quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A Vida Torriense nos caracteres da Imprensa Local (Finais do Século XIX) - (1885-1890) - Fevereiro de 1888

FEVEREIRO 1888 
Em 1888 já se festejava o Carnaval em Torres Vedras, embora sem o brilho dos nossos dias. 
Alguns mascarados percorrendo as ruas e uma ou outra festa particular eram, então, os únicos sinais desses festejos. 
Carlos Velloso, que então assinava uma crónica semanal no jornal “A Semana”, fazia um balanço desse Carnaval de 1888: 
“O que houve de mais notável no nosso Carnaval sensaborão, foi uma mascarada de fina ideia, verdadeira de costumes, e agradável por mil motivos. Uma estudantina composta de rapazes músicos e d’excellente voz, de magnífica apresentação e espirituosa phrase, trouxeram-nos a notícia de que estávamos em pleno Entrudo (…). 
“Eu disse-vos que as ruas estavam vazias de máscaras, mas não vos contei que as salas estiveram cheias de valsistas. O Carnaval, que este anno aqui sentiu umas veleidades d’elegância, não quis magiar os pés nas pedras pontiagudas das calçadas, e foi para os salões romper as botas de polimento n’um voltejar vertiginoso, ao som das notas languidas das valsas de Metrà (…)” (1). 
Os dois jornais que então se publicavam na vila, “Voz de Torres Vedras” e “A Semana”, referiram alguns dos locais onde decorreram essas festas : na casa do sr. Augusto Santos Ferreira “onde uma encantadora diversão se proporcionou a deliciar o grande número de convidados que enchiam as suas salas”  e “n’um teatrinho improvisado”, onde se realizou uma “soirée” com “recita”, em “que apenas tomaram parte senhoras, que revelaram um grande talento artístico e uma boa educação literária. Alguns cavalheiros recitaram poesias e dançou-se até às duas horas da manhã” (2). 
Por sua vez, na Terça-feira de Carnaval “reuniram-se nas salas do club torreense as principais famílias da localidade, as quaes (…) passaram uma noite deliciosa. Dançou-se muito”, realizando-se igualmente um baile “nas salas do sr. José Norberto Correia Lopes da Feliteira” (3). 
Na época de Carnaval o acontecimento mais importante que então se realizou terá sido a tradicional procissão das cinzas, como se pode concluir da seguinte notícia:“Realizou-se hontem [15 de Fevereiro] a procissão que a venerável ordem terceira de S. Francisco é obrigada a fazer por compromisso declarado no Breve da sua instituição, datado de 21 de Novembro de 1676. 
“Levava 9 andores, e muitos irmãos, sendo acompanhada pela filarmónica torreense e por grande concurso de povo da villa e dos arredores (…).“Esta irmandade da Ordem Terceira faz durante o anno muitas esmolas a pobres desta villa, e dá também morada a pessoas necessitadas nas casas contiguas à ermida de S. João. 
“Tem a sua capella e casa de despacho na egreja de S. Thiago, por concessão que obteve de um bocado de chão contíguo àquella egreja, onde edificou aposentos próprios. 
“Os fundos d’esta irmandade resultantes de esmolas, legadas e annuaes, são avultadas, e da boa administração resultam as suas prosperidades. O primeiro capital que deu a juros foi de 60$000 réis, há mais de século e meio” (4). 
Outras festas tiveram lugar, nesse mês de Fevereiro, noutras freguesias do concelho.Foi o caso dos festejos em honra da Senhora da Purificação, em 2 de Fevereiro, no Sirol, freguesia de Dois Portos, e em Runa, que contaram, respectivamente, com a presença da Filarmónica da Ribaldeira e da Filarmónica Torrense. 
Em 3 de Fevereiro realizou-se a Festa dedicada a S. Brás, em Monte Redondo, “com música, arraial e procissão”, que deu “volta ao largo onde foi collocada uma cruz de pedra em substituição d’uma de madeira que ali existia” (5). 
Em Torres Vedras também teve lugar nesse mês uma importante reunião, convocada pelos cidadãos Dr. Aleixo Ferreira, Augusto dos Santos Ferreira, Caetano de Figueiredo e João de Guimarães, com o objectivo de discutir a idéia de contruir um Teatro em Torres Vedras “para que a população fluctuante não se veja obrigada a deitar-se ao sol posto, para que a população indígena não faça consistir o seu passatempo na sublime diversão da manilha e da bica sueca (…)” (6). 
Vários actos de agressão e desordem pública tiveram lugar nesse mês de Fevereiro, quer na vila quer nas aldeias do concelho, talvez reflectindo, não só a situação social da época, mas também a falta de policiamento, uma das preocupações de então. 
Nos últimos dias desse mês esta situação era finalmente resolvida: 
“Depois do que escrevemos com relação à falta de policia n’esta localidade, é-nos grato noticiar que as reclamações da imprensa (…) foram attendidas pela autoridade superior do districto, junto do qual o sr. administrador do concelho (…) conseguiu que voltassem para esta localidade os dois guardas de policia que em tempo aqui estiveram, acompanhados de um outro, que junto com os três antigos formaram uma esquadra” (7). 
De referir que, nesse mês surgiu o primeiro jornal cultural editado em Torres Vedras, “O Bocage”, jornal de curta duração. 
No dia 14 de Fevereiro faleceu Francisco Rodrigues Peixoto, “sócio fundador da Fanfarra 24 de Julho” e que “foi dos membros d’essa sociedade o que mais instou (…) a organização da Associação 24 de Julho de 1884”, associação mutualista (8). 
Terminamos esta crónica dedicada a Fevereiro de 1888, com uma curiosa referência ao Castelo de Torres Vedras, escrita por Carlos Velloso na imprensa local desse mês: 
“Em Torres Vedras há o quer que seja, alguma cousa de sombrio, que se impõe ao viajante, que o domina, que lhe faz experimentar uma sensação de frio. O estudo da sua vida commercial, activa e muda, do sussurro que se pressente, vindos dos centros do trabalho; a contemplação de um Castello histórico, aos pés do qual ella dorme, sonhamdo voluptuosamente o seu passado glorioso, immergem o caminhante na medição abstracta de quem fita um monumento. 
“Quando, há anos já, passámos aqui pela primeira vez, em gozo d’umas férias, joeirado n’uma diligência, em uma jornada “à-la-diable”, que tinha feito uma alliança tenebrosa com umas bellas rezões que trazíamos  como recordação da nossa província, um companheiro indígena apontava-nos o Castello arruinado, theatro  de dramas sanguinolentos. Fallava-me do Bonfim e do Saldanha, e indicando-me uma oliveira, que me parece já ter sido sacrificada – vê?, além morreu o Mousinho, um homem às direitas! 
“Isto define um povo – trabalho e glória, que são duas glórias juntas, mas que teem um pezo enorme que immergem o caminhante na meditação abstracta de quem fita um monumento” (9). 

(1)    – in A Semana de 16 de Fevereiro de 1888;
(2)    – in A Semana de 9 de Fevereiro de 1888;
(3)    – in Voz de Torres Vedras de 18 de Fevereiro de 1888;
(4)    – In A Semana de 16 de Fevereiro de 1888;
(5)    – in A Semana de 2 de Fevereiro de 1888;
(6)    - in A Semana de 9 de Fevereiro de 1888;
(7)    – in Voz de Torres Vedras de 25 de Fevereiro de 1888;
(8)    - in Voz de Torres Vedras de 18 de Fevereiro de 1888;
(9)    – in A Semana de 9 de Fevereiro de 1888.

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