sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

“Em Sentido Contrário – Venerando Ferreira de Matos (1926-1975) – um oposicionista na província”



Já está à venda em Torres Vedras, na Papelaria União, a biografia de Venerando Ferreira de Matos, figura activa no meio cultural, associativo e jornalístico desta cidade, durante os anos do pós-guerra até ao seu falecimento em 1975.

A biografia inclui uma vasta documentação, acompanhando os seu percurso de vida que atravessou todo o Estado Novo, iniciado em Coimbra e que incluiu o cumprimento de dois anos de prisão em Peniche no início da década de 1950.

O livro insere-se numa colecção editada pela Associação Ephemera, uma Associação que visa dinamizar, organizar e divulgar o vasto espólio do arquivo privado de José Pacheco Pereira.

Dessa coleção já foram publicados dois outros títulos, “em redor de uma palavra grega”, da autoria de Maria Mafalda Viana, sobre a origem da palavra “Ephemera”, e “A Esquerda Festiva do Técnico nos anos 60 – um testemunho” por Henrique Garcia Pereira, sobre o agitado momento político vivido pelos estudantes do Instituto Superior Técnico nos anos de 1960.



“EM Sentido Contrário” é  terceiro título dessa colecção, que vai ser oficialmente lançado no próximo dia 22 de Janeiro no Museu do Forte de Peniche, em hora ainda a designar, apresentado pelo Dr. Fernando Pereira Marques e pelo Dr. José Pacheco pereira, e em Torres Vedras, em 15 de Fevereiro, na Biblioteca Municipal Leonel Trindade, pelas 18 horas.

Estão previstas ainda duas sessões de apresentação no Museu do Aljube, em Lisboa, em data a designar, e em Coimbra, em lugar e data a designar.

Como apresentação da biografia de Venerando Ferreira de Matos, aqui deixamos o prefácio desse livro, da autoria do Dr. José Pacheco Pereira:

“Em Sentido Contrário, é o primeiro dos Cadernos do Ephemera dedicado ao que chamamos “os oposicionistas na província”, aqueles que são mais facilmente esquecidos porque não viveram nos centros do poder, mas que deram dimensão nacional à resistência ao Estado Novo.

“Venerando Aspra de Matos, autor deste Caderno, nosso incansável amigo e associado fundador, escreve sobre Venerando Ferreira de Matos, seu Pai um desses muitos homens que, quase desconhecidos, por todo o país, dedicaram as suas vidas a fazer oposição ao regime salazarista. Sempre com um só objectivo, derrubar o regime, desenvolviam intensa actividade, nos jornais locais ou nacionais, nos seus empregos, nos cafés, nas associações, nos grupos de teatro, nas bibliotecas locais, a maioria das vezes com um informador da PIDE à distância de um olhar e com o risco permanente de prisão. Venerando Ferreira Matos pagou esse preço, ainda muito jovem, estando vários anos preso em Peniche.

“Da cadeia, escrevia à sua noiva cartas que nos descrevem a vida na prisão, as suas relações com os demais presos e com o Partido Comunista, a sua atenção aos sons do exterior, o cuidado com a sua permanente formação e informação, para que o tempo da prisão não fosse perdido. Algumas dessas cartas são aqui transcritas, transportando-nos de imediato para dentro do Forte prisão e para o espírito dos que lá se encontravam, sendo uma fonte até agora inédita do quotidiano numa das prisões mais importantes do regime salazarista.

“Libertado, continuou a sua luta cívica em Torres Vedras e naquela que foi uma constante da sua vida, a escrita em jornais. Podiam ser artigos sobre arte, ciência, desporto, ou com preocupações ambientais, numa luta muitas vezes subterrânea, contribuindo para a formação de um magma que algum dia havia de ver a luz do dia.  Venerando Ferreira de Matos ainda pode ver o dia “lustral” do 25 de Abril de 1974.

“Com estas biografias, pretendemos divulgar espólios do Arquivo Ephemera que podem servir ao trabalho dos investigadores e deixar memória útil a todos.

José Pacheco Pereira.”


quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A segunda Fundação da Escola Secundária Municipal (1919) – Breves apontamentos




(versão integral do texto que já tinha sido apresentado neste espaço, mas de forma resumida)

Depois de termos evocado, em crónica anterior, a primeira Escola Secundária a funcionar em Torres Vedras, entre 1890 e 1903, aqui recordamos agora a segunda fundação da escola de ensino secundário torriense, inaugurada em 3 de Novembro de 1919.

Não pretendemos fazer a história desta escola que esteve na origem da actual Escola Madeira Torres, mas apenas coligir alguns breves apontamentos que possam servir de ponto de partida para quem pretenda fazer a História desse estabelecimento de ensino.

Em 1918 Victor Cesário da Fonseca, que tinha frequentado a escola encerrada em 1903, republicano activo, e que sempre responsabilizou os monárquicos locais pela decisão daquele encerramento (1), iniciou uma campanha, nas páginas do jornal “Ecos de Torres” em defesa de se retomar o funcionamento de uma Escola Secundária, a partir de um artigo não assinado na edição de 28 de Janeiro desse semanário.

Em sessão camarária  de Abril de 1919 o vereador José Anjos da Fonseca  propôs o lançamento de um imposto de 5% sobre as contribuições pagas pelas freguesias do concelho, para apoiar a abertura da Escola Secundária, proposta aprovada apenas pela diferença de um voto (2) , constituindo-se uma comissão instaladora que levou o projecto a bom termo.

Dessa comissão fizeram parte Afonso Pedreira Vilela, João Fernandes Caldeira, Victor Cesário da Fonseca, Joaquim Rodrigues Cardoso e António Germano Marques de Carvalho.

A nova Escola Secundária foi inaugurada em 3 de Novembro de 1919, uma segunda-feira, provisoriamente num edifico da Travessa da Olaria, mudando-se em definitivo para o edifício localizado na Avenida 5 de Outubro, onde funcionam actualmente os serviços camarários, em 1921, edifício que então tinha apenas um andar.

Foi nomeado como seu primeiro director o professor Augusto do Nascimento Gonçalves, até então director do Instituto Politécnico de Torres Vedras (3), escola que tinha sido inaugurada em de Outubro de 1911, e onde se ministravam a “instrucção primária, secundária e commercial” e que admitia “alumnos de ambos os sexos como internos, semi-internos e externos”, leccionando também “piano e lavores”, funcionando na Rua Barreto Bastos, nº 3, 1º Direito (4) .

O jornal “A Vinha de Torres Vedras”  referia-se nos seguintes termos àquela inauguração:
“Como amigos da instrução e partidários da fundação deste útil estabelecimento de ensino, não podemos deixar de nos congratular com este acontecimento, por todos os títulos importante e cuja falta há muito se fazia sentir nesta villa.

“Ao acto da inauguração da nova escola presidiu o sr. António Cabral, presidente da Camara e assistiram a vereação e muitas pessoas” (5).

Até 1923 os alunos não pagavam propinas.

No primeiro ano lectivo, o de 1919/1920, inscreveram-se 56 alunos, 26 no 1º ano, 12 no 2º ano, 6 no terceiro, 4 no 4º ano e 8 no 5º ano, entre eles algumas alunas, 15 no 1º ano, 2 no 3º ano e uma no 5º ano.

Entre os inscritos encontramos nomes que vieram a ser figuras proeminentes na vida cultural, social, económica e política de Torres Vedras : Alberto Vieira Jerónimo e  Galileu Silva, inscritos no 1º ano; Amílcar Guerreiro, Hélder dos Santos Torres, Inácio do Nascimento Clemente, José Hipólito e Manuel Duarte Capote, no 2º ano e Leonel Trindade no 5º ano (6).
(Alunos e professores da Escola Secundária, nos anos de 1940 - Arquivo de Maria Helena Aspra de Matos)


No primeiro livro de matriculas onde se regista a profissão dos encarregados de educação, o referente ao ano lectivo de 1942/1943, não deixa de ser significativo registar o domínio de filhos de funcionários públicos e comerciantes.

Entre um total de 164 alunos inscritos em todos os níveis de ensino nesse ano, 52 eram filhos de gente ligada ao comércio (45 comerciantes, 6 empregados de comércio, e um ajudante de farmácia) , 40 estavam ligados ao funcionalismo público (10 funcionários públicos, 8 conservadores, 5 professores, 4 empregados da CP, 3 funcionários municipais,  2 funcionários dos CTT, 2 ajudantes de notário, 2 oficiais do exército, 1 funcionário colonial, 1 funcionário público aposentado, 1 notário e 1 solicitador) seguindo-se os filhos de “proprietários” (21).

Refira-se ainda o número de pais com formação média e superior:   9 médico, 4 advogados, 3 enfermeiros, 2 engenheiros e 2 empregados bancários (sem contar com os 5 professores e outros profissionais acima incluídos no funcionalismo público). Refiram-se ainda os filhos de “industrias” (em número de 8).

Em contrapartida, apenas encontramos 3 filhos de operários e 1 de agricultor.

Não espanta que a maioria dos alunos residisse na vila, 133 dos inscritos. Runa é a freguesia fora da vila que sobressai, com 7 alunos inscritos, situação que não será estranha à proximidade permitida pelo caminho-de-ferro.

Nas décadas de 1960/70 a Escola atraia alunos de muitos concelhos vizinhos, nomeadamente do sobral de Monte Agraço, sendo uma escola “com forte poder de atracção” devido à sua “posição bastante central em relação à sua área de influência”, e bem servida de transportes, começando a colocar-se um problema de crescimento (7).

No ano lectivo de 1968/1969 começou a funcionar o chamado ciclo preparatório, provocando uma ligeira redução no número de alunos inscritos na Escola Secundária. Dos 334 inscritos em 1967/68 passou para 318 no ano seguinte.

A barreira das 3 centenas de alunos inscritos na Escola Secundária tinha sido ultrapassada, pela primeira vez, no ano lectivo de 1964/1965, com 310 inscritos (8).

Por despacho de dezembro de 1969, e após intensa campanha iniciada nesse ano nas páginas do “Badaladas”, por ocasião do cinquentenário, a Escola Secundária, tornou-se secção do Liceu Nacional D. Pedro V, deixando de ser o município a suportar financeiramente essa escola, o que permitiu uma redução das propinas pagas pelos alunos (9).

Oficialmente o Reitor da escola torriense era o reitor do Liceu D.Pedro V, o Dr. Estevão Ferreira Moreira, passando o director da antiga secundária, o Dr. João Carlos da Cunha, a ser designado por “vice-reitor” (10).

Contava nessa data com 19 professores e cerca de 400 alunos.

Em 12 de Outubro de 1971 o Conselho de Ministros aprovou um decreto ( Decreto 447 de 25 de Outubro) que criou 21 liceus nacionais, entre os quais o de Torres Vedras, passando a escola secundária, então com 540 alunos incritos, a denominar-se, a partir do ano lectivo de 1972/73, Liceu Nacional de Torres Vedras, abrindo uma secção na Lourinhã, sendo nomeado como reitor o Dr. Joaquim Semedo Toco e tendo sessão inaugural em 2 de Outubro de 1972 (11).

Sobre este tema, registamos aqui uma recolha oral que fizemos junto do sr. Adão de Carvalho, em Abril de 1990, onde ele nos contou que, em meados de 1971, o sr. Fernando Leal se deslocou ao Ministério do Interior para que o ministro exigisse, junto do Ministro da Educação, José Hermano Saraiva,  a passagem da Escola Secundária a Liceu.

Uma das condições que Fernando Leal tinha posto para aderir à União Nacional tinha sido a de que a escola secundária fosse elevada a Liceu.

Como, nesse encontro, o Ministro referiu que Torres Vedras já tinha sido beneficiada em demasia, Fernando Leal ameaçou demitir-se a ele, a toda a direcção regional da União Nacional.

Quando vinha a sair desanimado do encontro, encontrou Marcelo Caetano, que regressou com ele ao ministério e pressionou a passagem da escola a Liceu Nacional.

Foi assim, no início da década de 70 do século passado, que  o “liceu” deixou de ser a escola elitista que tinha sido, para se “democratizar” e abrir à população que até aí tinha como única saída para os seus filhos o ensino técnico ou comercial, muito também devido à chamada reforma Veiga Simão, situação que levou a um grande aumento do número de alunos a frequentá-la.

No ano lectivo de 1971/1972 era frequentada por cerca de 540 alunos. No ano lectivo de 1973/1974 já a frequentavam mais de 800 alunos, ultrapassando o número de mil alunos nos anos seguintes.

Já em 1971 o jornal “Badaladas” referia que se impunha “com a maior urgência, a construção dum novo edifício para o Liceu”, propondo que ficasse para “a Escola Preparatória todo o imóvel municipal da Avenida 5 de Outubro”.

É em 1975 que o assunto voltou a merecer atenção, num artigo publicado por António Leal d’Ascensão intitulado “Liceu de Torres Vedras –Torres Vedras precisa e merece um Liceu Novo” (12).

Em sessão de 9 de Fevereiro de 1977 iniciou-se o debate sobre a criação das novas instalações para o Liceu, então designado por Escola Secundária nº 2, e para a Escola Preparatória, processo que vai ser liderado pela vereadora Ana Maria Bastos, coadjuvda pelo vereador António Leal d’Ascensão, durante o primeiro mandato de Alberto Avelino como presidente da Câmara (13).

O processo vai-se arrastar pelos anos seguintes e, em Março de 1978, a Direcção Geral das Construções Escolares informa a Câmara da previsão do concurso para esse ano e o início das obras para o final do ano ou início de 1979 (14).

Embora se defendesse uma maior participação dos pais no destino da escola, logo na sessão solene da criação do Liceu de Torres Vedras, só depois do 25 de Abril é que foi eleita a primeira comissão de pais, em 11 de Dezembro de 1974, tendo como primeiro presidente da direcção a Drª Maria Aldina Rebelo (15), altura em que surgiu igualmente a primeira associação de estudantes.

Em 2 de Abril de 1987,o Liceu passou a designar-se Escola Secundária Madeira Torres, três anos depois de ter mudado para novas instalações, no ano lectivo de 1983/1984, aquelas onde ainda hoje funciona (16).

Aqui ficam algumas notas de uma História por fazer, de uma escola centenária que ainda tem muito por contar.

  1. (1)    – leia-se  FONSECA, Victor Cesário da ,  Retalhos Para a História de Torres Vedras, ed. Associação da Defesa do Património de Torres Vedras, 1979;
  2. (2)    –PEREIRA, Dr. Paulino, “Porque se espera para planear a comemoração do cinquentenário da Escola Secundária ?”, in Badaladas, de 26 de Abril de 1969;
  3. (3)    – in “Folha de Torres Vedras”, edições de 13 de Agosto , 10 de Setembro e 15 de Outubro de 1911;
  4. (4)    Sob a designação de “Fragmentos”, “Cinquentenário da Escola Secundária Municipal! e “Recordar é viver” publicaram-se no jornal “Badaladas”, ao longo do ano de 1969, vários documentos relativos aos primeiros anos do funcionamento da escola secundária, artigos não assinados mas que foram escritos pelo Dr. João Carlos Cunha, autoria que ele me revelou. Chama-se a atenção para os dados publicados nas edições de 14 de Junho, 5 de Julho, 2 de Agosto e 1 de Novembro de 1969 do jornal “Badaladas”; Leia-se igualmente “A História da E.S.M. E A Homenagem Aos Municípios e Fundadores”, da autoria do então Conta-almirante Lino Paulino Pereira, comunicação lida por ocasião da sessão solene comemorativa do cinquentenário da escola municipal, realizadas em Junho de 1970 e transcrita integralmente na reportagem, da autoria de Francisco Vieira Jerónimo, publicada na edição de 20 de Junho de 1970 do jornal “Badaladas”;  
  5. (5)    – in “A Vinha de Torres Vedras” de 8 de Novembro de 1919;
  6. (6)    – Livros de Matriculas da Escola Secundária existentes no Arquivo Municipal de Torres Vedras.
  7. (7)    – in SALGUEIRO, Teresa Barata, “Documentos para o Ensino – A Área de Influência da Escola Secundária de Torres Vedras”, separata de Finisterra, Vol.VI - 12, Lx, 1971, pp. 302 a 307;
  8. (8)    – in Arquivo Municipal de Torres Vedras, Elementos de Estudo do Presidente da Câmara, Frequência da Escola Secundária Municipal de Torres Vedras, 7 de Maio de 1969;
  9. (9)    – in “Badaladas”  de 10 de Janeiro de 1970;
  10. (10)                       – in “Badaladas” de 28 de Março de 1970;
  11. (11)                       - in “Badaladas” de 16 de Outubro de 1971, 30 de Setembro e  7 de Outubro de 1972;
  12. (12)                       – in “Badaladas” de 22 de Março de 1975;
  13. (13)                       – in “Badaladas” de 24 de Fevereiro de 1977;
  14. (14)                       – in “Badaladas” de 16 de Março de 1978;
  15. (15)                       – in “Badaladas” de 28 de Dezembro de 1974;
  16. (16)                       – sobre o patrono e o processo de escolha do nome, leia-se a publicação, de autoria colectiva, “O Patrono da Escola Secundária Madeira Torres, Manoel Agostinho Madeira Torres”, editada em Fevereiro de 2006 conjuntamente pela escola e pela Câmara Municipal.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Torres Vedras: Desequilíbrio entre rendimentos declarados e quantidade de Carros de Luxo

O jornal Expresso fez um levantamento, por concelho, da percentagem de carros de luxo em relação ao parque automóvel de cada concelho, e comparou a posição de cada concelho na posse desse bem em relação com o seu rendimento médio e o valor de IRS declarado e chegou à conclusão que existem concelhos onde ...alguma coisa não bate certo.

Um deles, embora não seja o pior, é o concelho de Torres Vedras. Aqui alguma coisa não bate certo na relação entre a declaração de rendimentos e esse sinal exterior de riqueza.

Esta é a situação deste concelho, referida por essa investigação (sem mais comentários):


"Tem 5,7 carros por cada 10 habitantes. 20,2% são luxo e premium (média nacional: 18%).

Declara um rendimento por habitante de €8 233 por ano. E há 1,4 carros luxo e premium por cada €100 mil de rendimento (média nacional: 1,2).

É o 45º concelho com poder de compra.

É o 46º com mais carros L&P e está em 58ª posição em termos de rendimento declarado no IRS (em 280 concelhos)".

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Da primeira Escola Secundária de Torres Vedras, inaugurada em 1890, à actual Escola Secundária, hoje Madeira Torres, inaugurada em 3 de Novembro de 1919.



1 - Breve história da primeira Escola do Ensino Secundário em Torres Vedras.

Local onde funcionou a primeira Escola Secundária de T.Vedras (1890 a 1903)

Foi em 1880 que se publicou uma reforma de ensino, da autoria de José Luciano de Castro, na qual era referida a criação de “escolas municipais secundárias”. Até então o ensino secundário era ministrado apenas nas capitais de distrito.

A partir de então passaram a existir três tipos de escolas desse tipo, “liceus nacionais centrais”, “liceus nacionais” e “escolas municipais secundárias”.

Os “Liceus nacionais centrais” estavam sediados em Lisboa, Porto e Coimbra e eram os únicos onde se leccionava  o curso complementar de seis anos ( quatro de curso geral, com oito disciplinas, duas por ano, e dois anos de curso complementar, com cinco disciplinas anuais). Os “liceus nacionais” estavam sedeados nas restantes capitais de distrito. Apenas leccionando  os quatro anos do curso geral. As “escolas municipais secundárias” leccionavam apenas os dois primeiros anos do Curso Geral (1).

Na sequência dessa reforma, a Câmara Municipal de Torres Vedras pediu autorização para criara um escola de ensino secundário, requerimento concedido por portaria de 6 de Fevereiro de 1890, nos seguintes termos:

“Attendendo ao que me representou a Câmara Municipal da villa de Torres Vedras, pedindo a creação de uma escola municipal secundária na sede do conselho, na qual se ensinem as línguas portuguesa, franceza e inglesa, geographia e desenho, regidas por dois professores, cada um como ordenado annual de 400$000 réis.
“Considerando que a câmara requerente se obriga a contribuir com 600$000 réis para os ordenados dos professores, além de 300$000 réis para acquisição de mobília e objectos de ensino, 50$000 réis para gratificação do professor que exercer as funções de director, e mais 90$000 réis para vencimento do porteiro da escola, perfazendo a quantia de 1.040$000 réis em cada ano.
“Considerando que a mesma Câmara offerece, para estabelecimento e exercício da mesma escola um edifício adequado ao fim que se destina e a mobília e utensílios necessários;
“(…) Hei por bem decretar o seguinte:
“1ª É creada na villa de Torres Vedras uma escola municipal secundária, nos termos requeridos pela câmara municipal da mesma villa.
“2ª O provimento dos lugares de professor será feito pelo Governo.
“3º As alunos que pretendem frequentar a escola pagarão, em cada anno, de propina de matricula e exame, a quantia de 2$500 réis.
“O presidente do conselho de ministros, ministro e secretário de estado de negócios do reino, assim o tenha entendido e faça executar. Paço de Belém, em 6 de Fevereiro de 1890 – Rei – António de Serpa Pimentel” (2).

Criada a escola, os preparativos para o lançamento do primeiro ano lectivo levaram ainda vários meses, quer pela necessidade de contactar professores, quer para preparar as instalações.

A escola ficou instalada nos paços do concelho “na sala onde estava o tribunal, no andar nobre dos paços do concelho, passando as sessões judiciaes a celebrar-se no seu novo aposento do edifício da Graça (…)” (3).

Por portaria de 30 de Junho de 1890 eram finalmente nomeados os dois professores para leccionar na escola: João José Esteves, nomeado director e professor nas disciplinas de língua portuguesa, geografia e desenho, e Jerónymo Martins Pamplona Corte Real, professor de língua francesa e inglesa.

As matriculas estiveram abertas aos jovens torrienses entre 20 de Setembro e 4 de Outubro de 1890.

Ainda segundo os dados do jornal “A Semana”, os alunos matriculados distribuíram-se do seguinte modo:

Português – 14 alunos;
Francês – 13 alunos;
Desenho – 10 alunos;
Geografia – 1 aluno;
Inglês – nenhum.

A sessão de abertura decorreu em 9 de Outubro de 1890 e as aulas começaram no dia seguinte.

Em finais de Janeiro de 1891 a Câmara Municipal aprovou por unanimidade um pedido ao governo para transformar a escola secundária em liceu. Contudo, o pedido não foi atendido, pois, quando do seu encerramento em 1903, continuavam a leccionar apenas dois professores, o doutor Silvino Simões, sacerdote formado em letras que tinha substituído o primeiro director, e o professor Pamplona Corte Real que se mantinha no seu posto desde a fundação da escola.

À data do encerramento desta primeira tentativa de estabelecer uma Escola Secundária em Torres Vedras, a escola era frequentada pelos seguintes alunos: Carlos Manuel das Neves Barateiro, Francisco Teixeira, Henrique Maria Pedreira Vilela, José Maria Fialho de Carvalho, Leandro Teófilo da Cunha, Afonso Avelino Pedreira Vilela, Alberto Gomes Pedreira, António Casimiro Roque, Asdrúbal José Rodrigues da Silva, César António Maximino de Sant’Ana, António do Patrocínio Martins, João Rodrigues, Joaquim Ferreira da Encarnação, Joaquim Augusto Santos, Virgílio da Conceição Costa, António Manuel Freira Nunes, Absinto Ramires Ferreira Nobre, António dos Santos Vaquinhas, Francisco José Cláudio júnior, Francisco Maria Fialho de Carvalho, Joaquim José Paiva, José Augusto Guimarães Pinheiro, José Augusto de Almeida Trigueiros, José Henriques dos Santos, Joaquim António Rodrigues, Raúl Avelino Cardoso, Sabino Galrão, Victor Cesário da Fonseca, José Manuel da Fonseca, Guilherme Elias das Chagas, José Joaquim Pinto Monteiro, José Tito dos Santos (4).

Quais as razões que levaram os vereadores da câmara de Torres Vedras a pedir, em 1903, a extinção desta primeira escola secundária do concelho? A mesma pergunta foi feita pelo professor José Carvalho Mesquita, numa palestra proferida na sessão solene comemorativa da abertura das aulas da escola comercial António Augusto Cabral em 13 de Novembro de 1944:

“Alegava-se que a escola tinha fraca frequência. Não era bastante o argumento. O que a câmara devia fazer era procurar aumentar o número dos seus alunos. Sempre o mesmo critério estreito da pretensa economia. É preciso atender, sempre, a que a seara do ensino é, de todas, a mais ingrata. Atira-se a semente à terra e só anos volvidos, consumidas as energias dos semeadores é que a semente germina e acaba por frutificar” (5).

Mais incisiva foi a explicação dada por Victor Cesário da Fonseca, uma das vítimas daquela polémica decisão. Para ele, tal atitude ficou a dever-se à “influência Vesga e retrograda dos políticos de então”, e recordava mesmo “um diálogo conversado entre dois “luminares” torreenses que, na vida política da terra, desempenhavam então lugares importantes (um era o presidente da câmara, outro o chefe político progressista).

“Conversavam os dois à porta da Farmácia Cézar Simões, e este diálogo foi ouvido por quem no-lo contou. Dizia um  : “NADA, NADA! É PRECISO ACABAR COM A ESCOLA ( a que fecharam em 1903) SE NÃO ELES DAQUI A POUCO SABEM MAIS DO QUE NÓS” . A que o outro respondeu: “E NÓS PARA GANHAR ALGUM VINTÉM NÃO PRECISAMOS DA ESCOLA”. Pudera, eram burros, egoístas e ignorantes (…)” (6).

E foi assim a curta história da primeira escola secundária de Torres Vedras.

Apesar de todas as contrariedade desses primeiros tempos, a semente ficou e, após o advento da República, voltou-se a relançar o ensino secundário no concelho, inaugurando-se em definitivo uma escola municipal secundária em 1919, há cem anos.

Esta foi oficialmente inaugurada em 3 de Novembro de 1919, funcionando na Travessa da Olaria, da qual é herdeira a actual Escola Secundária Madeira Torres.

Mas esta é outra história que ainda está por contar.

Deixamos aqui alguns apontamentos para a construção desta história:

2 - A segunda Fundação da Escola Secundária Municipal – Breves apontamentos.
(ao fundo à esquerda, edifício onde funcionou, entre 1921 e 1984,  a 2ª Escola Secundária de T.Vedras, inaugurada em 1919)


Em 1918 Victor Cesário da Fonseca, que tinha frequentado a escola encerrada em 1903, republicano activo, e que sempre responsabilizou os monárquicos locais pela decisão daquele encerramento, iniciou uma campanha, nas páginas do jornal “Ecos de Torres” em defesa de se retomar o funcionamento de uma Escola Secundária.

Em sessão camarária  de Abril de 1919 o vereador José Anjos da Fonseca  propôs o lançamento de um imposto de 5% sobre as contribuições pagas pelas freguesias do concelho, proposta aprovada apenas pela diferença de um voto (7) , constituindo-se uma comissão instaladora que levou o projecto a bom termo.

Dessa comissão fizeram parte Afonso Pedreira Vilela, João Fernandes Caldeira, Victor Cesário da Fonseca, Joaquim Rodrigues Cardoso e António Germano Marques de Carvalho.

A nova Escola Secundária foi inaugurada em 3 de Novembro de 1919, provisoriamente num edifico da Travessa da Olaria, mudando-se em definitivo para o edifício localizado na Avenida 5 de Outubro, onde funcionam actualmente os serviços camarários, em 1921, edifício que então tinha apenas um andar.

Foi nomeado como seu primeiro director o professor Augusto do Nascimento Gonçalves, até então director do Instituto Politécnico de Torres Vedras.

Até 1923 os alunos não pagavam propinas.

No primeiro ano lectivo, o de 1919/1920, inscreveram-se 56 alunos, 26 no 1º ano, 12 no 2º ano, 6 no terceiro, 4 no 4º ano e 8 no 5º ano, entre eles algumas alunas, 15 no 1º ano, 2 no 3º ano e uma no 5º ano.

Entre os inscritos encontramos nomes que vieram a ser figuras proeminentes na vida cultural, social, económica e política de Torres Vedras : Alberto Vieira Jerónimo ou Galileu Silva, inscritos no 1º ano; Amílcar Guerreiro, Hélder dos Santos Torres, Inácio do Nascimento Clemente, José Hipólito e Manuel Duarte Capote, no 2º ano ou Leonel Trindade no 5º ano (9).

Em 1970, por ocasião do cinquentenário, e após intensa campanha iniciada no ano anterior nas páginas do jornal “Badaladas”, a Escola Secundária, tornou-se secção do Liceu Nacional D. Pedro V, deixando de ser o município a suportar financeiramente essa escola, o que permitiu uma redução das propinas pagas pelos alunos.

Contava nessa data com 19 professores e cerca de 400 alunos.

Em 12 de Outubro de 1971 o Conselho de Ministros aprovou um decreto que criou 21 liceus nacionais, entre os quais o de Torres Vedras, passando a escola secundária a denominar-se desde 1972 Liceu Nacional de Torres Vedras, abrindo uma secção na Lourinhã (8).

 Foi assim, no início da década de 70 do século passado, que  o “liceu” deixou de ser a escola elitista que tinha sido, para se “democratizar” e abrir à população que até aí tinha como única saída para os seus filhos o ensino técnico ou comercial, muito também devido à chamada reforma Veiga Simão, situação que levou a um grande aumento do número de alunos a frequentá-la.

No ano lectivo de 1971/1972 era frequentada por cerca de 54º alunos. No ano lectivo de 1973/1974 já a frequentavam mais de 800 alunos, ultrapassando o número de mil alunos nos anos seguintes.

Depois do 25 de Abril de 1974, passou a designar-se Escola Secundária nº2 e , em 2 de Abril de 1987, passou a designar-se Escola Secundária Madeira Torres, três anos depois de ter mudado para novas instalações, aquelas onde ainda hoje funciona,  a sul do Hospital.

(NOTA: A primeira parte deste texto teve origem num conjunto de trabalhos da minha autoria, editados nas páginas do  Badaladas em 1990, com o objectivo de historiar a origem da Escola Secundária Henriques Nogueira. Neste caso baseá-mo-nos no texto “O Nascimento do Ensino Secundário em Torres Vedras”, publicado por nós neste semanário em 30 de Março de 1990. Em 1997 foi publicado um estudo mais elaborado, melhor documentado e mais completo da autoria  da Drª Cecília Travanca, nas páginas do nº 6 da revista “Torres Cultural” (pp.48 a 55), intitulado “Primórdios do Ensino Secundário em Torres Vedras”).

(1)    – CARVALHO, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, 1986;
(2)    – A Semana, nº 155, 13 de Fevereiro de 1890;
(3)    – A Semana, nº 164, 17 de Abril de 1890;
(4)     [CUNHA, Dr. João Carlos],“Cinquentenário da Escola Secundária Municipal – Recordar é viver”, in Badaladas nº 706 de 5 de Julho de 1969;
(5)    – MESQUITA, José Carvalho, História do Ensino Secundário em Torres Vedras, 1969;
(6)    – FONSECA, Victor Cesário da . Retalhos Para a História de Torres Vedras, ed. Associação da Defesa do Património de Torres Vedras, 1979;
(7)    – PEREIRA, Dr. Paulino, “Porque se espera para planear a comemoração do cinquentenário da Escola Secundária ?”, in Badaladas, de 26 de Abril de 1969;
(8)    – in “Badaladas” de 16 de Outubro de 1971;
(9)    – Livros de Matriculas da Escola Secundária existentes no Arquivo Municipal de Torres Vedras.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Ainda o 40º aniversário da CCC : um texto de Aurelindo Ceia


    "ÁREA, BREVE HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA

por AURELINDO CEIA

    "Estávamos em finais de 1978. O Portugal democrático estava em plena construção, num  processo onde se cruzavam realizações, contradições, insuficiências e desejos – esbracejando na aprendizagem (teórica e prática) do viver em liberdade.

   "Este processo, depois de quatro décadas do fascismo lusitano, veio a revelar-se bem mais difícil do que a simples vontade de o concretizar. Muitas alegrias, no meio de inúmeras decepções.

 "Demora a aprender o modo de passar do sonho à realidade, porque a liberdade tem que ser arduamente construída, nunca nos é ofertada numa embalagem fácil. E é condição necessária à democracia, mas não suficiente.

  " O 25 de Abril cavou muito sobre a nossa alegria ingénua e sobre as nossas fragilidades. Sair de quatro décadas de obscurantismo implica longas marchas em vias abertas na esperança, mas detrás de cujas margens começaram logo a emergir monstros diversos para assalto ao poder. Isto para além do ressabiamento e desejo de vingança dos vencidos, súbita e inesperadamente despojados das benesses e dos longos banquetes da ditadura salazarenta.  
   
   "No dia 22 de Setembro de 1978 dezoito jovens reuniram na praia de Santa Cruz, em casa do Fernando Mouro e da Manuela Ribeiro, com o objectivo de fundar um jornal.

  " Parecia fácil. Era, pelo menos bem intencionado – concretizar algo para poder partilhar com os outros as alegrias, as críticas e as expectativas da revolução de Abril, quatro anos depois.

  " Ainda não era bem um jornal – a ideia era mais a de uma “revista”, não se temiam quaisquer obstáculos. Todos se dispuseram a colaborar nas diferentes secções de trabalho. A coisa era ambiciosa: desde a história e a educação, até à música, literatura, cinema, ecologia, religiões fotografia, psicologia, sociologia política, teatro, saúde... Só.

 "  Primeira decisão: organizar um grupo para marchar até Lisboa, onde se realizariam contactos com agências publicitárias, gráficas, distribuidoras, sindicato dos jornalistas. Objectivo: perceber as condições concretas para começar a construir um edifício com estruturas sólidas.

  " Na segunda reunião, uma semana depois, analisaram-se as informações colhidas e percebeu-se que não adiantava avançar nada por fora, sem estruturar a ideia por dentro.

 "  Objectivos aprovados para a (ainda) revista? Primeiro: ter como alvo a “população do distrito de Lisboa, especialmente região do Oeste”. Restantes: complicado, seriam discutidos na reunião seguinte.

 "  Entretanto, achou-se por bem consultar a “lei de imprensa” e, no terceiro encontro (6 de Outubro), as catorze pessoas então presentes debateram os erros a evitar, abordaram algumas alternativas e tentaram distribuir os colaboradores pelos principais temas entretanto afinados.

  " A 10 de Outubro foi enfim possível encontrar os responsáveis pelos assuntos principais: criatividade, direito à diferença, informação, teatro, sociedade em análise, bd, música...

  " Será interessante que se mencionem alguns dos nomes que resistiam então desde a primeira hora: Fernando Mouro, Manuela Ribeiro, Venerando António, Guilhermina Pacheco, Armando Jorge, Joaquim Esteves, Carlos Ferreira, Jorge Vareda, Travanca Rodrigues, Jorge Barata, Constância Bataglia, Luis Filipe Rodrigues, o Ceia na parte gráfica. Outros se lhe vieram juntar, como o Vitor-Luis Grilo (primeiro director indigitado, que recusou por, aparentemente, não lidar muito bem com o razoável granel naturalmente instalado) e o José Eduardo Miranda (que viria a ser o primeiro director).

 "  A ideia da revista desaparece das actas e, a partir de 18 de Outubro já se fala de “jornal”.

 "  Um ano correrá ainda, antes do primeiro número sair dos prelos, em Novembro. Entretanto, o trabalho não pára. Duas questões importantes surgem. Uma, o contacto com a imprensa próxima, “Oeste Democrático”, “Badaladas” e “Gazeta das Caldas”.

"Outra: “questões relacionadas com objectivos e viabilidade técnica e financeira da publicação”.

"Pequenas coisas, não é? O entusiasmo não esmorecia, talvez porque o mundo da realidade estava ainda muito embalado no mundo dos sonhos. Mas, pergunta-se: não é assim que deve ser? De outro modo, como avançar, como progredir, como inovar? E foi isso mesmo que o futuro ÁREA procurou fazer, em boa parte o tendo conseguido. “Viabilidade financeira”? Claro que havemos de lá chegar! Pensar, escrever, paginar, editar, administrar, distribuir, vender – isso tudo se conseguirá, verão! A verdade é que, nos primeiros tempos, o núcleo de trabalho inicial, com mais uma ou duas aquisições, o conseguiu fazer.

   "Ainda se não mencionou outro aspecto. Quem ou que organização assumiria a propriedade legal da publicação? Achou-se que este problema seria resolvido com a criação de uma Cooperativa cultural – que vem a denominar-se “Cooperativa de Comunicação e Cultura” (1).

  " O título do jornal começou a ser debatido nas primeiras reuniões de Novembro.

  " Avançam-se, em jeito de curiosidade, com alguns dos nomes, dos mais de três dezenas sugeridos e sujeitos a votação do grupo: Novoeste, Encontro, Diálogo, Interoeste, Ensaio, A Palavra, Novos Caminhos, Evolução, Pesquisa, Novo, Oeste Regional, Fase 1, Gazetilha, Espaço, Terra Cultura, Terra Nova...

 "   Um nome – ÁREA – curiosamente, nunca foi mencionado e não aparece nas hipóteses em discussão registadas nos papéis do Venerando, mas veio a ser o escolhido numa reunião em que foi proposto pelo A. Ceia, que entretanto já apresentara uma maquette para a capa. Será aqui justo que se registe ter o José Pedro Sobreiro sido entretanto proposto pelo Vitor-Luis Grilo para responsável gráfico, ideia que não chegou a vingar.

"   A Cooperativa assumiu o papel de suporte legal do jornal e passou a promover diversas actividades culturais, para apresentação da ideia à comunidade. A primeira realiza-se em 18 Novembro de 1979, já com Torres promovida a cidade, para lançamento do número 1 do ÁREA – “1º. Passeio de Domingo - Um itinerário histórico em Torres Vedras”, liderado por Cecília Travanca e Manuela Ribeiro.

  " O jornal insiste numa tonalidade local, aberta à modernidade e à diversidade cultural. O número inaugural publica uma extensa mesa redonda (5 páginas) – “Torres Vedras, Cidade / Novos Rumos, Velhos Problemas”, na qual participam Alberto Avelino, António Augusto Sales, Filomena Moura Guedes, José António Gomes e Padre José Manuel. Durante muito tempo o público se interrogou, perplexo sobre “quem estaria por trás deste arraial de putos” – isto é: que partido movimentava estas tropas? Nunca o desvendaram, pela elementar razão de não haver nenhum! Os jovens (na maioria estudantes e professores) queriam agir, com prazer e sentido cívico, apenas. Pena que o tal pormenor “viabilidade financeira” tenha sempre sido encarado com excessivo optimismo (sejamos simpáticos). Após a saída dos dois primeiros números o gerente da tipografia “Sogratol” mandou parar as máquinas, face às dificuldades em resolver a factura da respectiva produção.

  " As coisas depois equilibraram-se, porque a direcção da Cooperativa conseguiu encontrar uma gráfica alternativa (a Grafibom, do Bombarral) e reunir fundos que fossem permitindo aguentar uma publicação mais ou menos periódica. O jornal, “mensal”, publicaria até Junho de 1981 treze edições... Nesta altura assiste-se a uma cisão dentro do pessoal que fazia e vendia o jornal, e que era, em boa parte, pessoal da Cooperativa. O seu director, José Eduardo Miranda, publicou então um Editorial (assinado, ironicamente, por “Os putos do ÁREA”), onde dizia, despedindo-se até Outubro: “Aliás, só nos lê quem gosta, quem quer, quem pode. E, quem gosta, quer. E como ‘querer é poder’, somos um jornal difícil para toda a gente.”

 "  O número seguinte sairia em... Junho de 1982, dirigido agora por Luis Filipe Rodrigues.

"   Número 15, Junho 1983; número 16, Novembro 1984; número 17, número 17, Abril 1990, número 18, Novembro 1999; número 19, Outubro 2009...

  " Esta sequência diz tudo sobre a morte lenta – adiada – de um projecto editorial cujas bases amadoras não foram suficientes. O entusiasmo precisava de estrutura. Esgotou-se. A soma das ideias e dos sonhos sucumbiu à dureza da realidade e, sejamos claros, à inexistência de uma orgânica profissional. Há quem opine que o esforço feito para desenvolver o programa cultural da Cooperativa terá matado o projecto jornalístico. Na realidade, os activistas eram basicamente os mesmos. A verdade é que a Cooperativa foi crescendo, até à construção de uma sede e do seu “Centro de Cultura Contemporânea” e a sua dimensão e perspectivas foram também criando contradições internas, algumas insanáveis. Hoje, o projecto cultural para Torres Vedras mantém-se e foi acrescentado de novas instalações e novos objectivos com a “Câmara Escura”, trabalhando na área da fotografia contemporânea, em torno de (outro) grupo de jovens entusiastas.

 "  Quarenta anos se passaram. A sede da Cooperativa de Comunicação e Cultura, na rua da Cruz, continua aberta e as actividades sucedem-se, em menor número que há dez, vinte, trinta anos, mas prosseguindo uma ideia teimosa: criação de um clima cultural.

 "  Torres Vedras, mesmo que o não queira ou não saiba, merece o trabalho inovador destes novos putos...

 "  (1)  Designação sugerida por Aurelindo Ceia
  
"   Nota:
   Este texto foi escrito a partir dos apontamentos e actas das reuniões, recolhidos por Venerando António".