O texto que aqui se divulga resulta dos apontamentos que reunimos para
servir de base à nossa comunicação que ontem teve lugar no Teatro-Cine Ferreira
da Silva, por ocasião da passagem do segundo filme da iniciativa, que está a decorrer
esta semana, para comemorar a 100ª sessão de “Café com Filmes”, com a exibição
integral, em cinco sessões, da monumental obra “A História do Cinema – Uma
Odisseia”, de Mark Cousins, e á qual já nos referimos AQUI.
Reproduzimos aqui apenas a primeira parte dessa comunicação (as outras duas podem ser lidas AQUI)..
Reproduzimos aqui apenas a primeira parte dessa comunicação (as outras duas podem ser lidas AQUI)..
Torres Vedras – os “Anos do Teatro-Cine"(1923-1956).
Para falarmos da relação de Torres Vedras com o cinema durante o
período abordado no filme de hoje, os anos entre 1930 e 1960, teremos de estabelecer
uma cronologia ligeiramente diferente para o caso torriense.
Esse período foi marcado pela importância da sala de cinema onde hoje
nos encontramos, o Teatro-Cine Ferreira da Silva, para a divulgação do cinema
desse período.
Assim estabelecmos uma cronologia própria para o caso de Torres
Vedras, balizada nas datas de 1923, ano da inauguração do Teatro-Cine, e 1956,
ano de fundação do Cine-clube fe Torres Vedras, que marcaria uma nova realidade
cinematográfica local nas três décadas seguintes, sem esquecer a importância do
início de transmissões regulares da televisão neste mesmo ano.
Comecemos então por falar, em traços largos, do Teatro-Cine.
A idéia de construção de uma sala de cinema com as características
desta sala já vinha de trás, de uma tradição de duas salas anteriores , o “Salão
Avenida – Animatographo”, fundado em 25 de Maio de 1911, que durou até 1915, e
o “Animatografo” “Salão Central”, inaugurado em 7 de Julho de 1912.
Pela mesma ocasião, a velha sala de teatro do Grémio , inaugurada em
1899, foi adaptada para passar cinema, explorada pela empresa “A Tentativa”,
fundada em 1912 e que iniciou a exibição
regular de cinema nessa sala em 9 de Fevereiro de 1919.
Foi a partir dessa empresa que surgiu nos anos 20, devido a
divergências com a direcção do Grémio, a idéia de se construir uma nova sala de cinema
de raíz.
E foi assim que, em 1921, se iniciou a construção desta sala,
realizando-se nela uma primeira sessão experimental em 22 de Março de 1923 e
sendo inaugurada oficialmente no dia 1 de Abril de 1923.
Seria baptizada com o nome do actor Ferreira da Silva em Abril de 1924,
por autorização especial da viúva desse actor.
Essa sala assumia assim uma dupla vertente como sala de teatro e de
cinema.
Mas, principalmente a partir da década de 30, com a chegada do cinema
sonoro que atraiu muito mais gente para o espectáculo da 7ª arte, o cinema
tornou-se a sua vertente principal.
Foi nessa sala que, pela primeira vez, foi exibido um filme sonoro, uma
primeira vez, de forma experimental, nos finais de 1931, e, regularmente, a
partir de 15 de Janeiro de 1932, depois de se efectuarem várias obras de adaptação
na sala e de renovação técnica do material de projecção. O primeiro filme
exibido nesta ocasião intitulava-se “Revista Hollywood” .
Recorde-se que o cinema sonoro, que se iniciou em 1927 nos Estados
Unidos, com a exibição do filme “Jazz Singer” de Al Jolson, teve a sua primeira
sessão em Portugal no dia 5 de Abril de 1930 no “Royal Cine”, à Graça, em
Lisboa.
A Construção do teatro-cine de Torres Vedras inseriu-se num movimento mais geral registado nos anos 20/30
de substituir os velhos “salões”, mais rudimentares, pelos novos “teatro-cines”,
construídos de raiz , de maiores
dimensões e mais espaçosos, para acolher um público cada vez mais numeroso e
meios técnicos cada vez mais sofisticados, contando muitas vezes com a
colaboração de arquitectos, alguns de renome, que deram a estes espaços o
estilo modernista que os caracteriza.
Nos finais da década de 20 a revista Cinéfilo, uma das mais importantes
da história das publicações cinematográficas portuguesas, lançou nas suas
páginas, em Dezembro de 1928, um inquérito sobre o mercado de exibição
cinematográfico nacional, dirigido “aos leitores da província”.
As respostas foram publicadas ao longo do ano seguinte e entre as
respostas encontra-se uma de um leitor de Torres Vedras , um tal Eugénio Silva,
que nos traça, em breve palavras , um retrato do Teatro-Cine.
Começa por escrever que existiamm “dois cinemas” em Torres Vedras, mas
que só “funciona o Teatro-Cine Ferreira da Silva”. O outro cinema então
existente em Torres Vedras, que não funcionava, deve ser um dos acima
referidos, talvez a do Grémio.
Continuava a referir-se ao Teatro-Cine, revelando que este dava “espectáculos
3 vezes por semana: domingo, segunda e quinta-feira” e que a sua lotação era de
“900 lugares”.
As “fitas” que aí se exibiam eram “modernas” e em “bom estado”, sendo
acompanhadas musicalmente (o sonoro só surgiu nesse cinema três anos depois)
por “auto-piano”.
O aparelho de projecção “não é mau. É um Pathé reforçado com arco AEG”,
permitindo “boa projecção”.
No concelho de Torres Vedras, nessa época, é de realçar uma outra
iniciativa, a inauguração do “Cine-Salão” da praia de Santa Cruz no Verão de 1928, funcionando na
época balnear por muitas décadas.
Também é de registar a existência de uma produtora de cinema criada em
1929, a “Torres Film” (tinha existido uma outra fundada em 1924 e dirigida pelo
alemão radicado nesta terra Otto Liebell).
Deve-se à “Torres Film” o registo de várias imagens do Carnaval de
Torres durante a década de 30, filmes que foram exibidos no Teatro-Cine
Ferreira da Silva, pelo menos por duas ocasiões, em Dezembro de 1930 e em Abril
de 1936.
Esses filmes estão actualmente na Cinemateca Portuguesa e podem ser
vistos AQUI neste mesmo blog.
Também neste período há a registar várias iniciativas para a exibição
de cinema ao ar livre durante o Verão.
Há noticias de isso ter acontecido no Verão de 1931 no espaço das
Termas dos Cucos e na “praça da Batata” (Praça Machado dos Santos), junto à
Igreja de Santiago, cujas paredes serviam de écran, durante as décadas de 40 e
50, por iniciativa de um projeccionista de cinema ambulante que percorria o
país.
A iniciativa do género mais bem conseguida e duradora foi a tomada pela
Física de Torres que criou a Cine-Esplanada da Colónia Balnear que projectava
cinema ao ar livre no ringue da sua antiga sede, adaptado para esse fim ao
longo de muitos verões a partir de 1954.
Foi neste espaço que teve lugar a primeira sessão do Cine-Clube de
Torres Vedras, em 29 de Maio de 1956, exibindo o filme “Ladrões de Bicicletas”,
um dos mais marcantes deste período.
Por fim, não podíamos deixar de referir a crescente importância que o cinema vai ter
nas páginas da imprensa local com espaços regulares dedicados à divulgação e
crítica cinematográfica, como aconteceu com o “Torres Sport”, onde se publicou a
primeira página desse tipo em 1925, o “Gazeta de Torres”, entre 1929 e 1931, o “Jornal
de Torres Vedras” entre 1931 e 1932 e, principalmente, com o jornal “Badaladas”
que contou a importante colaboração de António Augusto Sales desde 1955 e cujas
crónicas estiveram na origem da fundação do Cine-Clube de Torres Vedras em Maio
de 1956.
O Teatro-Cine, e o cinema em geral,começou a perder, lenta e
progressivamente, o seu fulgor como espectáculo de massas com o aparecimento da
televisão em 1955/1956.
Há que não esquecer também que essa época em Portugal foi fortemente marcada
pela censura a todo o tipo de espectáculos e à forte propaganda ideológica do
regime que teve no cinema um dos seus principais agentes.
Até ao aparecimento da televisão, o cinema foi o principal meio pelo
qual a população pouco alfabetizada de então recebia as notícias do mundo, numa
das épocas mais conturbadas da história do século XX.
Fontes :
- [CEIA, Aurelindo (org. gráfica), MATOS, Venerando Aspra de (recolha de documentos)], "X Encontro Nacional de Cine-Clubes , Torres Vedras, 29 de Outubro a 1 de Novembro de 1982", ed. Cine-Clube de Torres Vedras, 1982 (recolha em plaquete fotocopiada de artigos de jornal sobre a história do Cine Clube de Torres Vedras);
- Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, "Cinema em Portugal - os primeiros anos", ed.Museu da Ciência da Universidade de Lisboa, Dez. 2010 (principalmente pág. 72);
- [MATOS], Venerando António [Aspra de ], "Anos de Luz... Para a História do Cinema em Torres Vedras", in Vedra - revista de Património e História Local, nº 1, pp.23 a 30, ed. APDDPCTV, Janeiro de 1990;
- SILVA, Susana Constantino Peixoto, "Arquitectura de Cine Teatros: Evolução e Registo [1927-1959] - equipamento de cultura e lazer em Portugal no Estado Novo", ed. Almedina-CES, Coimbra, Abril de 2010.
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