Há 60 anos atrás o “Torreense”
viveu um momento de grande euforia, iniciado em Maio de 1955, com a primeira
subida do clube à “primeira divisão” nacional de futebol, e que atingiu o seu
auge como finalista da Taça de Portugal em Maio de 1956.
Após duas épocas em que esteve à
beira de subir de divisão, finalmente o sonho concretizou-se em Maio de 1955.
Não se pense, contudo, que as
coisas foram fáceis. A duas jornadas do fim da fase final da zona sul da 2ª
divisão, o Torrense encontrava-se mais uma vez em segundo lugar, depois de, na
jornada anterior, ter sido derrotado pelo seu rival de sempre , o “Caldas”.
Mas nessa jornada o Torreense
conseguiu derrotar outro forte concorrente à liderança, o Oriental, batendo-o
por 3-1, e, beneficiando da
escorregadela do Caldas contra o Montijo, chegou à última jornada na liderança.
Na véspera dessa jornada, marcada
par Domingo dia 29 de Maio, o jornal “Diário Popular”, num artigo justamente
intitulado “Na Derradeira Jornada os três primeiros lugares por decidir”,
descrevia o que estava em jogo:
“Este Campeonato Nacional da II ª
Divisão parece destinado a resolver-se nos últimos minutos. Quando tudo parecia
resolvido com o Caldas S.C na Iª Divisão [depois de ter derrotado o Torreense],
a jornada de domingo [passado] deu uma volta à classificação (…).
“Em vésperas da última jornada,
três clubes estão interessados nos dois primeiros lugares: Torreense, Caldas
S.C e Oriental (…).
“A partida do dia é jogada em
Santarém, onde os “Leões” recebem o Torreense que entra em campo…na Iª Divisão”
(1).
Apesar da pressão, e do facto de jogar fora, o Torreense conseguiu
vencer os “Leões” de Santarém por duas bolas a zero, golos marcados,
respectivamente, por Carlos Alberto, aos 30 minutos da primeira parte, e por
Mendonça, aos 35 minutos da segunda parte(2).
Com essa vitória o Torreense
alcançava o primeiro lugar e o acesso directo à 1ª Divisão, facto até então
inédito na sua história.
Assim que se soube em Torres
Vedras da vitória em Santarém, de imediato o entusiasmo apossou-se das ruas da
antão vila:
“Nas janelas surgiram, num ápice, colchas e
colgaduras, enquanto nas ruas já mal se pode romper – que as dezenas de
camionetas e automóveis regressados de Santarém ou provenientes de localidades
do concelho despejavam, quase sem cessar, gente e mais gente, que parecia
tomada de loucura colectiva e desfilava de um lado para o outro atrás de
charangas surgidas não se sabe donde…
“Nos “cafés” e nas tabernas as
“rodadas” sucediam-se para “lubrificar” as gargantas enrouquecidas de tanto
gritar, enquanto se aguardava a chegada dos “heróis” da jornada (…).
“Finalmente, incorporados num
cortejo automóvel, com 5 quilómetros (!) de extensão e no qual figuravam 400
veículos, surgiram na vila os jogadores do Torreense empoleirados numa
furgoneta descoberta sobre a qual se destacou uma grande bandeira da colectividade.
Então é que foi o “fim do mundo” (…) no ar rebentavam mais foguetes e morteiros
(…) sendo, às tantas, os “ídolos” sacados em ombros até à sede da Associação de
Educação Física e Desportiva, onde se improvisou uma sessão de recepção.
“Usou da palavra o presidente do
Torreense, Dr. José António Neiva Vieira (…) encerrando-se a sessão com o hino
da vila, executado pela banda dos Bombeiros locais (…)” (3).
(reportagem do jornal "Diário Popular" de 29 de Maio de 1955 sobre os festejos em Torres Vedras pela subida do Torreense à 1ª Divisão)
Os festejos continuaram por toda
a semana, destacando-se uma “marcha luminosa” de 3 mil balões no dia seguinte e
as danças nas ruas “em animados bailaricos”.
Chegou mesmo a anunciar-se um
jogo comemorativo com o Celta de Vigo (4), o qual, pelo que sabemos, não se
chegou a efectuar.
Treinada por um argentino, Oscar
Tellechea, a equipa contou com alguns jogadores argentino no seu plantel, os
médios Juan Forneri e Américo Belen.
O plantel, para disputar o
campeonato, contou com 23 jogadores, os guarda-redes Serrano e António Gama, os
defesas António Augusto, Mergulho, Amílcar Silva e Joaquim Fernandes, os médios
Aragão, António Bernardes, Forneri, António Manuel, Carapinha, Inácio
(angolano), José da Costa, Belen e Carlos Alberto, e os avançados Martins,
Pina, Fernando Mendonça, João Morais, Rui André, Matos, José Gonçalves e João
Mendonça (5).
O Torreense estreou-se na 1ª
Divisão com três vitórias consecutivas, respectivamente sobre o Lusitano de
Évora, por 2-0, o Sporting, batido surpreendentemente por 1-0 em Alvalade e a
Académica, por 2-0. No final da 1ª jornada da época o Torreense estava na 4ª
posição do campeonato. A segunda época não correu tão bem, mas mesmo assim
conseguiu terminar o campeonato na 7ª posição, com 22 pontos, 7 vitórias, 8
empates e 11 derrotas.
O campeonato desse ano foi
vencido pelo Futebol Clube do Porto, que quebrou nessa época um jejum de 15
anos sem ganhar um campeonato.
(Equipa do Torreense que disputou o campeonato da 1ª Divisão na época de 1955/1956)
A balizar esta época de glória, a
equipa de Torres Vedras acabou por voltar a surpreender, chegando ao final da
Taça de Portugal.
Os jogos da Taça realizavam-se
numa curta jornada de eliminação , ao longo do mês de Maio.
Depois de eliminar o Desportivo
de Beja nos dezasseis avos de final, canhou-lhe pela frente o poderoso
Sporting, mas, a jogar em casa, para surpresa de muitos, o Torreense conseguiu
eliminar a equipa de Alvalade com um golo isolado, na segunda parte, aos 12
minutos, na sequência de um livre marcado por Carlos Alberto que “endossou a
bola a Forneri que, com um golpe de
cabeça fez a bola entrar na baliza de Carlos Gomes”(6).
Nos quartos de final canhou o
Braga, e, pela terceira vez, o Torreense jogava em casa. Com um empate a zero
golos no final da primeira parte, foi mais uma vez no segundo tempo que a
equipa da casa acabou por vencer, por 2-0, golos marcados por Frernando
Mendonça da mesma maneira, na sequência de “um centro de José da Costa” (7).
O Torreense chegava assim às
meias finais e encontrou pela frente outra equipa, então das mais poderosas, o
Belenenses, que terminara o campeonato na terceira posição, com a agravante de ter
calhado em sorteio que o jogo se disputasse na “tapadinha”, em Lisboa.
(1ª página do Diário Popular de 20 de Maio de 1956, anunciando os finalistas da Taça de Portugal)
O jogo foi um dos mais
emocionantes da taça, com um empate a uma bola no final da primeira parte e um
empate a duas bolas, conseguido por Fernando Mendonça, ao 43 minutos, obrigando
ao prolongamento.
A dois minutos do final do
prolongamento Gonçalves marcou o golo que o colocou o Torreense na final:
“A vitória do Torreense aceita-se
bem, até porque foi a equipa que menos se ressentiu na altura decisiva “ (8).
Um ano depois de ascender pela
primeira vez à primeira divisão, o Torreense garantia a presença na final da
Taça de Portugal, onde ía enfrentar o vencedor do campeonato, o Futebol Clube
do Porto.
O “Diário de Lisboa” anunciava
que na final, disputada no dia 27 de Maio de 1956 a partir das 17 horas, e
arbitrada por Hermínio Soares, iam estar
“duas equipas a lutar de igual para igual”, desmentindo a idéia de um embate
entre Davis e Golias. (9).
Disputada no Jamor, o Porto
marcou logo no ínicio, aos 3 minutos, numa jogara fortuita, mas o Torreense
bateu-se sempre de igual para igual, tendo, por várias vezes, estado à beira de
igualar a partida.
O Porto só conseguiu consolidar a
vitória no segundo tempo, através da marcação, aos 12 minutos, de uma grande
penalidade, muito duvidosa e contestada. Num violento ataque à arbitragem do
jogo, o jornal “República” referiu que não se descortinou “a mais leve falta”,
opinião dada por outros órgãos de imprensa da época. Mas mesmo a perder por
essa diferença, o Torreense bateu-se até ao último minuto, falhando
desafortunadamente várias oportunidades de golo.
Longe “de se entregarem os
torreenses imediatamente desceram no meio campo do adversário”, insistindo o
Torreense nas jogadas de ataque, falhando várias oportunidades de golo,
perdendo “golos em série” (10).
A imprensa da época elogiou a
atitude dos jogadores do Torreense: “À turma torreense deve ter causado
espanto, primeiro a impressão, a rondar pela má sina; depois, o facto de nas
primeiras jogadas do encontro não ter marcado, como merecia, dado a boa
urdidura de dois ou três lances, traídos somente pelo golpe final.
“(…) O Torreense, com a sua
presença na “final”, em que compareceu por mérito próprio (…) não ficou
diminuído” (11).
A desforra com o Porto surgiu
quase cinquenta anos depois, no dia 16 de Fevereiro de 1999, quando, à 5ª
eliminatória da taça, a jogar no estádio das Antes, frente a um poderoso Porto,
então liderado por Fernando Santos, o Torreense marcou um golo isolado, a cinco
minutos do fim, eliminando o Porto. A data coincidiu com a terça feira de
Carnaval, e a festa prolongou-se por vários dias.
Nunca o Torreense voltou a viver
momentos de tanta euforia como nesse período entre 1955 e 1956.
Claro que ainda se conseguiu
manter na Primeira divisão por mais duas épocas, voltando a descer de divisão
no final da época de 1958/59, regressando à divisão maior efemeramente na época
de 1964/1965. Foi necessário esperar mais de trinta anos para voltar a estar
entre os primeiros na época de 1991/1992.
Na taça de Portugal nunca voltou
a repetir a façanha, apesar de ter chegado aos quartos de final na época de
1983/1984 (12).
Mas estas são outras histórias
que, em boa hora, têm vindo a ser regularmente recordada nas páginas do jornal “Badaladas”
por Rui Santos, quando nos aproximamos, em Maio de 2017, do primeiro centenário do
clube de Torres Vedras.
(1) Diário
Popular, 28 de Maio de 1955;
(2) Diário
Poular,30 de Maios de 1955;
(3) Diário
Popular, 30 de Maios de 1955;
(4) Diário
Popular, 31 de Maio de 1955;
(5) Site
www.zerozero.pt;
(6) Diário
Popular, 6 de Maio de 1956;
(7) Diário
Popular,13 de Maios de 1956;
(8) República,
21 de Maio de 1956;
(9) Diário
de Lisboa, 26 de Maio de 1956;
(10)Diário
Popular, 27 de Maios de 1956;
(11)República,
28 de Maio de 1956;
(12)MATOS,
Vivian e Sandra, Passado Presente (monografia sobre o SCUT), ed. 1998.
(nota: uma versão resumida deste texto foi publicada nas páginas do jornal "Badaladas" de 17 de Junho de 2016)
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