quinta-feira, 17 de março de 2016

A Propósito de uma edição actualizada do Foral Manuelino de Torres Vedras, aqui recordamos Torres Vedras no Tempo de D. Manuel

A propósito do próximo lançamento no próximo Sábado 19 de Março (pelas 16 horas no auditório dos Paços do Concelho, AQUI) de uma reedição e estudo sobre o foral manuelino de Torres Vedras, da autoria de Carlos Guardado Silva e José Manuel Vargas, aqui deixamos o que escrevemos sobre a relação de D. Manuel com Torres Vedras, um texto algo datado, escrito por volta de 1989, inédito, mas que esteve par incluir a monografia local lançada por essa altura, obra colectiva na qual participei.

Na certeza que  aquela nova obra de história local vai acrescentar, rever e desactualizar profundamente aquilo que então escrevi, um texto meramente de síntese e divulgação, aqui deixo, como memória, com poucas alterações, esse texto:



D. Manuel e Torres Vedras – Nos Tempos da “Misericórdia”.

Alguns historiadores apontam que,com a subida de D. Manuel ao poder, em 1495, se deu o declínio do poder concelhio, patente na promulgação de “forais novos”. Estes novos forais resumem praticamente a autonomia dos concelhos à mera cobrança de direitos reais, rega a que o novo foral de Torres Vedras, doado em 1 de Junho de 1510, não fugiu.

De referir, no foral manuelino de Torres Vedras,  o destaque da produção de vinho, como se revela pela importância dada ao relego real, cuja venda tinha lugar privilegiado nos três primeiros meses do ano e cujo desrespeito motivava algumas das mais pesadas penas estabelecidas nesse foral, demonstrando a importância e o valor que o vinho da região começava a ter.

Onze anos antes, tinha-se iniciado a perseguição aos judeus do concelho que até essa data aqui gozavam de grande prestígio.

Durante aquele reinado Torres Vedras foi o centro do país quando, em 1496, o monarca aqui permaneceu por três meses (Agosto, Setembro e Outubro), ocasião em que recebeu uma importante embaixada  da República de Veneza.

O mesmo monarca mandou realizar obras no castelo em 1516, documentadas nas ainda hoje visíveis armas manuelinas esculpidas sobre o portal daquele reduto.

Muitas outras obras em igrejas e públicas  têm sido registadas neste concelho como datando do seu reinado.

Datam também do final do seu reinado duas importantes decisões que muito contribuíram para o desenvolvimento social e cultural do concelho.

Uma delas foi a publicação do alvará, datado de 22 de Setembro de 1521, confirmado em reinados sucessivos, fazendo “mercê aos mosteiros de Santo Agostinho, a saber, ao convento da Graça de Lisboa, a Évora, a Santarém, a TORRES VEDRAS, a PENAFIRME [sublinhado nosso] (…) de 6 arrobas de açúcar anuais a cada um dos conventos, pago no Almoxarifado do um por cento, a obras pias (…)”, beneficiando assim os conventos locais com os lucros da expansão, o que talvez possa ter contribuído para criara as condições económicas para a refundação do novo convento da Graça, projecto iniciado no reinado seguinte, em 1544.

Outra medida, tomada um ano antes, por alvará de 26 de Julho de 1520, revelou-se a mais marcante iniciativa tomada localmente pelo monarca.

Referimo-nos à fundação da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, iniciativa enquadrada na continuidade da acção da rainha viúva D. Leonor que criou em 1498, em Lisboa, a Confraria de Nossa Senhora da Misericórdia.

A sede torriense dessa instituição foi instalada no Hospital do Santo Espírito, que já possuía os bens do Hospital de Santa Maria dos Farpados e do Hospital do Mostardeiro, juntando-se então a esses, os bens da Confraria das Ovelhas Pobres e os do Hospital de S. Gião, ou Confraria dos Sapateiros, aos quais se juntariam outros bens ao longo dos séculos.

A Misericórdia de Torres Vedras  começou a sua vida “com duas salas para ambos os sexos  e uma capela, e segundo Madeira Torres, com um rendimento de : 6 moios de trigo, 3 de cevada, 36 almudes de vinho, 3 potes de azeite, 56 galinhas e frangos, um carneiro, 13.888 réis em dinheiro e 2 óvos, além dos sobejos de todos os outros Hospitais e Albergarias.

“Além destes rendimentos, estava a Santa Casa autorizada a ter Mamposteiros ou arrecadadores d’esmola em todas as freguesias do arciprestado, encarregados de pedirem para ela” (1).

Ficam aqui algumas das iniciativas locais que marcaram o reinado de D. Manuel I, iniciado em 1495 e que terminou com o seu falecimento em 13 de Dezembro de 1521.

(1)    CALADO, Rafael Salinas, Origens e Vida da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, ed. 1936, pág.6.


terça-feira, 8 de março de 2016

A VIDA TORRIENSE NOS FINAIS DO SÉCULO XIX, nos caracteres da imprensa local (1885-1890) – 14 e 15.


14 - FEVEREIRO DE 1886

O principio do mês começa com o anuncio da chegada das andorinhas, avistadas pela primeira vez na vila no dia 19, “doces mensageiras da primavera” (JTV, 25-2-1886).

A vida cultural da vila também se animou nesse mês com a presença de um teatro infantil:

“O popular empresário mr. Dallot, bem conhecido em Belem e na feira das Amoreiras, improvisou no largo da Graça um teatro espaçoso e com certas comodidades, onde no dia 30 [de Janeiro] se inauguraram os espectáculos com a opera cómica “o traga bullas” e a comédia “os milagres de Santo António” que conheceu “enchentes sucessivas”(JTV, 4-2-1886).

A presença desse teatro ambulante veio animar a discussão sobre a idéia e necessidade de se construir em Torres Vedras um teatro local fixo.

No mês de Fevereiro a imprensa publica alguns dados estatísticos relativos ao ano anterior:

“No anno de 1885, abateram-se no matadouro d’esta villa 952 rezes bovinas, 213 porcos e 916 carneiros” .

Na mesma edição divulga-se o movimento da prisão da vila nos anos anteriores:

Em 31 de Dezembro de 1884 estavam presos 14 homens e 4 mulheres aos quais se juntaram, no ano findo de 1885, “130 homens e 7 mulheres”, número a que talvez não seja estranho o grande número de trabalhadores que afluíram ao concelho para a construção do caminho-de-ferro, foco de muitos conflitos registados ao longo do ano anterior nas páginas do mesmo jornal (JTV .11-2-1886).


15 - MARÇO de 1886

Durante o mês de Março desse na de 1886 os trabalhos do caminho-de-ferro foram interrompido por causa do mau tempo que então de fez sentir (JTV, 18-3-1886).

O Carnaval tinha tido lugar no início desse mês, mas os seus festejos não passaram d algumas festas particulares ou do desfile de grupos de mascarados pelas ruas:

“No domingo [7 de Março] appareceu uma mascarada notável, representando um bom typo da localidade, victima permanente do Deos cupido, aos…sessenta e tantos annos de idade. A imitação do rosto, do traje, da maneira de andar e até da falla era perfeita(..).

“Saiu também em carro descoberto uma bem vestida mascarada politica, representando vários vultos notáveis da política indígena.

“Na terça feira [9 de Março] percorreu as ruas da villa uma Estudantina de emigrantes  hespanhoes, vestidos muito bem a caracter. De tarde , apareceu um carro de mascarados com engraçados costumes.

“Tiradas estas quatro exhibições, o resto foi de uma semsaboria atroz, como é costume aqui e em toda a parte”, registando ainda uma “soirée de terça” em casa entre amigos (JTV, 11-3-1886).

Março foi também mês da Procissão do Senhor dos Passos, acontecimento marcante para a população local de então e descrita pelo ”Jornal de Torres Vedras”:

“Na passada quinta-feira [25 de Março] depois das 9 horas da noite, a devota imagem do Senhor dos Passos foi conduzida processionalmente com grande  acompanhamento de irmãos da Igreja da Graça para a colegiada de S. Pedro, aonde no dia seguinte houve enorme concorrência de visitantes celebrando-se também algumas missas.

“De tarde , próximo das 4 horas, saiu, percorrendo o itinerário dos mais annos, a solenne Procissão dos Passos, uma das que se celebram n’esta terra com mais compustura e recolhimento. Grande número de irmãos e bastantes eclesiásticos, a mesa da irmandade, a autoridade administrativa, a guarda de honra composta de todo o destacamento de cavalaria, a magnifica Banda Torrenese, e uma considerável concorrência de Povo, da villa e de fora , o melhor de cinco mil pessoas, acompanharam a veneranda Imagem”.

“(…) Houve ordem completa . Apenas notámos com desprazer a grande balburdia e barulho na collegiada de S. Pedro. A casa de Deos não é logar próprio para scenas tão pouco edificantes” (JTV, 25-3-1886).

De registar ainda um serão musical no “club torreense, na segunda feira à noite [22 de fevereiro]”, dado por “um artista hespanhol” que “tocou magistralmente e foi grandemente aplaudido em viola franceza”(JTV , 25-3-1886).