no Tejo, que podiam com o seu fogo auxiliar os fortes de terra”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, p. 345).

Motivo da construção de uma terceira linha mais avançada

“Em Outubro de 1809 o plano de Wellington tinha incluído não mais do que uma linha contínua de obras desde Alhandra, no Tejo, até à foz de S. Lourenço (agora chamado Safarujo), no Atântico, com certos redutos e acampamentos fortificados colocados em frente de Torres Vedras, Monte Agraço, Arruda e outros pontos. Não era intenção ocupar estes reductos permanentemente... (mas para) deter e estorvar o ataque do inimigo na linha principal na retaguarda. Foi unicamente a longa demora do avanço de Massena que concedeu a Wellington cinco ou seis meses com que não contava e que levou ao posterior fortalecimento das obras exteriores espalhadas pela região capazes de fazer recuar o exército invasor em vez de unicamente o fazer deter”.
(citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.14-15, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Construção da chamada “1ª linha”

“Para apoio da retirada, que o exercito luso-britannico se suppunha ter de fazer para a citada linha de defeza, a qual se denominou depois segunda linha, haviam-se igualmente construido importantes obras nas alturas de Torres Vedras e Sobral de Monte Agraço, olhando-se estas fortificações, que depois vieram a constituir a primeira linha, como outros tantos postos avançados, que na frente da segunda se achavam a duas e tres leguas de distancia d’ella, destinadas a bater os aproxes principaes, e asegurar ás tropas o tempo necessario para effeituarem a sua dita retirada e tomarem posição nas suas defezas, antes que o inimigo os podesse atacar em força. Estas obras avançadas olharam-se ao principio como pontos inteiramente isolados, com uma unica excepção: como sobre a direita de Torres Vedras e estrada de Runa o paiz é por ali mais aberto, e offerecia ao inimigo um accesso um tanto facil, que podia bem convida-lo a tornear este desfiladeiro e as obras construidas para a sua defeza, a passagem do pequeno rio Sizandro foi em tal caso defendida, ou antes vigiada por tres reductos, construidos na sua margem esquerda, em S.Pedro da Cadeira e á retaguarda da ponte do Rei. Com igual designio, a respeito de Monte Agraço, se construiram tambem dois reductos no desfiladeiro da Arruda. Duas posições fortes e isoladas, que dominam as estradas principaes nos pontos intermediarios da Ajuda e Enchara dos Cavalleiros, foram igualmente intrincheiradas com differentes obras, as quaes se consideravam como obstaculos addicionaes, destinados a suspender a marcha rapida, que os francezes podessem trazer contra a linha principal. (...) a serie de collinas, terminando em Alhandra, sobre a margem direita do Tejo, se tinha tambem ali fortificado, constituindo uma posição isolada, em que verdadeiramente se apoiava a da Povoa de Santa Iria, que constituia a extrema direita da projectada primeira linha defensiva. Por conseguinte tres pontos avançados se haviam assim ao principio isoladamente fortificado na frente d’esta linha, taes como o de Torres Vedras, Monte Agraço e Alhandra. Com o fim de segurar uma prompta communicação entre estas diversas obras destacadas, e em geral em toda a frente da dita linha defensiva, estabeleceram-se postos de signaes nos pontos que apresentavam mais segurança, e d’onde se descobrisse uma grande extensão do paiz. Eis-aqui pois os primordios das fortificações avançadas, que, ligadas depois entre si, tiveram (...) o nome de primeira linha”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 558-559).

Porque se chamaram “Linhas de Torres Vedras”

“As obras principaes que se construiram em Torres Vedras, Monte Agraço e Oeiras (...), sendo consideradas como fortificações independentes, ou pequenas fortalezas, tiveram mais desenvolvimento e resistencia do que as obras de fortificação das outras posições, cousa que mais particularmente sobresaíu nas de Torres Vedras, por fecharem a estrada mais directa, que conduzia ao dito ponto de embarque”(S.Julião) “, achando-se alem d’isto expostas ás primeiras tentativas do inimigo. Em rasão d’isto empregou-se um particular cuidado na sua construcção (...) e tão esmerada foi esta, que o nome de Torres Vedras, ou linhas de Torres Vedras, se applicou depois a todas estas obras. O certo é que o traçado das obras de Torres Vedras não só tinha bons flanqueamentos, mas até um desenvolvimento tal, que só por si exigiam uma guarnição de 2:200 homens e 40 canhões, alem das tropas necessarias para guarnecer as linhas de communicação entre o convento” (sic) “de S. João e o castello da villa, que eram dois pontos militares artilhados com 7 peças.”
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 559).

Forte de S. Vicente de Torres Vedras

“Este Fórte de S.Vicente consta de tres reductos, um formado mais ao sul com Canhoeiras, que pendem para o Nascente, outro inclinado do sul ao Poente, outro ao Norte com faces, cujas canhoeiras podem igualmente jogar para Nascente, e Poente: todos estes Reductos se communicam entre si por Pontes levadiças, e se acham separados com profundos fossos; e entre os dois Reductos do Sul, e Norte fica um largo intervallo avaliado por Praça capaz de accomodar mais de 4$000 homens. A uma curta distancia para o Norte, e Poente d’este grande Fórte, foi construido outro sôbre o logar chamado dos Olheiros: n’outro monte situado ao Nascente além da sahida para as Villas da Lourinhã, e Obidos no denominado Oiteiro da Fôrca se construiu tambem outro Reducto. Finalmente sôbre os montes, que estão ao sul do logar do Sarge até ao Poente do logar da Ordasqueira, foram levantados mais dois Reductos, que preenchem o número de cinco Fórtes acima mencionados, que cobrem esta Villa, e os caminhos proximos, restando ainda a fortificação do seu proprio Castello, que foi reparado, e, guarnecido de Artilharia, e d’outro Reducto situado ao Sul e Nascente da Villa, sôbre o pequeno Monte de S.João.”
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.72-73).

“Traveses”

“(...) os Traveses eram uma defesa interior no caso do inimigo passar os fossos”.
(dados recolhidos pelos alunos da Escola do Ensino Básico Mediatizado nº783 da Ponte de Rol, durante as comemorações das defesas das Linhas de Torres que anualmente se realizam nesta cidade, gentilmente cedidos pela professora Helena Lúcio).

Origem do nome de S. Vicente do forte de Torres Vedras

“(...) Depois do corpo de S.Vicente entrar na sé de Lisboa houve milagres varios, e um dos devotos favorecidos foi um homem de Torres Vedras que lhe edificou uma ermidinha em agradecimento. É certo que no começo do seculo XIII já alli estava uma ermida;
“(...) Na ermida venerava-se uma imagem de S.Vicente, agora na pequena egreja do Amial, e ha tradição de grandes festas que o povo torreense ahi celebrava. Arruinou-se. reconstruiu-se, e voltou o abandono; agora dormem alli pastores e cabras; se lá estão algumas cantarias é pela difficuldade do transporte.
“Termina a vereda n’uma passagem empedrada sobre fosso, vê-se ainda bem o relevo da trincheira entre arbustos e silvados, depois a ermida toda em ruina e esburacada; a capella redonda tem uma pequena cupula de ar mourisco; junto da ermida havia casebres, casa do ermitão e albergue de romeiros; (...) depois da ermida um planalto talvez de 60 metros de diametro, ahi dois moinhos de vento antigos, em ruina; em volta quatro grandes espaldares erguidos, de 2 metros de altura, por 10 de comprimento; na borda do planalto as baterias, os reductos; as canhoneiras ainda com o pavimento lageado, os perfis em alvenaria solida(...)”
(in Gabrial Pereira, Pelos Suburbios e visinhanças de Lisboa, Lisboa 1910 (descrição de visita efectuada em 1907), pp.262-263).

Calculo da força das guarnições.

“Ao principio adoptou-se como regra geral, no calculo das guarnições das obras e do numero das tropas necessarias para defender os intrincheiramentos, a base de dois homens por jarda corrente de parapeito; mas no fim de algum tempo esta avaliação pareceu muito extensa, de que resultou contarem-se dois homens por jarda para a primeira linha defensiva, e um homem por jarda para a segunda linha, não incluindo o espaço occupado pela artilheria. O commandante dos engenheiros augmentava ou diminuia esta avaliação em todos os casos em que julgava conveniente, segundo as localidades. Admitindo que sejam necessarios a cada homem tres pés, para que possa livremente fazer uso da sua espingarda, é facil calcular, qualquer que seja a figura da obra, o numero de homens necessarios para bem lhe defender o parapeito : depois é-lhe necessario uma reserva para substituir os mortos e os feridos, bem como para carregar nas primeiras obras os primeiros assaltantes que conseguirem penetrar no seu interior.
“Julgou-se este principio preferivel á regra mais scientifica, em que a força da guarnição é calculada na rasão de um homem para um certo numero de pés quadrados do espaço interior da obra, regra que, posto que boa para determinar a guarnição de qualquer obra grande, proporcionando o seu espaço interior ao comprimento do parapeito, parece todavia não ser isto mais que o resultado da theoria, que exige que cada homem da guarnição tenha um espaço para os seus movimentos, emquanto que na pratica não parece ser isto essencialmente necessario, porque até ao momento de se ser ameaçado de um ataque, muitos homens da guarnição de cada obra serão postos de sentinella sobre a encosta da altura, e a outros ser-lhes-ha permittido ficarem desocupados nas suas reservas. A comida poderá tambem ser preparada fóra da obra, e portanto é sómente de noite ou durante a acção, destinada a tomar decididamente a posição, que as guarnições se acham na totalidade nas respectivas obras, e ainda n’este caso um terço pelo menos deve estar constantemente em armas, ou de pé, ou assentado na respectiva banqueta.”
(major John Jones citado por Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 566-567).

Os trabalhadores que construiram as “Linhas”

“(...) Empregavam-se na construcção das linhas (...) os habitantes do paiz e dois regimentos de milicias. Obtinham-se os primeiros por meio de requisições, sendo os operários da semana finda substituidos por outros na seguinte semana, tendo os milicianos o caracter de permanentes n’este serviço.1.
“1. As requisições satisfaziam-se por detalhe pelas capitanias móres do termo de Lisboa, Cintra, Gradil, Alenquer, Aldeia Gallega da Merceana e Torres Vedras, sendo esta villa a que quasi sempre deu o maior numero de operarios, depois que o exercito entrou nas linhas.
“(...) Aos paizanos que eram simples trabalhadores dava-se-lhes o jornal de 120 réis, e o de 240 réis aos que eram officiaes de canteiro, pedreiro, carpinteiro, etc.; os milicianos tinham pela sua parte um terço d’estas sommas. Mais tarde o acrescimo e a duração dos trabalhos, tendo-se estes tornado quasi permanentes, o jornal elevou-se então a 200 réis para os trabalhadores e a 320 para os officiaes e vigias: os milicianos continuaram a ser pagos segundo a antiga taxa. No mez de agosto de 1810 mais de 2:500 homens, reunidos n’um só corpo, se achavam empregados nas fortificações da Alhandra.”
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 563-564).

Dificuldades na requisição de trabalhadores para as “Linhas”

“Um dos principais problemas que se colocou a Fletcher e a Jones foi o de obter trabalhadores em número suficiente e de acordo com a dimensão dos trabalhos. Sempre que um engenheiro tinha falta de trabalhadores comunicava-o a Fletcher, que por sua vez o comunicava ao governador militar do distrito onde tinham lugar os trabalhos, sendo este último encarregue de fornecer aos ingleses os homens e os materiais necessários aos trabalhos (…).
“A procura de trabalhadores aumentou todos os dias, sem discriminação de classe social ou de privilégios; segundo os ingleses a requisição devia ser imposta aos eclesiásticos e aos funcionários da administração local: “(…) os militares não são dispensados de trabalhar nas fortificações, do mesmo modo não o devem ser os oficiais da justiça que foram avisados, os eclesiásticos e os que têm o privilégio de “desembargador”(…) porque quando se trata de se defender do inimigo não há privilégios nem é justo que sómente os miseráveis que nada possuem para além da sua pessoa, venham trabalhar nas fortificações, enquanto que aqueles que têm bens a defender ou a conservar não venham (…).
“ Os ingleses não viam na população portuguesa mais que uma massa enorme de trabalhadores, submetidos todos ao mesmo tratamento para a defesa da “causa” comum. Os primeiros conflitos começaram em Mafra em Março de 1810, porque os ingleses não tomaram em conta a estrutura social do país. O Portugal de 1810 era um país de Antigo Regime, onde a clivagem social se fazia mais pelo direito aos privilégios, do que pela fortuna, sendo o padre o principal símbolo desta situação. Existiam duas classes em Portugal, aqueles que trabalhavam e aqueles que tinham direito aos privilégios, englobando-os os ingleses numa única classe e isto provocou gaves conflitos.
“(…) Os funcionários da administração local (…) recusaram-se a trabalhar nas fortificações, recusa idêntica à que teve lugar entre os eclesiásticos.
“(…) As pessoas que faltavam ao trabalho das fortificações ou que não enviavam ninguém em seu lugar não sofriam na realidade outra punição que a de verem os seus nomes inscritos numa lista que todas as semanas os governadores militares enviavam ao secretário da Guerra (…). Apesar das medidas de compromisso que não implicavam mais que a obrigação de estarem presentes fisicamente no local de trabalho ou de poderem enviar qualquer pessoa em seu lugar, as pessoas continuaram a não se apresentar ao trabalho. (…) Os que oposeram maior resistência foram os eclesiásticos (…).
“A vila de Ericeira foi o centro mais importante dessa resistência anti-inglesa e que tomou carácter de insurreição.Os eclesiásticos da Ericeira não só não enviaram qualquer pessoa em seu lugar, como impediram os outros de o fazer. Existem no Arquivo Histórico Militar listas de eclesiástico daquela vila que recusaram participar no sistema de requisições: em Março de 1810 apenas constam na lista nove nomes, mas em Maio já constam treze, entre os quais o das personalidades mais importantes da vila.
“(…) Um outro meio de obter trabalhadores para as fortificações foi o das condenações de soldados portugueses em conselho de Guerra, condenados a cumprir as suas penas nos trabalhos das fortificações(…)”
(Ana Cristina Climaco Pereira, Les Lignes de Torres Vedras et Le Plan de Defense du Portugal Concu par Wellington- Invasion e Resistances (le patriotisme et le nationalisme portugais 1810-1811), tese de mestrado, Universidade de Paris, 1991, pp.66 a 72, tradução adaptada).

Organização do trabalho nas “Linhas”

“Além dêsses dois oficiais, “ (Richard Fletcher, falecido no cêrco a S.Sebastião de Biscaia em 31 de Agosto de 1813, e Jonh Jones) “ mais quinze engenheiros militares andaram empregados nas Linhas, quatro dos quais eram portugueses. O trabalho manual foi executado por dois regimentos de milícias e trabalhadores recrutados na região, nas comarcas limítrofes e noutras mais afastadas, até 90 Kilómetros de distância, pois apesar da miséria ser grande, os braços eram poucos, pagando-se á razão de 200 réis por dia os cavadores e 320 os operários artifices. Quando as circunstancias determinaram que o trabalho fôsse acelerado, até as mulheres e os rapazes trabalhavam, aquelas á razão de metade e êstes á de um quarto da jorna dos homens. O número de trabalhadores chegou a 7.000, tornando-se em certos sítios necessária a intervenção da autoridade para lhes assegurar a alimentação, que escasseava. A carência de pão chegou a ponto de ser preciso fornecer a êste exército de obreiros bolachas dos navios ingleses.
“(...) Mercê tambem da boa vontade dos carreeiros, excitando á aguilhada os seus pacientes bois, é que se conseguiu levar pesadas peças de artilharia a montes altíssimos, por caminhos de pé posto, inacessíveis a cavalos.
“Para desafrontar o campo de tiro das baterias devastou-se tudo que as podia encobrir, não ficando de pé nem casa, nem jardim, nem vinha, nem oliveira, nem arvoredo de espécie alguma. Só escaparam umas formosíssimas e velhas árvores em Tôrres Vedras, que a rôgo do Juiz de fóra e dos habitantes da vila foram deixados para o último momento, se fôsse necessário destruí-las”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 350-351).

Torres Vedras defende as suas árvores

“Não contemporizámos com nenhuma casa, jardim, vinha, oliveira, matas ou propriedade particular de qualquer espécie. A única barreira à área sob fogo ainda existente é aquela magnífica alameda de velhas árvores no desfiladeiro de Torres Vedras. O juiz de fora e os habitantes pediram-me tanto pelo último momento, com receio que fossem cortadas desnecessariamente que acedi adiar a operação até ao dia anterior da entrada das tropas. Como tenho homens de confiança com machados prontos no local não tenho qualquer dúvida que elas serão abatidas a tempo e horas. Os pinhais nas colinas de Torres já foram abatidos e transformados em trincheiras”.
(major John Jones citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.16, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Construção das estradas militares

“As estradas militares foram geralmente traçadas no reverso da cadeia das differentes alturas, seguindo a linha mais curta, sendo subtrahidas á vista das montanhas, que se achavam na frente da linha. Durante o anno de 1811 aperfeiçoaram-se por maneira tal. que se teve uma communicação facil em toda a frente da mesma linha, desde a costa do mar até ao Tejo, alem das communicações directas com a segunda linha. Muitas milhas de estrada lateral foram inteiramente novas, bem como a maior parte das communicações directas da estrada lateral para as obras; mas as communicações intermediarias entre as obras avançadas e a segunda linha não eram senão as estradas carreteiras do paiz, que se tinham alargado e tornado praticaveis para os transportes militares. Necessario foi calçar a maior parte das communicações através dos valles para se poderem utilisar; mas em geral as montanhas sobre que passava a principal communicação eram compostas de rochedos ou pedras, por meio das quaes se tinham estabelecido bons caminhos”
(major John Jones citado por Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 567).

O sistema de sinalização: “telégrafo de bolas”

“Os telegraphos eram compostos de um mastro e de uma verga, da qual os respectivos balões se achavam suspensos. O vocabulario de que n’elles se usava era o da marinha, ao qual se tinham acrescentado muitas phrases e expressões breves, particulares ao serviço de terra. Estes telegraphos communicavam entre si com uma grande celeridade, na distancia de sete ou oito milhas; mas como uma cadeia de montanhas lhes interceptava a vista, necessario foi estabelecer cinco estações principaes para a communicação de toda a frente da linha. Estas estações achavam-se na Alhandra, Sobral de Monte Agraço, Nossa Senhora do Socorro, Torres Vedras e reducto nº30, por trás da Ponte do Rol. Os telegraphos eram servidos por destacamentos de marinheiros inglezes ás ordens de um tenente da marinha real.”
(major John Jones citado por Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 567-568).

Defesa das pontes

“Ao reconstruir-se em 1860 a ponte, chamada da madeira, que sobre o Sizandro existe na estrada, que vai para o Varatojo, foi encontrado um barril de pólvora já deteriorado; esse baril tinha sido ali colocado em 1810, por ocasião das Linhas, com o fim de fazer voar em estilhaços a ponte no caso dos franceses dela quererem fazer uso.
“À entrada da ponte tinha sido postada uma sentinela, que se mantinha sempre vigilante e atenta. Mas quando as águas do rio transbordavam do álveo ou havia cheia, a sentinela, que, como é do regulamento, não podia abandonar o seu posto, via-se obrigado a subir para cima de um choupo e aí parmanecia, às vezes, por espaço de mais de vinte e quatro horas”.
(Artur da Silva Lino, “O Rio Sizandro e a Convenção de Sintra”, in Estremadura, IIª série, nº 23, 1950, p.51).

Vantagem estratégica das Linhas de Torres

“As linhas só podiam ser atacadas n’um pequeno numero de pontos. De um ponto a outro, os defensores podiam acudir e chegar mais depressa do que os assaltantes. O terreno á retaguarda era para os defensores um campo de batalha vantajoso. Finalmente, havia para os inglezes o apoio do mar e a retirada livre, e tinham toda a coadjuvação dos habitantes e todas as facilidades que lhes podia offerecer Lisboa.”
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, p.330).

Os custos da obra

“Bem quizéra dar uma noticia exacta da enorme despeza das Obras da Linha, (...) mas apenas pude achar, e verificar alguns dados para um calculo aproximado, e de proporção. taes como os seguintes: que na obra das Estradas Militares comprehendidas no Termo de Torres Vedras, em que se trabalhou effectiva, e activamente, desde a Invasão de 1810, pelos dois seguintes annos de 1811 e 1812 (b) (continuando-se ainda depois escassamente até Julho de 1814), se empregavam, além dos Officiaes Militares Inspectores, e Directores, por semana, acima de 900 operarios das classes trabalhadoras, de artifices dos tres officios de calceteiros, pedreiros, e carpinteiros, e de lavradores, sendo essa totalidade detalhada pelas Capitanias Móres do Termo de Lisboa, Cintra, Gradil, Alemquer, Aldeia-galega da Merciana, e de Torres Vedras, da qual sempre se tirou mais effectivamente o maior numero (...): que a despeza liquida e total d’aquelles trabalhos se avalia em 171:000$000 réis; e a dos mesmos no districto da direita em 190:000$000 réis: que as obras dos Reductos novos construidos pelo mesmo tempo se avaliam pelo menos em igual importancia; e que as dos outros feitos antes de epocha da invasão deviam avultar mais; porque sómente as dos dois Fortes do Sobral, e de S.Vicente se julgam exceder a trezentos mil cruzados. Não basta porém este processo deduzido das noticias communicadas por Officiaes de distincto merecimento, empregados na direcção das mesmas Obras, para achar-se a somma aproximada da sua despeza; é preciso accumular-se mais o valor de varios objectos até agora não pagos, como grande porção de lenha para as faxinas, e muito consideravel quantidade de madeiras de pinho para estacas, vigas, e pranchas: finalmente tambem deverá entrar em conta o valor de algumas cazas demolidas, ou inutilizadas; de bastantes moinhos ( a cujos dônos se pagou algum tempo uma pensão para indeminisal-os de algum modo dos interesses diarios) que soffreram igual sorte; e de muitos pinhaes cortados para desafrontar os reductos, vindo a ter a mesma sorte o arvoredo dos passeios proximos á Villa (...).”
“(b) (...) em 1812 a Regencia mandou fazer pelo major de Engenheiros Lourenço Homem da Cunha d’Eça obras de concertos dos caminhos para as fortificações da Linha de defeza d’este Districto. (...) a despeza em dinheiro effectivo foi a quantia de 477:290 rs., producto de donativos particulares, e do dinheiro com que muitos trabalhadores, e lavradores remiram os seus dias de trabalho e geiras; porque o mais, e talvez mais do quadruplo da despeza foi proveniente dos dias e geiras de trabalho (...) - Dos Editores.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.74 a 76).

11 – A Terceira Invasão Francesa e as Linhas de Torres Vedras

Início da Terceira Invasão

“No ano de 1809 mudou a estratégia política de Napoleão, devido à grande vitória alcançada em Wagran sobre Áustria. Tal situação levou ao seu casamento com a princesa Maria Luísa, filha do imperador Francisco II, e à consequente integração austríaca no bloco francês. Para mais, a Prússia fora neutralizada após o Tratado de Tilsitt, o mesmo sucedendo ao Império Russo. Crendo que tinha assegurado o domínio da Europa Central, decidiu Bonaparte lançar todo o seu poderio na Península Ibérica, com o fim de liquidar definitivamente o poderio da Inglaterra, cada vez mais ligada a Portugal.
“(…) Depois das tentativas frustradas de Junot e de Soult para o domínio de Portugal, chegara enfim o tempo de Bonaparte conseguir o êxito militar que imporia de vez a sua estrela. Ele próprio, à frente dos exércitos, obteria a rendição da Grã-Bretanha, fazendo da Espanha e de Portugal o teatro da sua vitoriosa acção. Mas teve de se afastar deste desígnio, por se tornar necessária a sua presença em França, no receio de a Rússia quebrar a neutralidade.
“Houve, desta forma, que pensar num dos seus generais com experiência e prestígio para executar com êxito o grandioso plano. Entre tantos, Napoleão conferiu a primazia a Massena, que fora seu companheiro de armas em Rivoli e Essling (…). Vencida a relutância de Massena, que se sentia gasto por uma vida ao serviço da França, preparou-se o exército com o apoio de outros generais famosos, como Montbrun, Ney, Reynier e Junot .
“Qual o efectivo da força militar do comando de Massena? Crê-se que um total de 66 a 68 000 homens (…).
“No princípio de Junho chegou o exército francês a Cidade Rodrigo, que após um mês de cerco se rendeu às tropas de Ney. A povoação foi logo transformada em armazém de víveres, para a iminente conquista de Portugal. Era a praça de Almeida o primeiro objectivo a atingir por ser a única grande fortaleza da raia desde o Douro ao Tejo (…). Mas a terra era também a chave de penetração na zona do Mondego, o que levou os corpos de Ney e de Junot ao ataque da vila no dia 15 de Agosto. A destruição do paiol deu origem a mortes e incêndios, que no dia 28 forçaram o governador à rendição (…).
“Almeida foi logo reparada e abastecida, para servir de testa-de-ponte ao exército de Massena. Reynier foi conquistar a Guarda, tomando-se depois Pinhel para garantir a posse do Mondego. Ignorando qual o trajecto do invasor, não pudera ainda Wellington assentar a sua estratégia. Vendo agora que Massena havia optado por Coimbra, foi nessa zona que o exército anglo-luso fixou a primeira resistência. Massena dirigira-se, entretanto, par Celorico, de onde um corpo militar foi à conquista de Viseu e de Trancoso. Se o seu objectivo era chegar depressa a Lisboa, consistia o de Wellington em atrasar-lhe a marcha, não oferecendo um combate que, dado o menor número de efectivos, poderia consumar-se em grave revés. O nosso exército retardou assim o primeiro confronto, que apenas veio a ter lugar nas serranias do B uçaco.
“No dia 21 de Setembro, a guarda-avançada de Massena chegou a Santa Comba Dão. De perto o vigiavam as forças dos brigadeiros Pack e Crawford, tendo a cavalaria inglesa retirado, quase por completo, para as alturas do Buçaco (…).
“No dia 26 de Setembro as tropas francesas estavam junto da serra, onde a cavalaria britânica se colocara na retaguarda do flanco esquerdo, dominando não apenas a planície, como a estrada de Lisboa ao Porto (…).”
(Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1807-1832) , vol. VII, ed. Verbo 1983, pp. 75 a 81).

Batalha do Buçaco

“Nestas cumeadas”(do Buçaco) “extremamente propícias a uma atitude defensiva, terminou o duque de Wellington o seu recuo, estendendo o exército como cobra sobre o dorso da cordilheira, recolhido atrás das fragas e dos precipícios, na expectativa do ataque francês. Ao seu dispor, cerca de 60 000 homens, metade do corpo expedicionário britânico nas suas fardas vermelhas, metade, inexperientes recrutas lusitanos, disciplinados pelo braço forte de Beresford (…).
“Na noite de 26” (de Setembro) “ Massena à frente dos seus soldados, muitos deles veteranos das guerras do seio europeu, farto das péssimas condições das estradas do reino, impaciente por uma breve chegada a Lisboa e pelo fim de uma campanha para a qual fora quase empurrado pelo imperador, enervado pelas hesitações e controvérsias dos seus credenciados generais cujo entendimento foi sempre difícil na península, longe das planícies das suas tácticas favoritas, perante um adversário de fracas credenciais entrincheirado no alto da montanha, talvez menosprezando o número, a disciplina e sobretudo as posições vantajosas que o terreno oferecia ao inimigo, resolve em definitivo e contra o parecer de alguns oficiais, lançar o ataque no dia seguinte (…).
“Às seis horas da manhã de 27, tentando beneficiar do leve nevoeiro que cobre o sopé da serra inicia o assalto.
“ Do 2º corpo, comandado por Reynier, postado na aldeia de Santo António do Cântaro, sobem em colunas compactas as divisões Merle e Heudelet, um pouco distanciadas devido à desorientação provocada pelo nevoeiro e, momentaneamente, atingem o cume. Extenuados e ofegantes, são apanhados de surpresa e varridas por um autêntico chuveiro de fuzilaria das defesas postadas em linha, um pouco atrás do cimo e que a vertente íngreme escondia. É o oito de infantaria no seu baptismo de fogo, o regimento 88 do tenente coronel Wallace, o 45 do tenente coronel Meed. Os franceses hesitam perante o violento e inesperado choque. Refeitos, voltam à carga mais à direita com a brigada Foy. Opõe-se a infantaria 9 e 21 do comando do coronel Champalimaud e a divisão inglesa Leith que aguentando o embate com heroísmo, lançam corajosamente uma carga de baioneta sobre o inimigo, já varrido nos flancos por peças de artilharia. Desorganizados, os franceses debandam serra abaixo entre gritos e impropérios, protegidos pelo resto da divisão Heudelet, postado mais à retaguarda.
“Não há notícia duma perseguição sistemática, mas dum retomar das posições defensivas, e o 2ºcorpo de Reynier, deixando inúmeras baixas no terreno, vai reagrupar-se em Santo António, nos posicionamentos iniciais. Aqui, aguardará o desenrolar do combate na outra frente, sobre a aldeia de Sula e a estrada que, atravessando a portela, desce em direcção ao Luso.
“É o 6º corpo de Ney. O ataque não é simultâneo. Deste lado a acção desenrola-se mais tarde. Marchand, pela estrada real, embrenha-se nas bermas e a brigada Simon, ambas da célebre divisão Loison, a quem aliás compete o ataque, ocupa Sula e as cotas que lhe são superiores no alto da subida. São recebidos igualmente por uma chuva de metralha seguida de cargas à baioneta pela divisão Crawford, regimentos 43, 52, 95, pelas brigadas portuguesas Pack e Coleman (…).
“O 8º corpo, do comando de Junot, não chega a sair da posição de reserva que ocupa na Lourinha e a artilharia pouco ou nada pode fazer neste terreno acidentado. Inesperadamente tudo terá finalizado neste primeiro assalto. Admirados e angustiados, os aliados tentam adivinhar através das vertentes o génio do marechal Massena, num assalto que verdadeiramente temem, enquanto os franceses, percebendo rapidamente a dificuldade da empresa e o fracasso evidente aguardam suspensos, o veredicto do seu estado maior.
“Dum e outro lado há como que uma incógnita trégua que acaba por explodir em alívio, alegria e manifestações de victória, quando os aliados compreenderam, com o passar das horas, que por este dia o resultado está feito a seu favor.
“Entre os setenta e cinco mil homens que se estimam para os efectivos franceses, há cerca de quatro mil e quinhentas vítimas (…).
“Não se andará longe da verdade estimando em 4500 baixas entre os franceses e metade entre o adversário, o que, percentualmente, se traduz numa perda de cinco por cento de efectivos nos dois exércitos em confronto.
“Duas a três horas terá demorado todo o desenrolar da acção e por volta das onze a batalha resumia-se a esporádica troca de tiros entre brigadas ligeiras que se acomodavam nos limites das primeiras fronteiras.
“Durante o resto do dia e o seguinte, Massena, (…) reunindo o seu estado maior, opta por reconhecimentos massivos ao terreno adjacente, tentando encontrar, nalgum desfiladeiro, a passagem para além da cordilheira. Foi o que veio a conseguir (…), enquanto Wellington, empoleirado nas altas cumeadas defensivas, comemorando o êxito, é ultrapassado pelos acontecimentos, ignorando, por inexplicável falta de informações, que o marechal francês, num movimento brusco e silencioso, manobra táctica a coberto da noite de 28 para 29, se escapa com a retaguarda, o 8º corpo de Junot (…) pela passagem de Boialvo, ocupando pela manhã, a região de Avelãs, levando a pouca distância os corpos de Ney e Reynier.
“Só perto da meia noite o duque se apercebe deste movimento e, entre confuso e receoso, dá ordens para uma retirada rápida, retirada que se faz descendo a serra pelo flanco sul, em direcção ao Mondego.
“Na precipitação ficam armas, munições, diverso material. No dia 29 de manhã a serra está despovoada e os últimos regimentos anglo-luso descem em direcção a Coimbra passando ao romper do dia frente à igreja dos frades carmelitas.
“Um batalhão inglês de cavalaria é o que fica em observação.
“Na madrugada de 30 vão-se os últimos sentinelas inglesas (…)”
(Ferraz da Silva, “1810 – Do Buçaco às Linhas de Torres”, in Luso no tempo e na história, Luso 1987, pp. 43 a 50 ).

Massena em Coimbra

“Estupefacta e horrorizada, a população da cidade de Coimbra, ainda a apagar as fogueiras das festas com que comemora a vitória do Buçaco, observa a passagem desnorteada dos seus heróis de anteontem, acossados pela vanguarda francesa, a cavalaria de Moutbrun, que chega a liquidar à cutilada alguns mais atrasados. A cidade passa bruscamente do estado eufórico dos vencedores para o receio mórbido dos vencidos, sobretudo quando chegam as primeiras notícias das atrocidades cometidas pela soldadesca na freguesia de Eiras, à porta da urbe. De facto, a 1 de Outubro, os invasores penetram na cidade enquanto metade dos habitantes a abandonam. Apesar de todas as tentativas de Massena para pôr ordem nas suas fileiras, a pilhagem é generalizada.
“Wellington, pressionado constantemente, acelera esta corrida louca, apressa cada vez mais a sua desordenada marcha em direcção às linhas de Torres (…).
“Travam-se escaramuças em Condeixa, na Redinha, em Alenquer, cada vez que a frente francesa apanha a retaguarda aliada, acompanhada e empurrada por uma multidão de povo em mísero estado que, abandonando casas, gados e bens, foge e co-habita entre uns e outros, atolados na lama dos caminhos, pois entretanto principiava a chover.
“Esta marcha terminaria finalmente nas fortificações (…)”.
(Ferraz da Silva, “1810 – Do Buçaco às Linhas de Torres”, in Luso no tempo e na história, Luso 1987, pp. 43 a 50 ).

Os franceses marcham em direcção às Linhas

“Uma dúzia de franceses marchava por uma estrada secundária. Apresentavam um aspecto aparentemente exausto, com os seus uniformes azuis completamente desbotados ao fim de vários meses de exposição ao sol e à chuva, com manchas esverdeadas, esbranquiçadas ou avermelhadas, além de se apresentarem rotos e remendados. As barretinas mostravam-se amolgadas e já sem qualquer forma: e os adornos de latão das túnicas e das barretinas, oxidados e sujos . As pernas, do joelho para baixo, estavam cobertas de poeira e os rostos negros de sujidade e por barbear. Os homens avançavam dobrados pelo peso de uma enorme mochila, a que estava preso o casacão e donde pendia toda a espécie de objectos, que variavam de indivíduo para indivíduo. Cada qual transportava um daqueles bolos chatos, irregularmente quadrados, pendurados por uma corda enfiada nos buracos centrais, algo muito semelhante a uma monstruosa moeda chinesa. Essa semelhança fora notada no exército francês, recebendo os bolos a alcunha de “dinheiro”. Cada um pesava uma libra e constituía a ração diária de cada soldado.
“Qualquer general francês achava ter o dever cumprido para com os seus homens se a cada um desse uma libra daquele pão duro por dia, esperando que arranjassem o resto nos sítios por onde passavam. Quando continuaram a avançar, depois da derrota do Buçaco, cada soldado recebeu catorze desses bolos de uma libra, e foi avisado de que não receberia mais nenhuma ração até chegar a Lisboa; donde se deduzia que todos aqueles homens já iam em seis dias de marcha desde o Buçaco. E ainda faltavam seis dias para que atingissem as Linhas de Torres Vedras, que lhes iriam barrar eternamente o caminho até Lisboa. Mas ainda não tinham conhecimento disso. Ninguém no exército francês sabia da existência dessas Linhas”.
( do romance de Cecil Scott Forester , Morte aos Franceses, ed. Publicações Europa-América, s/d, (ed.inglesa: 1932), p.16).

Os franceses desconheciam a existência das Linhas

“Durante ano e meio os ingleses estiveram a trabalhar nelas; mas nem Ney, que tinha acabado de passar um ano em Salamanca, nem Massena, que há seis meses tinha estado a preparar uma invasão de Portugal, tinham qualquer indício destas obras gigantescas. Reyner e Junot estavam igualmente em ignorância; mas o mais surpreendente de tudo (...) é que o próprio govêrno francês desconhecia que os montes de Sintra tinham sido fortificados. É inconcebível como o Imperador, que tinha agentes em todos os países, podia ter omitido em mandar alguns para Lisboa.
“Nesse tempo milhares de navios americanos, alemães, suecos e ingleses levavam diariamente mantimentos para o tejo, para o exército de Wellington; e seria perfeitamente fácil ter introduzido alguns espiões entre os numerosos marinheiros e amanuenses empregados nesses navios. Contudo, ele nunca deu qualquer informação a Massena respeitante às defesas de Lisboa, e só foi ao chegar ao Alentejo que o general francês descobriu que os montes e colinas tinham sido fortificados e ligados por linhas das quais a esquerda tocava o mar na retaguarda de Torres Vedras; o centro era no Sobral e a direita apoiava-se no Tejo, em Alhandra”
(memórias do Conde Marbot, citadas por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.32-33, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Os habitantes de Torres Vedras preparam-se para o pior

“Quando porém pelo feliz exito da batalha do Bussaco se annunciava a retirada, e successiva derrota do inimigo, em breve se desvaneceo essa esperança, e se trocou em susto e consternação pela noticia do retrocesso do nosso Exercito, e pelo espectaculo da emigração de innumeraveis familias, e pessoas que desertavam de Coimbra para baixo, a procurar refugio na Capital, e suas visinhanças, e que espalhvam os maiores receios. Taes eram as vozes, que corriam em 4 d’ Outubro, e o lastimoso quadro que todos presenceavam, o qual se tornou ainda mais horrível nos dias seguintes, em que se multiplicou o numero dos emigrados com as familias d’esta Villa,” (Torres Vedras) “ que se determinaram seguir o mesmo exemplo com sobeja razão, e prudencia, porque supposto a Villa estivesse coberta e defendida por grandes fortificações, estas mesmas influiriam para que se padecesse mais, se o inimigo chegasse a empregar n’este ponto um ataque obstinado.
“Não aconteceo assim: os Franceses lançaram alguns piquetes, ou avançadas a pouco mais de meia legoa, e não se aproximaram em força a menos de duas(...)”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.177 - 178).

O exército aliado recolhe-se às Linhas

“O exército dos aliados chegára ás Linhas em 9 de outubro, seguido pelos franceses, cuja cavalaria nunca o perdeu de vista, e a elas se acolheu. A entrada fez-se com ordem, porque tudo estava preparado para o receber (…).
“(…) Lord Wellington, com a sua grande serenidade e previdência, ordenára que alguns oficiais e soldados da guarnição das Linhas, a cavalo, esperassem as diferentes unidades, afim de as guiarem ás obras ou localidades que lhes eram destinadas. E assim como se tinha providenciado para que não houvesse confusão á chegada de tantos milhares de homens, assim tambem se cuidára de tudo o que o exército carecia: as guarnições já exercitadas ocupavam os seus postos; acumulavam-se provisões de boca e de guerra em sítios préviamente indicados; cascos embargados nas adegas estavam, cheios de água, em todas as obras: abarracamentos para 35.000 homens, conforme se ordenára, achava-se distribuido pelos seus distritos”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 413-414).

Os excessos cometidos pelas tropas aliadas em Torres Vedras

“(...) Torres, e os seus arrabaldes foram cobertos de Tropa Ingleza e Portugueza de todas as armas (ainda que de cavallaria em pequeno numero) e de ambas as linhas. A copiosa chuva, que cahio desde 7 para 8 do mez d’Outubro, obrigou esta a buscar arrebatadamente o abrigo das casas, que pela maior parte estavam abandonadas; então se perderam, e foram preza dos soldados nacionaes, e alliados, os fructos não só pendentes, e mal começados a colher, como vinho e azeite, mas os mesmos recolhidos nos celleiros publicos e particulares, que não eram guardados immediatamente por seus donos, e munidos de sentinellas, chegando o excesso a serem a maior parte das casas despejadas dos seus moveis, quasi todos os cartorios publicos, e particulares parcialmente roubados, e o do Escrivão das Sizas, e de um da Correição totalmente destruidos”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 178).

O exército aliado posiciona-se nas Linhas

“Convencido (...) lord Weellington da respeitavel força que lhe offereciam as alturas da Alhandra, de Calhandriz, etc., sobre o flanco direito da (...) primeira linha, e sabendo que as chuvas do outono, que com violencia começavam já a cair desde o dia 8 de Outubro, encheriam bem depressa de lado a lado o leito do Sizandro, tornando-se pelo lado de Torres Vedras n’um formidavel obstaculo defensivo sobre o flanco esquerdo da citada linha, não lhe restando então em toda ella, desde o Oceano até ao Tejo, mais do que um intervallo de duas leguas e meia, pouco mais ou menos, não fortificado, ao sul do valle de Runa, entre a villa de Torres Vedras e Monte Agraço, resoluto se deciciu no Sobral a fazer frente ao inimigo. Este espaço offerecia-lhe effectivamente um excellente campo de batalha para um exercito inferior em cavallaria, por lhe apresentar uma frente vantajosa e entrecortada, sendo os seus dois flancos por assim dizer inatacaveis. Conseguintemente com toda a rasão fez do Sobral o centro das suas manobras defensivas, postando ali o principal corpo do seu exercito, e estabelecendo proximamente na retaguarda d’este ponto, ou em Pero Negro (...) o seu quartel general: era d’elle que partiam as suas communicações para todos os mais pontos da linha, por meio de um telegrapho, estabelecido sobre a serra de Monte Agraço, que constituia o flanco direito d’esta posição central. Os reductos, assim como as outras obras, que formavam esta primeira linha de defeza, distante da segunda cousa de duas leguas, foram igualmente guarnecidos, não só por uma grande porção de tropa de milicias, mas até de ordenanças(...).
“Sir Thomas Picton tinha debaixo das suas ordens a terceira divisão, e com ella occupava Torres Vedras, defendendo a linha do rio Sizandro. A quinta divisão, do commando do tenente general Sir James Leith, foi destinada a tomar posição sobre a retaguarda das alturas de Monte Agraço, devendo a brigada portugueza de 1 e 16 com caçadores nº4, commandada pelo brigadeiro Diniz Pack, occupar o grande reducto, que se construíra no cume d’esta serra. Finalmente a primeira, quarta e sexta divisões, commandadas pelos tenentes generaes Sir Brent Spenser, Sir George Lowry Cole, e Campbell, tomaram posição na Zibreira, Rebaldeira, Runa, etc., communicando a sua esquerda com as forças do general Picton, tendo a sua direita em immediato contacto com as do general Leith.”
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 217-218).

As forças aliadas

“Segundo os calculos de Napier e Thibaudeau, as forças de lord Wellington nas linhas de Torres Vedras eram de 130:000 homens em outubro de 1810, sendo 70:000 de tropas regulares (34:000 inglezes, 30:000 portuguezes e 6:000 hespanhoes). Londonderry avalia as tropas regulares inglezas em 33:000 homens, as portuguezas em 30:000 e as hespanholas em 3:000.”
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, nota 1 da p. 219).

As Forças da Primeira Linha

“(...) o total da força de infanteria portugueza da primeira linha que tomou posição nas linhas de Torres Vedras montava a 25:324 homens, sendo o numero das praças de pret presentes no campo, incluindo as recrutas, 22:645. A sua collocação nas linhas era a seguinte:

“ Brigada de 6 e 18 com caçadores nº6 ................... Torres Vedras.

“ Brigada de 7 e 19 com caçadores nº2 .................... Torres Vedras.

“ Brigada 9 e 21..........................................................Cadriceira, entre Torres Vedras e S. Sebastião.

“ Brigada de artilheria de 6 e 9 ................................. Cadriceira, entre Torres Vedras e S. Sebastião.

“ Infanteria nº8 e leal legião lusitana, Rebaldeira.

“ Brigada de infanteria 11 e 23, Portella e Patameira.

“ Brigada de 1 e 16 com caçadores nº 4, em obras sobre as alturas do Sobral.

“ Brigada de 3 e 15 com caçadores nº 5, atrás das obras do Sobral.

“ Caçadores 1 e 3, em Arruda, Matos, etc.

“ Brigada de 2 e 14 .....................................................Em Alhandra e Bucellas.

“ Brigada de 4 e 10 .....................................................Em Alhandra e Bucellas.

“ Brigada de artilheria de 6 e 9 ...................................Em Alhandra e Bucellas.

“ Tres esquadrões de cavallaria do general Fane ....... Em Alhandra e Bucellas.”

(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, p. 222).

Os francesa aproximam-se das Linhas

“Emquanto os aliados se instalavam nas Linhas, o grosso do exército francês ia-se aproximando delas com marchas lentas, porque a chuva torrencial, que começára a cair no dia 9, juntando-se aos trabalhos já sofridos, fatigára muito as tropas.
“Vinha á frente, comandando a cavalaria de reserva, o general Montbrun, que na manhã de 11, depois de na véspera á tarde ter repelido as últimas fracções do exército anglo-luso, sob o comando de Craufurd (…), mandára reconhecer a estrada em direcção de Vila Franca. O encarregado desta missão, o brigadeiro Pedro Soult, veio imnformá-lo dos fortes entricheiramentos que vira em Alhandra. A exploração feita na direcção do Sobral, Arruda e Zibreira trouxe-lhe notícias análogas, o que levou o Aludido general, por sua vez, a informar o comandante chefe, então ainda longe, á rectaguarda, de que tinha na sua frente uma linha contínua de fortes entricheiramentos e estendendo-se até um ponto, para oeste, que não podia ainda precisar.
“Os reconhecimentos continuaram nos dias 12 e 13, ocasionando escaramuças, algumas de certa importância, como a que se travou na vila do Sobral (…) “ .
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 415-416).

Os franceses descobrem a existência das Linhas de Torres

“- Precipícios! Meu Deus, só precipícios! - exclamou o sargento Godinot ao observar as linhas de Torres Vedras (...).
“- Não nos falou em nada disto, no quartel, ó nosso sargento - disse Fournier, ao lado dele.
“- Os Ingleses esqueceram-se de me informar - respondeu Godinot, acrescentando num tom mais baixo -, a mim e a quem quer que seja.
“- Mas que raio de coisa é aquela ali na ravina? - perguntou Dubois apontando.
“Todos olharam, mas ninguém soube explicar. A única coisa que conseguiram ver é que todo o vale que penetrava nas linhas havia sido entulhado. Àquela distância era-lhes completamente impossível distinguir e nem poderiam imaginar de que se tratava de centenas de milhares de troncos de oliveiras, raízes, e de ramos ali colocados para obstruir o caminho de forma a que nem um rato, e muito menos um homem, conseguisse passar.
“- Mais precipícios - disse Godinot quando a companhia avistou um novo sector. Outra longa faixa da colina havia desmoronado formando uma escarpa tão íngreme que nem com uma escada seria de tentar trepar; viam-se os redutos montados em cada extremidade da escarpa, com armas para assinalar o destino de quem se tentasse aventurar.
“- Há casacas vermelhas ali - avisou Godinot apontando. O exército britânico devia estar por detrás das Linhas, auxiliando as hordas de milícias que vigiavam nos redutos.
“Mas a companhia continuou a avançar. A guarda avançada francesa resolveu enveredar pela esquerda a fim de descobrir onde terminava aquela linha de fortificações. O sargento Godinot e os seus homens encontravam-se na extremidade do flanco da companhia, marchando para sul, paralelamente às Linhas. À sua direita estendia-se um vale desértico, com uma largura de três quartos de milha pelo sopé dos entrincheiramentos; o vale apresentava-se tão liso como se tivesse sido varrido. Nem uma árvore, nem um arbusto, nem o menor fragmento de rocha. Quaisquer tropas que quisessem formar ali para um assalto, só o fariam debaixo de fogo cerrado e sem a menor hipótese de cobertura.
“- Fartaram-se de trabalhar, os malvados - resmungou Fournier”.
( do romance de Cecil Scott Forester , Morte aos Franceses, ed. Publicações Europa - América, s/d, (ed. inglesa: 1932), pp.49-50).

O exército de Massena posiciona-se frente às Linhas -1

“As tropas francesas, então ainda em número de 50.000 homens, dada a resolução do seu chefe, de esperar reforços, fortificaram-se pois nas suas posições, diante das Linhas, retirando-se a cavalaria para a rectaguarda, mostrando dêste modo que se renunciava a qualquer movimento ofensivo e que se preferia fazer uma espécie de bloqueio, já que outra coisa não se podia tentar. O 8º corpo, de Junot, ocupou as alturas da vila do Sobral, defronte do Forte Grande; o 6º corpo, de Ney, instalou-se em Ota, com uma grande avançada em Alenquer; Montbrun com a sua cavalaria estava em Santarem, bem como a artilharia de reserva e o hospital. Todos os artífices do exército, carpinteiros, serralheiros, etc., foram mandados reunir-se em Santarem, afim de construirem uma ponte, por meio da qual se pudesse atravessar o Tejo ou o Zézere, aproveitando bem a madeira das casas, o ferro das varandas e trancas das portas, já que outros materiais não tinham, no intuito de penetrar no Alentejo ou avançar até Castelo Branco e daí passar a Espanha, se não fosse possível subsistir na empobrecida região ocupada”.
(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, p. 418).

O exército de Massena posiciona-se frente às Linhas -2

“No dia 12 de Outubro marchou o general Montbrun com a vanguarda do exercito frances para Villa Franca, tomando lá as posições que julgou convenientes, distribuindo as tropas pela dita villa, por Povos e Castanheira. O oitavo corpo marchou de Alemquer para o Sobral, onde conseguiu apoderar-se d’esta villa, construindo durante a noite algumas trincheiras para defeza propria, perto do centro das posições alliadas. Foi no Sobral que o duque de Abrantes estabeleceu o seu quartel general. (…).
“Para alem de Runa a serra do Barregudo e os fortes que se tinham levantado em Torres Vedras não permittiam ao marechal Massena movimento algum de flanco por aquelle lado, não lhe restando portanto mais que a possibilidade de dispor as suas tropas entre Villa Franca e o Sobral, com a vantagem de que emquanto a testa das suas columas ameaçava as partes mais fracas da linha, podia elle em poucas horas concentrarmtodo o seu exercito no ponto que mais lhe conviesse atacar entre o Tejo e a citada serra do Barregudo. O segundo corpo, continuando a occupar as serras fronteiras da Alhandra, estendia a sua direita até á villa da Arruda, sobre um terreno bastante aberto. Um forte posto de cavallaria, collocado na dita villa, cobria a extremidade da sua direita, ligando-a com o oitavo corpo, cuja frente se achava para diante do Sobral, occupando as menores alturas da citada serra do Barregudo, e guarnecendo tambem as duas margens do rio Sizandro até ás Duas Portas” (sic) “, sobre a estrada de Runa”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 236 e 237).

A morte do general Saint-Croix

“O Sobral fôra tomado e occupado pela divisão Clausel, do corpo de exercito de Junot. Parece que Sainte-Croix, logo em seguida a essa occupação, insistia em que se fizesse, quanto antes, um ataque geral ás linhas, antes de deixar concluir todas as obras, e antes dos alliados se estabelecerem n’ellas sólidamente. A sua opinião tinha probabilidades de actuar com efficacia no espirito de Masséna, o qual (...) ordenou que os dois generaes, Sainte-Croix e Montbrun, fossem fazer um reconhecimento ás posições da Alhandra. Foi isto em 12 de outubro (...).
“Seguiram elles a margem do Tejo, em cujas aguas vogavam algumas chalupas canhoneiras, e barcos partencentes á esquadra de Inglaterra, que Wellington tinha ás suas ordens, destinados á segurança do rio, e a apoiarem a direita do exercito defensor. Iam descuidados os dois generaes, e perfeitamente seguros de qualquer perigo immediato, sobretudo do lado do rio, quando de uma das chalupas parte um tiro de peça, dando a bala n’um paredão de rocha, e d’ahi ricochetando com tão desastrosa coincidencia, que Sainte-Croix, attingido por ella, foi litteralmente partido ao meio, cahindo morto, sem tempo de soltar um ai.
“E assim foram cortadas n’um momento, pela cegueira brutal do acaso, as grandes esperanças que sobre a privilegiada cabeça d’esse homem, tinha deposto todo o exercito! O futuro marechal, a quem Napoleão (...) guardava tão grande destino, e que (...) era já uma glória das armas francezas, encontrou n’algum ignorado recanto da nossa patria os sete palmos de terra, onde ficaram sepultados todos os seus ambiciosos sonhos(...).”
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, pp. 332-333).

A “Batalha” de Dois Portos-1

“10 - “ (de Outubro de 1810) “ Recebemos pela manhã ordem de marcha para Dois Portos; e foi em proporção da distancia, pois era só um quarto de legua. Tivemos outro dia igual ao dia 8, tempestuoso e mau, como bem poucos tenho contado. A maior parte da povoação fugiu para Lisboa. - É certo que sendo para nós penoso este tempo, muito mais o ha de ser para os francezes, e causará grande transtorno aos seus movimentos (...).
“(...) 13 - ” ( de Outubro)” Por ordem anterior fomos de madrugada formar para o outro lado da ponte de Dois Portos, a qual, assim como outra que ha do lado direito, estão já minadas para saltarem em caso de necessidade. Sendo já dia claro retirámo-nos para os quarteis. - Pelas duas horas da tarde, tendo-se percebido já que os francezes tentavam algum reconhecimento pelo lado do Sobral, para onde tinhamos as nossas avançadas, principiou-se a ouvir fogo, entre elles e uma avançada ingleza que havia á nossa esquerda: viu-se que um forte corpo de tropas francezas, tomava uma altura junto a um moinho. Eu que tinha sido mandado em observação, dei d’isto parte ao general e ao brigadeiro, e quando elles chegaram era já respeitavel a força inimiga, que se apresentava contra as nossas avançadas. A poucos minutos principiou o fogo com os nossos, pois que os estrangeiros se tinham retirado; e tanto valor mostravam as nossas tropas, que obrigaram os francezes a desistir da tentativa depois de bem destroçados. - Não tive eu a fortuna de tomar parte no calor da acção, porque tinha sido mandado pelo general encaminhar a brigada ao alto da outra parte, pelo caminho que no dia 12 tinha reconhecido para retirada, receiando elle que a isso fossemos depois obrigados. Tivemos a sensivel perda do coronel Harvey commandante da brigada, que na acção ficou ferido, a ponto de lhe ser necessario ir tratar de si com todo o cuidado. Esta perda é geralmente sentida por toda a brigada e mesmo pelos officiaes generaes do exercito. - Á noite tornou o inimigo para as suas antigas guardas; nós não baixámos: fizemos saltar as pontes.”.
(do diário de um oficial do exército português, iniciado a 31 de Outubro de 1807 e citado por Claudio de Chaby nos Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.245-246).

A “Batalha” de Dois Portos-2

“Combate de Dois-Portos, 13 de outubro” ( de 1810 )“ Infanteria nº 11 e 23.
“Foi travado este combate entre tropas de um dos postos avançados das posições de Torres Vedras, e consideravel força inimiga, que na tarde do dia 13, avançando sobre o mesmo posto, provocou a peleja. Duas companhias do regimento n.ºs 11 e 23, fizeram-se notaveis n’esta occasião, pelo arrojo com que repulsaram o ataque, e d’ellas diz lord Wellington nas suas participações officiaes: “O inimigo atacou hoje os piquetes da divisão do general Cole, ao pé do Sobral, porém não teve muito effeito este seu ataque. Tenho sabido com maior satisfação, que as tropas portuguezas da brigada do coronel Harvey, composta dos regimentos 11 e 23, outra vez se hão distinguido n’esta occasião; o coronel Harvey ha infelizmente ficado ferido, porém espero que o haja sido levemente (...)”
(Claudio de Chaby, Excertos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra Denominada da Peninsula (...), Lx. Imprensa Nacional, 1871, vol.III, pp.237-238).

Os franceses atacam o Forte Grande de Alqueidão

“Em frente ao reduto do Sobral e a uma certa distancia, os franceses estabeleceram um reduto e Massena, tendo observado o terreno cuidadosamente deu ordem para atacarem o reduto britânico e tomou a sua posição numa colina de modo a observar o resultado desta sua primeira operação. Não só foi o inimigo repelido mas o seu próprio reduto foi atacado, conquistado e mantido”
(carta de D’Urban, chefe do estado maior Beresford, datada de 15 de Outubro de 1810, citada por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.18, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Proclamação dos governadores do reino

“Portugueses: - A marcha do exercito inimigo, que já debilitado pela penuria, e pelas passadas perdas, obedece de mau grado ás ordens despoticas do seu tyranno, nos annuncia uma proxima batalha. O numero, e valor, já provado, do exercito combinado, sua formidavel posição, e a impaciencia com que as tropas clamam pelo combate, tudo nos promette um successo feliz e glorioso. O Deus dos exercitos abençoará as nossas armas, e nos dará uma completa victoria. Os governadores do reino, o marechal, o exercito, e toda a nação, assim o esperam, e têem todos os motivos de o esperar. He porém necessário que n’esta occasião vos acauteleis contra os falsos rumores, que póde espalhar a malicia ou a timidez. Não vos assuste a passagem de tropas, a chegada de feridos, o continuado giro de transportes, e outros movimentos, que são necessaria consequencia das operações da guerra. Não acrediteis noticia alguma, que não for annunciada pelo governo, de cuja franqueza tendes tido tantas provas: elle dará as providencias para castigar os malevolos, que se atreverem a espalhar falsas vozes, com a severidade que exigem as circumstancias. Portuguezes, socego, confiança, obediência, e seremos felizes.
Palácio do governo, 13 de Outubro de 1810.= Bispo patriarcha eleito=Principal Sousa= Carlos Stwart=Marquez monteiro mór=Conde de Redondo=Ricardo Raymundo Nogueira.”
(in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº72, p189)

Uma bala quase atinge Massena

“Em 16 do mez,” (de Outubro) “ o marechal generalissimo dos francezes decidiu-se a fazer pessoalmente um reconhecimento á linha mais avançada, em frente do Sobral, que as suas forças (...) occupavam.
“Era passado meio dia quando Masséna se adeantou, á frente de dois mil homens de cavallaria e de outros tantos infantes, e subiu com elles as alturas que dominam a villa, para o lado de Monte Agraço.
“N’esse dia, e a essa hora, estava tudo nos seus logares e tudo em armas. Os fortes tinham as guarnições completas, os postos estavam vigilantes, a artilheria de posição prompta a deslocar-se para onde fosse necessario.
“Masséna extendeu os olhos por uma vastissima extensão das obras, e comprehendeu então o que ellas valiam, e que soberbo obstaculo tinha surgido, como por encanto, do chão, a oppôr-se á sua empreza! Reconheceu que tinha defronte de si uma das disposições defensivas mais formidaveis de quantas no seu passado de campanha havia encontrado (...).
“Á roda do marechal estava todo o seu estado-maior. Olhava elle, ao longe,á sua esquerda, para a estrada do valle de Calhandriz, que segue em direcção ao Tejo. N’um muro, a pequena distancia, tinha, havia instantes, deposto o seu oculo. N’isto, uma bala de artilheria, vinda do reducto 120, manifestamente disparada na direcção do grupo como um convite a retirar-se, bate no muro, perto do oculo, a poucos passos.
“Masséna comprehende o aviso, e tirando o chapeu, saúda cortezmente o inimigo e a linha formidavel de reductos, que pela voz da artilharia acabava tambem de cumprimental-o.
“E com todo o seu brilhante estado-maior, e as forças que o seguiam, desceu rapidamente das alturas e recolheu ao Sobral e d’ahi ao seu quartel.”
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, pp.330-331).

Wellington faz um balanço

“Ill.mo e ex.mo sr: - Depois do officio que dirigi a v. es.ª na data de 13 do corrente”(Outubro de 1810)”, o inimigo se tem occupado principalmente em reconhecer as posições, que as nossas tropas occupam, e em fortalecer as suas; para effeituar o primeiro objecto tem escaramuçado com as tropas, que se acham nos nossos postos avançados, as quaes sempre se têem conduzido muito bem.
“A 14 atacou o inimigo, com infanteria apoiada por artilheria, a um pequeno destacamento de regimento 71, que formava a guarda avançada da divisão do comando do tenente general sir Brent Spencer, perto do Sobral de Monte Agraço, e isto com o fim de cobrir um dos seus reconhecimentos feitos pelas suas partidas. O nosso destacamento, tendo na sua frente o honrado tenente coronel Reynell, carregou sobre o inimigo, com a mais denodada bravura, fazendo-o recolher para o logar mencionado.
“Toda a força do oitavo corpo do exercito francez, e parte da do sexto, chegou comtudo n’aquella tarde ao campo perto do Sobral, e em consequencia achei acertado retirar da situação avançada, que tinha occupado, a divisão do commando de sir Brent Spencer.
“As barcas canhoneiras no rio Tejo commandadas pelo tenente Berkeley, com as quaes o almirante Berkeley apoia a direita do exercito, perto de Alhandra, tiveram igualmente acção, e fizeram fogo ás partidas, com que o inimigo faz por aquelle lado os seus reconhecimentos, e por isto mesmo nos foram muito uteis ao seus serviços.
“(...)
“Um destacamento da guarnição de Peniche, mandado fóra pelo brigadeiro general Blunt, foi igualmente bem succedido, fazendo quarenta e um prisioneiros apanhados na retaguarda do exercito inimigo, matando ao mesmo tempo nove, alem do numero dos prisioneiros. O tenente coronel Waters, que empreguei com pequenos destacamentos de infanteria e cavallaria, tambem na retaguarda do inimigo, fez igualmente muitos prisioneiros.
“As difficuldades que o inimigo experimenta em procurar subsistencias, o que é devido a elle por haver invadido este paiz sem o apoio de depositos, e sem que adoptasse medidas para segurar a sua retaguarda, ou as suas communicações com Hespanha, o tem posto na necessidade de que os seus soldados se extraviem com o fim de procurarem com que se mantenham, e por isto mesmo não passa dia sem que venham desertores e prisioneiros”
“(...) Quartel general de Peronegro, em 20 de Outubro de 1810(..)”.
(“officio do marechal general lord Wellington a D. Miguel Pereira Forjaz”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº74, pp.190 a192)

As dificuldades do exército francês-1

O exercito francês “não tinha armazens nem depositos, as tropas estavam rotas e descalças, e o terreno em que se via confinado era o estrictamente necessario para conter o grande numero de homens e cavallos, que possuia. Foi tão extrema a miseria e a falta de tudo, que chegaram a comer carne de burro e de cão, e a matar cavallos de transporte por não terem alimento para lhes dar, e para se alimentarem a si proprios.”
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, p. 346).

As dificuldades do exército francês-2

“(...) Eu vivi em Torres Vedras mas visitava o Ramalhal de tempos a tempos. O meu dever era despojar a terra que se encontrava entre nós e o inimigo de todos os mantimentos, tão depressa e completamente quanto possível. Com esta finalidade foi-me confiado de vez em quando um destacamento d hussardos, com o qual realizei incursões. O meu destacamento seguia com mulas e sacos vazios... Muitas vezes deu-se o alarme que tropas francesas estavam avançando para nós, mas assim que descobriam que estávamos ocupados a encher os sacos com mantimentos eles esperavam que tivessemos acabado e partido. naturalmente que retribuimos estas cortesias (...).
“O exército do inimigo em frente das nossas linhas estava numa situação crítica. Todos os dias grupos de ataque rápido sob o comando do general Miller e do coronel Trant traziam prisioneiros franceses que tinham sido enviados à procura de mantimentos. Os desertores que se rendiam aos nossos postos avançados eram igualmente numerosos. Eles queixavam-se de serem obrigados a passar fome, e que praticamente tudo o que conseguiam obter em mantimentos era o que era deixado por nós e que subsistiam principalmente de milho que eles moiam entre pedras e fritavam geralmente numa panela”.
(Memórias de August Ludolph Friedrich Schaumann, alistado na Legião Alemã que serviu o exército britânico, citadas por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.38, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

Um “exército” de desertores franceses

“Todos os dias desertavam soldados” (franceses) “em bandos, apertados pela fome. Muitos apresentavam-se nas linhas, constituindo-se prisioneiros, a troco de pão. Outros espalhavam-se ao longe, por toda a parte. Chegou a ser tão extraordinario o seu numero, que resolveram constituir-se n’um corpo especial, com uma certa apparencia de regularidade, a que deram o nome de decimo primeiro corpo. Elegeram um general para os commandar, officiaes superiores, capitães, subalternos, sargentos. Assim constituidos, dividiram-se em destacamentos e foram saquear e devastar o paiz para as bandas da Nazareth, Alcobaça e Caldas.
“Mas do exercito principal, onde a necessidade era extrema, foi preciso tambem mandar destacamentos em busca de subsistencia para as tropas (...).
“Viu-se então o cumulo da indisciplina. Os destacamentos do exercito regular” (francês) “sendo encontrados pelo decimo primeiro corpo, que chegou a ter perto de 2:000 homens, eram por elle atacados, obrigados a capitular e roubados, quando já conduziam saque. Intimavam-nos a ficar servindo com elle, e em caso de recusa, faziam-os” (sic)” prisioneiros.
“Quando esta insubordinação ousada chegou ao conhecimento do generalissimo francez, inquietando-o vivamente, deu elle ordem immediata a duas divisões para baterem o campo em perseguição dos rebeldes. Ao fim de alguns dias, conseguiram cercal-os; elles, porém, acceitaram a lucta, e foi só depois de algumas horas de combate que cederam á força, depondo as armas.
“O improvisado general e os outros commandantes foram julgados summariamente em conselho de guerra e logo arcabuzados. Os soldados foram remettidos para os seus regimentos e ahi punidos disciplinarmente”.
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, pp. 346-347).

A retirada do exército francês - 1

“Dentro das linhas as provisões eram abundantes; não havia falta de vinho e desporto e os divertimentos continuavam como se o exército não estivesse em guerra mas em Inglaterra. As linhas eram visitadas por muitas pessoas vindas de Lisboa.
“Quatro meses de inverno ainda tinham de passar e durante esse tempo Massena deveria ter só duas alternativas: ficar onde se encontrava e passar fome, ou enfrentar os horrores de uma retirada pelas montanhas durante o inverno.
“(...) Na manhã de 15 de Novembro o posto avançado britânico notou que os lúgubres sentinelas tinham-se tornado estranhamente rígidos; um exame mais de perto mostrou que eram feitos de palha. Os franceses tinham-se retirado durante a noite a coberto do nevoeiro.”
(citada por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.19, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

A retirada do exército francês -2

“A falta absoluta de viveres, aggravada pelas difficuldades da sua posição, e pela nenhuma esperança de poder sahir d’ella, obrigou Masséna a afastar-se, no dia 14 de novembro, d’aquellas collinas, apenas cobertas de vinhedos já de ha muito vindimados, conduzindo o seu exercito para regiões cerealiferas e que ao mesmo tempo lhe offereciam posições susceptiveis de defeza.
“Escolheu para esse fim o espaço comprehendido, ao sul, entre Rio-Maior e Santarem, fechado á sua esquerda pelo Tejo, e apoiado ao norte em Ourem e Leiria. Collocou o segundo corpo, de Reyner, em Santarem; o oitavo, de Junot, em Torres Novas, Pernes, e nas faldas do Monte Junto; e o sexto, de Ney, em Thomar; estabeleceu em Tancos o grande parque de artilheria, a cavalaria acantonou-se em Ourem, e os postos avançados deitaram até Leiria.
“O quartel-general de Masséna foi estabelecido em Torres Novas, ponto central do exercito.
“Lord Wellington avançou com o seu quartel-general para o Cartaxo.
“(...) Assim ficaram em presença os dois exercitos, desde o meiado de novembro de 1810 até ao começo de março de 1811.”
(Fernandes Costa, Memorias de um Ajudante de Campo, Lisboa 1895, tomo I, pp. 345-346).

Baixas francesas

“Eles (os franceses) tiveram 200 ou 300 homens feridos no recontro com os nossos postos avançados perto do Sobral... Já passaram por este exército mais de 1.000 prisioneiros; muitos homens foram mortos pela população rural e em escaramuças com os nossos diferentes destacamentos”.
(citada por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.18, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).

As tropas anglo-lusas voltam a cometer excessos em Torres Vedras

“Tal era o espirito de vertigem, que se tinha apoderado da Tropa,” (anglo-lusa) “ que não bastaram para moderal-o as Ordens so dia 12 e 13 de Dezembro: as Igrejas da Villa” (de Torres Vedras) “e seu termo foram saqueadas, não escapando os seus mesmos archivos:á excepção da Igreja da Misericordia em todas as outras se interrompeo o culto divino por estarem occupadas pelos soldados, e algumas até reduzidas a açougues (a).
“(a) Na Igreja Matriz de Sancta Maria do Castello perdeo-se toda a prata, que restava, sendo roubada na Villa da Enxara dos Cavalleiros, quando se transportava para Lisboa, assim como algumas outras alfaias, e roupas, perderam-se tambem os livros, e o ultimo que servia para os assentos do Baptismo foi mutilado em algumas folhas. Na Igreja de S.Pedro de Dois Portos, uma das mais antigas, e ricas do Arciprestado, perdeo-se inteiramente o archivo parochial, toda a prata, ornamentos e alfaias. Na de N.Senhora da Luz da Carvoeira, soffreo bastante perda o archivo parochial, e tambem a houve consideraval nos ornamentos e alfaias. Na de S.Lourenço do Ramalhal houve alguma perda no archivo, e absoluta nos ornamentos e alfaias, de que era assáz abastecida; quasi o mesmo succedeu na de S.Domingos de Carmões, etc.
“(...) foi tudo confusão, e desordem, até que retirando-se o inimigo para mais longe, e ficando a terra, em consequencia mais alliviada de tropa, obteve o desembargados Vigario da Vara do General, que então ficára governando, que despejasse a Igreja de S.Pedro, como mais central , e espaçosa, a qual começou a servir no dia 2 de Fevereiro” ( de 1811) “ de Parochia commum, d’onde cada Parocho administrava os Sacramentos aos seus Freguezes.
“N’esta mesma Igreja, se celebraram já os Officios da Semana Sancta, cuidando-se entretanto com maior actividade nos reparos a aceio das outras, em todas as quaes se abriram os chóros no primeiro Domingo depois da Paschoa.”.
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 178- 179).

12 – Consequências da Terceira Invasão

A “peste” em Torres Vedras-1

“Às molestias que se tinham manifestado nas comarcas de Alcobaça e Leiria tambem haviam atacado outras, e particularmente a de Torres Vedras, onde quasi todos os doentes morriam do quinto para o sexto dia, sendo acommetidas, não sómente as pessoas pobres e expatriadas, mas igualmente as bem tratadas. Dois cirurgiões havia n’aquella villa, que sendo n’ella sufficientes em caso ordinario, não o eram depois que taes molestias se engravesceram, circumstancia que deu logar a que o intendente geral da policia mandasse indagar em Lisboa onde estavam os dois medicos do partido que n’ella havia, Manuel Tavares de Macedo, empregado no hospital militar da Junqueira, e Joaquim José Durão, para os fazer recolher a ella, devendo levar comsigo um enfermeiro do hospital de S.José, por terem adoecido todos os que havia em Torres.
“(...) A immundice foi, n’algumas terras onde os franceses tinham residido, uma das mais poderosas causas da malignidade das molestias que n’ellas se desenvolveu (...)”.
(Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 271-472).

A “peste” em Torres Vedras-2

“Por este tempo” ( 1810 ) “ grassava na Villa,” (de Torres Vedras) “ e muito mais nas suas visinhanças um contagio, que foi quasi geral, sendo mais mortifero nas terras invadidas, e nos emigrados por serem mais incommodados, e menos socorridos. Contaram-se tantos mortos, que foi preciso designar-se um amplo cemiterio juncto á Igreja de S. Miguel, e ainda este teve de ampliar-se além dos seus primeiros limites. Pela vigilancia do governo e da Policia determinaram-se socorros para supprir á miseria e indigencia, que justamente se entendia ser o principal motivo do contagio; e logo que os enfermos foram tractados pelos Facultativos, que se recolheram da Capital, quasi nenhum perigou, e com brevidade se restituio a saude publica. “
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 179).

A “peste” em Torres Vedras-3

“Os doentes entrados no hospital” (da Misericórdia de Torres Vedras) “ eram oriundos das aldeias das redondezas da vila, tais como de Fonte Grada, Paul, Vila Facaia, Amial, Bordinheira, Dois Portos, Orjariça, mas sobretudo das regiões invadidas, S.Martinho, Leiria, Obidos, Torres Novas, Porto de Mós, Pombal, Coimbra… A partir de Outubro de 1811, a epidemia começou a fazer menos estragos, os doente eram agora quase exclusivamente refugiados”.
(Ana Cristina Climaco Pereira, Les Lignes de Torres Vedras et Le Plan de Defense du Portugal Concu par Wellington- Invasion e Resistances (le patriotisme et le nationalisme portugais 1810-1811), tese de mestrado, Universidade de Paris, 1991, p.187, tradução adaptada).

Miséria generalizada

“Nestas paragens” (Peniche) “ não temos noticias algumas á excepção de huma historia de miseria, que huns poucos testemunhamos.
“Milhares de pessoas tem perecido por fome e molestia, e todos os dias descobrimos miseraveis objectos, dando o ultimo suspiro pelas mesmas causas. Hum Medico de grande actividade e humanidade, e Commandante Militar de Obidos merecem a gratidão dos seus Concidadãos. Cento e cincoenta pessoas morrerão em poucos dias nas Caldas, e que as mortes procedião principalmente de necessidade he uma cousa provada. As mortes reduzião-se a 20 por dia e hontem 21 do mez, entre 500, as mortes não passarão de 3.
“Hum exemplo fallará mais que huma pagina. De huma choupana forão tirados o pai mãi e filha mortos – hum menino tinha ainda sobrevivido a esta scena de horror, a pezar de estar coberto de bichos de tres ou quatro polegadas de comprido- o menino será salvo. Os hospitais estão cheios de crianças que perdêrão seus pais, de pais desgraçados que perdêrão seus filhos, de mulheres que perdêrão seus maridos, e de maridos que perdêrão suas mulheres, e que todos morrerião a não serem as providencias do Governo; mas quando elles estiveram restabelecidos como poderão voltar para suas casas, e subsistir até que as terras tornem a produzir”.
(“Extracto de huma Carta de hum Official Superior datada em Peniche em 22 de Março de 1811, a qual mostra a conducta dos Francezes em Portugal”, in Cardozo de Bethencourt, Catalogo dos Manuscriptos da Real Bibliotheca da Ajuda referentes á Guerra Peninsular, Lisboa, Typographia da Academia das Sciencias, 1910, “Appendice” E, p.74.)

Levantamento de estragos no concelho de T.Vedras

“Antonio Germano Barretto de Pinna Escrivão Ajudante da Camara nesta villa de Torres Vedras e Seu Termo pello Principe Regente Nosso Senhor que D.es G.de Srº certifico aos Senhores que a prezente virem que pellos officiaes da Camara desta villa foram mandados vir à Sua prezença os Lavradores das terras Invadidas pello Inemigo comprehendidas neste Termo, os quaes declararão ficarem sem carros para a sua cultura que agora querião fazer e para que lhes faltava ferrajem, e são os seguintes :

“João Silvestre da Serra de S. Gião V.na da Cravoeira (…)

“Francisco Joaq.m do cazalinho D.ª Ventena (…)

“Joze Miguel D.ª Ventena e Lugar (…)

“Luis Correya do Maxial (…)

“Manoel Ferr.ª da Lubagrª Fregª do Maxial (…)

“Jose Luis da Lubagueira Dª Fregª (…)

“Joaq.m Rodrigues da Panasqueira (…)

“João Antonio D.º Lugar (…)

“Maria Catherina viúva da Zibreira (…)

“Manoel Cardozo do cazal da Zibr.ª (…)

“Manoel Francisco Ramos da Zibr.ª (…)

“Manoel da Silva D.º Lugar (…)

“Antonio Franc.co D.º Lugar (…)

“Antonio da Costa D.º Lugar (…)

“Ant.º da Silva da Irmigeira (…)

“João Lourenço da Irmigeira (…)

“Manoel Joaq.m de Villa Seca (…)

“Anna da Conceição de V.ª Seca (…) //

“(…) Sabastianna Maria de Vª Seca

“(…) José Robello de V.ª Seca

“(…) Manoel Antonio de Vª Seca

“(…) Manoel Botelho de V.ª Seca

“(…) Manoel de Lima de Aldeya G.de

“(…) Clemente José D.º Lugar

“(…) Francisco José D.º Lugar

“(…) Quiteria M.ª Dº Lugar

“(…) José Antunes Morgado da Sivilheira

“(…) Joaquim João D.º Lugar

“(…) Manoel Franc.º D.º Lugar

“(…) Gregorio Franc.co de Abadia

“(…) José Pedro cazal da Lameira

“(…) Antonio Manoel da Abadia

“(…) Jozé Ferr.ª Dº Lugar

“(…) Queitano Jozé da Zorragueira” (?)

“(…) Manoel Antonio do Lugar das Carreiras

“(…) Thomás da Costa da Derrainha

“(…) Catherina Fereire do maxial

“(…) Joaq.m Alves D.º Lugar

“(…) Joaq.m Lourenço Dº Lugar

“(…) Joaq.m dos Reis D.º Lugar

“(…) Victorino Correya de Abrunheira

“(…) Narcizo Duarte do cazal do Gil

“(…) Joaq.m Feliciano da Freguezia de Mattacaens

“(…) Manoel Joze Branco da Derrainha.

“E para constar o referido passei a prezente // qie asignei com os officiaes da camara.

“Torres V.ª 11 de Dezembro de 1811” (seguem-se quatro assinaturas).

( in “Certidão do Escrivão Ajudante da Câmara, dos lavradores chamados por terem as terras invadidas pelo inimigo e ficarem sem carros”, A. M. T. V.).

Medidas de apoio aos atingidos

“Outro sim certifico que logo no ditto dia mês e anno fizeram os dittos officiaes da camara vir à sua prezença os dois mestres Ferreiros, Antonio francisco, e Ant.º Lopes ambos desta villa, e aos quaes encarregarão que de baixo do joramento dos Santos Envangelhos que haviam tomado para exercerem seus officios declarassem a Ferrajem que se fazia perciza para os carros dos qorenta e quatro Lavradores retro declarados que conformemente” (?) “ responderam que para as suas combinações e calcolos sobre este negocio passam a satisfazer ao que se lhes ordenava debaixo dos Planos por onde mostrarião quaes as arrobas de ferro que se precizava para cada hum carro pellas Pessas necessarias para a constroção da Ferragem bem como a Soma total das dittas arrobas e ferro que erão percizas para cada hum carro e para todos os qorenta e quatro carros, tudo pella forma seguinte :

“PESSAS DE FERRO PERCIZAS P.ª CADA HUM CARRO Arrateis

“Por seis chapas d’eixo 16

“Pello Rasto das Rodas 62

“Pellos seos Pregos 50

“ Para Sobre Rodas (?) 24

“Para os Seos Pregos 8

“Para Gatos (?) de Vista 8

“Para os seos Pregos 8

“Para Gatos de Banjo (?) 8

“Para os seos Pregos 8

“Para oito Cantoneiras 16

“Para seos Parafuzos 15

“Para argolla d’ Eixo 1

“Para argolla de cabessalho 2

“chapa de cabessalho 6

“ 232

“(…) Sendo pela forma calcolada somma as arrobas de ferro para os dittos quorenta e quatro carros a sette arrobas e oito arrateis ao todo trzentos e noventa e seis arrobas para constar o referido passei a prezente que todos assignarão. Torres Vedras 11 de Dezembro de 1811” (seguem-se seis assinaturas).

( in “Certidão do Escrivão Ajudante da Câmara, dos lavradores chamados por terem as terras invadidas pelo inimigo e ficarem sem carros”, A. M. T. V.).

Efeitos da guerra nos preços dos produtos, no concelho de T.Vedras-1

“Na mesma vereação chamou a Manoel José do Nascimento, Negociante nesta mesma villa, e Manoel Francisco Leal, Mercador nesta mesma villa, Costodio José Rodrigues tambem Negociante nesta villa, e José da Silva Mercador de vinhos tambem desta villa, para effeito de fazeremos as declaraçoens a vista do officio do Comissario Geral remetido por copia pello Dezembargador desta comarca para declararem o preço corrente de todos os generos em cada mez dos annos de mil oitocentos e nove - e dez - e honze, (...) declararão que não tinhão lembrança alguma certa por que se venderão cada uns dos generos nos referidos tempos e porque as alterações se estavão experimentando todos os dias pella entrada ou sahida das tropas, bem como pella aproximação do Inemigo e a falta de generos que padecerão, pello consumo (....?) que padecerão tanto pella ocazião da Invazão, como pello grande numero de tropas que se alojarão nesta villa e contornos acontecendo com estas alteraçoens que os generos que hoje se vendião, muitas vezes dobrando os preços pellas grandes despezas que se fazião em se hirem buscar a partes remotas e athé pello risco que padecião na condução por lhe serem muitas vezes tirados pellas mesmas tropas (...)”
(in Livro nº25 dos Acordãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1812 a 1817), vereação de 22 de Março de 1816, ff.100v a 102).

Efeitos da guerra nos preços dos produtos, no concelho de T.Vedras-2

“Preço de alguns dos Géneros alimentares no concelho de Torres Vedras, em 1809,1810 e 1811, segundo “as lembranças de Negociantes, Mercadores, e Mercieiros” ( em réis):

DATA TRIGO VINHO CARNE DE PORCO FRESCO BACALHAU BATATA

Jan. a 1 Abril 1809 800 r. o alqueire 25 r. o quartº 100 r. a libra 250 r. a libra 400 r. o alqueire

Abril de 1809 900 r. o alqueire 50 r. o quartº

Nov. Dez. 1809 30 r. o quartº

Jan.1810 a Set.1810 900 r. o alqueire 35 r. o quartº 60 r. a libra

Outubro 1810 900 r. o alqueire 60 r. o quartº 200 r. o alqueire

Novembro 1810 1000 r. o alqueire 70 r. o quartº 100 r. a libra 700 r. o alqueire

Dezembro de 1810 1400 r. o alqueire

Janeiro de 1811 70 r. o quartº 800 r. o alqueire

Fevereiro de 1811 80 r. o quartº

Março de 1811 1200 r. o alqueire 90 r. o quartº 80 r. a libra 500 r. o alqueire

Agosto de 1811 1000 r o alqueire 320 r. o alqueire

Set./Out. 1811 110 r. o quartº

Nov./Dez. 1811 50 r. o quartº

(Fonte: Livro nº25 dos Acordãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1812 a 1817), vereação de 2 de Abril de 1816, ff. 104 a 107.)

O auxílio económico britânico a T. Vedras

“Outro socorro tambem em extremo util para a classe indigente, e que uma justa gratidão não permitte, que fique em silencio, foi o donativo da Nação Britanica, de que coube uma porção a este Districto,” (da comarca de Torres Vedras) “o qual apezar de não ter sido a maior parte d’elle invadido, se achava comtudo nas mesmas, e talvez em peiores circunstancias do que algumas terras, que o foram, como fiz palpavelmente conhecer á juncta incumbida de o distribuir. Em consequencia d’esta representação, receberam-se por vezes até a quantia de 8:200$000 rs. além de trezentos pares de cobertores, com o que se occorreo ás maiores necessidades (a).
“(a) tendo sido incumbido pela Juncta dos Socorros da subscrição Britanica de distribuir aquella somma, eis-aqui as differentes parcellas, que recebi, e o modo por que foram repartidas, confórme as instrucções da mesma Juncta. Foi o primeiro donativo 1:000$000 réis metalicos, para se repartir pelos habitantes pobres, e necessitados das Freguezias d’este districto, e de 400$000 réis para o Hospital da Misericordia da Villa” (de Torres Vedras) “exausto de meios, pelas excessivas despezas accrescidas, e falencia das cobranças; outros 400$000 réis para o curativo do hospital de Aldêa-galega da Merceana, e 600$000 para o da Arruda. tendo esta primeira distribuição sido approvada, repetio-se outro donativo mais amplo de 4:000$000 réis metalicos, dos quaes se applicaram 880$000 réis aos infelizes habitantes da Villa de Arruda, e 270$000 réis aos do lugar do Pêro Negro, Freguezia da Çapataria, que tinham ficado em total desamparo; o restante foi todo applicado dentro no Termo. Ultimamente houve mais dois donativos especialmente destinados para os orfãos desamparados: o primeiro de 800$000 réis, e o segundo de 1:000$000 réis, dos quaes se tem conferido penções para o ensino de alguns Orphãos a officios mecanicos, e para a criação e educação d’outros infelizes, supprindo-se já por uma vez com o auxilio de 200$000 réis á consideravel despesa do estabelecimento da roda dos Expostos, como a Juncta insinuou no seu Officio datado de 10 de Junho de 1813. Além d’este donativo, tambem recebi tres moios de trigo, que me foram mandados n’aquelle tempo pelo Ex.mo e Rev.mo Bispo Patriarcha Eleito, a fim de serem distribuidos para sementes pelos lavradores mais necessitados.”
(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 179-180).

O retomar de uma obra interrompida com a guerre – O Hospital de Runa

“A 25 de Julho de 1827, o Hospital Real de Inválidos Militares abria as suas portas. (…).
“ Mas quando a princesa D. Maria Francisca Benedita, a quem se devia o levantamento da obra, recebeu os primeiros militares inválidos, trinta e sete anos tinham decorrido sobre as suas decisões de fundar o Hospital. Efectivamente, foi a 11 de Agosto de 1790 que a princesa comprou a quinta de Alcobaça, junto a Runa, (…) para aí instalar uma obra que perpetuasse a memória de seu marido, o príncipe D. José.
“(…) Para poder passar à concretização do seu projecto, D. Maria Francisca Benedita pediu a indispensável aprovação da rainha D. Maria, sua irmã, a qual logo lha concedeu (…).
“Houve então a princesa conhecimento de que estava à venda a já citada quinta de Alcobaça. Comprou-a (…) e (…) adquiriu outras propriedades anexas, incluindo a quinta de S. Miguel na Enxara do Bispo e da Amora. Tudo lhe importou em mais de quarenta contos de réis, quantia avultada para a época.
“A construção do edifício só veio a iniciar-se, porém, em 1803, participando nela mais de trezentos operários. Em 1807, quando a família real emigrou para o Brasil, já grande parte do edifício se encontrava erguida. Durante os catorze anos que a corte esteve instalada no Brasil, a princesa continuou os seus esforços para o prosseguimento da obra, enviando repetidas vezes vultosas quantias de dinheiro. Quando, em 1821, a família real regressou à metrópole, a construção estava muito adiantada, mas ainda tiveram de decorrer seis anos antes que o Hospital Real fosse jubilosamente inaugurado.
“Dezasseis foram os militares inválidos que a 25 de Julho de 1827 se recolheram ao abrigo da instituição benemérita: além de doze cabos e soldados, a história regista os nomes de Cristóvão Tomás, tenente de artilharia, Félix de Valois, primeiro-sargento de infantaria, e Joaquim Maria Cordeiro e Joaquim Jorge Ervilheiro, segundo-sargento – “todos pelos seus longos e bons serviços e terem feito as guerras do Roussilon e Peninsula .(…). ”.
(Lar de Veteranos Militares – Runa, ed. Serviços Sociais das Forças Armadas, Lx. 1970).

Soldados ingleses enterrados em T.Vedras, dificultam aceitação de novo cemitério

“Foi presente o officio que o Ex.mo Presidente desta Camara dirigiu em 3 do corrente ao R.do Vigario da Vara deste Arciprestado pedindo-lhe quisesse declarar se se encontra algum obstaculo pelas leis canonicas em se mandarem enterrar no terreno junto à Irmandade de S. João da Ordem 3ª em que hoje se pretende construir o Cemitério Publico; os individuos que falecceram depois da sua construcção por se haverem ali enterrado Protestantes e offerecendo-se difficuldade por este motivo, se sua Senhoria estava authorisada para a poder remover ou se era preciso recorrer a Sua Emminencia e no mesmo officio se ver estar lançado o despacho do theor seguinte “ Authorisamos o R.do Vigario da Vara de Arciprestado de Torres Vedras para proceder á Benção da Reconciliação do terreno destinado para o cemiterio Ecclesiastico commum da dita villa na conformidade das Instruçoens com que respondemos ao seu officio de 5 do corrente mez, São Vicente 11 de Novembro de 1848”. G. Cardeal Patriarcha (…) “.
(Livro nº28 dos Acordãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1842-1856), vereação de 14 de Novembro de 1848, f.110.)

Origem de uma expressão inglesa

Por causa do impacto das Linhas de Torres Vedras e da forma como impediu o avanço das tropas francesas, o famoso escritor Herbert George Wells inventou a expressão “Táctica de Torres Vedras”, para definir uma personagem que não cedia terreno a opiniões alheias, no seu conto “O Homem que podia fazer milagres”.

O crescente domínio inglês

“Foi certamente na nossa península que a águia imperial recebeu as primeiras feridas de que havia de morrer; todavia, o governo britânico fez-se pagar do seu auxílio dado a Portugal numa luta em que ele e só ele envolvera, de maneira tal que esse auxílio custou mais caro ao país do que a invasão (...). Depois de sucessivos decretos, todos eles vantajosíssimos para os ingleses e que, ao mesmo tempo, preparavam a independência do Estado brasileiro, a pressão dos aliados obrigou o príncipe regente a assinar em 19 de Fevereiro de 1810 um tratado comercial, que passa por ter sido mais ruinoso ainda para nós que o famoso de Methwen (...)”.
(A dominação Inglesa em Portugal, O Que nos tem Servido a Aliança da Inglaterra, Lisboa 1883).


13 – Estrutura Sócio-Económica do Concelho de Torres Vedras na época das Invasões

População das freguesias da actual área do concelho de Torres Vedras, antes e depois da guerra peninsular (1801 e 1826):

1801 (1)   1826 (2)

A dos Cunhados 738 - 756

Carmões 779 - 640

Carvoeira 1116 - 1060

Dois Portos 2611-  2276

Freiria 1117 - 1108

Matacães 634 -  688

Maxial 823 - 840

Monte Redondo 229 -  232

Ponte do Rol 402 - 468

Ramalhal 614 -  572

Runa 562 -  496

S. Pedro da Cadeira 1546 -  1440

Turcifal 1683 -  1912

Ventosa 1394 -  1396

S. Pedro e Santiago 2114 - 2056

S.tª Maria e S. Miguel 1240  - 1260

-------- ---------

TOTAL

17602  - 17200

 ( (1) Recenseamento Geral da População, por ordem de Rodrigo de Sousa Coutinho e José António de Sá: Tábuas Topograficas e estatisticas de todas as comarcas de Portugal - 1801; Comarca de Torres Vedras - Patriarchado de Lisboa, Mapa 91º, nº 36, Arquivo Histórico da Assembleia da República.. (2) Diário do Governo de 1826, por estimativa (nº de “fogos” X 4)).

Estrutura sócio-profissional da população torriense do princípio do século XIX (1817)

Proprietários Maiores, independentes de outro meio 195

Proprietários Menores – de propriedade rústica 3175

Proprietários Menores- os que vivem em casa própria 3311

TOTAL (proprietários) 6681 73%

Lavradores – dirigindo junta de bois e carros – ocupando lavra própria 310

Lavradores – dirigindo junta de bois e carros - faniqueiros 258

Jornaleiros 3017

Criados de Servir 1117

“PRIMÁRIO” (não inclui os proprietários que vivem em casa própria) 8072 88%

Albardeiros 3

Alfaiates 58

Barbeiros 54

Cabouqueiros 1

Calceteiros 3

Canteiros 9

Cardadores 3

Carpinteiros (“dos quais quase metade de carros”) 130

Cerieiros 2

Correeiros 2

Curtidores 28

Engenheiros 4

Entalhadores 1

Ferradores 11

Ferreiros 25

Fogueteiros 1

Marceneiros 3

Odreiros 3

Oleiros ou Louceiros 12

Pedreiros 42

Pintores 4

Sapateiros 180

Seleiros 1

Serradores 6

Serralheiros 7

Surradores 2

Tanoeiros 17

Tecedeiras 82

Vidraceiros 1

TOTAL (ofícios mecânicos) 695 8%

Aprendizes de todos os ofícios 86

“SECUNDÁRIO” 781 8%

Clero Secular 98

Clero Regular 51

TOTAL (membros do clero) 149 2%

Empregados civis 37

Empregados de Saúde - Medicina 3

Empregados de Saúde - Cirurgia 6

Boticários 9

Professores de ensino literário - de latinidade 2

Professores de ensino literário- de primeiras letras 5

Militares de patente 13

Militares do corpo de ordenanças 29

De rendas eclesiásticas e fiscais 5

TOTAL (empregados públicos) 109 1%

Lojistas e Mercadores 5

Lojistas de mercadoria 5

Lojistas de capela 1

Lojistas de algibebe 3

Lojistas de mercearia – na vila 31

Lojistas de mercearia – no termo 48

Lojista de confeitaria 1

TOTAL (comerciantes) 94 1%

“TERCIÁRIO” 352 4%

TOTAL DE POPULAÇÃO ACTIVA 9205 100%

Mendigos 200 2%

Expostos 136

(Fonte: Madeira Torres, “Descripção Historica e Economica da Villa de Torres Vedras – Parte Económica, Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, ed. 1835, pp.231 a 313) .

Colheita de 1812- Arciprestado de Torres Vedras

PRODUTO QUANTIDADE RENDIMENTO (em réis)

Trigo 1999 alqueires 1557$600

Cevada 275 alqueires 137$500

Centeio 10 alqueires 6$800

Milho 2226 alqueires 1561$280

Feijão Branco 155 alqueires 151$900

Feijão Frade 22,5 alqueires 17$500

Grão 17,5 alqueires 13$650

Ervilha 10,5 alqueires 7$995

Fava 128,5 alqueires 61$620

Chicharo 20 alqueires 9$600

Vinho 3020 almudes 3624$125

Azeite 9,5 almudes 31$333

TOTAL ----- 7181$013

(Fonte: “Mapa geral de todos os fructos, que pertencérão ao terço da contribuição de guerra, na conformidade da Portaria de 10 de Abril de 1811 (…)”, in Madeira Torres, “Descripção Historica e Economica da Villa de Torres Vedras – Parte Económica, Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, ed. 1835, pp.231 a 313) .

14 – Actos Comemorativos

Estabelecimento do Marquesado de Torres Vedras-1812- 1

Vereação de 9 de Abril de 1812 - “Por occasião de ter chegado a dicta villa a aplauzivel notícia do Excellentissimo Lord Wellington ter sido Eleito por Sua Alteza Real Marques de Torres Vedras, que no dia vinte e seis de Abril (…?) aquelle que podesse ser mais cómmodo se celebraria huma Festividade de Igreja e na Acção de Graças com te deum (…)”

Vereação de 18 de Abril de 1812 - “(…) nomearão para pegar na vara do Pallio da função que se hade fazer em vinte e seis deste mês em acção de Graças do Estabelecimento do Marquezado desta villa (…) a Jorge Lourenço Nunes da Cunha, Manuel Tavares de Macedo, Diogo José Medina Leal, o Dr. Antonio Joaquim da Franca, Luis Pedro Medina Lial (…)”.

Vereação de 22 de Abril de 1812 – “(…) mandarão apregoar e noticiar ao publico a iluminação do dia vinte e sinco na festividade de acção de Grassas pello Establecimento do Marquezado desta villa”.

Vereação de 6 de Maio de 1812 – “(…) asignarão huma carta de parabens e reconhecimento deregida ao Ex.mº Lord Wellington conde do Vimeiro e Marquez de Torres Vedras pelo felis estabelecimento do Marquezado desta villa naquella Riquissima Pessoa”.

(Livro nº24 dos Acordãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), ff 291 a 295v.).

Estabelecimento do Marquesado de Torres Vedras-1812- 2

“Ill.mo e ex.mo sr. lord Wellington, conde de Vimeiro e marquez de Torres Vedras.- Tenho a honra de servir há annos a vara de corregedor da comarca de Torres Vedras, e sou por isso o primeiro da comarca a quem pertencem a honra e gloria que esta recebe nos despachos da pessoa de v. ex.ª para conde do Vimeiro e marquez de Torres Vedras, ambos territorios d’esta mesma comarca.
“Tanto mais tendo sido fiel testemunha com muitos da mesma comarca, dos primeiros esforços militares da nossa primeira restauração de 1808, começados pela pessoa de v. ex.ª na Roliça, e acabados nos campos emontes do Vimeiro, aonde no tão memoravel dia 21 de agosto de 1808, cantámos a nossa tão gloriosa restauração da monarchia portugueza, contra o impio inimigo commum, e toda ella devida aos primeiros esforços militares da pessoa de v. ex.ª Quis a Providencia então mostrar-nos logo que a pessoa de v. ex.ª era a destinada pelo Altissimo para restaurador d’esta comarca, da nossa monarchia portugueza e de toda a Europa.
“Á pessoa de v. ex.ª se deve o ser esta comarca a da restauração. Foi a primeira comarca restaurada pela pessoa de v. ex.ª.Os seus territorios tiveram a honra e a gloria de serem presentes ás façanhas militares então praticadas pela pessoa de v. ex.ª.Á pessoa de v. ex.ª se deve a escolha dos seus territorios para aconstrução das linhas contra a invasão da capital, e posterior repulsa dos seus malvados aggressores. A continuação das façanhas na defensa d’estas linhas na invasão de 1810. E a conservação d’estas em toda a disciplina militar para prevenir qualquer outra invasão contra a mesma capital; devia pois esta comarca consummar todo o seu triumpho de honra e gloria, e assim o conseguiu, porque Deus lhe destina a pessoa de v. ex.ª para seu restaurador, e o principe regente nosso senhor nomeia e elege a pessoa de v. ex.ª para conde de Vimeiro e marquez de Torres Vedras. Esta a honra e gloria dos territorios da mesma comarca.
“Assim devia acontecer a uma comarca tal. Foi a da ultima residencia de quasi dois annos de toda a casa real reinante, e da sua côrte, e aonde eu tive a honra de residir tambem em serviço. É aonde o impio inimigo commum de Deus, dos reis, das gentes e dos homens e de todo o racional, animal, e vegetal, queria pelos seus satelites, á similhança do praticado na Hespanha, praticar igualmente o mesmo agarrando traidoramente aquella. É aonde se vê diariamente cumprir-se o voto pela conservação e augmento da mesma casa real reinante. E aonde no seu porto chamado o Porto Novo, contra a espectação de todos, todos viram e presenciaram o desembarque da Providencia,e é de povos sempre fidelissimos, christão e portuguezes, e bem conhecidos pela pessoa de v. ex.ª.
“O céu, Ill.mo e ex.mo senhor, prospere sempre a grande, fidelissima, constante e generosissima nação britannica, nossa alliada, e prospere tambem a pessoa de v. ex.ª nosso conde e marquez, destinado por Deus para restaurador da monarchia portugueza e de toda a Europa.
“Aceite a pessoa de v. ex.ª de mim e de toda esta comarca os mais sisudos, cordeaes agradecimentos e portuguezes votos de respeito e veneração.
“Deus guarde a pessoa de v. ex.ª muitos annos – Torres Vedras, 13 de abril de 1812.- Ill.mo e ex.mo senhor=De v. ex.ª venerador, servidor e captivo, José da Cunha Fialho".
(“Carta do desembargador corregedor da comarca de Torres Vedras dirigida ao marechal general lord Wellington”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº108, pp.339 a 341).

Resposta/agradecimento de Wellington

“Ill.mo sr. – Recebi a attenciosa carta que v. s.ª me dirigiu em data de 13 do corrente, em seu nome e no do povo da sua comarca, por motivo da recente mercê de marquez de Torres Vedras, com que sua alteza real o principe regente de Portugal foi novamente servido de honrar-me.
“Sendo sensivel á obsequiosa attenção de v. s.ª, devo tambem pedir-lhe que faça certo aos habitantes da sua jurisdicção, que terei sempre particular satisfação em lhes poder ser util e promover os seus interesses, assim como dos mais vassallos de sua alteza real, que dignos d’isso se fizerem.
“Deus guarde a v. s.ª muitos annos.-Quartel general de Guinaldo, 26 de abril de 1812.=O marechal general, Wellington, conde do Vimeiro.”
(“Resposta de lord Wellington á carta antecedente”, in Claudio de Chaby, Excerptos Historicos e Collecção de Documentos relativos á Guerra denominada da Peninsula (...), Vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1882, Documento nº108, p. 341).

Títulos do Marquês de Torres Vedras

“Arthur Wellesley: 1º Duque de Victoria, 1º Marquez de Torres Vedras e 1º conde do Vimeiro, Grão Cruz da Ordem da Torre Espada, Marechal General Comandante em Chefe dos exercitos aliados na guerra peninsular. Em Inglaterra: 1º Duque e 1º Marquez de Wellington, 1º Barão Douro de Wellesley, Par do Reino-Unido; cavaleiro da ordem da Jarreteira; Grão Cruz da do Banho; Feld Marechal, Coronel dos Granadeiros da Guarda, coronel em Chefe do exercito; Conselheiro Privado; Condestavel da torre Castelo de Dover; Governador, Chanceller e Almirante de Cinque Ports; Lord Tenente de Hampshire e da torre Hamlets; Chanceller da Universidade de Oxford; Comissario do Real Colegio Militar e do Real Asilo Militar; Irmão Maior da casa da Trindade; um dos governadores de King’s College em Londres, de Charter House, etc.
“Em Espanha; Grande de 1º Classe, 1º Duque de Ciudad Rodrigo, Senhor do Souto de Roma, Cavaleiro da insigne ordem do Tozão de Ouro, Grão Cruz das de S.Fernando e de S. Hermenegildo e Capitão General dos exercitos.
“Nos Paizes Baixos : Principe de Waterloo, Grão Cruz das ordens de Santo André, S. Alexandre Nervsely e S.Jorge e Feld Marechal.
“Na Prussia: Grão Cruz da ordem da Aguia Negra, e Feld Marechal.
“Na Dinamarca: Grão Cruz da ordem do Elefante.
“Nas duas Sicilias: Grão Cruz das ordens de S.Fernando e Merito e da de S.Januario.
“Na Baviera: Grão Cruz da ordem de Maximiliano José.
“Na Suécia: Grão Cruz da Ordem de Espada.
“Em França: Grão Cruz da Ordem do Espirito Santo. E no Premonte : Grão Cruz da Ordem da Anunciada.
“Os anais da Grã Bretanha passarão á posteridade os factos gloriosos da vida deste seu filho, que foi um dos homens mais notaveis, e na historia da carreira das suas vitorias, eles referirão a parte brilhante que nelas teve o exercito português e quanto desenvolveu o seu natural valor e excelente disciplina.
“Na cidade de Londres, debaixo do zimborio da catedral de S.Paulo, jazem os seus restos mortais desde o dia 18 de Novembro de de 1852, em que se solenizaram as exequias por ter falecido nesse mesmo ano a 14 de Setembro. Está colocado a par de outro heroi, de Nelson, que tambem conheceu a valia da gente portuguesa, na Campanha do Mediterraneo e no rigoroso bloqueio de Malta, feito pela bela esquadra do Marquez de Niza, que estava debaixo do seu comando, fazendo parte da inglesa.
“Nasceu em 1 de Maio de 1769 e casou a 10 de Abril de 1806, com a Honrada Catharine Pankenham, que nasceu em 1772 e morreu a 24 de Abril de 1831; 3ª filha de Lord Eduardo Miguel Pankenham e de Lady Catharina Bowley”
(in “Extracto das Memórias Historico-Genealogicas dos Duques Portugueses do Seculo XIX por João Carlos Feo Cardoso de Castelo Branco e Torres e Visconde de Sanches de Baena”, citado no artigo “Guerra Peninsular- A Biografia de Lord Wellington, Primeiro Marquez de Torres Vedras - uma interessante carta do povo do Vimeiro”, publicado no periódico torriense Alta Extremadura, edição de 1 de Maio de 1933).

Agradecimentos a Wellington

“Illm.º e Exm.º Sr.

“Depois que V.Exª fez ir d’escantilhão para França o fanfarrão Junot, tendo-o posto em papos de aranha nos campos do Vimeiro; depois que V. Ex.ª fez sair com vento de baixo o ladino Soult, da cidade do Porto, obrigando-o a fazer vispere e ir com as calças na mão para Castela; depois que V. Ex.ª disse ao Zanaga Massena: alto lá, sr. Macário!, e jogando o jogo dos sisudos lhe mostrou as linhas com que se cosia, fazendo-o dar às trancas e apanhar pés de burro, por ter dado com as ventas num sedeiro; depois que V. Ex.ª fez ir de catrambias a Berrier” ( Brennier ?) “da cidade de Rodrigo e ao caxola Philippon limpar as mãos à parede em Badajoz, como quem diz faça que não me viu, e tendo-o tem-te Maria não caias; depois que V.Ex.ª finalmente, nos campos de Arapiles, zás traz no cego, desazou o macambúzio Marmont e o obrigou a contar a sua derrota p a pa Santa Justa, tim tim por tim tim; foi então, Exm.º Senhor, que nós, os pés de boi, Portugueses velhos, dissemos: este não é general de cá ca rá cá; tem amoras; não faz cancaburradas, nem deixa fazer o ninho atrás da orelha; e, como prudente, umas vezes acomete e outras põe-se de conserva. Agora podemos dormir a sono solto; o nosso sono está nas malvas; a vinda do inimigo será no dia de S. Nunca à tarde.
“Portanto, só resta agradecer a V. EX.ª a visita que nos fez, que desejamos não seja de médico, nem com o pé no estribo, devendo saber V. Ex.ª que estes desejos não são bazófias, nem parolas que leva o vento, mas sim ingénuos votos de corações agradecidos e leais, em os quais tem V. Ex.ª erguido, com tanta justiça, um trono de amor e respeito.
“ De V. Ex.ª etc.
“ Os Habitantes do Vimeiro “.
(carta dirigida pelos habitantes do Vimeiro ao duque de Wellington, em reconhecimento pela sua vitória, citada por vários autores. Transcrevemos a versão incluida por Pedro Garcia Anacleto em “Fastos da História de Portugal - A Batalha do Vimeiro”, in Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, IIª série, nº 61/62, 1964, pp. 151-152)

Inauguração do padrão comemorativo da Batalha do Vimeiro-1908

“(…) A inauguração foi um acto solemne a que assistiu Sua Magestade El-Rei D. Manuel acompanhado por Sua Alteza o Infante D. Affonso, os srs. Presidente do Conselho, ministros da Guerra, Estrangeiros e Obras Publicas, deputações da camara dos pares e deputados, e a comissão militar executiva da comemoração oficial do Centenario (…).
“Á chegada do comboio real a Torres Vedras, cerca das 10 horas da manhã, aguardavam Sua Magestade na estação, todas as autoridades militares, eclesiasticas e civis da terra, o sr. Governador civil, administradores dos concelhos de Torres e Lourinhã, e grande quantidade de gente, em que as pessoas mais qualificadas da vila e seu concelho se confundiam com os humildes filhos do povo, todos na ancia de vêr o seu novo rei e de lhe prestarem suas carinhosas homenagens, espontaneas e sinceras, em calorosas aclamações e palmas com que o receberam.
“Uma força militar fazia a guarda de honra com a respectiva banda, e, emquanto esta tocava o himno nacional á chegada de El Rei, estralejavam no ar sucessivas girandolas de foguetes, que caracterisam toda a festa portuguêsa.
“Torres Vedras está engalanada de bandeiras e galhardetes, que balouçam á mercê do vento, em mastros afestoados de verdura e flôres, que ladeiam toda a Avenida Casal Ribeiro, inundada de grande luz do sol, que mais faz realçar as multicôres das toilettes das damas, que se debruçam das janellas e nos palanques armados ao longo da avenida, esperando a passagem de El-Rei e sua comitiva.
“Musicas tocam em coretos caprichosamente decorados, e o povo invade o transito por onde devem seguir os automoveis em sua vertiginosa carreira.
“É pena que El-Rei vá assim escondido ás vistas da população que o aclama, e as senhoras por mais que se esforcem das janellas e dos palanques para o verem, não logram o seu desejo.
“Desde que toda a comitiva segue em automoveis para o Vimeiro, acabou-se a descrição de viagem, substituida pelas nuvens de poeira que sufocam e cegam, nada deixando vêr, ainda que fosse possivel ver alguma coisa na velocidade de 40 kilometros á hora.
“(…) A aldeia” (do Vimeiro) “ está em festa, como nunca. Recebe a visita do Rei de que não conta talvez outra na sua história (…). Mastros com bandeiras levantam-se quasi tão altos como as suas montanhas, no ar esfusiam centenares de foguetes, trôa a artilharia, musicas tocam o himno e damas de distinta elegancia e formosura abrem alas para El-Rei passar, dando-lhe palmas, por entre as aclamações do povo.
“As autoridades locaes e as camaras da Lourinhã, Cadaval e Obidos aguardam a chegada de Sua Magestade num rico pavilhão armado de veludos e sedas, para a receber.
“El-Rei a todos acolhe com amabilidade estrema, sorrindo e agradecendo com palavras de reconhecimento e franca, sincera e festiva recepção que lhe fazem. Pouco tempo se demora no pavilhão onde lhe são feitas as apresentações oficiaes, pelo administrador da Lourinhã, sr. S. Boaventura, e dali segue no automovel e mais toda a comitiva para o alto do Cutelo, onde se ergue o padrão.
“É lá o acto oficial da inauguração, e proximo ao monumento está armada uma barraca de campanha, onde é assignado o auto. O batalhão de caçadores 5 com a banda faz a guarda de honra, e em volta do padrão, formam contigentes dos corpos referentes aos que em 1808 tomaram parte na batalha de Vimeiro. Mais distante uma bateria de artilharia 1 deve dar a salva ao descerrar-se o monumento da bandeira que cobre a base (…).”
Após os discursos oficias as “palavras de El-Rei, atenciosamente ouvidas, são coroadas de entusiasticos aplausos, com que novamente o aclamam.
“Sobre a mesa em que há um seculo foram assignados os perliminares de paz, obsequiosamente cedida pelo seu proprietario o sr. Dr. Justino Xavier da Silva Freire, é agora assignado por El-Rei o auto da inauguração do monumento, seguindo se as mais pessoas presentes.
“(…) El-Rei ordena que a policia deixe acercar-se-lhe o povo, que jubiloso o saúda e vitoría, havendo mulheres que, num impulso carinhoso e humilde, se ajoelham para lhe beijarem a mão, mais comovendo o jovem rei que, prosoroso, as levantava. Assim vae sendo aclamado até que o automovel real parte e os mais que o acompanham.
“Cerca de 1 hora da tarde entrava o cortejo em Torres Vedras (…) todos (…) cobertos de pó (…) das estradas que os automoveis revolucionaram (…).
“É preciso uma hora de limpesa para todos se desempoeirarem e poderem assistir ao almoço real, servido na ampla sala do Club lindamente decorada e onde nas mesas brilham os cristaes e alegram as flôres com seu variado colorido. No coreto aberto na parede toca uma tuna da terra seus bandolinos e violas, emquanto os estomagos se confortam. (…). O Senhor D. Manuel, em extremo comovido, brinda pelos concelhos da Lorinhã e de Torres Vedras aos quaes deseja as maiores felicidades (…).
“Novamente resoam na sala vivas aclamações, que acompanham El-Rei desde a sahida do Club até á Casa da Camara, onde se dirige com toda a comitiva. O povo póde agora vêr á vontade o Rei, porque este segue a pé por entre a multidão que o aclama com verdadeiro entusiasmo.
“Na sala da Camara, vistosamente ornamentada, há um docel de seda azul, sob o qual está um estrado com duas cadeiras de espaldar destinadas a El-Rei e ao Senhor Infante D. Affonso.
“Ali recebe o monarca as felicitações da camara municipal numa alocução lida pelo presidente do municipio ver. Conego Antonio Francisco da Silva, alocução a que El-Rei responde agradecendo todas as manifestações carinhosas de que tem sido alvo (…).
“Uma vibrante salva de palmas e repetidos vivas acolhem as palavras do Senhor D. Manuel. O povo, com consentimento de EL-Rei, invade a Casa da Camara e passa respeitoso ante o trono, beijando a mão de Sua Magestade, que a todos acolhe com o seu habitual sorriso de bondade.
“No largo, duas bandas tocam o himno nacional e os bombeiros fazem a guarda de honra. El-Rei sae da Casa da Camara e dirige-se para a egreja da Graça, a pé, pelas ruas enfeitadas de mastros e bandeiras e por entre o povo que abre alas e o vae aclamando por todo o trajéto.
“Pouco se demora Sua Magestade na egreja da Graça onde, depois de fazer oração ao Santissimo, recebe os cumprimentos das deputações dos padres do Varatojo e do Barro, da irmandade, etc., partindo a visitar a magnifica estancia de aguas dos Cucos, para onde segue em automovel com sua comitiva.
“(…) El-Rei visita rapidamente o edificio, porque a hora é adiantada para o comboio que deve partir ás 4 horas e cinco minutos.
“(…) A despedida de Torres Vedras á partida do comboio real, não foi menos entusiastica e antes mais se acalorou num verdadeiro dilirio (…)”
(C.A. in O Occidente, nº 1068 de 30 de Agosto de 1908).

Auto de inauguração do Obelisco do Jardim da Graça-1954.

“Saibam quantos este público auto virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil novecentos e cinquenta e quatro - Ano XXVIII da Revolução Nacional - pelas 15 horas, nesta mui nobre e antiga Vila de Torres Vedras, no Jardim da Graça, que doravante se passou a denominar Praça do Império, Sua Excelência o Tenente-Coronel Horácio de Sá Viana Rebelo, Ilustre Sub-Secretário do Estado do Exército, procedeu à inauguração solene deste monumento comemorativo das Campanhas da Guerra Peninsular -1808 a 1814- e especialmente das “Linhas de Torres Vedras” (...).
“A construção deste monumento teve a comparticipação dos ministérios das Obras Públicas e do Exército e a sua concepção foi do arquitecto Miguel Jacobety, e nele trabalharam o tenente coronel de Engenheiros Manuel Braz Martins, Engenheiro Altino Aldo Gromicho, o construtor civil José Pedro Lopes e os operários, Sebastião Pedro Henriques, Jaime Simões, Joaquim Miranda, José da Silva, José Correia, João Alves Carregueiro e António Chá. As cantarias foram fornecidas pela Firma Pardal Monteiro, Limitada, de Pero Pinheiro (...)”.
( transcrito por Augusto M. Lopes da Cunha em Memória das Festas da inauguração do obelisco comemorativo da guerra penissular e Catálogo da exposição hiistórico-biblio-iconográfica, ed. Biblioteca Municipal de Torres Vedras, 10 de Outubro de 1954).

Políptico da Guerra Peninsular-1969

“Conforme anunciámos, o sr. António Teixeira de Figueiredo, presidente da Câmara Municipal, inaugurou no passado dia 1” ( de Dezembro de 1969) “no salão de festas da Tuna Comercial Torreense, a Exposição do Políptico da Guerra Peninsular – LINHAS DE TORRES.
“(...) O sr. Presidente do município, no acto inaugural, proferiu breves palavras alusivas ao acto, apresentando o autor do notável trabalho, o pintor angolano, sr. Óscar Virgílio Pavia de Carvalho Ribeiro Comenda, actualmente radicado entre nós, e, aproveitando o ensejo, destacou a importância histórica das chamadas LINHAS DE TORRES (...), facto que decidira o Município a encomendar o Políptico ora exposto, que muito iria enriquecer o património artístico do nosso Museu municipal, e proporcionaria ao seu autor, uma boa oportunidade de se revelar mais vincadamente nesta região.
“O artista-pintor, Óscar Comenda, deu, depois, algumas explicações sobre o seu trabalho (...) após o que, todos os presentes apreciaram demoradamente o valioso trabalho constituido por 14 quadros a óleo, entre os quais se destaca, pelas suas dimensões e magnificiência, o da célebre Batalha do Vimeiro (...)”.
(in Badaladas, 6 de Dezembro de 1969).

Primeiras celebrações anuais das Linhas de Torres-1986

“No próximo domingo, ( 12 de Outubro de 1986) “Torres Vedras vai ser palco das comemorações da III Invasão Francesa que, por um lado, marcou a vitória e a independência sobre uma ocupação estrangeira, e que, por outro lado, manifestou a decisão e o sacrifício do povo.
“Estas comemorações vão ser, a partit de agora, anuais, promovidas pela Região Militar de Lisboa e pela Câmara Municipal de Torres Vedras (...).
“A cerimónia militar, no Largo da Graça, envolvendo o obelisco (...), será o reconhecimento da actual geração, militar e civil, em relação àqueles que, militares e civis, aqui fizeram o princípio do fim de Napoleão.
“A Escola Prática de Infantaria de Mafra constituirá a guarda de honra militar na cerimónia, e no momento em que o General Chefe do Estado Maior do Exército e o Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras depuserem junto do obelisco uma coroa de flores serão feitas pela E.P.I. as honras prestadas aos mortos caídos na Guerra Peninsular, desfilando depois do Largo da Graça para o Largo de S. Pedro, pela Rua 9 de Abril (...)”.
(estas celebrações continuam a realizar-se anualmente, na segunda-feira do mês de Outubro que coincide com o mercado mensal)
(in Badaladas, de 10 de Outubro de 1986).

180º Aniversário das Linhas de Torres -1990

“Este ano o 180º aniversário da defesa das Linhas de Torres foi organizado conjuntamente pelas Câmaras de Torres Vedras e de Sobral de Monte Agraço, com o apoio de várias entidades culturais ligadas ao Estado-Maior do Exército, do Museu de Óbidos, do Museu da Guerra Peninsular das Gaeiras e de muitas outras entidades.
“Tiveram lugar naqueles dois concelhos várias actividades que se prolongaram de 13 a 26 de Outubro, incluindo exposições, debates, visitas, concertos e cerimónias militares evocativas, bem como uma original estafeta que uniu, no dia 21, o Forte do Alqueidão, do Sobral, ao Forte de S.Vicente de Torres Vedras.
“Ponto alto das comemorações foi a importante exposição documental sobre as “Linhas de Torres” e a sua época, que esteve patente ao público no Convento da Graça, em T. Vedras, de 21 a 26 de Outubro, onde se reuniram peças de vários museus (...)”
(V.A.M., “Águas Passadas”, in Zona Oeste, nº2, Novembro de 1990, p.3).

Wellington “regressa” a Torres Vedras-1992

“As comemorações da defesa das Linhas de Torres (...) contaram, pela primeira vez, com a presença do actual duque de Wellington, Arthur Valerian, o oitavo descendente de Sir Wellesley, e terminaram ontem em Torres Vedras.
“(...) No âmbito do processo de geminação entre Torres Vedras e Wellington, autarcas da cidade britânica integram a comitiva do duque (...).
“Nascido em 1915, Arthur Valerian distinguiu-se na carreira militar, sendo condecorado com a Military Cross, durante a II Guerra Mundial (...).
“O oitavo duque de Wellington centra os seus interesses na agricultura e na conservação da natureza. Está ligado a organizações de defesa da natureza (...)
“A casa do actual duque é um notável palacete “ que se encontra “em parte, aberto ao público (...). O duque possui ainda, na zona de Londres, o Apsley, um magnífico edifício construído em 1777, agora parcelarmente adaptado a casa-museu (...).
“Valerian é ainda membro da Câmara dos Lordes (...).
(Vítor Emanuel, “O regresso de Wellington às Linhas de Torres Vedras”, in Diário de Notícias, 20 de Outubro de 1992)

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