Recentemente falecido, Humberto Baquero Moreno foi um dos mais
inovadores historiadores portugueses, especializado no estudo do início da
Dinastia de Aviz.
Duas das sua obras fundamentais, “Os Itenerários de El-Rei Dom João I”
(ed. Instituto de Cultura Portuguesa,Lx, 1988) e “A Batalha de Alfarrobeira” (2
volumes editados pela Universidade de Coimbra, em 1979 e 1980) deram um
contributo importante não só para o conhecimento da História Portuguesa mas,
para o caso que nos interessa, para o esclarecimento de alguns aspectos da
história local torriense.
Hoje escrevemos sobre o primeiro caso, a presença de D. João I em
Torres Vedras.
Baquero Moreno esclareceu, quase
em definitivo, um erro persistente na historiografia torriense durante os três
primeiros quartéis do século XX, o da data da realização do célebre conselho de
Ceuta que teve lugar em Torres Vedras.
Zurara não indicava com precisão a data daquele evento e, por cá, foi
avançado o ano de 1413 como o da sua realização, erro que foi repetido até à
exaustão, inclusive numa placa que, durante décadas, ainda neste século, invocava, no presumível local desse conselho,
tal facto, marcante na memória histórica local.
Não teria sido necessário esperar pela edição da obra de Baquero Moreno
para corrigir o erro, bastava uma leitura atenta da obra de Zurara para se
perceber que esse evento nunca poderia ter tido lugar em 1413, mas sim em 1414,
como o diz a lógica cronológica dos acontecimento nacionais relatados na
célebre crónica.
De qualquer maneira, com a precisão documental que lhe é conhecida,
ficámos em definitivo esclarecidos sobre a realização desse conselho.
Diz Baquero Moreno, no capítulo dedicado ao itinerário de D. João I no
ano de 1414, e passamos a citar, que, de “acordo com o testemunho de Zurara o rei
deliberou “pera o Sam Joham [24 de Junho] a Deos prazemdo fazer ajumtamento de
comsselhos em Torres Vedras homde emtendeo propoer este feito e determinar o
termo certo em que com a graça de Deos ajamos de partir” [in Gomes Eannes de
Zurara, “Crónica da Tomada de Ceuta…”, Lisboa 1915, cap. XXV, p.75]. Contudo, e
continuando a citá-lo, Baquero Moreno questiona essa data: “Deve haver, no
entanto, engano do cronista na medida em que o conselho apenas terá reunido por
Santiago, 24 de Julho”, já que, e segundo os itinerários, o rei chegou a Sintra
a 22 de Junho e aqui continuava em 21 de Julho, antes de vir para Torres Vedras,
como refere a crónica. Sendo assim, o dito conselho terá terminado “por volta
de 24 de Julho” de 1414. [Baquero Moreno, ob.cit, pág. 141].
Aliás, no levantamento que o autor fez nesta obra dos itinerários de D.
João I, este só tinha estado em Torres Vedras, ainda enquanto Mestre de Aviz,
por ocasião do cerco posto ao castelo de Torres Vedras, tendo assinado
documentos neste sítio entre 18 de Dezembro de 1384 e 13 de Fevereiro de 1385.
Como se sabe o mestre de Aviz deixou o cerco ao castelo de Torres Vedras , sem
o ter tomado aos partidários de Castela, para se deslocar às Cortes de Coimbra
que o aclamaram rei.
Como já vimos, na recolha feita por Baquero Moreno, onde é possível
reconstituir os itinerários do primeiro monarca da segunda dinastia, só se sabe
da presença do rei na então vila de Torres Vedras para a realização do Conselho
referido através da crónica de Zurara, não surgindo mais nenhum documento que
refira a presença do rei neste lugar, onde a sua presença só aparece documentada em 10 e 11 de Janeiro de 1417, e novamente em
25 de Janeiro e 6 de Fevereiro desse ano, mas só depois de permanecer cerca de
um mês num outro lugar pertencente ao concelho, no Turcifal, entre 6 de
Dezembro de 1416 e 9 de Janeiro de 1417 (com uma deslocação a Belas pelo meio).
A estadia no Turcifal deve estar relacionada com a Quinta régia do Manjapão,
localizada nessa freguesia do concelho.
A presença do rei em Torres Vedras só volta a estar documentada já nos
últimos anos do seu reinado, em 25 de Março, 26 e 29 de Abril , 1 e 31 de Maio
de 1432 e, duas últimas vezes, no ano seguinte, em 24 de Março e 26 de Abril.
Pode-se especular, como justificação para a longa ausência do rei por
estas bandas, sobre o facto de Torres Vedras se ter mantido fiel à causa de castenhana
durante a crise de 1384-85, e a perda de
influência deste concelho que se seguiu durante o reinado D.JoãoI.
Em próxima ocasião recordaremos o outro contributo dos estudos de
Baquero Moreno sobre a história torriense, desta vez sobre o período da
regência de D. Pedro, quase a meio do século XV.
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