terça-feira, 16 de junho de 2015

o avião de Sanjurjo em Santa Cruz: Novas informações

Reconstituição do "Puss Moth" conduzido por Ansaldo 
O Meu avô junto do Avião de Sanjurjo em Santa Cruz

O General Sanjurjo prepara-se para embarcar no fatídico vôo
O Estado em que ficou o avião depois do acidente

Num post editado em 20 de Julho de 20111 AQUI, referia-me à história da passagem por Santa Cruz do avião que se destinava a transportar o general Sanjurjo para Burgos e do desfecho trágico do mesmo.

Na altura questionava se a fotografia de família que era referida como sendo a do meu avô junto do avião do general Sanjurjo, em Santa Cruz, era mesmo o histórico avião.

Com base nalguns poucos factos e na análise das fotografias arrisquei avançar pela confirmação dessa história, embora necessitando de uma investigação mais aprofundada.

Recentemente, ao descobrir o site  Aeropinakes / La máquina de la civilización, dedicado à história da aviação na Guerra Civil de Espanha encontrei a confirmação da minha história: a  matrícula EC-VAA era do mesmo avião que veio a Portugal para transportar o General Sanjurjo e que era reconstituido na primeira imagem em cima.

Por outro lado, ao rever o que tinha escrito sobre o tema, encontrei um comentário de Vitor Rodrigues, datado de 4 de Abril último, onde, por outra via, também confirmava a minha história, através de um registo oficial desse avião, com essa matrícula, e da sua presença em Cascais na data do acidente:

"Boas,
"No "Registro de aviones comerciales en Espana" - http://www.sbhac.net/Republica/Fuerzas/FARE/Materiales/Registro.htm - pode encontrar o EC-VAA, com o seguinte registo:
"EC-VAA DH.80A Puss Moth 2246 G-ACBL EC-W18 EC-VAA Teodoro Martel Olivares > Francisco Moreno 27.01.34 Written off Cascais 20.07.36 Canc 12.11.40
EC-VAV -
"Ou seja, parece confirmar-se a sua tese.
"Vitor Rodrigues
"4 de abril de 2015 às 23:38"

Fica assim confirmado que  a fotografia do meu avô foi realmente tirada junto do avião de Sanjurjo, em Santa Cruz, na véspera ou no próprio dia do acidente.

Outro assunto relacionado com o tema era esclarecer um rumor que sempre correu por Torres Vedras que referia a possível sabotagem do "avião de Sanjurjo" em Santa Cruz.

Sobre este tema também encontrei alguns dados novos, para além dos referidos no post publicado aqui há 4 anos:

Em primeiro lugar, nunca percebi muito bem o que fazia o meu avô naquele sítio, ao mesmo tempo de outras personagens torrienses que lá estiveram nessa altura, nomeadamente a pessoa que confessou aos seus familiares que tinha lá estado para sabotar o avião, e que, daqui para a frente, designarei por "Sr.T".

Sabia da amizade entre o meu avô e o "Sr.T", mas recentemente descobri mais uma coisa que os unia e que eu até  há dois anos desconhecia (eu e a minha família): a ligação à maçonaria e à mesma loja torriense, aí pelos anos 20 ou 30, informação que me foi facultada pelo filho do líder  dessa loja, Luís Perdigão (pai), que tinha na sua posse várias fichas (que tenho fotocopiadas) com os nomes dos membros da mesma: lá estão o meu avô e o"sr. T".

Entretanto também consegui adquirir o livro de memórias de Ansaldo, na sua edição francesa : ANSALDO, Juan Antonio, Mémoires d'un Monarchiste Esoagnol , 1931-1952 (tradução de Jean Viet), Mónaco, Éditions du Rocher, 1953.

Trata-se da tradução do seu primeiro livro de memórias publicado originalmente em espanhol em Buenos Aires, pela editora Vasca Ekin.

Nesse livro as paginas 50 a 57 são dedicadas à sua malograda viagem a Portugal, falando da sua passagem por Santa Cruz.

Partindo de Pamplona, às ordens do General Mola, para vir a Portugal buscar o General Sanjurjo, exilado em Portugal, para que este se pusesse à frente da sublevação militar então iniciada contra a República, Ansaldo chega em 19 de Julho desse ano de 1936 ao "campo de aviação auxiliar de Santa Cruz, no limite ocidental da Europa", que "acolhe docemente o avião", um "Pass Moth".

Ao aterrar no campo de aviação de Santa Cruz é aguardado por dois automóveis, onde encontra um seu velho amigo "Tavares" onde recebe a notícia, que se confirma ser falsa, segundo a qual o general Sanjurjo já tinha partido para "Burgos a bordo de um avião francês".

Quem seria esse Tavares? Uma das figuras gradas da Legião Portuguesa em Torres Vedras era o "Tavares da maçaneta", também agente local da Polícia Política. Será aquele Tavares referido por Ansaldo a conhecida figura torriense, falecido já depois do 25 de Abril, e que era uma das figuras mais temíveis da PIDE (então PVDE) local?

Continuando a acompanhar a narração de Ansaldo, este, tomando todas as precauções para abrigar o avião porque "não existia nesse aeródromo nenhum serviço de sobrevivência [apoio]" (pág.51), partiu de seguida para Lisboa, a caminho do Estoril, numa das viaturas que o aguardavam, confirmando, á sua chegada ao Estoril, que o general continuava nessa localidade.

No Estoril teve de negociar com as autoridades portuguesas o melhor modo de cumprir a sua missão sem comprometer as relações entre o Estado português e a ainda reconhecida República Espanhola.

Foi aí que se negociou uma saída airosa que não comprometesse o regime português face a um desfecho ainda imprevisível da situação em Espanhola: "eu iria no dia seguinte de manhã [20 de Julho] buscar o avião a Santa Cruz, a 60 kilómetros de Lisboa" (pág. 52), de onde levantava voo para o aeródromo de Alverca, onde procederia a todas as formalidade aduaneiras, de onde voaria oficialmente daí directamente para Espanha. Na realidade, e secretamente, em vez de partir directamente para o seu país, faria um desvio  para um terreno improvisado, o hipódromo da Marinha, junto de Cascais, onde recolheria Sanjurjo,e só então voaria para Burgos .

Nessa noite Ansaldo recebeu um telefonema que o inquietou: era uma chamada de Santa Cruz que o informavam que "elementos comunistas andavam à volta do avião", apelando para que tomasse todas as providências para se evitar qualquer "sabotagem". Ansaldo ficou indignado com o facto de "tais elementos" serem deixados em liberdade pela ditadura portuguesa e mandou que guardassem o avião. Depois de vários telefonemas, Ansaldo recebeu finalmente a confirmação de que tudo tinha sido feito de acordo com as suas ordens para resguardar o aparelho (pág.53).

É neste ponto que a referência de Ansaldo à presença de gente da oposição (que ele designa como "comunistas", mas que podiam ser outros oposicionistas, como era o caso do "sr.T", ou até membros da maçonaria, como era o caso do meu avô e do mesmo "sr.T"), se cruza com a constatação, que já haviamos referido, de gente da oposição ter estado em Santa Cruz a tentar sabotar o avião.

A aplicação da classificação de "comunistas" às pessoas da oposição ou desafectas ao regime era uma designação normal na propaganda da época, e que englobaria todos aqueles que se opunham ao regime. 

Curiosamente o próprio Ansaldo, que mais tarde, tendo entrado em dissidência como regime franquista, foi obrigado a exilar-se, sendo no exilio que escreveu e editou as suas memórias , no prefácio da segunda edição da sua obra, se queixava do "regime franquista com a sua táctica, infelizmente hoje copiada por outros países, de chamar comunista a quem se recuse a ser seu escravo", tentando assim,  "caluniar o autor "(pág.9).

Já nos tinhamos referido a este facto ou rumor no post anterior, mas também aqui recolhemos novas informações, de tradição oral, junto de um dos filhos do "sr.T".

Um dia, já depois do 25 de Abril, num momento de descontracção familiar, regado com vinho, o "sr. T" contou ao filho uma história que ele sempre tinha guardado para si. Ele e vários elementos da oposição republicana local tinham estado em Santa Cruz a tentar sabotar o avião de Ansaldo. Para isso tentaram desviar as atenções dos elementos da GNR que guardavam o avião.

Uns levaram os elementos da GNR a "tomar um copo", enquanto outros, à volta do avião, momentânea mente sem vigilância, tentavam danificar o avião, pulando sobre ele ou tentando danificar partes do avião.

Recorde-se que a GNR local, pelo menos nas primeiras décadas da ditadura, era conhecida pelas relações de amizade entre alguns dos seus membros e elementos da oposição, sendo até coniventes com estes nalgumas situações, com aconteceu mais tarde com o meu pai que, depois de dois anos de prisão em Peniche, tinha de se apresentar regularmente no posto local da GNR, onde recebeu sempre compreensão e até conselhos para escapar à vigilância policial...mas isto é outra história. Apenas o refiro aqui para demonstrar que na GNR de Torres Vedras muitos dos seus elementos não eram apoiantes incondicionais do regime e, no caso de Santa Cruz, tinham relações de amizade pessoal como os elementos da oposição que procuravam sabotar o avião de Sanjurjo.

Contudo, para grande surpresa dos "sabotadores" de Santa Cruz o avião acabaria por levantar voo, sem qualquer problema. Recorde-se aqui que a intenção manifestada pelos sabotadores, como o referiu o "sr.T", não era matar ninguém, mas apenas atrasar o voo e a saida de Sanjurjo do país.

Por isso terão ficado aterrorizados quando, horas mais tarde, souberam do acidente que matou o general Sanjurjo e guardaram segredo da sua actuação. Apenas o "sr.T" confirmou a tentativa de sabotagem, mesmo assim no regato da família, recusando-se mais tarde a aprofundar a história, revelando sempre um grande receio que a história se viesse a saber , mesmo muito tempo depois do 25 de Abril.

Entretanto continuamos a narração de Ansaldo.

Saindo do Estoril a caminho de Santa Cruz, refere que o"pior inimigo da navegação aérea apareceu nessa manhã de um 20 de Julho, meridional e quente: o nevoeiro. À medida que nos aproximávamos de Santa Cruz, ele tornava-se mais denso, escondendo o sol, tornando mesmo difícil avançar pela estrada. Das 10 horas da manhã à duas horas da tarde eu esperei furioso. De tempos a tempos, um pálido reflexo de sol brilhava no terreno e eu punha os motores em marcha; logo de seguida a neblina espalhava-se tão baixo que não nos conseguíamos ver uns aos outros.Telefonei várias vezes para o Estoril para explicar o que se passava; respondiam-me que o general me esperava com alguns amigos(...)".

Finalmente, por volta da uma hora e meia da tarde "como as condições atmosféricas íam de mal a pior, eu decidi adiar o voo" . Estando a almoçar, uma hora mais tarde "o nevoeiro dissipou-se. Com toda a pressa corri para o avião, pus o motor em marcha e descolei para Alverca". Acompanhou-o no voo um elemento da PVDE. Em Alverca tratou das formalidades e partiu, a meio da tarde para "a Marinha", o campo improvisado onde iria embarcar Sanjurjo.

O resto da história é sobejamente conhecida e pode ser lida, não só no nosso post anterior como AQUI, uma interessante tese de mestrado da autoria do brasileiro Gabriel de Senna Pondé, intitulada "A Morte do General Sanjurjo - Análise do tratamento da imprensa escrita portuguesa da época relativa ao acontecimento público", defendida na Universidade Lusófona de Lisboa em 2012.

A tese de atentado, que chegou a ser ventilada à época, foi descartada pelo próprio piloto, apontando outras razões para o mesmo: as más condições da pista da Marinha, o tempo que obrigou a levantar na direcção mais difícil e o excesso de carga com as malas que o general Sanjujo quis levar.

Técnicamente o avião não conseguiu ganhar velocidade suficiente para sobrevoar as árvores que se encontravam no final da pista e a hélice falhou e partiu-se, não se sabe por ter embatido numa árvore se por qualquer problema técnico. Ansaldo salvou-se porque foi projectado do avião quando este, em queda, embateu num muro, mas o general morreu carbonizado, embora antes já tivesse sofrido um ferimento mortal, atravessado por um ferro do avião.

Geralmente um acidente acontece porque se combinam vários factores. Os "sabotadores" de Santa Cruz não foram os responsáveis directos por qualquer falha técnica, mas nunca se virá a saber se contribuiram para potenciar as dificuldades técnicas que levaram o avião a não conseguir ganhar altitude no voo fatal.

Especula-se muito com o que teria acontecido se o general Sanjurjo tivesse chegado vivo a Espanha.

Uma das consequências seria o facto de o General Franco não aceder tão fácilmente à liderança do movimeto nacionalista.

Depois, se fosse o general Sanjurjo a liderar a Espanha durante a segunda Guerra mundial talvez  a posição da Espanha no conflito tivesse sido diferente, já que se conhece a maior simpatia de Sanjurjo por Hitler, maior do que aquela que era nutrida por Franco.

Mais do que certezas, a história que aqui se conta continua envolta em mistério e duvidas, as quais provávelmente, nunca virão a ser cabalmente esclarecidas. Eliminar

3 comentários:

Dun disse...

Muito interessante esta história, querido amigo Venerando. É bem verdade que quem se opunha ao "Estado Novo" era automaticamente rotulado de "comunista". Foi o caso do Sr. Mesquita, grande professor da Escola Secundária Municipal de Torres Vedras, tão injustamente tratado!

Jesús Alonso Millán disse...

Interesante información, además me ha servido para actualizar el perfil del avión:
http://aeropinakes.com/wordpress/1936/07/19/los-vuelos-de-los-generales/

Obrigado.

Manuel Reyes S. disse...

Buen trabajo. Enhorabuena. Le completo la información sobre el fallido regreso de Sanjurjo a España para presidir la junta militar tras el golpe de estado. Antes de que la avioneta pilotada por Ansaldo fuese a recoger al general Sanjurjo, se produjeron otros dos intentos, ambos a través de Huelva. El primero estuvo protagonizado por el abogado y militar fascista Eduardo Pardo Reina, junto a varios falangistas de Huelva. Intentaron partir en un barco, propiedad de Pedro Borrero Limón, en la noche del día 16 de julio. El delegado marítimo del Puerto de Huelva impidió la partida del barco. El segundo intento, tras fracasar el primero, fue protagonizado por el mismo Borrero Limón, que debía franquear la frontera a través del río Chanza junto a Manuel González-Camino González (militar retirado), al que trajo hasta Huelva el teniente Enrique Parladé Vázquez. También ese intento fracasó. La GNR detuvo a los emisarios, considerándolos enemigos, y los deportó hasta Salamanca, donde estuvieron detenidos hasta que demostraron ser cómplices del golpe de estado.
En mi opinión, Tavares conocía esos planes y por eso supuso que ya Sanjurjo había vuelto a España y así lo dijo a Ansaldo cuando éste aterrizó en Santa Cruz.
El posible sabotaje de la avioneta tiene paralelismo en la sospecha de que la muerte del general Emilio Mola poco después, también en accidente de aviación, fue muy "interesante" para Franco, que vio liberado su camino hacia el poder absoluto que después mantuvo durante cuarenta años.
Enhorabuena por su trabajo.