sexta-feira, 19 de maio de 2017

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quarta-feira, 10 de maio de 2017

1907 : um ano decisivo para a afirmação da elite republicana de Torres Vedras

(Caricatura de João Franco por Manuel Bordalo Pinheiro (filho de Rafael)).
 
O ano de 1907 ficou marcado pela chamada “ditadura franquista” que, extremando a vida política portuguesa, acabaria por conduzir ao regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 e iniciaria a decadência definitiva do regime monárquico.

 
João Franco, o responsável por essa situação, foi um dos mais carismáticos políticos do final da monarquia. Tendo iniciado a sua carreira política no Partido Regenerador, em 1901 entrou em cisão com esse partido e fundou o Partido Regenerador Liberal, situando-se à esquerda dos partidos tradicionais e fazendo do combate ao rotativismo e à corrupção o seu objectivo.

 
 Em 1906 foi chamado a formar governo em coligação com o Partido Progressista e, se inicialmente se aproximou dos republicanos, a partir daí guinou à direita.~

 
Em 2 de Maio de 1907 afastou os progressistas e formou um novo governo.

 
No mês anterior, em 12 de Abril, João Franco, com o apoio de D. Carlos, assinou um decreto que mandou encerrar o Parlamento, facto que teve lugar em 10 de Maio, sem marcar novas eleições.

 
Esse dia 10 de Maio de 1907 é considerado o dia da entrada do governo em “ditadura”, período que ficou conhecido como “ditadura franquista”.

 
A perseguição à imprensa, principalmente aquela que criticava a acção do governo e denunciava a “questão dos adiantamentos” da casa real, com censura, prisões e julgamentos, contribuiu para desacreditar o rei e, na agitação social que se seguiu, os republicanos ganham cada vez mais protagonismo.

 
A ditadura terminará com o regicídio de 1908.
 
(Torres Vedras em 1907, numa reportagem publicada no "Ilustração Portuguesa" em 30 de Setembro desse ano).
 
Em Torres Vedras esse período foi vivido intensamente, tendo contribuído para a afirmação local dos republicanos.

 
Um dos jornais que então se publicavam em Torres Vedras era o “Folha de Torres Vedras”. fundado em 1899. A partir de 1905 esse jornal aproximou-se dos defensores locais do partido de João Franco, acolhendo igualmente as teses e a colaboração dos primeiros republicanos do concelho, destacando-se entre estes Júlio Vieira.

 
O alvo preferido dos ataques políticos nas páginas da "Folha..." foi Manuel Francisco Marques, líder dos “progressistas” de Torres Vedras, que dominavam o poder local, e que dirigia o outro semanário que se publicava na vila, "A Vinha de Torres Vedras".

 
A crescente tensão política que então se viveu no concelho, foi a justificação dada por Silvério Botelho Sequeira para, em 2 de Outubro de 1905, pedir a sua demissão da direcção do jornal, em carta enviada a Júlio Vieira (1).

 
A saída daquele director-proprietário contribuiu para reforçar a influência dos regeneradores-liberais nas páginas da "Folha...", pois a sua parte no jornal foi comprada por um conjunto de personalidades maioritariamente enfeudadas a esse partido. O próprio Júlio Vieira afirmará ter sido ele que se opôs a que se transformasse "este jornal, que tem o nosso nome no seu cabeçalho, em orgão do partido franquista d'esta villa"(2).

 
Em 1906, muito pela crescente influência de Julio Vieira na redacção do jornal, este ganhou um teor cada vez mais propagandista do ideal republicano.

 
É após as eleições parlamentares de Abril de 1906 que, em editorial, a "Folha.." assume uma aproximação crescente face aos republicanos.

 
Quando, em Maio de 1906,  João Franco chegou ao governo do país, o tom era ainda  de alguma indecisão política, dando grande destaque nas suas páginas à posse do novo administrador do concelho, o "franquista" "nosso amigo" Mário Galrão (3).

 
Ao mesmo tempo, continuava a divulgar, com crescente frequência, as actividades dos republicanos locais e a visita de "ilustres deputados" e "eminentes tribunos" republicanos, como aconteceu em duas ocasiões com António José de Almeida (4).

 
Desde a demissão de Silvério Sequeira da direcção do jornal, apenas o nome de Júlio Vieira figurava no cabeçalho da "Folha.." como "editor e administrador", passando o jornal  a designar-se, a partir de 5 de Novembro de 1905, como "Agricola, Independente e Defensor dos Interesses Locais".

 
A 23 de Setembro de 1906 Júlio Vieira passa a ser designado por "redactor-gerente" .

 
É então que, acompanhando o afastamento parlamentar entre “franquistas” e “republicanos”, que até aí tinham coincidindo em muitas criticas ao rotativismo e à corrupção da monarquia, se começa a evidenciar uma crescente ruptura no seio do jornal entre Júlio Vieira e os restantes proprietários do periódico, que atinge o clímax quando um deles, Manuel Joaquim Monteiro, em carta datada de 14 de Dezembro de 1906 , na "qualidade de co-proprietário da Folha de Torres Vedras ", pediu a publicação na coluna "Secção Livre",  "d'um artigo que o Povo de Aveiro  ultimamente publicou” da autoria de Homem Cristo, "um dos principaes caudilhos do partido republicano (...) e por tanto insuspeito", que tinha tido "a coragem de apontar muitos erros praticados ultimamente pelos republicanos", e no qual se via, "que uma parte do partido republicano, em vez de discutir os actos do governo e os seus projectos, tem feito apenas declamações para armar á popularidade; quando é certo que o actual governo [de João Franco] é o mais liberal e honesto que ha muitos annos temos tido (...)".

 
Respondendo na mesma edição a essa carta, num artigo não assinado, mas da autoria de Júlio Vieira, este assume a recusa em publicar esse artigo e aproveita para desabafar sobre as crescentes pressões a que o sujeitava o grupo maioritário de proprietários, conotados com o " franquismo (5).

 
Reflexo das crescentes tensões políticas no seio do jornal, em 11 de Janeiro de 1907, que reflectiam o que se passava a nível nacional, sete dos proprietários do jornal abandonam aquele projecto, cedendo todos os seus direitos, por venda, a Cândido Vieira, que no dia seguinte os cede ao seu filho, Júlio Vieira.

Quatro de entre eles, Mário Galrão, Álvaro Galrão, João A. Moura Borges e o padre Luís dos Santos, estavam identificados com o partido regenerador-liberal.

 
Tal "cisão" foi anunciada na edição de 13 de Janeiro, surgindo o jornal, em 20 desse mês, com novo formato e, pela primeira vez  como director,  Júlio Vieira .

 
Libertando-se da tendência "franquista" e assumindo-se o seu director como líder local do Partido Republicano pouco tempo depois, a "Folha de Torres Vedras" tornou-se, partir de então, porta voz dos republicanos, confundindo-se com a própria história do movimento republicano neste concelho.

 
A mudança no “Folha…” acompanha a crescente afirmação do Partido Republicano, não só em termos nacionais, onde surge como a força política mais forte no combate ao “franquismo”, mas também a nível local.

 
Tal demarcação não terá sido estranha à própria evolução política nacional, marcada pela questão dos "adiantamentos" à família real, que provocou distúrbios no parlamento e acentuou as divergências entre o governo "franquista" e os parlamentares republicanos que, em Novembro de 1906, viram ser suspensos, por um mês, os seus deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, este ultimo com ligações a Torres Vedras.

 
Ao longo de todo ano de 1907 as críticas ao "franquismo" subiram de tom e, em 20 de Outubro, a "Folha..." denunciava o adiamento das eleições municipais e a nomeação de uma comissão administrativa para dirigir os destinos camarários, comparando essa decisão ditatorial com a atitude de D. Miguel quando dissolveu a câmara dos deputados.

 
1907 marcou assim o arranque local da organização republicana culminando, em 16 de Dezembro, com o anuncio de que uma comissão republicana da vila estava a organizar o partido republicano  em Torres Vedras.

 
O grupo organizador da comissão municipal teve a sua primeira reunião em 31 de Janeiro de 1907, uma data que talvez não tenha sido casual, pelo seu simbolismo para a causa republicana, tendo-se na ocasião decidido organizar  um comício republicano que teve lugar em 21 de Abril de 1907 e que foi a primeira grande acção pública dos republicanos em Torres Vedras, "uma manifestação imponente de sympathia ao ideal republicano que já hoje vae deixando de ser olhado com desconfiança pelo camponez ignaro e que está já sendo abraçado por todos aquelles que, um pouco mais instruido, vae comprehendendo os seus legitimos e racionaes principios, compativeis com a epocha de liberdade e de conquistas que a humanidade vae atravessando e que nenhuma mão tyranica poderá fazer affrouxar na sua carreira vertiginosa.

 
"A ansiedade de ouvir o soberbo tribuno da democracia que se chama António José d'Almeida e todos os outros oradores, arrastaram ao local do comício, um vastissimo recinto, junto á Avenida Casal Ribeiro, alguns milhares de pessoas". Segundo a mesma notícia, vieram pessoas de Mafra, Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos (6).

 
Nessa mesma data foi eleita a primeira Comissão Municipal Republicana de Torres Vedras, presidida por Júlio Vieira, formalizando-se deste modo a intervenção do Partido Republicano na política local.


Organizada a Comissão Municipal e alargando a sua influência às freguesias do concelho, logo se iniciou uma intensa campanha de propaganda, quer através da realização de conferências, quer passando a dominar abertamente o "Folha de Torres Vedras”.

 
Com o regicídio e o afastamento de João Franco, os republicanos iniciam um combate sem tréguas ao regime monárquico, que se manifesta logo, semanas depois do regicídio, quando os republicanos aproveitam o Carnaval desse ano, 1908, para ridicularizarem  as leites monárquicas locais, em especial os “franquistas”:

 
"(...) Na terça-feira (...) appareceu a parodia as aguas da villa  .

 
"Varios cantoneiros, apontadores e engenheiros, procediam á medição das ruas para a canalisação das aguas pelas quaes os torreenses estão esperando ha uns bons vinte annos"(critica indirecta ao domínio local dos partidos rotativistas).

 
"(...)Pelas 4 horas da tarde apparecia no largo da Graça outro grupo político representando o franquismo local, precedido dos symbolos messianicos e liberticidas.

 
"Abria o cortejo uma figura de clown, despertando a attenção com uma campainha e logo atraz seguiam em linha um palhaço com um pendão onde se lia: Thalassa! ... Thalassa ! ... Ao mar ! ... Ao mar !...” (frase grega retirada da obra “A retirada dos dez mil” de Xenofontes e que foi utilizada pela colónia portuguesa do Brasil numa entusiástica mensagem de apoio á ditadura de João Franco e que durante décadas serviu aos republicanos para invectivar os seus inimigos, apelidados de “talassas”) ; uma figura de carrasco, com cabeça de leão, conduzindo uma forca, no cimo da qual se lia -Timor - e na mão segurando uma lista dos conjurados” (referência ao lugar de deportação apontado na lei de 13 de Fevereiro); uma figura conduzindo um cortiço com este distico :Vespeiro.

 
"Logo a seguir marchavam as vespas, isto é, as figuras franquistas locaes, em numero de sete, se não nos enganamos."(referência implícita ao número de vereadores da comissão administrativa franquista)(7).

 
Assim,o ano de 1907, com o descrédito da monarquia por via do apoio do monarca à ditadura de João Franco, foi um ano crucial para a firmação de um elite local que viria a dominar o concelho depois da implantação da Republica em 1910.
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(1)  Folha de Torres Vedras, 29 de Outubro de1905.

(2) Folha de Torres Vedras, 16 de Dezembro de1906.

(3)Folha de Torres Vedras, 1 de Julho de1906.

(4)Folha de Torres Vedras, 26 Agosto de1906 e 9 de Setembro de1906.

(5) Folha de Torres Vedras, 16 de Dezembro de1906.

(6)Folha de Torres Vedras, 28 de Abril de1907.

(7) Folha de Torres Vedras, 8 de Março de1908.

(para a contextualização histórica, nacional e local, baseamo-nos nas obras “1907- No Advento da República”, ed. Biblioteca Nacional, 2007, e “Republicanos de Torres Vedras”, ed. Colibri/CMTV, 2003).

(Uma versão resumida deste texto foi publicada no jornal Badaladas, em 28 de Maio de 2017, na secção “Vedrografias” )