sexta-feira, 28 de outubro de 2016

TORRES VEDRAS E AS MANOBRAS DA 1ª DIVISÃO – OUTUBRO DE 1916


(O general Pereira D'Eça no comando da 1ª Divisão, durante as manobras militares de Outubro de 2016 . Fotografia de Joshua Benoliel na Ilustração Portuguesa , nº555 de 9 de Outubro de 1916)
 
Em Março de 1916 Portugal entrava oficialmente na Primeira Guerra, apesar de já estar envolvido nela desde 1914 na frente Africana.
De imediato se iniciou a mobilização militar e a preparação das tropas para participarem na frente europeia.
Uma das iniciativas com maior impacto na região de Torres Vedras  foi a realização de manobras militares da 1ª Divisão, com cerca de 20 mil homens, comandada pelo General Pereira D’Eça, em Outubro, mostrando a importância militar que a  região ainda tinha, por via das Linhas de Torres Vedras e do caminho-de-ferro.
Um dos momentos altos dessas manobras foi a realização de exercícios de combate junto do Vimeiro.
David Salsa, repórter de “A Capital” descreve o ambiente que se vivia na vila, na véspera da chegada da primeira coluna e do comando da 1ª Divisão, em 7 de Outubro : “na avenida que liga a estação do caminho de ferro ao centro da villa, deparei com um pequeno grupo de officiaes do estado maior. Andavam escolhendo edifício próprio para instalação do quartel  general que dentro em breves dias ali deve chegar.
“Os mesmos officiaes percorreram differentes armazéns e barracões que servissem a arrecadação de subsistências estando também na estação do caminho de ferro, onde o movimento de mercadorias, devido á próxima chegada das tropas, augmentou consideravelmente”, anunciando também que “algumas praças da secção de quartéis de cavallaria 4” estavam acantonados próximo do Turcifal, preparando-se para avançar para Torres Vedras no dia seguinte. (1).
Nas páginas do jornal “Vinha de Torres Vedras” refere-se o inicio da entrada das tropas da 1ª Divisão em Torres Vedras:
“No dia 8 chegaram a esta vila dois pelotões  do primeiro esquadrão de cavalaria 4 , dois do segundo com respectivo estado maior (…) e uma secção de exploração
“Às 9 horas chegaram as primeiras patrulhas que tomaram as embocaduras  das ruas, indo uma até ao Castelo.
“Depois chegou o resto da força composta de 200 praças, 16 sargentos e 42 oficiais, que seguiu em direcção à praça de touros onde bivacou”.
O mesmo articulista informava também que a “Infantaria 5” estava estacionada no Turcifal e “outros regimentos em diversas localidades aqui perto” aguardando-se a sua chegada a Torres Vedras para os dias seguintes, assim como do quartel general “cujos alojamentos para oficiais e secretarias já estão prontos” (2).
O mesmo periódico local descreveu em pormenor a forma como as tropas, após a sus chegada. se distribuíram pela vila:
“O quartel general (…) instalou-se num prédio da rua Valadim (…).
“Na sede da Associação de Socorros Mutuos 24 de Julho, foi montada a estação central de telefones.
“A pagadoria ficou num prédio da rua Paiva de Andrada e o correio militar noutro, à esquina do Largo de S. Tiago.
“Na Porta da Varzea montaram-se os serviços de telegrafia sem fios, parque de automóveis e serviço de saúde . No prédio do sr.José PedroLopes a secção de camions.
“Nos armazéns das Covas, ficaram os depósitos de provisões.
“No campo de S. João foram montados dois hospitais de sangue.
“Na vila acham-se aboletados soldados e oficiais em grande número, e foi interessante e pitoresco o aspecto de Torres Vedras, no domingo de mercado, pela grande quantidade de famílias que vieram visitar oficiais e soldados.
“Os diversos regimentos de infantaria, cavalaria e artilharia acham-se bivacados em roda de Torres Vedras, pelo que se póde  dizer-se  que neste concelho estão concentradas tropas no efectivo de alguns milhares de homens.
“O matadouro  municipal desta vila foi tomado militarmente, não sendo ali abatidas senão rezes da administração militar (…)” (3).
(postal de Torres Vedras de Outubro de 1916, apelando à "mobilização).
 
As manobras militares duraram praticamente todo o mês de Outubro e mereceram a atenção da comunicação social, atraindo vários repórteres a Torres Vedras.
Entre eles o conhecido Júlio Dantas, um dos intelectuais mais consagrados do início do século XX, mas que passou para a história como o personagem caricaturado por Almada Negreiros no célebre “Manifesto Anti-Dantas”.
Deve-se a Júlio Dantas uma das mais pormenorizadas e interessantes descrições sobre as manobras militares neste concelho, onde fez, igualmente, um colorido retrato da paisagem deste concelho.
A reportagem foi publicada originalmente nas páginas do “Primeiro de Janeiro”, transcrita integralmente nas páginas de “A Capital” em 3 de Novembro de 1916 e, seguidamente, nas páginas da “Vinha de Torres Vedras”, na sua edição de 9 de Novembro desse ano, desconhecendo-se a data da visita, mas que terá sido nos finas de Outubro.É desta última versão que reproduzimos alguns trechos desse saboroso texto:
“Partimos de Torres Vedras às 10 da manhã num automóvel do Quartel General. A Divisão Pereira d’Eça estacionava ao norte, dispersa numa extensão de noventa quilómetros quadrados, ao longo de três grandes estradas divergentes. Tomámos pela estrada Torres-Lourinhã-Peniche.
“Uma admirável manhã de outôno, fresca, descoberta de sol, viçosa ainda dos chuveiros asperos da noite. Enquanto o focinho de ferro do Hudson cortava o ar, a brava paisagem estremenha ía-se desdobrando em lombas de pinhal e em chãos de vinhedo, luminosa, fecunda, gotejante de orvalho – para um lado até às arribas do oceano, raza de névoa; para o outro, de ondulação em ondulação, de montanha em montanha, até à serrania azul de Monte-Junto. A atmosfera scintilava. Passavam carros de lenha a caminho dos bivaques. De vez em quando, à beira da estrada, vermelho, fumegante, enorme, pojava o mamilo de barro dum forno de tijolo.
“Vinte minutos depois, estávamos em Paio Correia – uma mão cheia de casinholas caiadas. Perto, um veio de agua espelhava: era o Alcobrichel [sic]. Numa terra ceifada, como pinceladas de oiro, alastravam as tendas do primeiro bivaque: era o batalhão de infantaria 11. Começava a subir o fumo das cosinhas [sic].  Um carro alentejano despejava pão. (…) Bandos de soldados, risonhos, tisnados, uma toalha branca ao pescoço, vinham de lavar-se no ribeiro .(…) “Seguimos. A estrada abria-se agora entre pinhais bravos (…); corria entre vinhas e vindimadas, onde fossavam e farejavam cães; talhava-se mais adiante, entre tratos de terra barrenta, cavada de barrocais, borbulhentos de cascalho, onde o automóvel saltava como uma péla. Principiaram a alvejar  (…) umas casas de adobe caiado. Era “A dos Cunhados”, centro de abastecimento, coalhado de carros de bois e de camions militares (…). Andando o casario, num campo á mão esquerda, estendia-se o bivaque do 3º grupo de baterias divisionárias (artilharia 3), numa grande mancha ruiva e buliçosa de gado (…). Dois soldados, a cara lambuzada de sabão, faziam  a barba, á beira da estrada. Uma nuvem de pardais atravessou diante do automóvel cujo leve chassis americano saltava, estremecia, devorava caminho a favor do vento. Principiava agora a região de grandes vinhedos. Ao longe, na encosta, matinando sinos, um povoado alegre branquejava: era o Sobreiro Curvo. De novo os pinhais ramalhavam; de novo surgiram os fornos de telha (…) e a primeira casa do Vimeiro (…). Estavam ali duas formações sanitárias – a ambulância nº2 e uma coluna de transportes - ; e, mais adiante, num vasto campo, perto das aguas lampejantes da Maceira, os dois batalhões de infantaria 1. Sentia-se já o ar do mar. A paisagem tinha agora uma expressão barbara de aridez, com as suas terras escalvadas, os seus pinhais longínquos ao nascente, as suas moitas cheirosas do alecrim bravo, rescendendo á beira da estrada. Quando chegámos a Toledo, em cujas casas se encontravam acantonados os sapadores mineiros, arrepiámos caminho, deixámos á mão esquerda Cabeça Gorda e o Casal do Grilo, voltámos a Paio Corrêa – e cortando a direito, entre sobreiros descascados e sangrentos, metemos à estrada das Caldas. Pouco depois, entravamos no Amial. Um povoado branco, alegre, cheirando a mosto, com as suas hortas verdes, o seus carinhosos beirais pojando de aboboras doiradas  (…). Logo adiante, (…) subindo por uma encosta de pinhal, um vasto bivaque de três batalhões, infantaria 16 e 17 (…) o Hudson do general seguiu, a direito do Ramalhal, onde vimos infantaria 5 e metralhadoras; daí para a Bogalheira, mais ao norte, onde em volta de um velho casal amarelo bivacava o 2º grupo de baterias divisionárias (artilharia 1); outra vez arrepiámos caminho, para alcançar a estrada Torres – Cadaval; metemos a um desvio aberto a picareta, numas terras barrentas; seguimos até Ermijeira, por entre grandes chãos de vinha, onde pareciam escorrer, ao sol, babas vermelhas de cobre; entramos na Quinta do Visconde, estacionamento de uma formação sanitária com tendas Bussoneau armadas; e, pela estrada do Cadaval adiante, entre barricas de mosto e carros de bois, jumentos bíblicos e cães hirsutos como lobos (…) chegámos ao Maxial, onde estacionava o 1º grupo de baterias; atingimos Malpique e a Mecejana, por cujas terras se estendiam, num mancha fulva  de tendas e de gado, o bivaque do 2 e a bela tropa algarvia de infantaria 4.
“Tínhamos percorrido, em três horas, uma extensão de 15 quilómetros (…) Quando chegámos a Torres, a poeira sufocava-nos, o sol ardia-nos a pela. É 1 hora da tarde”.
Os vários corpos de tropas da 1ª Divisão continuaram em manobras, entre  Torres Vedras e Caldas da Rainha, até ao principio de Novembro.
Já próximo dos finais de Outubro, numa correspondência datada do Ramalhal do dia 25, o repórter David Salsa de “A Capital” anunciava que “a testa da divisão, com as competentes patrulhas de exploração de cavalaria 4 e 5, sob o comando do sr.capitão Madureira está em Bombarral”, prevendo-se que avançasse daí S. Martinho do Porto, ultrapassando Caldas da Rainha, enquanto “o grosso da columna ultrapassasse já o Ramalhal, onde acantonam as forças de artilharia e infantaria”.
De Torres Vedras, onde ficou a “secção administrativa”, partiam todas as manhãs, o “comboio de abastecimento de víveres para Outeiro da Cabeça, Ramalhal e Bombarral, transportando os camions pão em grande quantidade que a Manutenção Militar fornece (…) além de outros comestíveis, predominando as conservas e as carnes frescas” (4).
A retirada da 1ª Divisão para Lisboa, encerrando as manobras militares, estava prevista para 8 de Novembro, mas foi antecipada para dia quatro, devido “ao mau tempo”.
Só no inicio de 1917 partiriam os primeiros contingentes para a Frente Ocidental.
As manobras militares da 1ª Divisão foram o mais próximo que os habitantes de Torres Vedras estiveram do ambiente da Primeira Guerra.
(1)    SALSA, David, “Nos campos de concentração –Os exercícios de combate nas linhas de Torres”, in “A Capital” de 8 de Outubro de 1916, pág.2;
(2)    “Vinha de Torres Vedras”  de 12 de Outubro de 1916;
(3)    “Vinha de Torres Vedras” de 19 de Outubro de 1916;
(4)    SALSA, David, “As Manobras da 1ª Divisão”, in “A Capital” de 27 de Outubro de 1916, pág.2;
(5)    In “Mobilisação da 1ª Divisão”, in “A Capital” de 4 de Novembro de 1916, pág.2.
(um resumo deste texto foi publicado nas páginas do jornal Badaladas na sua edição de 21 de Outubro de 2016)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Começam hoje as Festas da Cidade de Torres Vedras

Festas da Cidade de Torres Vedras: São Gonçalo de Lagos e São Martinho voltam a dar as mãos para acolher as Festas da Cidade de Torres Vedras que terão a sua décima terceira edição, a decorrer a partir de 27 de outubro (dia dedicado a este primeiro santo), e estendendo-se para além do dia dedicado ao segundo (terminando a 12 de Novembro).
 
Integrada nas festas está mais uma edição de "Acordeões do Mundo" (clicar para ver programa).

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Torres Vedras Há 55 Anos , em Outubro de 1961


Outubro de 1961
Prestes a terminar um ano charneira para a história do regime salazarista…
De facto, esse ano assinalou o início da guerrilha angolana, marcado por massacres de parte a parte, entre os africanos comandados por Holden Roberto e os brancos defensores do colonialismo.
Por cá, nessa altura, já o “Badaladas” se editava semanalmente.
Era notória o impacto dos acontecimentos “ultramarinos” nas páginas do jornal torriense, nos artigos de opinião de “notáveis” da terra em defesa do governo e na rubrica “Correio do Ultramar”, onde os jovens torrienses que partiam para a guerra em África comunicavam com familiares e amigos.
Aliás, a leitura atenta dessa correspondência, regularmente publicada nas página desse periódico local, é um documento fundamental para se conhecer o reflexo da guerra colonial entre a população torriense, nomeadamente entre a juventude que partia para essa guerra, à espera de quem as estude.
Por cá, no dia 9 de Outubro, era apresentado publicamente o “Rancho Folclórico do Varatojo”, formado no seio da Associação Cultural e de Beneficência de Santo António do Varatojo.
Em 10 de Outubro falecia um dos professores mais prestigiados da Escola Secundária de Torres Vedras, António Fivelim Costa, aos 67 anos.
No dia 16 de Outubro realizou-se a 1ª Feira de S. Gonçalo de Lagos, padroeiro de Torres Vedras, que coincidiu com a habitual feira mensal na última segunda-feira de cada mês.
A feira teve lugar na Porta da Várzea e incluiu a bênção do gado e a escolha dos melhores cavalo e égua, junta de bois e parelha de muares, com distribuição de prémios aos vencedores.
A Banda dos Bombeiros de Torres Vedras animou essa noite, actuando no Largo da Graça.
Nesse mesmo Largo da Graça teve lugar a inauguração, nesse mesmo mês de Outubro, da nova sede do jornal “Badaladas”, no sítio onde funcionou até há poucos anos.
A vida cultural torriense era então marcada pelas actividades do Cine Clube de Torres Vedras e pelo Suplemento Cultural do jornal “Badaladas”, com publicação mensal e de grande qualidade, quer gráfica, quer de conteúdo.
Na edição de Outubro desse mesmo suplemento António Augusto Sales entrevistava o Grupo de Teatro Procenium e Cordeiro Melo analisava a “Guernica de Picasso”, enquanto Claro Ceia e Ruy de Moura Guedes divulgavam os seus originais.
Mas a notícia mais importante desse suplemento era a referente à presença em Torres Vedras do Coro da Academia de Amadores de Música dirigido por Fernando Lopes Graça, uma iniciativa do Cine clube local e que muito preocupou o establishement ligado ao Estado Novo, cada vez mais preocupado com as iniciativas “subversivas” dessa associação.
António Augusto Sales, um dos torrienses de então mais tento à realidade local, publicou em 28 de Outubro, nas páginas do “Badaladas”, uma Carta Aberta à Comissão Municipal de Turismo, criticando as condições dos balneários da Praia de Santa Cruz, carta que fez corres muita tinta por parte de uma administração municipal pouco habituada a ouvir críticas sobre a sua actuação, numa época em que fazê-las era perigoso.
Foi assim o mês de Outubro de 1961, há 55 anos.
(texto baseado numa crónica lida em 1986 numa rubrica da Rádio Extremadura intitulada “Aconteceu no Oeste”).

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Este Sábado : Lançamento de "As Linhas de Torres Vedras"

LANÇAMENTO de “AS LINHAS DE TORRES VEDRAS”, de CARLOS MANUEL ANTUNES BERNARDES – SÁBADO, 8 de OUTUBRO, às 18 horas, na COOPERATIVA DE COMUNICAÇÃO E CULTURA, Rua da CRUZ, 13, TORRES VEDRAS.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Uma descrição de Torres Vedras em 1906 (1)


Gabriel Pereira, intelectual de mérito na transição do século XIX para o século XX, tradutor de clássicos gregos e latinos e director da Biblioteca Nacional entre 1888 e 1902, dedicou os últimos anos da sua vida a descobrir o património da região à volta de Lisboa.
Desta sua curiosidade nasceu uma obra, editada em 1910, intitulada “Pelos subúrbios e visinhanças de Lisboa”, onde dedicou um capítulo a Torres Vedras (“Torres Vedras – Notas d’arte e arqueologia”(2)).
Este capítulo foi escrito em 1906 e, segundo se percebe pela sua leitura, teve por base várias visitas aqui efectuadas em 1904 e 1905, ao que parece para fazer tratamento termal nos Cucos.
O mérito dessa obra reside no facto de a sua descrição se basear na observação directa e não na mera readaptação da obra de referência de Madeira Torres, como aconteceu com outros autores desse período.
Ao longo de vários sub-capítulos vai descrevendo os motivos de interesse que encontrou no património local, destacando-se a sua descrição de usos e costumes da época.
Nessa obra foram abordados vários temas:
- “Painéis antigos em Torres Vedras”, sobre as pinturas antigas que encontrou nas Igrejas da vila e no Varatojo;
- “O Túmulo dos Perestrellos”, existente na Igreja de S. Pedro;
- “Capiteis românicos”, da Igreja de Stª Maria do Castelo;
-“Ermida e forte de S. Vicente”, falando das Linhas de Torres e registando as “vistas variadas da villa”, a partir desse lugar, “que tem bonito aspecto, do seu vetusto castello, conjunto de paredões, muralhas e cubellos ennegrecidos pelo tempo, e da multidão de collinas, quasi todas vestidas de vinhedos viçosos, salpicados de casaes”;
-“Imagens dos Santo”, descrevendo algumas que encontrou em Igrejas da vila e no Varatojo;
- “Uma cadeira do século XV”, sobre a célebre cadeira atribuída ao uso de D. Afonso V quando estava no Convento do Varatojo, então ainda neste lugar, hoje no Museu de Arte Antiga em Lisboa;
-“Brasões da Villa”, descrevendo os três que encontrou na Câmara, no Chafariz dos Canos e na Fonte Nova;
- “Archivos – Camara, Misericordia , Egreja de Santa Maria”, um dos capítulos mais interessantes, pois permite redescobrir alguns documentos ainda hoje pouco conhecidos da maior parte do público, a maior parte, felizmente, actualmente preservados, quer no novo espaço do Arquivo Municipal, quer no Arquivo da Misericórdia;
- “No Varatojo”, onde faz um levantamento de inscrições e pinturas então aí existentes, um “bello sitio para dulcificar maguas e sossegar corações atribullados”;
- “Uma inscrição moderna”, relativa ao túmulo de Luís Mouzinho de Albuquerque na Igreja de S. Pedro;
- “Sinos”, os de S.Pedro;
- “Quinta das Lapas”, onde o autor faz uma pormenorizada descrição da paisagem ao longo do caminho que liga a vila àquela Quinta, “por entre pinhaes mesclados de algumas vinhas e outras culturas”, antes de descrever a Quinta, a sua arquitectura e o seu jardim, num dos capítulos mais desenvolvidos;
- “A caminho dos Cucos”, elogiando as qualidades das suas àguas, nomeadamente as de mesa que o autor refere como “não bebendo outra” durante a sua estadia;
- “Casa dos Clérigos pobres”, então estruturalmente separada da Igreja de S. Pedro, destacando os seus azulejos e o seu tecto pintado com as figuras dos quatro evangelistas;
- “O Asylo da Conquinha” (actual Lar de S. José), então de inauguração recente,  distante, “vinte minutos de agradável passeio a pé” da  vila, seguindo-se “a estrada da Varzea” através de uma “amplo valle, vestido de culturas, arvoredos fructiferos” e “bello vinhedos”;
- “Ruços, além”, descrevendo o famoso “conselho de Ceuta” de 1414;
Para o fim, aqueles se são os mais pitorescos capítulos, e interessantes do ponto de vista documental, com descrições saborosas da vida e da paisagem local :
- “Passeio a Santa Cruz de Ribamar”, a descrição que o autor fez de uma viagem “em commodo trem” até àquela praia, no dia 27 de Setembro de 1905, já por nós usada em crónica anterior, passando por “campos animados”  e “estradas concorridas”, uma “festa”, “a grande festa das vindimas” e onde se encontra uma referência a um “grande rochedo alteroso” que se “destaca na praia” o Penedo do Guincho, que o autor refere como tendo sido “acessível em tempo, porque ainda se observa a certa altura um lanço de escada talhado na rocha” (?);
- “Na missa e no mercado”, com uma curiosa descrição da missa à qual o autor assistiu na Igreja de S. Pedro, num domingo, 14 de Agosto de 1904. Parado à porta da Igreja o autor anotou “o desfilar dos devotos. Primeiro os homens dos campos, das vinhas, com seus varapaus; mulheres do campo de chale, lenços mal postos na cabeça, á larga. Seguiram as mulheres da villa (…) Durante a missa os homens não largam os varapaus; quando ajoelham vê-se grande numero, porque se encostam, e não deitam no chão o inseparável”. Na mesma ocasião realizava-se o mercado, no “terreiro próximo da egreja”, onde se vendiam,  “melões, melancias, uvas lindas, brunhos vários, maçãs grandes, variedade de peras, aboboras, tomates, pouca hortaliça”. Atrás da Igreja ficava o mercado do peixe, onde se vendiam “sardinhas e sarda, fresca e salgada, cação, gorazes”. Num “cantinho do mercado estavam algumas mulheres com polvo, mexilhão, caranguejos grandes. Não faltava a mulher dos tremoços e da pevide de abobora. Dois homens vendiam planta de couve. Vi ainda vendedores de enxadas, e de calçado forte, sapatos de dura”, notando o autor que “o povo d’estes sítios é calçado”. Nesse Domingo era grande a “freguesia” pelas lojas da vila, próximas da Igreja”, registando o autor a existência de uma “industria de ferragens e mobilia especial, com muito geito”.
Por último, o autor regista “A feira franca” que se realizou em 21 de Agosto de 1904, na varzea, onde, na “parte arborizada enfileiram-se barracas e tendas” e, “no rocio nú é  feira de gados e a corredoura”, barracas de ourivesaria, de utensílios de “arame, cobre, ferro entanhado, latoaria”, de vidro, “perto do grande estendal de louças brancas e vermelhas”, notando-se ainda a presença de “um especialista de buzinas de moinhos de vento”. Vende-se ainda “calçado grosso, bastante correaria”, pequenas “quinquilherias”,vendas de madeira,  material “vinário”, carros para bois. Podem ainda ver-se “modestas roletas” e ,”leiloeiros de várias qualidades”, chamando “a gritos a atenção do povinho, perto das barracas de tiro ao alvo”. Já a feira de gado pareceu ao autor menos importante, parecendo-lhe “em geral mal tratado”, mais “ a pancada que a alimentação regular”.
Enfim, este é uma das obras mais interessantes, não tanto pela informação histórica, mas pelo retrato pitoresco de uma época.
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(1) - PEREIRA, Gabriel, Pelos Suburbios e vizinhanças de Lisboa, Lisboa, 1910, Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira e Cª, 1910 (texto publicado na secção "Vedrografias" do Jornal "Badaladas" de 23 de Setembro de 2016);
(2) – PP.253 a 305.