quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Que Fazer com o “Obelisco!!!??

Anda por aí, no facebook, um debate sobre o futuro do “Obelisco” do “Largo da Graça”.

O tema unificador é sobre a perda de visibilidade desse monumento.

O pomo da discórdia é sobre se ele deve ser mantido naquele lugar ou se deve ser mudado para um lugar mais visível.

Pessoalmente nunca nutri grande entusiasmo por aquele monumento, muito menos quando fui conhecendo o que era aquele espaço antes da inauguração, em 1954, daquela mega-obelisco, comemorativo da Guerra Peninsular.

Os que defendem a manutenção do Obelisco no mesmo sítio, defendem uma intervenção que implicará, para além da limpeza e restauro do mesmo, o desbaste das árvores de grande porte que o rodeiam e encobrem.

Contudo, quanto a mim, esse não é o único problema que impede uma maior visibilidade ao monumento.

Mais grave e irreversível é o “painel” de prédios que, nos últimos anos, foram crescendo em altura à volta daquele jardim.

Aqui há muitos anos, quando o “crime” ainda era reversível, defendi, em artigos, troca de opiniões e, julgo, em Assembleia Municipal, que devia ser mantido, como referência para urbanizar a cidade, um “diálogo” entre o Castelo e o Convento de Graça, o que implicava alguma contenção nas construções à volta daquele jardim.

A situação, então, já não era famosa, mas ainda podia manter-se a visibilidade do Convento a partir do Castelo e deste do Convento e da maioria das ruas da cidade.

Fui acusado de tentar impedir o “progresso” e, apesar da situação ter melhorado na última década, foi o que se viu.

Hoje o jardim da Graça está transformado num imenso saguão e, mesmo cortando todas as árvores, situação com a qual também discordo, o Obelisco continuará acanhado naquele espaço.

Outros, penso que a minoria, entre os quais me incluo,  acham que, a fazer alguma coisa para dar visibilidade ao monumento, este devia ser recolocado noutro local.

Para mim o local, que não só manteria a dignidade do Obelisco, como lhe aumentaria a visibilidade, e ainda por cima recuperava um “diálogo” equilibrado com a história e a urbanização da cidade, era no meio do parque, que carece também de alguns melhoramentos, em frente à sede da PSP, ficando igualmente junto de outro monumento que recorda os torrienses tombados noutro conflito, a Guerra Colonial.

Seja qual for a solução, é verdade que o jardim da Graça, com ou sem Obelisco, precisa de uma intervenção que dignifique o local, até porque, dentro da cidade, não existem jardins dignos desse nome ( a Várzea e o Choupal ficam na “periferia”).

A minha opinião é apenas uma opinião.

Como contributo para o debate, aqui deixo a transcrição de um texto onde historiei o “Largo da Graça”, um documento sobre a inauguração do Obelisco e algumas fotografias que mostram a evolução daquele espaço:

(gravura do principio do Século XIX, onde se vê o Convento da Graça , a partir da Várzea)

PARA A HISTÓRIA DO LAGO DA GRAÇA

Este Largo era chamado, já em 1818, de Largo de Santana, por causa da ermida que aí existiu, situada no prédio onde actualmente funciona a casa “Napoleão”, junto a uma das portas medievais da vila, com o mesmo nome.

Essa ermida ficou arruinada pelas invasões francesas, nunca mais sendo recuperada.

(duas imagens das ruinas da Ermida de Santana)


Por deliberação de 1 de Abril de 1857, decidiu a Câmara expropriar a área da antiga cerca do Convento da Graça, encerrado em 1834, com a finalidade de alargar o espaço do mercado mensal, decidindo que esse lugar servisse também de passeio público, plantando para isso algumas árvores nesse local.

(fotografia da segunda metade do século XIX, sendo visivel a "cerca" do Convento)

Em 1885 foi aí instalado um coreto para a primeira actuação pública da “Fanfarra 24 de Julho” que ocorreu em 24 de Junho de 1885[1].

Esse coreto nada teve a haver com aquele que é mais conhecido, inaugurado em 1892 e que existiu até meados da década de 40 do século passado.


Em Janeiro de 1886 o largo da Graça foi  notícia por causa da decisão camarária de mandar “construir um jardim na parte expropriada contigua ao largo da Graça. A planta será confeccionada pelo distincto engenheiro e nosso amigo, o sr. Mendes de Almeida, que esteve aqui tratando de outos estudos e melhoramentos públicos”, objectivo que ao que se sabe, não foi concretizado (Jornal de Torres Vedras, 22 de Janeiro de 1886).



Contudo, só em 1892, um particular, D. Diogo de Nápoles, tomou a iniciativa de tornar aquele espaço, então praticamente abandonado, num ”Passeio Público”, com um corêto, encabeçando uma comissão para adquirir esse espaço por subscrição pública, apoiada pelo jornal “A Semana”.


A primeira pedra para a construção do jardim e do coreto teve lugar a 11 de Julho de 1892, sendo inaugurado a 21 de Agosto, com festa e Kermesse.


Transformado em jardim público com coreto no final do século XIX, ocupando o antigo espaço murado do jardim do Convento da Graça, adoptou o nome do monarca que então reinava, D. Carlos .

A 12 de Maio de 1902 este lugar foi visitado pela rainha D. Amélia, que se fez deslocar de automóvel, talvez o primeiro a rodar em Torres Vedras.
(visita da rainha D. Amélia, fotografia da Ilustração Portuguesa)

Com a República o largo foi rebaptizado com o nome de Largo da República, tendo-se proposto alterar o seu nome para Largo Sidónio Pais em 1919, proposta nunca concretizada.

(Vários postais e fotografias do principio do século XX onde se vê o coreto)

Em 10 de Outubro de 1954, no lugar do velho coreto, foi inaugurado o obelisco comemorativo das Guerras Peninsulares, sendo na mesma ocasião aquele largo rebaptizado com o nome de Praça do Império, mantendo o espaço a norte a designação de Praça da República.
(postal onde se vê o jardim, já sem coreto, mas antes de aí ser colocado o Obelisco)


“A construção deste monumento teve a comparticipação dos ministérios das Obras Públicas e do Exército e a sua concepção foi do arquitecto Miguel Jacobety, e nele trabalharam o tenente coronel de Engenheiros Manuel Braz Martins, Engenheiro Altino Aldo Gromicho, o construtor civil José Pedro Lopes e os operários, Sebastião Pedro Henriques, Jaime Simões, Joaquim Miranda, José da Silva, José Correia, João Alves Carregueiro e António Chá. As cantarias foram fornecidas pela Firma Pardal Monteiro, Limitada, de Pero Pinheiro”.[2]
( o jardim por ocasião da inauguração do Obelisco)


Com o 25 de Abril foi novamente rebaptizada como Praça 25 de Abril.

Contudo, popularmente continua a ser conhecida por Largo da Graça.


[1] Jornal de Torres Vedras, 30 de Julho de 1885
[2] Segundo Augusto M. Lopes da Cunha em Memória das Festas da inauguração do obelisco comemorativo da guerra penissular e Catálogo da exposição hiistórico-biblio-iconográfica, ed. Biblioteca Municipal de Torres Vedras, 10 de Outubro de 1954.

Anexo:


Auto de inauguração do Obelisco do Jardim da Graça-1954:

“Saibam quantos este público auto virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil novecentos e cinquenta e quatro - Ano XXVIII da Revolução Nacional - pelas 15 horas, nesta mui nobre e antiga Vila de Torres Vedras, no Jardim da Graça, que doravante se passou a denominar Praça do Império, Sua Excelência o Tenente-Coronel Horácio de Sá Viana Rebelo, Ilustre Sub-Secretário do Estado do Exército, procedeu à inauguração solene deste monumento comemorativo das Campanhas da Guerra Peninsular -1808 a 1814- e especialmente das “Linhas de Torres Vedras” (...).

“A construção deste monumento teve a comparticipação dos ministérios das Obras Públicas e do Exército e a sua concepção foi do arquitecto Miguel Jacobety, e nele trabalharam o tenente coronel de Engenheiros Manuel Braz Martins, Engenheiro Altino Aldo Gromicho, o construtor civil José Pedro Lopes e os operários, Sebastião Pedro Henriques, Jaime Simões, Joaquim Miranda, José da Silva, José Correia, João Alves Carregueiro e António Chá. As cantarias foram fornecidas pela Firma Pardal Monteiro, Limitada, de Pero Pinheiro (...)”.

( transcrito por Augusto M. Lopes da Cunha em Memória das Festas da inauguração do obelisco comemorativo da guerra penissular e Catálogo da exposição hiistórico-biblio-iconográfica, ed. Biblioteca Municipal de Torres Vedras, 10 de Outubro de 1954).

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Torres Vedras e o Domínio Filipino


(Filipe IIº)

Em 13 de Setembro de 1598, há 420 anos, morria um dos monarcas mais poderosos do mundo, o rei Filipe IIº, rei de Espanha desde 1556 e de Portugal “e dos Algarves” desde 1581, governando no nosso país com o título de Filipe Iº.

O seu reinado deu inicio, em Portugal, à dinastia filipina, que só terminou em 1640.

A propósito dessa efeméride vamos tentar traçar, em poucas palavras, aquilo que foi o domínio filipino em Torres Vedras (1).

O domínio filipino foi bem aceite pelas famílias dominantes da região, com a do “Alarcões” à frente.

Esta família, de origem espanhola, dominava a alcaidaria da então vila desde o reinado de D. Manuel, quando D. João de Alarcão herdou do seu sogro, Gomes Soares, falecido em 12 de Janeiro de 1514, o cargo de alcaide-mor de Torres Vedras.

Terá sido também nessa altura que os alcaides-mores, que tradicionalmente habitavam os chamados “Paços do Patim”, passaram a ocupar o “palácio” do Castelo, restaurado no tempo de D. Manuel, como o atestam ainda hoje as esferas armilares aí existentes.

Quando da aclamação do rei espanhol em 1581, exercia o cargo da alcaide-mor de Torres Vedras D. Martim Soares de Alarcão, que foi um dos mais fiéis defensores da causa castelhana (2).

Esse alcaide teve um papel importante na repressão das revoltas locais que tiveram lugar nesse período.

Uma das mais conhecidas foi a chamada revolta do “Rei da Ericeira”, liderada por um tal Mateus Álvares, natural doa Açores, filho de um pedreiro, que se fez aclamar como rei pela  população da Ericeira em 1585 , mobilizando os camponeses da região contra o Castelo de Torres Vedras.

Um dos seus principais seguidores foi um vinhateiro de Torres Vedras, Pedo Afonso, nomeado pelo falso rei estribeiro mor e marquês de Torres Vedras e que casou com a filha daquele, “coroada” rainha.

O movimento acabou afogado em sangue, quando o exército do “Rei da Ericeira” foi travado na estrada de Lisboa pelos bem organizados batalhões filipinos.

O falso rei e o seu genro foram enforcados em Junho de 1585 (3).

Outra ocasião difícil para o alcaide-mor de Torres Vedras foi quando  D. António Prior do Crato, em 1589, apoiado por forças inglesas, atacou e ocupou Torres Vedras, depois de desembarcar em Peniche e antes de se dirigir para Lisboa.
(D. António Prior do Crato)


Existem várias versões sobre este acontecimento, mas a mais credível é a descrição de um manuscrito da Torre do Tombo, da autoria de André Falcão de Resende.

A armada inglesa era comandada pelo “General do mar”, Francis Drake,  acompanhado pelo “General de terra” Henrique Norris,”capitão escocês muito conhecido”, conde de Norwich.

No dia 23 de Maio de 1589 a Armada Inglesa chegou a Peniche, entrando no porto da vila, que tomou, e a praia em frente, a praia de Nª Senhora da Consolação.

O alcaide local, João Gonçalves de Ataíde , de imediato mandou enviar recado a “Sua Alteza” e ao alcaide-mor de Torres Vedras, Dom Martinho Soares de Alarcão e Melo, acerca do sucedido.
Em Torres Vedras estavam  estacionadas  12 “companhias” comandadas por Martinho Soares, que logo na noite desse dia partiu com elas na direcção de Peniche, acompanhado por  Gaspar de Alarcão, morador nesta vila, com cento e dez “ginetes” de que era capitão.

Impressionados com o número de tropas inglesas, as tropas fiéis a Castela regressaram a Torres Vedras, de onde se retiraram quando, por volta da meia-noite do Domingo 28 de Maios, quando se soube que a tropas de D. António vinham marchando da Lourinhã para esta vila.

No dia 29 de Maio “já tarde”, entraram na vila de Torres Vedras o exército inglês e D. António, sob o comando de Norris.

D. António aposentou-se nas casas do prior de Stª Maria do Castelo, “e a noite foy dormir no Castello, onde pousava Francisco de Seixas” Cabreira, natural da vila, que veio a ser preso mais tarde pelo governo filipino, por causa desta sua atitude de facilitar a aposentação de D. António em Torres Vedras.

Contudo, muitos dos soldados ingleses “se embebedarão, por haver muito vinho nesta villa”. Beberam em tal excesso que muitos adoeceram e alguns chegaram mesmo a morrer.

Este incidente provocou um atraso no avanço dos Ingleses sobre Lisboa, dando tempo às tropas luso-castelhanas que defendiam a capital, de se prepararem para a chegada dos apoiantes de D. António.

Chegados próximo de Lisboa, os ingleses, perante a resistência dos sitiados, resolveram, no Domingo 4 de Junho, retirar-se a caminho de Cascais., onde chegaram no dia seguinte, perseguidos pelas tropas luso-castelhanas.

Em 18 de Junho iniciaram a sua retirada, embarcando na armada estacionada em Peniche .

Entretanto, no dia 6 de Junho, cerca de mil homens comandados por D. Martim Soares e pelo capitão António Pereira, reconquistaram, quase sem combate, o castelo de Torres Vedras(4).


Em definitivo, a região voltou a obedecer a D. Filipe II.

Depois desses dois episódios de resistência local inicial ao domínio filipino, não se voltaram a assinalar episódios político-militares  significativos até à Restauração.

Apenas um ano antes da Restauração, num documento enviado ao alcaide de então, D. João Soares de Alarcão, se revela alguma preocupação em defender a região de um possível ataque da armada francesa em apoio de uma possível insurreição no Reino.

Nesse documento, datado de 26 de Junho de 1639, já no reinado de D. Filipe IV (IIIº de Portugal), o monarca encarrega o alcaide de Torres Vedras de levantar a gente de armas da região.

Por esse documento, que refere números relativos ao total da Comarca de Torres Vedras (muito mais extensa que os limites do concelho), ficamos a saber que, na comarca, existiam 9 743 homens capazes de pegar em armas, dos quais 5722 tinham espingardas e arcabuzes e 991 “piques”.

Por ordem do mesmo monarca foram escolhidos 1 200 homens para se reunirem na vila de Torres Vedras, prontos a resistir a um ataque da armada francesa à costa portuguesa, um reflexo local da chamada “Guerra dos 30 anos”(5).

Durante esse período, a vila de Torres Vedras adquiriu uma considerável importância politica e económica, patentes no prestígio da família dos Alarcões junto da coroa espanhola e na concretização da Comarca de Torres Vedras, criada anos antes mas que só passou a ser efectiva em 1617 (6).

Sem procuramos ser exaustivos, aqui pretendemos deixar uma breve síntese sobre os episódios mais marcantes da história torriense durante o domínio filipino.

  • (1)   Existem duas obras fundamentais sobre esse período em Torres Vedras: BRAGA, Paulo Drumond, Torres Vedras no reinado de Filipe II – Crime, Castigo e Perdão, ed. Câmara Municipal de Torres Vedras/Edições Colibri, Lisboa 2009; VEIGA, Carlos Margaça e SILVA, Carlos Guardado da, O Livro de Acordãos do Município de Torres Vedras – 1596-1599, ed. CMTV, 2003.
  • (2)   RÊGO, Rogério de Figueirôa , “O Castelo de Torres Vedras”, in Boletim da Junta da Província da Estremadura, nº 21, Série II, Maio/Agosto de 1949, pp. 195-209.
  • (3)   Existe muita bibliografia e muitas referências a esse episódio. Recentemente, nas páginas do “Badaladas”, foi publicada uma excelente síntese sobre esse episódio, da autoria de GRANADA, Manuel Novais, “Revista de Lisboa garantia em 1932 – Última batalha entre as tropas castelhanas e as milícias do “rei da Ericeira” deu-se no castelo de Torres Vedras”, edição de 27 de Julho de 2018; e “Justiça de Filipe I abateu-se de modo implacável sobre os revoltosos de “D. Sebastião da Ericeira” (conclusão), edição de 17 de Agosto de 2018.
  • (4)   FALCÃO de RESENDE, André, “Carta que o autor escreveo a hum Amigo em que se conta a vinda dos Ingleses a Lisboa com dom António Prior do Crato no Ano de mil quinhentos e oytente e nove annos”, in Manuscrito da Livraria, cota 1147,   Arquivo Nacional da Torres do Tombo. Voltaremos a este tema, com mais pormenor, no próximo ano, por ocasião da comemoração da efeméride deste episódio.
  • (5)   “Menção Histórica”, in A Semana de 23/6/1892.
  • (6)   SERRÂO, Joaquim Veríssimo, O Surto Regional na legislação dos Filipes (1581-1625), ed. 1975 e O tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil, ed. Colibri, Lisboa.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

BêDêZine: Recordando um fanzine torriense

BêDêZine: Recordando o fanzine "BêDêzine": Nos idos de 1985, por ocasião do"1º Salão de Banda Desenhada de Torres Vedras", editamos um nº0 (e único) do fanzine "BêDêzine" (clicar para continuara a ler)...