sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A História e o Património Histórico nos programas dos candidatos autárquicos.


Até que ponto o património histórico e a própria história fazem parte dos programas apresentados pelos candidatos locais às eleições autárquicas?

Procuramos responder a isso recorrendo à leitura dos folhetos distribuídos pelos candidatos, principalmente os dos candidatos à Câmara.

Começando pelo PS, sendo poder, remete-nos para a “obra feita”, apresentando uma extensa lista de iniciativas relacionadas com a divulgação da história local e do património histórico, iniciativas que, ficando a dever-se à iniciativa desta Câmara, são, em muitos casos , obrigação de qualquer Câmara eleita, seja qual for  sua cor politica. Algumas dessas iniciativas  até tiveram a colaboração de gente que hoje se candidata noutros partidos.

Por isso, neste caso, interessa-nos ver o que esse programa defenda para o futuro.

É assim que o programa do PS dedica um capítulo ao “território com identidade”, onde se destacam, no tema que nos interessa, a promessa de reinstalar o Arquivo Municipal, a salvaguardar e proteger o Convento do Barro e a afirmação turística das Linhas de Torres Vedras.

Num outro capítulo, “Território Sustentável” refere-se o programa “Regenerar o Centro Histórico 2030”.

Em relação a este tema, temos a destacar no programa do PSD/CDS a promessa de requalificar o Jardim da Graça e o de requalificar o património do concelho, e, no capítulo “Um concelho cultural e turístico”, defende-se a “preservação do património histórico” e a “valorização do património imaterial”.

O programa da CDU, no capítulo “Cultura Cidadã, para um concelho participativo”, promete promover e desenvolver actividades de “salvaguarda do património natural, histórico e cultural”.

O BE defende igualmente a “preservação do património cultural” e lança a idéia de dinamizar o centro histórico com a criação dos “Jardins de Santiago”, no actual parque de estacionamento aí localizado.

Por sua vez o Torres nas Linhas, que implicitamente transporta no nome da candidatura o peso da história local, refere a defesa da “revitalização do centro Histórico”.

Vemos assim que todos os programas são muito generalistas e vagos em relação aos temas da história local e do património histórico, raramente avançando com exemplos concretos e revelando maiores preocupações noutras áreas.

Claro que não se pode esperar que num folheto distribuído de mão em mão haja espaço para aprofundar as ideias e os projectos.

Com esta ressalva, aqui fica uma resenha daquilo que os candidatos à autarquia de Torres Vedras defendem em relação à identidade histórica e ao património histórico do concelho onde existe ainda muito por fazer.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Autárquicas 2017 – o que se joga em Torres Vedras


O PS joga a manutenção das maiorias absolutas que detém na Câmara e na Assembleia Municipal, bem como a liderança na maioria esmagadora das 13 freguesias (lidera 10).

O PSD (agora coligado como o CDS) procura, no mínimo, retirar essa maioria absoluta e, no máximo, quebrar 40 anos de domínio socialista, ao mesmo tempo que defende a sua única freguesia, a Freiria e procura aumentar o seu peso nesse meio.

A CDU procura, no mínimo, garantir o seu vereador e a liderança na freguesia da Carvoeira/Carmões e, no máximo, conquistar um segundo vereador, eleger mais de 3 deputados municipais, reforçar a sua influência na maior parte das freguesias, e tornar-se a força charneira da governação no município e nalgumas freguesias.

O BE vai procurar eleger pela primeira vez um vereador e um (ou mais) representantes na Assembleia Municipal, não concorrendo nas freguesias.

Os independentes da “Torres nas Linhas” vão procurar, no mínimo, repetir o feito das eleições de 2013, onde elegeram um deputado para a assembleia e colocaram um representante na mais populosa freguesia do concelho e outro numa freguesia rural ( na Ventosa, onde não concorrem este ano, situação que procuram repetir noutra freguesia) e, no máximo, aumentar essa representação.

Esta é uma visão simples, ou mesmo “simplista” das ambições que estão em jogo no concelho de Torres Vedras neste acto eleitoral.

Mas, se analisarmos mais em pormenor a situação conjuntural, tudo o que acima indicamos como estando em jogo, pode ser baralhado e resultar numa situação completamente diferente.

O PS vive uma situação nova que os adversários procuram aproveitar ao máximo, que é o de não ter na liderança à corrida à Câmara uma figura carismática como o foi Carlos Miguel, para além de sofrer um certo desgaste por dominar este concelho há 40 anos, apesar de apresentar uma equipa que tem produzido algum trabalho interessante nas áreas da cultura, ambiente e educação, mesmo que pontualmente possam ser alvo de críticas.

Por outro lado, o candidato do PS tem sofrido algum desgaste devido a uma acusação de plágio, que tem feito esquecer a sua imagem de homem esforçado e de vereador competente na área do ambiente.

Pode ter cometido outro erro que foi o de subestimar o adversário à sua direita, deixando que este se posicionasse no terreno muito cedo, ainda antes do verão, assim como não caiu bem o facto de ter recusado participar em debates promovidos pela comunicação social local.

Contudo, não é previsível que perca as eleições, embora a reconquista da maioria absoluta esteja em risco.

Já o PSD, que na conjuntura local tinha, pela primeira vez em muitos anos, a possibilidade de ameaçar seriamente a Câmara torriense, está em desvantagem pelo facto de apresentar um candidato pouco conhecido, embora tenha tentado colmatar esse facto com uma campanha agressiva, com grandes outdoors, iniciada ainda antes do verão, mas que leva muita gente a questionar a origem financeira do apoio necessário a essa campanha. Além disso é prejudicado pela má imagem que o PSD tem actualmente sob a liderança nacional de Passos Coelho.

Apesar de, ao contrário do que aconteceu em 2013, não ter a concorrência de candidatos à sua direita (o CDS concorre desta vez em coligação como o PSD e o PNR desistiu da candidatura), a distância que está do PS é enorme (cerca de 10 mil votos nas últimas eleições) e só uma hecatombe nas hoste socialistas podia provocar uma reviravolta, se bem que seja uma incógnita o destino dos quase 50% de abstencionistas e dos quase 5% de votos brancos das últimas eleições,que podem contribuir para uma reviravolta se deste vez votarem, e era preciso que o fizessem escolhendo maioritariamente o PSD.

Se o PS perder a maioria absoluta torna-se mais importante a situação das outras três forças politicas concorrentes, o PCP, o BE e o “Torres nas Linhas”, pois o número de candidatos que consigam eleger pode vir a ser fundamental para uma coligação na Câmara.

Das três o PCP tem sido o tradicional aliado do PS, quando este esteve em minoria, e é o único que tem um vereador. Resta saber se é desta vez que o BE elege um vereador, já que me parece que, para esta eleição, o Torres nas Linhas apresenta um candidato pouco conhecido (ao contrário do que acontece na junta de freguesia da cidade), e que não teve os meios do PSD par se dar a conhecer.

Resumindo e concluindo, para a Câmara Municipal, estão várias questões em aberto, umas mais credíveis do que outras:

- vai o PS perder a maioria absoluta?;

- será desta vez que o PS perde a Câmara que detém há 40 anos?;

- vai o PCP conseguir manter o seu vereador, ou mesmo reforçar a sua presença?;

- será que o BE consegue eleger o seu primeiro vereador?

Em relação à Assembleia Municipal, é provável que não se registe grande alteração, pois o PS, mesmo que não chegue à maioria absoluta pelo voto directo para esse órgão, costuma obtê-la através dos representantes das freguesias. Pode haver, contudo, algumas novidades da parte dos partidos mais pequenos, sendo curioso ver se a CDU ultrapassa o número de 3 eleitos, aproximando-se da época em que elegia 6, se o Torres nas Linhas, não só mentem o seu representante, como acrescenta mais algum, e se o Bloco de Esquerda consegue eleger alguém.

É nas eleições para as juntas de freguesia que as coisas podem ser mais animadas e surpreendentes.

Nas últimas eleições o PS detinha a liderança em 10 das 13 freguesias, enquanto as outras três ficaram sob a liderança, respectivamente, da CDU (Carvoeira e Carmões), do PSD (Freiria) e independentes apoiados implicitamente pelo PSD e pelo CDS (Ponte do Rol ).

Não se esperam grandes surpresas em freguesias como Maxial/Monte Redondo, S. Pedro da Cadeira, Silveira, Turcifal e Ventosa, onde o PS parece sólido, restando apenas saber se mantem as maiorias absolutas.

A dúvida, quanto muito, está em saber quem ganha o mandato do “Torres nas Linhas” na Ventosa, movimento independente que desta vez não concorre nesta freguesia , mas concorre agora em S.Pedro da Cadeira, estando aqui a outra dúvida, saber se este movimento repete aqui o resultado que conseguiu na Ventosa em 2013.

Nas restantes freguesias a situação é mais complexa e incerta.

Na Freiria, conquistada pelo PSD nas últimas eleições, a disputa com o PS vai ser renhida e a  CDU pode ter uma palavra a dizer no equilíbrio de forças.

Naquela que é uma das maiores freguesias do concelho, A Dos Cunhados e Maceira, a disputa é ainda mais renhida e imprevisível, pois, matematicamente, o PSD pode beneficiar da coligação com o CDS e tirar a liderança ao PS, e, para animar ainda mais, a candidatura da “Torres nas Linhas” pode baralhar ainda mais a situação.

No Ramalhal a dúvida é saber se o PS mantém a maioria absoluta e se a CDU e a “Torres nas Linhas”, não só mantêm o eleito de cada um, como aumentam a sua representação.

Em Campelos e Outeiro da Cabeça, um tradicional “feudo” do PSD, mas que o PS ganhou em 2013, o aparecimento de um movimento independente, “Movimento Social Dinâmico”, pode alterar a situação.

Em Dois Portos e Runa, onde o PS governou em minoria, tendo como principal adversário uma lista independente, o facto desta não concorrer este ano pode baralhar o jogo, restando saber até que ponto o PSD/CDS ou a CDU, cada um com um representante eleito, podem beneficiar dessa situação, da qual foram os principais prejudicados em 2013.

Na única freguesia liderada pela CDU, a de Carvoeira e Carmões, a dúvida está entre a possibilidade de essa força politica recuperar a maioria absoluta ou se a quebra de votação anterior se mantem, podendo beneficiar o PS, que em 2013 se bateu taco a taco coma CDU.

Deixamos para o fim as situações mais complexas e imprevisíveis, a freguesia da Ponte do Rol e a maior do concelho, a de Torres Vedras (Stª Maria, S.Pedro e Matacães), onde votam mais de 20 mil eleitores.

A freguesia da Ponte de Rol é liderada por uma lista independente, que em 2013 teve o apoio implícito do PSD e do CDS e obteve a maioria absoluta, relegando o PS para a oposição, mas desta vez aqueles dois partidos concorrem em coligação contra ela. O resultado torna-se uma grande incógnita, e a disputa vai ser renhida, sendo o PS o principal a beneficiar dessa situação.

A freguesia da cidade foi liderada em maioria absoluta pelo PS, mas apenas com a diferença de um mandato em relação aos representantes das outras forças (PS – 10, PSD – 4, CDU – 3, Juntos por todos – 1 e “Torres nas Linhas” – 1). Desta vez o “Juntos por Todos” não concorre e alguns dos seus elementos integram a lista do PSD.

A candidatura do PSD é aqui bastante forte, sendo liderada por uma figura carismática e simpática e com trabalho feito a nível social, podendo surpreender e, no mínimo, levar o PS a perder a maioria absoluta. Também é uma incógnita o que vai acontecer com as outras candidaturas e quem vai beneficiar mais do facto de apenas concorrer uma lista independente e de o BE não apresentar candidatura nesta eleição, ao contrário do que aconteceu em  2013.

No meio de todas as incógnitas, soma-se a incógnita do que vão fazer os abstencionistas, quase 50% nas últimas eleições autárquicas, ou os que optaram então pelo voto em branco, quase 5%  (onde estão quase todos os  7 mil votos perdidos pelos dois partidos dominantes entre 2009 e 2013).

Talvez nunca como neste ano, esteja tanta coisa em jogo e existam tantas situações imprevisíveis.

Por último duas notas:

As opiniões aqui expressas apenas comprometem o seu autor, não têm uma base científica e o que se prevê não espelha o desejo do autor, sendo apenas uma reflexão empírica.

Em segundo lugar, uma declaração de interesse: o autor concorre como independente à Câmara de Torres Vedras na lista da CDU, em posição não elegível.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

PORTO NOVO NA HISTÓRIA

Diz a tradição que o nome de “Porto Novo” ficou a dever-se a “ter-se aberto para dar mais saída às águas e servir de foz ao rio Alcabrichel”, abandonando-se “a foz antiga, que descrevia uma grande volta” (1).

Uma bem documentada alegação judicial proferida no tribunal de Torres Vedras, em 1939 questionou essa tradição ao demonstrar que a actual localidade de Porto Novo já foi em tempos um ilhéu, formando o areal de Santa Rita uma imensa lagoa, situando-se a foz do Alcabrichel mais no interior, aproximadamente no sítio onde se iniciam os agora desactivados campos de golfe (2).

A primeira tentativa de fundação de um porto junto à foz do Alcabrichel ocorreu durante o reinado de D. Dinis que, para o efeito, mandou edificar uma Igreja sob invocação de S. Dinis, cuja primeira pedra foi benzida em 15 de Outubro de 1318, na presença do monarca, do infante D.Pedro e de muita nobreza, objectivo que, contudo  não se concretizou por divergências entre o concelho de Torres Vedras e os frades de Alcobaça quanto à posse do local, diferendo que se arrastou até 1322, e que acabou por ser decidido a favor o mosteiro(3).

Finalmente, por carta régia de 6 de Maio de 1436, sabe-se que D. Leonor, esposa do rei D. Duarte, mandou abrir naquele lugar um “porto novo” ao qual deu o nome de Porto Real “em direito de pena firme”, concedendo várias isenções aos seus 10 povoadores. Para Veríssimo Serrão, razões “de defesa marítima contribuíram para a criação desse povoado que servia uma zona agrícola importante. Mas o local nunca se transformou num grande centro piscatório, visto a pequena baía não dispor de condições nem área para desembarque, não tardando um século para o vizinho porto de Peniche se tornar no local predominante daquela zona costeira” (4).

Essa falta de condições daquele local para se desenvolver como grande porto de pesca confirma-se em 1758, na memória Paroquial referente à Paróquia de A Dos Cunhados onde se pode ler que esse “porto” não é capaz de “embarcar calois grandes; mas tão somente barcos piquenos que no verão fazem suas pescas”.

Contudo, em 7 de Maio de  1902, foi inaugurada em Porto Novo uma armação de pesca “valenciana”, para a pesca de sardinha, por iniciativa de uma “Sociedade Piscatória de Porto Novo”, cujo êxito inicial levou à inauguração de uma nova armação de pesca em 16 de Abril de 1906, pertencente a Rufino de Carvalho. Contudo tal iniciativa não terá durado muitos anos, embora tenha contribuído para dar a conhecer  a beleza natural daquela praia (5).

Mesmo assim regista-se alguma actividade regular de pesca nas primeiras décadas do século XX, actividade que terminou “em Janeiro de 1938, na sequência da crise das pescas iniciada em 1935” (6).


Já em relação às condições como local de defesa, Porto Novo revelou-se mais importante.

A costa da zona de Porto Novo e Santa Rita, junto do hoje arruinado convento quinhentista, foi por várias vezes assaltada por piratas “mouros”, principalmente no verão e ao longo do século XVII.

O facto de nesse local existirem várias fontes de água e de se situar longe de povoações que pudessem rapidamente defender a costa, terá motivado esses assaltos.

Segundo a opinião de frei Agostinho de Santa Maria, os corsários que frequentavam esta costa “vinhão muitas vezes a fazer nella água em suas lanchas, e a furtar o gado que podião, e também a cativar alguns pescadores, que fugindo delles se hião recolher no Porto Novo, ou estavão naquella praza reparando seus barcos & redes & por vezes intentarão acometer o Convento, para roubar, & cativar os religiosos”(7).

Por causa desses assaltos os frades de Penafirme tomaram várias iniciativas para se protegerem: reforçaram as portas do convento com trancas de ferro, armaram-se e passaram a vigiar a costa de dia e de noite.

Se avistassem os piratas durante o dia, faziam tocar a rebate o sino da torre da Igreja. Se os avistassem durante a noite, usavam como sinal um facho que acendiam, colocado na mesma torre.
No caso de ataques de maior gravidade usava-se um sistema de sinalização luminosa, com fachos que eram acesos nos locais mais altos, desde a costa até Torres Vedras. Daí os nomes ainda hoje conhecidos, de “ponta da Vigia”, em Vale de Janelas, “Alto da Vela”, em Santa Cruz, ou “Casal do facho”, no Varatojo.

Nesses tempos, os habitantes de Penafirme estavam isentos da prestação do serviço militar, para ocorrerem à defesa da costa.

Data dessa época o episódio que imortalizou o frade Roque da Gama. Ajudado por quatro lavradores, defendeu o convento de um ataque de 14 piratas, em 30 de Junho de 1620, conseguindo aprisioná-los.

Terá sido em resultado desse acontecimento que o rei Filipe III decretou “que ouvesse no Convento hua (...) praça de armas (...) & assim mandou dessem para o convento hus tantos mosquetes, & lanças, hum tambor, & frascos, que alli se conservão para esse fim; & ordem para cobrarem em Lisboa cada hum anno certa quantidade de polvora & balas” (8).

Perante a continuação e frequencia dos actos de pirataria naquele local, D. Afonso VI mandou construir uma fortaleza junto de Porto Novo, o forte de Nossa Senhora da Graça, cuja construção se iniciou em 1662.

Nessa fortificação foram instaladas cinco peças de artilharia, com uma pequena força militar, que ainda se mantinha artilhado e guarnecido em 1707 (9), mas terá sido totalmente destruído por ocasião do terramoto de 1755.

A costa de Porto Novo foi bastante assolada pelo maremoto que se seguiu a esse terremoto sendo deste local a única descrição desse fenómeno referente ao litoral do distrito de Lisboa.
Quando se deu o terramoto, o “mar estava acabando de encher”. O maremoto deu-se nesta costa cerca de 1 hora e 1/4 depois do abalo, por volta das 11 da manhã.

A descrição daquele padre confirma as descrições do que por essa altura se passou em Lisboa, registando-se três grandes fluxos de subida e descida da água: “o fluxo e refluxo extraordinário só foi por três vezes (…) porém, toda aquela tarde continuou enchendo e vazando, recolhendo as águas com tanta velocidade que ficava tudo enchuto até à distância em que se tinha levantado e mandando-as com a mesma velocidade para terras”, ou seja, para além daquelas três grandes ondas, outras ondas mais pequenos tiveram lugar nesse dia, calculando-se actualmente que se registaram ao todo 16 ondas de grandes dimensões, destacando-se, contudo, aqueles três momentos.

Observada a partir de Penafirme e Porto Novo, “a novidade que se viu do mar (…) foi o levantar-se esta coisa de meia légua |cerca de 2 quilómetros e meio| distante da terra em um grande monte em que algumas pessoas divisaram diversas cores nas águas, pondo esta novidade em tão grande pasmo e temor a toda aquela vizinhança, que quase toda, imaginando era chegado o tremendo dia do juízo, da mesma sorte que estavam, ou bem ou mal compostos, sem fecharem suas casas e sem cuidarem de seus bens, fugiram para este lugar e igreja”.

Continuando a relatar-nos o tsunami, refere o cura António Duarte: “esse grande monte de mar veio discorrendo com voracidade para terra e combateu as arribas na altura de nove ou dez braças (…) Em um vale que corre do Sul para o norte e desagua na praia de Porto Novo, passando-se naquele tempo a pé enchuto correu tão cheio de água que por algum tempo se não pôde passar, cuja enchente lhe procedeu dos muitos olhos de água que circunvizinhos rebentaram (…).

“Os palmos que cresceu mais do ordinário se pode conjecturar pela altura das nove ou dez braças |algures entre os 16 e 20 metros de altura| em que combateu as arribas (…) chegando pela terra dentro a distancia que não há tradição chegasse em tempo algum [de facto, terá entrado, na zona de Porto Novo, pelo menos até às proximidades da actual “fonte dos frades]”(10).

Porto Novo voltou a entrar na história por ocasião da Batalha do Vimeiro, por junto a esta localidade desembarcaram parte das tropas inglesas, as divisões dos generais Anstruther e Ackland.

Foi, aliás, para defender aquele desembarque que Arthur Wellesley, posicionou as tropas terrestres, sob seu comando,  entre o Vimeiro e a Maceira, na tarde de 19 de Agosto de 1808.

O desembarque daquelas divisões efectuou-se “a uma legua de distancia do” Vimeiro, “na pequena bahia ou sitio do Porto Novo, junto a Maceira, onde desemboca uma ribeira ou pequeno rio chamado Alcobrichel (sic)”.

“No Vimeiro o campo de Wellesley era formado pela seguinte maneira: a sua ala esquerda achava-se postada na capella do referido logar, tendo a direita na praia da Maceira. Na ponta d’esta ala achava-se ancorada uma fragata de guerra e uns trinta navios de transporte com barcaças fóra. No dia 20 desembarcára a brigada do general Antruther, que se uniu ao exercito de Wellesley na força de 2:400 homens, e de tarde chegou á Maceira o tenente general sir Harry Burrard. Aos 21 pela manhã cedo desembarcou e se juntou ao exercito inglez a brigada do general Ackland, na força de 1:750 homens”. (11).

Foi para tentar travar aqueles desembarques que Junot avançou sobre o Vimeiro, desencadeando a célebre batalha.

Já depois da Batalha do Vimeiro de 21 de Agosto de 1808, no dia 24, chegaram a Porto Novo as tropas de sir John .Moore que só fundearam  a 25.

“O desembarque das tropas de sir John Moore fez-se com grande difficuldade, pois levou 5 dias, e pereceram afogados bastantes marinheiros e soldados. Os transportes soffreram taes estragos que só 30 ficaram em condições de prestarem serviço (12)”.

Já mais perto de nós, durante a 2ª Guerra Mundial, há a noticia de no grande vale arenoso em frente à praia de Santa Rita, aí ter aterrado, em 31 de Março de 1943, um bombardeiro inglês, o “Consolidated Catalina IB da RAF com dez tripulantes”. Segundo o relato que seguimos, depois “ de várias tentativas foi possível desencalhá-lo da areia e levá-lo para o Centro de Aviação Naval de Lisboa, onde ficou a degradar-se” (13).


Porto Novo e a sua “irmã” Santa Rita, apesar de um passado histórico mais “rico”, perderam terreno, ao longo do século XX, para a praia de Santa Cruz, como lugar de destaque no litoral torriense.

Foi esse interessante passado que procurámos aqui destacar.

(1)   COSTA, António Baptista da, “Porto Novo” in Enciclopédia das Famílias, nº 259, ed. 1908;
(2)   SILVA, Dr. Augusto Paes de Almeida e, Em Defesa do Património Nacional (…), ed. Biblioteca Municipal de Torres Vedras, ed. 1939;
(3)   FONTES, João Luís Inglês, in A Dos Cunhados – Itinerários da Memória, ed. Pró-Memória, 2002, pág.88, e RODRIGUES, Ana Maria, “O Porto Novo de D. Dinis e o “Porto Carro” de D. Fernando”, comunicação apresentada ao IV Congresso sobre Monumentos Militares Portugueses, Santarém, 2 e 5 de Outubro de 1987;
(4)   SERRÃO, J. Veríssimo, História de Portugal, Vol. II, pág. 176;
(5)   Anuário da “Folha de Torres Vedras” para o ano de 1907;
(6)   CORDEIRO, Ana Sofia Nunes, in FONTES, João Luís Inglês (coord.), A Dos Cunhados – Itinerário da Memória, ed. Pró-Memória, 2002, pág. 286;
(7)   SANTA MARIA, frei Agostinho de, Santuário Mariano, tomo II, ed. 1707, p.74.
(8)   SANTA MARIA, ob. cit., p.75;
(9)   ANACLETO, Pedro Garcia, “Grandezas e desventuras na história de um pequeno porto do litoral de Torres Vedras”, in Panorama, nº 41, IV série, Março de 1972;
(10)DUARTE, padre António, cópia do manuscrito existente nos registos paroquiais de A-Dos-Cunhados (original de 1756, cópia de 1908).
(11)SORIANO, Simão José da Luz, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, p. 392
(12)CÉSAR, Victoriano J. Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp.141 a 143.
(13)OLIVEIRA, Hermínio de, in “Crónicas do meu pequeno mundo”, Gazeta das Caldas de 22 de Agosto de 2009.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Evocando Alberto Avelino (1940-2017)

Ao iniciar mais uma temporada do blog Vedrografias, e sendo este um blog dedicado a Torres Vedras, não podia deixar de evocar um torriense que nos deixou recentemente, Alberto Avelino.

Infelizmente soube tardiamente do seu falecimento, ocorrido no passado dia 29 de Agosto,  não tendo ido a tempo de prestar a minha última homenagem a um torriense que muito prezo.

Lembro-me de Alberto Avelino ainda na minha juventude, como um exemplo muitas vezes invocado pelo meu pai de alguém que, tendo começado a trabalhar como operário na Casa Hipólito, se esforçou por tirar um curso, estudando à noite, enfrentando todas as dificuldades dessa situação,  formando-se em germânicas e tornando-se um dedicado e exemplar professor de inglês.

Com o 25 de Abril de imediato se envolveu na vida política, tendo-se filiado na  secção local do Partido Socialista.

E na vida política percorreu um invejável percurso de dedicação aos valores que sempre defendeu, os da democracia, da liberdade  e do socialismo.

Foi deputado na Constituinte de 1975, tornou-se o primeiro presidente eleito da Câmara de Torres Vedras, cargo que exerceu entre 1976 e 1983, voltando a ser eleito várias vezes para deputado e exercendo, a partir de 1995, e durante 12 anos, o cargo de Governador Civil de Lisboa.

Actualmente continuava dedicado à causa cívica, exercendo o cargo de presidente da Assembleia Municipal de Torres Vedras.

Cruzei-me várias vezes com Alberto Avelino, nem sempre do mesmo lado da “barricada”, por vezes discordando das suas opções na Câmara, mas sempre o respeitei e muitas vezes trocávamos impressões sobre uma paixão comum, a história e o património locais.

Enquanto Governador Civil de Lisboa tomou uma louvável mas quase desconhecida iniciativa, a de organizar e classificar o vasto e valioso espólio histórico do Governo Civil, da qual resultou a publicação de dois volumes onde se regista esse valioso património, hoje, e após a infeliz iniciativa da extinção dos governos civis, despejado na Torre do Tombo, aguardando por nova classificação.

Nas suas funções cívicas nunca se esqueceu das suas origens nem do concelho que o viu nascer em 26 de Novembro de 1940.

Com o desaparecimento de Alberto Avelino, Torres Vedras perde uma das suas mais marcantes referências humanistas.

Até sempre amigo Avelino!

(podem ler AQUI uma das últimas entrevistas a Alberto Avelino, onde ele nos conta o seu percurso de vida).