domingo, 14 de abril de 2019

RECORDANDO A FUNDAÇÃO DO CINECLUBE DE TORRES VEDRAS.



O movimento cineclubista nasceu em França nos anos vinte do século passado.

Deveu-se a Ricciotto Canudo e Louis Delluc a iniciativa da criação desse movimento, realizando-se na em 1929, na Suiça, um congresso de cineclubistas e cineastas de vanguarda com o objectivo de fundar uma Federação Internacional de Cineclubes e uma Cooperativa Internacional de Produção Cinematográfica independente, pugnando pela afirmação da qualidade estético-temática dessa nova arte em ascensão .

Contudo,os terríveis acontecimentos das décadas de 30 e 40 impediram o florescimento do cineclubismo. Só depois da 2ª Guerra, ainda em 1945, se iniciou a reconstrução do movimento, reunindo-se em congresso em Cannes  para definir as suas linhas programáticas.

Em Portugal, apesar de em décadas anteriores alguma imprensa cinematográfica se referir à importância dos “clubes de cinema”, foi necessário esperar pela década de 40 para se fundarem os primeiros cineclubes, o C.C do Porto (1945) e o Clube de Cinema de Coimbra (1949). Contudo só nos anos 50 se assiste a um forte incremento  do cineclubismo português, que realizará o seu primeiro encontro nacional em Agosto de 1955.

É neste contexto que surge o Cine Clube de Torres Vedras, que comemora este mês o 60 º aniversário da sua fundação.

A idéia da formação de um cineclube  em Torres Vedras  partiu de um artigo, da autoria de António Augusto Sales, publicado nas páginas deste jornal, em 15 de Setembro de 1955.

Com base nesse artigo , reuniu-se , à volta de Augusto Sales, um conjunto de entusiastas que formaram uma comissão organizadora para por de pé essa iniciativa.

Esta “comissão organizadora de um Cine-Clube de Torres Vedras” deu o seu primeiro sinal de vida numa carta datada de 26 de Setembro de 1955, enviada à revista “Visor”, pedindo informações sobre os passos necessários para a fundação de um cineclube.

Uma das primeiras tarefas dessa comissão foi procurar uma sala onde se pudessem realizar as sessões cinematográficas. Nessa época apenas uma sala oferecia as condições necessárias, o Teatro-Cine Ferreira da Silva, sala inaugurada nos anos 20.

Contactada a gerência desta sala, os seus proprietários recusaram-se a satisfazer o pedido daquela comissão, num processo de contornos políticos e que se arrastaria ao longo de algum tempo.

Perante o impasse, a comissão organizadora do Cine Clube convocou todos os interessados para uma reunião pública na sede do Clube Artístico e Comercial que teve lugar em 24 de Fevereiro de 1956 e da qual saiu um abaixo assinado, que recolheu 237 assinaturas, dirigido ao presidente da A.G do Teatro-Cine, pedindo explicações para a recusa na cedência de instalações, acabando os proprietários do cinema por cederem à pressão publica.

Com esta situação aparentemente ultrapassada, foi convocada a primeira Assembleia Geral do Cine Clube  para discutir e aprovar os seus estatutos e eleger os corpos gerentes.

Esta assembleia prolongou-se por 10 sessões , realizadas entre 25 de Maio (considerada a data oficial da fundação dessa colectividade) e 3 de Julho.

Contudo, aprovados estatutos e eleitos os dirigentes, encontraram um novo entrave, desta vez por parte do SNI (Secretariado Nacional da Informação) que atrasou o processo da sua legalização.

Tentando forçar aquele organismo a tomar uma posição, os organizadores do cineclube, avançaram para a primeira sessão de cinema publica, depois de reunirem com um responsável daquele organismo,  que teve lugar,  na Cine-esplanada da Física, com o filme “Ladrões de Bicicletas” , no dia 29 de Julho.

Perante o facto consumado, e sem que se concretizasse a temida prisão dos organizadores, ao longo de mais 10 sessões foram jogando nos limites da lei , conseguindo realizar as sessões, , até que, finalmente, os Estatutos acabaram por ser legalizados, por despacho de 9 de Março de 1957, publicado em Diário do Governo de 30 de Março de 1957 e conseguindo eleger definitivamente uma direcção.

Finalmente, a primeira sessão oficial e devidamente legalizada teve lugar em 23 de Julho de 1957 com o filme “É preciso ter azar” de Nils Poppe.

Contando com um núcleo inicial de 235 sócios, registados no ano da fundação, chegou ao seu auge em 1961 com 603 sócios.

Editando boletins que acompanhavam as sessões, muitas delas comentadas, desde logo essa colectividade teve de se confrontar com a censura, que obrigava a cortes constantes nos boletins e no teor das palestras.

Destacava-se o excelente nível gráfico daqueles boletins, graças à colaboração das ilustrações a linóleo de Rui Pintão e José Afonso Torres e à direcção de Armando Pedro Lopes na sua elaboração.

O movimento cineclubista encontrou pela frente todo o tipo de dificuldades impostas pelo regime, que não via com bons olhos mais um espaço de liberdade  que não era facilmente controlável, espaço esse que, por sua vez, também era aproveitado pela oposição para divulgar uma visão diferente da cultura oficial.

Em finais de 1959 regista-se o primeiro conflito grave entre as autoridades da ditadura que tutelavam o movimento cultural, representadas pelo SNI, e o Cine Clube de Torres Vedras,  quando foi proibida a realização do V Encontro de Cineclubes Portugueses que estava programado para Torres Vedras  em Dezembro desse ano.

Poucos meses depois regista-se outro conflito grave, quando o mesmo SNI não homologa alguns dos nomes eleitos para a direcção do Cineclube de Torres Vedras de 1960, situação que se arrasta ao longo de todo o ano, provocando uma quebra no ritmo da actividade dessa colectividade.

No ano seguinte o conflito agrava-se quando o SNI procura impor um estatuto único aos cineclubes portugueses.

A situação vai culminar com o SNI, em colaboração com a Câmara Municipal de Torres Vedras, a impor, em Maios de 1962, uma Comissão Administrativa para dirigir o Cineclube torriense.

Encerrava-se assim o primeiro período da história do Cineclube. Este só veio a recuperar o seu fulgor doutros tempos no principio dos anos 70….Mas essa é outra história.

(Fontes : António [Aspra de MATOS], Venerando, “Cineclubismo – História à margem da História?”, in “Área”, Junho de 1982 e “Esboço histórico do Cine-Clube de Torres Vedras, série de 10 artigos publicados entre 11 de Novembro de 1981 e 29 de Janeiro de 1982 no jornal “Badaladas”; SALES, “Recordar o Cineclube”, série de 3 artigos publicados a partir de 2 de Fevereiro de 1976 no jornal “Badaladas”]

1 comentário:

Alexandre Cardana disse...

Há quanto tempo o cine clube acabou? Ainda me lembro de ver uma placa na rua Paiva de Andrada