No final da manhã do dia 15 de
Fevereiro de 1941, perto do meio-dia, foi o país, e toda a Peninsula Ibérica,
assolado por um dos mais violentos fenómenos atmosféricos de que há memória,
que ficou conhecido pelo “Grande Ciclone”, cujos efeitos se continuaram a
sentir ao longo desse dia até perto das 18 horas.
Terá sido o mais violento fenómeno natural que assolou até hoje toda a
Península Ibérica depois do terramoto de 1755, registando os ventos mais
violentos desde que há recolha de registos meteorológicos (em Lisboa a rajada
máxima atingiu os 127 Km/hora. No país a maior rajada registada nesse dia teve
lugar em Portimão, atingindo os 150 Km/hora. Como termo de comparação, a rajada
máxima registada no temporal de 23 de Dezembro de 2009 foi registada em Torres
Vedras e atingiu os 142 Km/hora) (1).
Um raro registo cinematográfico desse acontecimento na Península foi
filmado em Santander, no norte de Espanha e pode ser visto em baixo.
Estava-se no início da 2ª Grande Guerra, a Alemanha nazi estava no auge
do seu poder, faltava um mês para iniciar a invasão da Grécia e menos de seis
meses para se iniciar a ofensiva contra a União Soviética.
Então não se sabia, mas a Alemanha estava a um passo de invadir
Portugal, numa acção táctica que visava conquistar Gibraltar, acção que apenas
foi abandonada para preparar a invasão da Grécia em Março desse ano, uma acção
não prevista mas que visava emendar a derrota italiana naquele país.
Durante dias as notícias da guerra passaram para segundo plano, espaço
ocupado pela reportagem da tragédia que se abateu sobre Portugal.
As zonas de Portugal mais atingidas foram o litoral e os locais mais
altos, principalmente a região de Lisboa e o norte do país.
A agitação do mar, que provocou ondas com cerca de 20 metros, levando à
salinização de vários rios até uma distância de cerca de 40 kilómetros da
costa, e os ventos fortes, provocaram mais de cem mortos em todo país. Muitos
edifícios ficaram totalmente destelhados e em muito mau estado, caíram muitas
chaminés e, um dos acontecimentos mais
simbólicos, a estátua do Infante D. Henrique, no Padrão dos Descobrimentos em
Lisboa, foi arrancada do monumento e arrastada para o Tejo.
Só nos estuário do Tejo afundaram-se 150 embarcações e em Sesimbra essa
número ascendeu às três centenas.
Centenas de milhares de árvores foram derrubadas por todo o país. Só no
Pinhal de Leiria 300 mil árvores ficaram danificadas e a sua queda interrompeu
a circulação na linha do Oeste.
(fotografias do efeito do ciclone no Pinhal de Leiria)
Registarem-se ainda vários acidentes de comboios que descarrilaram por
efeito do temporal.
Na região vizinha de Torres Vedras a imprensa nacional destacou a
destruição do Teatro do Bombarral, a queda da chaminé do hospital de Arruda dos
Vinhos, o descarrilamento de um comboio na Malveira ou a destruição do Jardim
Público das Caldas da Rainha.
(registo de destruições)
Em Torres Vedras o fenómeno foi igualmente muito sentido e ficou na
memória dos mais velhos, que passou oralmente de geração para geração, estando
ainda vivas muitas pessoas que guardam a recordação desse acontecimento .
Segundo o testemunho de um familiar, que então tinha 9 anos (2), na
manhã desse dia, um Sábado, os alunos da escola primária da vila, que
funcionava no lado poente do edifício onde hoje está instalada a Câmara, na
Avenida 5 de Outubro, foram mandados para casa.
Regressando a casa, inconscientes do perigo, divertiam-se a ver as
pessoas a correr atrás dos chapéus que voavam com o vento (a maioria dos homens
dessa época usavam chapéu) ou a preocupação do padre e do sacristão em segurar
as sotainas, enquanto acompanhavam um funeral (3).
Segundo a mesma testemunha, o que mais a impressionou foi ver, no dia
seguinte, as árvores de grande porte que
ladeavam a Avenida quase todas arrancadas
pela raíz e tombadas.
A imprensa da época que consultámos, o Diário de Lisboa, cuja edição
integral está disponível on-line no site da Fundação Mário Soares, fazendo uma
ronda pelos estragos na província, apenas se refere Torres Vedras em breves
linhas anunciando que nesta localidade se “resolveu suspender as festas
carnavalescas” e registando o derrube de
“um barracão” e “prejuízos em outros edifícios” (4).
Contudo os estragos foram muito maiores do que aqueles que a notícia
revela.
A imprensa local, “A Voz do Concelho”, na sua edição 20 de Fevereiro de
1941, sob o título de “O Ciclóne em Tôrres Vedras”, refere que as “pessoas mais idosas desta
região, não se lembram de catástrofe semelhante”, continuando coma descrição
dos estragos: “Há casas demolidas; imensos postes telefónicos tombados;
milhares de árvores derrubadas ;chaminés, às dezenas, desmoronadas; portas,
portões e janelas despedaçadas; e quási não escapou uma casa onde as telhas não
tivessem voado, pelo menos na sua grande parte.
“Á tarde, já não se podia comunicar, telegráfica ou telefonicamente,
com o resto do país; e as camionetas de carreira, automóveis de praça e
comboios tinham deixado de circular por completo.
“As duas grandes tôrres da empresa de exploração de petróleo, situadas
cêrca desta vila, também foram arrancadas pela base, tombando com grande
estrondo; e cruzes de igreja, clarabóias, fumeiros, taboletas, vidros de
janela, vedações de madeira, gradeamentos, muros, etc. ,tudo cedeu à fúria
dominadora e terrível do ciclone. A rêde eléctrica, atingida seriamente, não
permitiu que houvesse luz, na noite dêsse dia , em toda a vila, pelo que Tôrres
Vedras apresentava um aspecto devéras impressionante.
(postal antigo da exploração de Petróleo em Torres Vedras, então ainda apenas com uma torre. No ciclone, as duas Torres então existentes foram derrubadas)
“Nas freguesias, as sementeiras, encontram-se , na sua grande parte,
perdidas ou gravemente prejudicadas, o que provoca uma situação angustiosa em
todos os meios rurais; e na vila, o campo da Porta da Várzea, o Jardim da Graça
e o Parque da Senhora do Ameal, estão num estado desolador”.
As consulta das actas das reuniões camarárias permitem observar mais em
pormenor a destruição causada pelo ciclone neste concelho (5).
Ao longo de todo o ano são muitas as referências nessas actas às
medidas de recuperação do que foi destruído.
Logo na sessão de 20 de Fevereiro é tomada a decisão de se efectuar uma
vistoria conjunta pela secção de obras da Câmara e pelos Bombeiros torrienses,
por sugestão destes, ao estado das chaminés, fumeiros, paredes, telhados e
empenas que, segundo os Bombeiros, ameaçavam ruir.
Revelador do impacto do ciclone no Parque do Choupal, a acta de 13 de
Março delibera “pôr em arrematação as árvores de madeira de plátano, derrubadas
pelo último ciclone no Parque da Senhora do Ameal”.
Numa acta de 31 de Julho, onde se exara em acta um agradecimento ao
governo pelos subsídios entregues para reparar os estragos causados pelo
ciclone, ficamos a saber de outros estragos : “vários edifícios escolares ,
igrejas, cemitérios, asilo de S. José e Hospital da Misericórdia”.
Praticamente todos os cemitérios
do concelho foram danificados, referindo-se em especial a danificação da casa
do despacho do cemitério da vila (acta de 6 de Novembro).
Há também a referência, na acta de 4 de Dezembro, a um subsidio à empresa “Viúva Cabral, Ldª”
para “matériais para reparação de estragos do ciclone”, surgindo nas actas
seguintes , até ao final do ano, muitas referências a vários particulares que
receberam subsídios para reparar estragos provocados pelo ciclone (José Pedro
Lopes, Florêncio Augusto Chagas (acta 9 de Outubro), José Ferreira Pinto &
Cª, Carlos da Silva Cardoso, Joaquim dos
Santos Pio e José Barreto Garcia (acta de 26 de Dezembro).
Ao todo, e contagem por alto, em subsídios e materiais para reparos, ao
longo do ano foram gastos mais de 20 contos, em moeda antiga.
O prejuízo provocado no total do país ascendeu a mais de um milhão de
contos, metade do orçamento nacional para a época.
(Memorial de homenagem às vítimas da aldeia da Gralheira, no Marão, a aldeia "mais alta do país", onde morreram vários habitantes devido ao ciclone)
A dimensão da tragédia , numa Europa
devastada pela guerra, levou o articulista do jornal torriense a “A Voz do
Concelho”, num editorial intitulado “Depois do ciclone…”, a concluir que, numa “Europa desgraçada, nós eramos,
talvez, uma excepção. Agora, a distância é menor, a excepção menos gritante.
Agora, temos também a nossa guerra - a
guerra pela restauração da nossa economia abalada”. (6).
Notas :
(1)
– os
dados gerais sobre a situação do país foram consultados em três estudos
consultáveis on-line: GANHO, Nuno, Riscos de Ventos Tempestuosos de escala
sinóptica em Portugal: análise causal,
s/d, Centro de Estudos de Geografia e
Ordenamento do território; NUNES, Adélia, PINHO, João, GANHO, João, “O
“ciclone” de fevereiro de 1941: análise histórico-geográfica dos seus efeitos
no município de Coimbra”, in Cadernos de Geografia, nº 30/31, 2011/12, FLUC,
Coimbra, pp.53-60;MUIR-WOOD, Robert , The 1941 February 15 th Windstorm in the
Iberica Peninsula, London 2011 (existe versão em espanhol)).
(2)
–
Maria Helena Costa Aspra de Matos.
(3)
–
Nessa manhã realizou-se o funeral de um jovem torriense, então apenas com 25
anos, José Augusto Estevinha Lopes,
filho do proprietário e notável local José Augusto Lopes Júnior, como se
confirma por notícia de “A Voz do Concelho” de 20 de Fevereiro de 1941.
(4)
–
“Diário de Lisboa” de19 de Fevereiro de 1941, pág.7.
(5)
–
Actas da Câmara Municipal de 1941, Arquivo Municipal de Torres Vedras.
Agradecemos a colaboração da equipa dessa arquivo na recolha de dados sobre o
tema nessas actas.
(6)
– “A
Voz do Concelho”, nº 61, Torres Vedras, 6 de Março de 1941.
(o único filme conhecido sobre o ciclone, mostrando a situação vivida em Santander)
Obrigada, Venerando, por estares de volta a mais publicações de dados sobre a vida torriense!!!!
ResponderEliminarÉ sempre de muito valor as partilhas que vais deixando, para memória futura!
E sabe sempre bem ter-te de volta...às páginas do Badaladas, divulgando história concelhia!!!!
Força para continuares!
MC
Obrigado cara amiga.
ResponderEliminarUm abraço