quarta-feira, 24 de abril de 2019

O fim do Estado Novo e o 25 de Abril de 1974 em Torres Vedras


(Torres Vedras, 26 de Abril de 1974, manifestação de apoio ao MFA - Fotografia de Ezequiel Santos)


SÓ O POVO PODE SALVAR O PAÍS – afirmou o candidato Manuel Fernandes na sessão da C.D.E. em Torres Vedras”.

Era esse o título de primeira página, em grandes letras vermelhas, do jornal “República”, de 9 de Outubro de 1973, acompanhado de uma fotografia que mostrava um sala cheia, referindo-se ao comício da oposição realizado no Teatro-Cine de Torres Vedras, na véspera, à noite.

Decorria a campanha para as eleições da Assembleia Nacional.

Então, ao contrário do que tinha acontecido em 1969, a oposição concorria unida, sob a sigla de CDE (Centro Democrático Eleitoral).

Acrescentava o citado jornal que aquela “foi uma das mais acidentadas reuniões de esclarecimento do eleitorado, devido à presença, no palco, ao lado do representante da P.S.P., do vice-presidente da Câmara Municipal, sr. Vitor Oliveira Santos”.

Também o jornal “Diário de Lisboa”, na edição do mesmo dia, mas em página interior (página 11)  noticiou aquele comício e os respectivos incidentes :

“Logo no início, a autoridade governamental, representada pelo vice-presidente da câmara, capitão Victor Henriques e o tenente Maçarico da secção da PSP de Loures, exigiram que os candidatos se identificassem , insistindo que não seria permitido o uso da palavra a quem não estivesse dentro daquela qualidade”.

A sessão foi presidida por Sara de Oliveira Tomás dos Santos que, antes do inicio da sessão pediu um minuto de silêncio em memória do Governo de Unidade Popular do Chile, derrubado, menos de um mês antes, em 11 de Setembro de 1973, por um golpe militar liderado por Augusto Pinochet.

Gonçalves André foi o primeiro orador, falando da politica sindical, acusando o governo de não seguir as normas da OIT.

Carlos Carvalho foi o orador seguinte, que começou por ler um documento do sector dos metalúrgicos da CDE.

Em seguida, Helena Neves leu o texto de Sottomayor Cardia, presente mas impedido de discursar, pelas razões acima referidas, o que provocou uma primeira intervenção das “autoridades” que tentaram impedir a continuação da sessão.
(Comício do CDE em Torres Vedras. Arquivo da Fundação Mário Soares)

No palco assistiu-se a uma cena quase caricata em que o vice-presidente tentava fazer baixar o pano de palco e os oposicionistas procuravam impedi-lo, cena que não é descrita na reportagem devido à acção da censura e que levou as autoridades a abandonarem a sessão.

“Acalmados os ânimos”, foi dada a palavra ao candidato Francisco Manuel Fernandes, criticando e denunciando as prisões e perseguições de que estavam a ser vítimas os apoiantes e  candidatos da oposição desde o inicio da campanha eleitoral, seguindo-se mais três intervenções, a de Helena Neves, sobre a situação da educação, a de António Abreu, sobre a situação da juventude e, a encerrar, Gonçalves André leu a intervenção de Blasco Fernandes sobre a situação agrária, encerrando-se o comício às 24 horas.

Ao saírem da sala, os presente depararam-se com a policia de choque perfilada no passeio fronteiro ao Teatro-Cine, mas não se registaram mais incidentes nesse dia. Dias depois o vice-presidente da Câmara, que esteve no centro daquela cena, pediu a demissão do cargo de vereador.

(Comício do CDE no Teatro Cine, 9 de Outubro de 1973. Jornal "República") 

Realizaram-se mais dois comícios da oposição em Torres Vedras, um em 19 de Outubro, que mereceu novamente honra de fotografia de primeira página no jornal “República” de 20 de Outubro.

Esta sessão decorreu sem incidentes, devido à presença de duas equipas de televisão estrangeiras, uma holandesa e outra alemã, sendo esta, segundo aquele diário, “a sessão até agora mais televisionada da campanha eleitoral”.

Aquele jornal estimava a presença de cerca de mil e quinhentas pessoas na sala do Tetro-Cine.

A mesa foi presidida pelo candidato Francisco Manuel Fernandes, que começou por ler duas moções de apoio ao jornal “República”, uma de um “grupo de democratas presentes à sessão” e outra da “Comissão de Metalúrgicos de Torres Vedras”.

Seguiram-se as intervenções de Pedro Coelho, que exigiu uma amnistia “para os presos políticos”, de Manuel Fernandes, sobre a situação da educação, João Sequeira Branco, abordando, entre outras, a situação sindical, e, a encerrar José Manuel Tengarrinha que falou da situação económica.

A presença de televisões estrangeiras foi o factor que permitiu que esta sessão decorresse sem incidentes e quase sem censura, porque era preciso dar uma imagem de normalidade para a Europa.

Foi sol de pouca dura.

No dia 24 de Outubro a oposição decidiu que não existiam condições para concorrer a mais uma farsa eleitoral do Estado Novo, decisão apoiada por figuras como o próprio Sá Carneiro, em entrevista ao jornal “República “ em 26 de Outubro, deputado da “ala liberal” da legislatura anterior, que entretanto se tinha demitido em rota de colisão com o marcelismo.

Nalguns pontos do país, no último dia de campanha, dia 25 de Outubro, como aconteceu em Torres Vedras, registaram-se confrontos com a policia de choque, que impediu a realização de comícios da oposição.

A última sessão pública da CDE em Torres Vedras teve lugar nesse dia 25, num espaço improvisado de uma garagem num prédio em construção, no inicio daquela que veio a ser a Avenida Humberto Delgado, sessão violentamente interrompida quando se começou a ler um texto contra a guerra colonial, gerando fugas apressadas à frente da policia de choque pela rua Henriques Nogueira abaixo.

Para muitos, a campanha de 1973, que marcou em definitivo a falência e o fim da ilusão da “primavera marcelista”, foi o inicio do envolvimento politico na oposição e, no caso de Torres Vedras, foi evidente o crescimento de actividades contra a ditadura, como aconteceu nas reuniões clandestinas de apoiantes do CDE que, até ao 25 de Abril, se realizavam regularmente, aos Sábados, em casa do Francisco Manuel Fernandes, num anexo a dar para a rua 1º de Dezembro, nas traseiras da farmácia “Torreense”.

Nessas reuniões conheciam-se e discutiam-se as notícias do país e do mundo que não chegavam à opinião pública devido à acção da censura, mas que se tentava divulgar junto da população,  em folhetos impressos em setencil, distribuídos clandestinamente nas escolas, nas ruas e nas empresas.
(folheto clandestino a exigir a libertação do torrienses Pedro Fernandes, um dos últimos presos da prisão de Caxias a ser libertado depois do 25 de Abril)

Dessas reuniões saíram também as nomeações para a formação de núcleos estudantis para dinamizarem as actividades da oposição no Liceu e na Escola Técnica, sendo a primeira vez que tal aconteceu naquelas escolas torrienses.

Além da acção clandestina do núcleo local da CDE, deu-se um crescimento da actividade associativa que tentava romper com a censura e apresentar novas perspectivas culturais que “agitassem” o marasmo dominante, como aconteceu no rejuvenescido Cineclube ou no Clube Artístico e Comercial.

António Augusto Sales  traçava um retrato do concelho em 1973:

“TORRES VEDRAS: 15000 habitantes na vila e 60 000 no concelho (...) 412 km de rede de comunicações; 68 000 000 de litros de produção vinícola, 10 000 000 kg de trigo, 14 000 000 kg de batata; um comércio poderoso e uma indústria em desenvolvimento; [a Casa Hipólito empregava então 1028 pessoas] 4000 alunos diariamente nas escolas da vila”.

Estes eram alguns dos índices que caracterizavam a então vila de Torres Vedras, uma comunidade a quem faltava “o golpe de asa que torna perenes ou inesquecíveis as iniciativas. Aquele tipo de vontade colectiva que ergueu uma Colónia Balnear Infantil, uma Física, um Cineclube e que, ainda hoje, realiza um Carnaval. O que acontece para lá da rotina é fruto de vontades isoladas e surge como sucesso do acaso. A carcaça está vazia de humanismo e de interioridade. Onde está o rasgo, a lucidez, a alegria, a juventude que transforma as pequenas coisas oferecendo-lhe um significado social duradoiro? Onde está o futuro e que futuro?” interrogava-se, António Augusto Sales, sobre Torres Vedras, uma terra para quem “até os jovens abdicam à nascença” (1).

No início de 1974, eram mais as duvidas que as certezas, perante a evidente derrocada da chamada primavera marcelista, o arrastar, sem soluções, da guerra ultramarina, e o ainda quente e frustrante processo eleitoral de 1973.

Num ano marcado pela crise económica, evidente nas restrições impostas ao uso da gasolina e no seu aumento de preço, notava-se um crescente mal-estar na sociedade portuguesa. Nem a censura conseguia disfarçar a falência do regime.

O debate sobre o IV Plano de Fomento, para vigorar de 1974 a 1979, permitia alguma intervenção crítica que deixava passar algum descontentamento sobre a realidade torriense.

O Dr. Afonso de Moura Guedes, num arti­go intitulado “Torres Vedras - o desenvolvimento que não se fez” (2), interrogava-se porque razão tinha sido o desenvolvimento de Torres Vedras marginalizado naque­le Plano, e concluía:

“Administrar, aos tem­pos que correm, exige lar­gueza de perspectivas, imagi­nação, capacidade criadora, ia a dizer audácia(…).

“Em relação ao nosso meio local, creio que, tudo isso, teria exigido a realiza­ção prioritária de três polí­ticas globais: uma política urbanística e de solos; uma politica rodoviária; uma política industrial.

“Uma politica urbanísti­ca e de solos que, corajosa­mente, pusesse cobro ao que há de sufocante e de caótico no desordenado crescimento da vila e a essa vergonhosa especulação de terrenos, que aqui ocorre, sacrificando toda a população ao proveito de muito poucos.

“Uma política rodoviária que estabelecendo toda uma rede efectiva de ligações, no espaço inter-regional, permitisse uma cómoda e rápida circulação interna, de pessoas e de mercadorias, assegurando, deste modo, a Torres Vedras, a posição, a que tem direito, de pólo de desenvolvimento do Oeste.

“Uma política industrial que, começando por definir uma zona industrial, soubesse ordenar, depois, toda a estratégia conjugada de acções, susceptíveis de criarem condições favoráveis à implantação de novas indústrias, no nosso meio(…).

“Pois foi isso tudo o que não se fez, conto reflecte o Plano de Fomento. O desenvolvimento que não se fez. Que não se soube construir como projecto de futuro. O comboio que mais uma vez se perdeu”.

Logo no inicio de 1974 um novo acontecimento fez regressar a Torres Vedras a policia de choque e um vasto aparato policial, raro por estas bandas, mesmo nos tempos áureos da decadente ditadura.

O motivo do aparato policial, desta vez junto ao cemitério de S. João, foi a romagem à campa do antifascista, tarrafalista e militante comunista, natu­ral de Paul, Fernando Vicen­te, que se realizou em 20 de Janeiro de 1974.

Surpreendentemente, o convite para que o povo de Torres Vedras participasse nessa Homenagem foi pu­blicado nas páginas do jornal “Badaladas”:

“Ali, entre ciprestes, pe­las 11 horas do dia 20 de Janeiro, num minuto de re­colhimento, a vida não pa­recerá aquele vazio do quo­tidiano, sem ideais, apenas virada para a materialida­de da exixtência.

“Fernando Vicente mere­ce a simples homenagem póstuma que lhe vai ser tri­butada” (3).

Foram alguns os torrienses com coragem para com­parecer, mesmo assim menos que os “pides” e polícias de choque, presentes por “razões” diferentes.



Também as escolas se­cundárias do concelho co­nheciam pela primeira vez al­guma agitação através da distribuição clandestina de propaganda política e de pichagens nas paredes com frases contra a guerra e contra a ditadura, motivando interrogatórios a alunos e professores “suspeitos” e a intervenção de elementos da PIDE na vida escolar. Terá mesmo sido elaborada uma lista para efectuar prisões em 1 de Maio, o que só não aconteceu graças ao 25 de Abril.

Nas páginas do “Badaladas” eram cada vez mais frequentes os textos que, utilizando a necessária subtileza para escapar à censura, iam revelando os “podres” do regime:

“Espectador (não comparsa) das Ténues mudanças que se vão operando nesta terra parada no tempo, sobretudo no campo ainda inexplorado do sócio-político (nota que deixo de lado o económico) olho à minha volta num desencanto quase doentio. A manta de retalhos que é Torres Vedras moderna vai crescendo caoticamente sem rei nem roque, desenquadrada dum plano de urbanização inexistente. Creio que já te disse por outras palavras esta mesmíssima coisa.

“A cegueira dos homens, os interesses de alguns grupos, a tenacidade doentia e repetida de certos nomes que hão-de passar à história local como os coveiros de uma terra que merecia melhor sorte, cheira-se, apalpa-se, sente-se no ar que se respira, discute-se em surdina às mesas dos cafés” (4) .

Nomes como Venerando Ferreira de Matos, o autor das palavras acima transcritas, mas também um João Carlos, um António Augusto Sales, um Andrade Santos, os irmãos Afonso e  Ruy de Moura Guedes, os irmãos António e Mário de Sousa Dias, um António Leal d’ Ascensão, um Victor Cesário da Fonseca e mais alguns (poucos) outros,  sempre incentivados pelo Padre Joaquim Maria de Sousa, director e fundador do “Badaladas”, estavam cada vez menos solitários nesse ano de 1974 no uso dessa arma que era a escrita, para enfrentarem o regime.

Chegados ao mês de Março, o Dr. António de Sousa Dias transcrevia para as páginas do “Badaladas” algumas linhas do livro do General Spínola “Portugal e o Futuro”, grande tema de discussão nesses últimos meses de vida do velho regime, livro cuja edição mereceu, uma montra especial na Galeria 70, livraria dirigida por Cristina e Armando Pedro Lopes, local muito frequentada por oposicionistas e onde se realizavam regularmente colóquios, exposições e outras actividades de cariz cultural, sendo por isso regularmente “visitada” pela PIDE, que se refere a esse espaço em vários relatórios internos .



Nesse ambiente, foi sem grandes surpresas que, numa reunião clandestina do núcleo local do CDE, realizada em casa do Francisco Manuel Fernandes, alguns jovens oposicionistas tomaram conhecimento e acompanharam os acontecimentos do falhado golpe militar das Caldas da Rainha, nesse sábado 16 de Março.

Para quem estivesse atento ao que se passava à sua volta era evidente, a partir daí, que o derrube do Estado Novo era uma questão de  tempo.

Na noite de 24 de Abril, alguns foram para casa tardiamente, depois de assistirem a mais uma sessão do cineclube no Teatro-Cine, o filme de Jerry Lewis “O morto era outro”, longe de imaginarem o que se preparava para essa madrugada.

Muitos foram acordados por amigos e familiares que, ao levantarem-se para mais um dia de trabalho, ouviram as primeiras notícias do golpe militar nos aparelhos de rádio.

Outros só souberam o que se passava quando chegaram à escola ou ao local de trabalho.

(1ª Página do "Badaladas" publicado sem censura)

O dia foi longo, seguindo-se avidamente as notícias pela rádio, comprando as primeiras edições especiais dos jornais que íam chegando, ao mesmo tempo que iam correndo muitos boatos sobre a origem da acção militar.

A televisão só iniciou a sua emissão pelas sete horas da tarde.

Em Torres Vedras, nessa noite, realizou-se um primeiro comício no Largo da Graça, promovido pelo MDP-CDE, onde ainda se manifestava algum receio sobre o desfecho do movimento militar.

“Quando olho o longo caminho percorrido cheio de ásperos revezes, perseguições e mediocridades, quando, subindo ali ao Forte, te contemplo crescendo em todos os sentidos caoticamente envolta pelo desprezado Sizandro; quando imagino o que és e o que poderias ter sido, eu me entristeço, Torres Vedras.

“Vila verde, pintada a esperança pelos vinhedos, doirada pelo recorte ímpar da tuas penedias bravias em Santa Cruz; retalhada impiedosamente pelos crimes do mau urbanismo imposto por certos conhecidos pimpões ultramontanos, quase te desconheço Torres Vedras.

“Vila cansada por anos  e anos de paz podre, das divisões estéreis às mesas dos cafés, onde raramente qualquer pedra agitava a calma estagnação dos teus sonhos adormecidos, pálida vila estremenha onde através da inoperância de um arranjismo organizado ias crescendo angustiada sob um colete de forças tecido de mentiras, ameaças e subornos, Torres Vedras.

“Hoje és livre!

“À tua frente abre-se luminoso mas cheio de dificuldades, o Caminho do Futuro que só o teu povo unido, sem privilégios, sem castas de qualquer espécie, sem constrangimentos de qualquer ordem cumpre edificar.

“Terás de escolher entre os melhores ( e não entre os eternos “terratenentes”), entre os de mãos limpas e incorruptos, os teus futuros dirigentes.

“Dezoito freguesias de nível económico baixíssimo não têm estradas, nem água canalizada, nem instalações escolares adequadas, nem lares para estudantes, nem jardins-infantis, nem árvores sequer, nem turismo ou infraestruturas” que o valham.

“Quantos milhares de contos delapidados em projectos sumptuosos de fachada que o teu povo simples, paciente, humilde, arroteando de sol a sol a gleba, pagou ao longo de tantos anos improdutivos do passado? Quantos, Torres Vedras?

“Mas agora és livre TORRES VEDRAS” (5).

A grande manifestação de alegria e de apoio aos militares teve lugar na tarde de 26 de Abril, com um grande desfile que percorreu as ruas de Torres Vedras, tendo muitos nessa noite ido para Peniche assistir à libertação dos presos  políticos , que só se concretizou na madrugada do dia 27.

“Em 26 de Abril quando ali na Avenida 5 de Outubro o Povo bom e simples de Torres Vedras dava largas à sua alegria verificou-se a sua maturidade, devoção e patriotismo.

“Maturidade que sempre foi negada por aqueles que nem sempre serviram com dignidade os seus postos. Antes pelo contrário deles se servindo para os seus interesses pessoais.

“Nem um vidro foi partido, nem um individuo foi maltratado, nem um único incidente se assinalou.

“Afinal o poder não caiu na rua!

“Vamos pois, agora, torrienses passada a onda de júbilo emocional que a todos nos avassalou assumir a nossa responsabilidade de homens autenticamente livres, na dignidade e na responsabilidade, esquecendo rancores, mas denunciando quanto possa contrariar a irreversível marcha da revolução do Movimento das Forças Armadas.

“Vamos viver finalmente com os olhos postos nos nossos filhos que são o teu próprio futuro – TORRES VEDRAS” (6). 


(Manifestação de 26 de Abril. Fotografias  de Ezequiel Santos)


Em 27 de Abril, três dos presos libertados foram recebidos em festa no Largo da Graça. Nesse mesmo dia uma força do MFA veio a Torres Vedras para ocupar as instalações da Legião Portuguesa, no edifício onde veio a funcionar a Creche do Povo (ao lado do Teatro-Cine), prender o “chefe” local da PIDE e desarmar a GNR.


(Fotografias da libertação dos presos politicos de Peniche tiradas pelo fotógrafo torriense Ezquiel Santos na madrugada do dia 27 de Abril de 1974)


A 28 de Abril, na sala do CAC, reunia-se a Comissão Concelhia da CDE, inician­do-se aí a transferência do poder concelhio para as for­ças democráticas, da qual saiu uma primeira comissão, composta por 49 cidadãos, para preparar essa mudança política e um manifesto ao povo de Tones Vedras, onde eram abordadas algumas das situações mais gravosas para o concelho, herdadas do regi­me deposto:

“Os graves problemas sempre adiados e jamais re­solvidos, como os da electri­ficação, distribuição de água canalizada, abertura de caminhos e estradas nas aldeias e aglomerados do Concelho, ou de um plano de urbanização jamais pos­to em execução, jamais cumprido, com relevância para o tráfico de imóveis feito por uns tantos que sempre se serviram das Câ­maras Municipais no seu directo interesse pessoal, o acumular de desonestas ri­quezas pela valorização ar­tificial de terrenos (por exemplo os de Santa Cruz), pelas “prioridades” dadas ao asfaltamento de estradas e ruas onde os apaniguados do regime tinham as suas moradias e interesses parti­culares em detrimento dos interesses colectivos; (...) a poluição do Sizandro lesiva do interesse das populações, com relevância para as de Runa, em que certas empresas particulares têm graves responsabilidades de conivência com organismos “ainda” oficiais;(...)” (7) .


(Documentos saidos da reunião no CAC de 28 de Abril. Arquivo do autor)

O 1º de Maio foi outro momento de apoio popular ao Movimento das Forças Armadas, desfilando os torrienses pelas ruas da vila e concentrando-se frente à antiga sede da Física (no actual edifício da Câmara Municipal) e onde tomara a palavra, na varanda superior desse edifício “Venerando de Matos, Raimundo Portas, um membro do Partido Comunista libertado recentemente, Dr. Afonso de Moura Guedes, um representante de um grupo de trabalhadores comunistas, Dr. Rui de Moura Guedes, um representante dos professores, João Carlos, um representante Sindical, um representante trabalhadores, um representante de jovens estudantes, um soldado das Forças Armadas, um representante de senhoras torrienses e por último Francisco Manuel Fernandes membro do CDE e ex-candidato a deputado pela oposição nas últimas eleições (…)” (8).






(Manifestação do 1º de Maio de 1974 em Torres Vedras. Fotografias de Ezequiel Santos)

Entretanto a comissão concelhia, saída da reunião de 28 de Abril tinha a incumbência de organizar uma assembleia popular para nomear uma comissão provisória que dirigisse os destinos do concelho até uma futura e previsível eleição democrática, assembleia que teve lugar no dia 12 de Maio de 1974 no Estádio do Torreense, na presença de cerca de duas mil pessoas.
(convocatória para a assembleia popular de 12 de Maio. Arquivo do autor)

Tomaram a palavra nesse plenário Francisco Manuel Fernandes, António Leal da Ascensão, João Capão, José Manuel Gomes de Almeida, Sara de Oliveira e José Amado, abrindo-se depois a possibilidade de usarem da palavra outras pessoas da assembleia que o quisessem, falando então Venerando Ferreira de Matos, Orlando Guerra, Joaquim Augusto da Silva, Andrade Santos, entre outros.

Como referimos acima, um dos objectivos dessa assembleia foi a aprovação de uma comissão provisória para dirigir o município, sendo na ocasião posta “à votação um por um, todos os dezoito membros nomeados pela C.D.E. para tomarem parte na gerência provisória da Câmara Municipal”.

Os nomes aprovados foram:

António Leal da Ascensão, Artur dos Reis, Francisco Manuel Fernandes, José do Nascimento Veloso, José Sérgio Júnior, Manuel Carlos da Silva Penetra, Engº Orlando Godinho, Regina Fernandes, Victor Agostinho, Marcos dos Santos Ferreira, João Carlos, Joaquim Aurélio Ferreira, Carlos Augusto Bernardes, Duarte Nuno Clímaco Pinto, Maria Adelaide dos Santos Pereira, dr. António de Sousa Dias, António César Rodrigues e António Ferreira de Castro (9).

Dois dias depois, 3ª feira 14 de Maio, com a presença de um delegado da Junta de Salvação Nacional, capitão Vítor Manuel Ribeiro, teve lugar, na sede local do CDE, ocupada em 26 de Abril e localizada na antiga sede da ANP, a constituição da comissão administrativa municipal que substituiu oficialmente a ultima  Câmara nomeada pelo Estado Novo.

Nessa mesma sessão, por sugestão do delegado da JSN, a  comissão de 18 membros foi reduzida para 9 elementos que ficaram a constituir o elenco da Comis­são Administrativa Munici­pal, sendo eleito para a presi­dir Francisco Manuel Fernandes, coadjuvado por António Leal d’Ascensão, Jo­ão Carlos, José do Nascimen­to Veloso, Duarte Nuno Pinto, Manuel Carlos Penetra, José Sérgio Júnior, Marcos Santos Bernardes e Carlos Augusto Bernardes. Esta comissão ad­ministrativa tomou posse do seu cargo em 15 de Maio no Governo Civil de Lisboa e reuniu oficialmente pela pri­meira vez em 20 de Maio.
(reprodução de uma fotografia publicada no "Badaladas" da 1ª reunião da Comissão administrativa, fotografia do Salão Fotográfico)

A transição do poder concelhio não foi isenta de conflitos e situações caricatas.

Logo a 29 de Abril, o executivo camarário da ditadura, ainda em funções nessa data, reuniu-se e apro­vou, numa manobra de puro oportunismo político, uma moção de adesão ao progra­ma da Junta de Salvação Na­cional, atitude logo aí denun­ciada por vários torrienses que assistiam a tão caricata reunião.

Nessa reunião digladiaram-se duas “facções”, a do presidente em exercício à data do 25 de Abril (Joaquim Pedro Belchior Fernandes), e outra liderada por vereadores que tinham vindo da “SEDES” local (ou como tal autodesignados), tendo à cabeça o vereador José de Oliveira Guia.

O presidente, sem consultar a restante vereação, tomou a iniciativa de contactar “com o seu superior hierárquico – Governador Civil em exercício- tendo recebido deste a confirmação de que deveria continuar no exercício das suas funções, assegurando o regular funcionamento da Administração Local”.

A “facção” liderada pelo Engº. Guia defendia “uma deslocação conjunta da vereação e Presidência, a fim de estabelecerem contacto directo com a Junta de Salvação Nacional. Objectivo: colocar os seus lugares à inteira disposição da Junta, já que nenhum de nós, vereadores, sentia e sente que o mandato em que estamos investidos tenha sido conferido pela via democrática que inspira o programa do Movimento das Forças Armadas”.

Face a essa situação, decidiu-se nessa mesma reunião pela manutenção da Câmara “enquanto não for assegurado, por via legal a instauração de uma verdadeira disciplina democrática na Administração Municipal:- a começar pela eleição do presidente e da vereação por sufrágio directo dos munícipes” (10).

Este estratagema foi, contudo, como vimos, ultrapassado pelos acontecimentos, reunindo essa vereação uma última vez em 13 de Maio, para tratar de assuntos correntes.

No dia seguinte era escolhido o elenco da nova comissão administrativa e a defesa da “honra” da vereação deposta coube então à “facção Guia” nas páginas do “Badaladas”, num conjunto de  artigos “assinados”  irónicamente como  “ex-vereação “fascista””, publicados no jornal “Badaladas”.

“(…) assistiu,  impávido, o concelho de Torres Vedras, ao espectáculo , no mais puro estilo “demo-cala-te” –da “eleição” e posse (?) da Comissão Administrativa que passará a gerir os negócios do concelho até à eleição da nova Câmara Municipal. Realmente malvado regime de opressão que, em 50 anos, reduziu a rebanho até os verdadeiros republicanos e democratas!

“Entre  domingo e terça-feira, “democraticamente”: meus filhos: quer queiram, quer não, têm de vestir voluntariamente estes fatos….

 “Bom! E agora não me venham para cá com o fado do reacionário. Não agitem espantalhos, usando os mesmos truques da “velha senhora”. Jogo limpo: em intenções e em actos!”.

E rematava, em tom de ameaça:

“Contra totalitarismos terão a reacção – e a acção! dos verdadeiros democratas deste concelho” (11).

Esses artigos vieram a desencadear uma animada e viva polémica nas páginas daquele jornal.

Venerando Ferreira de Matos é o primeiro a reagir nas páginas do semanário torriense:

“A ex-câmara fascista vem à carga no último número do “Badaladas”.

“E fala de…democracia.

“Não esqueçamos que já Salazar, quando os aliados derrotaram o nazi-fascismo também mudou o rótulo: o corporativismo passou a chamar-se “democracia orgânica”.

“Não esqueçamos que também Marcelo aboliu a “Censura” para chamar-lhe “Exame Prévio”; a União Nacional para ANP; a PIDE para DGS.

“Não esqueçamos que, por vezes, a memória é fraca…Mas nem sempre.

“Catarina Eufémia foi assassinada há 20 anos. Hoje continua no pensamento de todos os anti-fascistas.

“O General Humberto Delgado foi assassinado e continua no espírito de todos os anti-fascistas.

“Há ainda muitos crimes cometidos por aqueles que hoje, virando a casaca, dizem ser democratas.

“Atenção pois.

“Hoje os tais que servilmente serviram e se serviram da “situação” dizem ter estado contra…ELES.

“Hoje são os mais democratas, os mais…humanos. Eles é que nos defendem “de cara aberta e mãos lavadas”. E vão continuar a  defender-nos.

“”Contra totalitarismos (?) terão sempre a “reacção” – e a ACÇÃO-dos verdadeiros “democratas deste concelho” – afirmam” (12).

A resposta d’ “A Ex-Vereação “Fascista””, não tardou numa “Carta aberta ao Sr. Venerando de Matos” publicada no “Badaladas” de 8 de Junho de 1974.

“Já de há muito tempo que a ex-vereação “fascista” – antes de vereação e antes de ex – vinha apreciando os seus notáveis escritos neste jornal. Síntese, concisão, sarcasmo, exploração sistemática das entrelinhas conferem ao seu estilo a vivacidade, o tónus que prende o leitor, estimulando a sua imaginação e deliciando o que em toda a gente existe de espírito crítico pela via da mordacidade.

“Espantosamente – para desilusão de certas eminências que vêem fantasmas no fumo de um cigarro- o senhor, sem quebra de uma acerada tradição crítica, sempre manteve em relação a nós uma atitude moderada mesmo quando, algumas vezes com toda a razão, apontou ou denunciou deficiências ou situações de injustiça. Foi uma critica que para nós se revelou, não obstante mordaz, quase sempre construtiva, e que nos serviu, várias vezes, para aferirmos da razão da nossa própria luta.

“Eis senão quando, depois de 25 de Abril, se crispa a pena e enfurece o génio: do verbo exacto se desprende o ódio; da palavra ardente negra nasce a raiva. Até o equilíbrio, até a prudência calculada se enovela em espuma de estranho ruminar.

“Quem o viu e ouviu numa reunião com elementos da Sedes e outras da “ala liberal” da A.N.P., ainda não há três anos, mal pode agora conceber, velado embora (como é seu estilo), o ataque que nos faz – ainda por cima embarcando na demagogia medíocre de chamar fascista a quem ainda ontem se sentava na mesma mesa com o senhor para repensar Torres Vedras. A nossa confusão, contudo, não será tão grande como aquela que o senhor confessava, sobre os dados da politica da altura – donde decorria a sua posição indefinida…Se outros méritos não tivera, o 25 de Abril possibilitou, pelo menos ao senhor, a definição de uma posição politica! – O que não é nada pouco, não concorda?”.

Na edição seguinte do “Badaladas”, de 15 de Junho de 1974,  Venerando Ferreira de Matos publica uma “Resposta a uma carta…viciada”, onde, para além de analisar criticamente o conteúdo dos artigos da vereação deposta, publicados sob o título de “Os actos incómodos e as actas malditas”, respondia às insinuações da carta aberta acima referida:

 “As reuniões da “Sedes” e de outras da “ala liberal da A.N.P.” foram as reuniões feitas no Clube Artístico e Comercial como jornadas de esclarecimento dos liberais da A.N.P. Dr. Sá Carneiro e Miller Guerra.

“A elas, como eu, assistiram centenas de torrienses ávidos de ouvir quem teve a coragem na Assembleia Nacional (fascista) de denunciar os atropelos dum governo corrupto e desonesto.

“Porém, a grande diferença entre os citados “liberais” e os de Torres Vedras é que aqueles se demitiram antes do 25 de Abril…

“Quanto aos que “ainda ontem se sentavam na mesma mesa”, esclareço: fui convidado pelo meu amigo João Carlos para com outros munícipes de Torres Vedras debater a sua problemática numa “mesa redonda” na redacção do “Badaladas”. Naturalmente assistiram indivíduos de todas as colorações: desde os sem filiação partidária (meu caso) até possíveis M.R.P.P. E fui.

“Sentei-me ao lado de toda a gente sem complexos. Sim. Porque há coisas que não se “pagam”, mesmo sentados numa mesa. Ao fim de três anos tal prova está feita: não fiquei infectado como os próprios ANPistas confirmam. E ainda bem.

“Resta perguntar:

“Quando se tentou publicar no “Badaladas”, para que o povo de Torres Vedras tomasse conhecimento das conclusões dessa “mesa redonda” porque razão é que os “liberais” da ANP local não protestaram junto da Comissão de Censura contra a proibição de tal publicação?

“Mistério, certamente”.

Sobre a acusação de ter tido uma “posição indefinida”, respondeu:

“Caramba!

“Como é que se põe isto em letra de forma, como quem bebe um capilé ou se arrota depois de ter comido uma posta de pescada?

“Há pessoas que ou são ingénuas ou deliberadamente inconscientes.

“No longo sudário que foi esta nossa noite de meio século, que a Censura à imprensa, a ex-PIDE-DGS, Legião Portuguesa, Câmaras fascistas, Uniões Nacionais, ANP’s, etc, nos obrigaram a viver, teremos ainda de aturar pequenos arrivistas depois do 25 de Abril, desesperados por terem embarcado no barco que naufragou?

“Agarram-se desesperadamente a tudo incluindo à falsidade de informação, à meia-verdade que é pior que mentir, para tentar abocanhar os que pelos mais variados processos resistiram sempre a todos os convites de colaboração como eles o não fizeram?

“Terei por acaso – e milhares de outros homens do meu país- de ser sujeito a mais um julgamento por aqueles que afinal estão na origem de todos os nossos males?

“Que culpa temos nós que certos camaristas de pacotilha tivessem embarcado no navio errado?

“Valha-nos Santa Engrácia.

“Que entendem os ex-vereadores por posição indefinida?

“Quando ao longo dos anos se luta através da palavra escrita (ESCREVER É UMA DAS FORMAS DE LUTA MAIS CONSEQUENTE) e se imprime aos textos uma directriz PROGRESSISTAS E ANTI-FASCISTA pode, conscientemente, falar-se de posições indefinidas?

“Quando se desmistifica a sociedade reacionária em que se vive, se iniciam e se colabora em campanhas, apontando o crime de acumulação de riquezas à custa do tráfego de influências e das situações privilegiadas dos senhores do regime dos donos desta quinta que se chama Portugal” (República, 8-6-74) quando se comentam e se transcrevem textos de Neruda, Manuel Alegre, Namora, Siqueiras, Picasso, Joaquim Namora, Aragon, Soeiro Pereira Gomes, Miguel Torga, etc.,etc., etc., ao longo de anos e anos, sem desfalecimento, em múltiplas secções criadas no “Badaladas” e noutros jornais, será isso tomar decisões indefinidas ?

“Onde é que está a dignidade de quem tal insinua?”.

Recordou depois algumas polémica em que se envolveu ao longo dos anos nas páginas do “Badaladas”, ou as campanhas em defesa da renovação da Biblioteca e em prol da defesa da transformação da Liceu Municipal em Liceu Nacional, esta última alvo de um debate que provocou a reacção de desagrado de um vereador de então e a atenção especial da PIDE, assim como a sua acção no Pelouro Cultural da Física que “levou o então secretário da Câmara Lalande a fazer um inquérito à minha actividade e à do Andrade Santos”.

E concluíu:

“Isto senhores é uma síntese incompleta de doze anos das minhas…actividades “indefinidas”, da luta que travei através da palavra escrita em prol duma Cultura torriense progressista e anti-fascista, mutilada embora pela férrea censura e pela auto-censura, pois só se podia dizer o que se sentia através de imagens e , sobretudo, pela exploração sistemática das entrelinhas de que agora os meus jovens contraditores me acusam.

“Mas eu pergunto: a quem cabe a culpa? A quem cabe a culpa da minha maneira mordaz de escrever, as entrelinhas, as raivas incontidas, a pena acerada e sarcástica?

“Ouvi há dias este desabafo de um jornalista profissional : “Temos de reaprender a escrever”.

“Que parte de culpa Vos cabe também, se trouxestes o “S” no cinto voluntária ou obrigatoriamente?

“Que parte de culpa vos cabe na monstruosa mistificação imposta às ideais pelo tenebroso lápis da Censura?

“Mas responder a escrever como? Se todas as nossas células cerebrais, tal como o tronco retorcido de uma árvore à frente da qual se ergueu um muro, estão ancilosadas, deformadas pela ginástica que a nós próprios impusemos para que os nossos escritos pudessem ser lidos por uma população despolitizada, numa autêntica guerrilha de pensamento, espreitada constantemente pela ameaça da ex-Pide-DGS, cujos “safanões a tempo” senti na própria carne?

“Querem um rótulo para a minha posição politica?

“Ei-lo:

“DEMOCRATA ANTI-FASCISTA, livre portanto de tomar as opções que muito bem quiser – e que tomarei sem duvida- “quando”, “onde” e “como” entender.

“Serve, Senhores neo-“democratas”?”.

A “ex-veração “fascistas”” ainda voltou à carga noutra edição do semanário com uma “Carta re-aberta ao Sr. Venerando de Matos A.”, no  “Badaladas” de 22 de Junho de 1974, no mesmo tom da primeira “carta”, sem merecer, desta vez, qualquer resposta do visado.

Foi António Augusto Sales que encerrou a “polémica”:

“Quem na devida altura não teve, pelo menos, a co­ragem de dizer NÃO, per­deu a oportunidade. Isto é, quem, na ex-vereação não teve a coragem de se demi­tir depois de verificar a im­possibilidade de fazer um trabalho equilibrado per­deu a oportunidade de se descomprometer com as irregularidades e arbitrarie­dades (...) É preciso que to­dos nos convençamos que Portugal mudou mesmo. É preciso que não nos deixe­mos iludir com histórias da carochinha. Durante qua­renta e oito anos muita gen­te passou fome porque não quis colaborar; muita gente perdeu anos de vida nas ca­deias porque não quis cola­borar; muita gente viveu uma existência de sobres­salto porque não quis cola­borar; muita gente perdeu empregos, família, glórias, dinheiro, comodidade, sos­sego e liberdade apenas porque se negou a colabo­rar. Hoje, no segundo mês da libertação, não podemos permitir que sejam confun­didos estes com os outros. Seria criminoso.” (13) .

Durante cerca de dois anos viveu-se num clima de instabilidade politica, ao mesmo tempo que se fazia a descoberta da democracia e da liberdade, entre tentativas de golpes e contragolpes, de manifestações de rua e comícios mais ou menos pacíficos, mais ou menos agitados ou ameaças do regresso de novas ditaduras ou de uma guerra civil.

A maturidade e a tolerância acabaram por vingar e, com mais ou menos tropeções, a democracia foi-se consolidando, até aos nossos dias.

No dia 25 de Abril de 1975 foi eleita a Assembleia Constituinte e em 1976 foram eleitos  Assembleia Legislativa, Presidente da República e Câmaras Municipais.

Cumpria-se assim o desejo formulado por um dos torrienses mais activos na luta pela democracia e pela liberdade:

Cumpria-se assim o desejo formulado por um dos torrienses mais activos na luta pela democracia e pela liberdade:

 “Depois da euforia dos cravos vermelhos, de reuniões contínuas e esclarecedoras, urge que se faça o ponto da situação. O trabalho espera-nos. Vamos a ele!(…).

“À inflação da palavra terá de suceder o estudo dos problemas e a respecti­va solução às realidades que nos cercam.

“Longas milhas come­çam com o primeiro passo — diz um ditado chinês.

“Pois os primeiros passos estão a ser dados com fir­meza e as longas milhas se­rão vencidas através do Tempo, sem o qual nada de duradoiro se pode fazer.” (14).

Começava então uma nova etapa na história torriense e do país.
 (1)   - SALES, António Au­gusto — “Das muitas é vari­adas leituras que alguns acontecimentos de 1973 po­dem oferecer (...)”, In BA­DALADAS de 16 de Março de 1974;
(2)   -  MOURA GUEDES, Dr. Afonso de — “Torres Vedras — o desenvolvimen­to que não se fez”, in BA­DALADAS de 26 de Janeiro de 1974;
(3)   - “Romagem à campa de Fernando Vicente-Convite”, in BADALADAS de 19 de Janeiro de 1974;
(4)   – MATOS, Venerando Ferreira de , “Cartas a um amigo de longe… - XVI”, in  “Badaladas” de 19 de Janeiro de 1974;
(5)   - MATOS, Venerando Ferreira de — “Torres Vedras e o Futuro”, in BADALADAS de 4 de Maio de 1974;
(6)   -  MATOS, Venerando Ferreira de — “Torres Vedras e o Futuro”, in BADALADAS de 4 de Maio de 1974;
(7)   - “Manifesto ao Povo do Concelho de Torres Vedras” pela “Comissão Concelhia do C.D.E de Torres Vedras”, Abril de 1974;
(8)   - CARLOS, João, “Dia 1º de Maio – Festa do Trabalho”, reportagem publicada nas páginas do Jornal “Badaladas” de 11 de Maio de 1974;(9)   -  “Democratas de Torres Vedras aprovaram a nomeação de uma comissão para a gerência da Câmara”, in “Badaladas” de 18 de Maio de 1974;
(10)- Acta da reunião camarária de 6 de Maio de 1974, in “Voz do Município”, “Badaladas” de 25 de Maio de 1974;(11) -  in “Badaladas” de 18 de Maio de 1974;
(12)– MATOS, Venerando Ferreira de, “Um Partido Chamado Portugal . Uma opção: Torres Vedras”, in “Badaladas” de 25 de Maios de 1974.(13)– SALES, António Augusto , “Saber com quem estivemos para saber com quem estamos”, in “Badaladas” de 29 de Junho de 1974;
(14)- MATOS, Venerando Ferreira de — “Nortadas”, in BADALADAS de 27 de Ju­lho de 1974.
ANEXOS:
(convocatória para o 1º comício legal do PCP em Torres Vedras . Arquivo do autor)

(Convocatória para o 1º comício legal do PS em Torres Vedras. Arquivo do autor)

(colagem de cartazes por  militantes do PCP, por ocasião da campanha para as eleições Constituintes de 25 de Abril de 1975. Foto de Ezequiel Santos)

(Sessão comemorativa do 1º aniversário da aprovação da Constituição de 1976, em 1977, com a presença de representantes de todas as forças eleitas para a Câmara nas eleições municipais de 1976. Está no uso da palavra o Dr. Afonso de Moura Guedes, líder local do PSD. Fotografia de Ezequiel Santos)