Pelo menos desde 1839, as elites portuguesas conheciam a existência da
fotografia, na sua fase embrionária do daguerreotipo, ano em que essa invenção
foi divulgada nas páginas da revista “Panorama”, sendo também nessa revista que
foi divulgada uma reprodução litográfica do primeiro daguerreotipo português,
em 20 de Março de 1841, uma gravura da autoria de José Maria Baptista Coelho,
que reproduzia a frente oriental do Palácio da Ajuda, a partir de uma foto tirada
por Francisco Mocening.
Em 1849 realiza-se em Portugal a primeira exposição publica com
fotografias, na Exposição Industrial de Lisboa.
Nessa exposição participou o dono de uma quinta do concelho de Torres
Vedras, a quinta do Calvel, o conde Farrobo (1).
É assim provável que entre as elites cultas do concelho de Torres Vedras,
na década de 40 do século XIX, já fosse conhecida a nova invenção e até que
alguns deles já a tivessem experimentado.
Contudo, a primeira vez que surge uma referência à fotografia, num
documento escrito neste concelho, foi só em 1877.
De facto, numa resposta dada pelo administrador do concelho de Torres
Vedras a um pedido do Governador Civil de Lisboa sobre a hipótese de se
fotografar “um estabelecimento de beneficência” existente no concelho, digno de
ser apresentado na Exposição Universal de Paris, o administrador negou a
existência de qualquer estabelecimento no concelho “digno d’elles ou de algumas
das suas partes, se tirarem vistas photographicas (…) a não ser o
importantíssimo estabelecimento” dos Inválidos Militares de Runa, “digno de ser
apresentado na Exposição de Paris”. Desconhecemos se esse projecto se veio a
efectuar(2).
O primeiro a fotografar Torres Vedras e torrienses, sobre quem temos
notícias, foi Giulio Zanetta, , “hábil photographo italiano” cuja presença foi noticiada na edição do “Jornal de
Torres Vedras” de 21 de Maio de 1885, onde se informava que aquele fotógrafo
tencionava “demorar-se alguns mezes n’esta villa” e cujo “atelier” estava a ser
construído no Largo de S. Tiago, no “nº 22, local muito apropriado, central e
bem disposto”.
Acrescentava a mesma notícia que aquele “artista” trabalhava “com
machinas perfeitíssimas e por preços muito moderados”, sendo “belíssimas
algumas photographias que temos visto da sua grande colecção”(3).
Poucas semanas depois o mesmo periódico noticiava a grande “affluencia
de visitantes aos atelier photographico
do sr. Giulio Zanetta”, elogiando os “trabalhos do inteligente artista feitos
segundo as regras mais modernas da photographia”, indicando como outros
atractivos e garantias para uma visita àquele atelier, a grande “variedade de
aparelhos, um elegante gabinete onde está o atelier, modicidade dos preços,
cortesia e delicadeza do operador” (4).
Em Outubro desse ano ficamos a saber que Giulio Zanetta terá andado em
digressão por outros locais, anunciando-se, após o seu regresso de Peniche, e a
reabertura do seu atelier no largo de S.Tiago(5).
Em anuncio publicado na imprensa local referem-se os vários tipos
trabalhos realizados naquele atelier: “retratos de todos os formatos, vistas,
grupos, instantâneos de creanças, famílias e corporações, tendo para isso” um
aparelho “especial extra rápido Dallmeyer” (6).
Prevendo uma estadia inicial de alguns meses em Torres Vedras, Zanetta
acabou por ficar quase três anos.
Em Março de 1887 a imprensa local
anunciou a retirada do fotógrafo, para regressar à sua casa em Itália (7), em
Meina-Lago Maggiore (8), situação que só se concretizará em Julho (9).
Giulio Zanetta não deixou rasto, nem se conhece nenhum trabalho que lhe
possa ser atribuído. Se procurarmos na internet encontramos algumas vezes
aquele nome em Itália, mas de pessoas diferentes, existindo mesmo um fotógrafo
com aquele nome, mas ainda vivo, com obra publicada na Fototeca do Parque
Nacional “Grande Paradiso”, em Itália.
Mas o espaço deixado vago por Zanetta foi rapidamente preenchido. Em
Setembro de 1887 a imprensa local anuncia que dois fotógrafos, “os srs.
Martinez e Figueiredo, acabam de estabelecer-se n’esta villa, na mesma casa em
que o sr. Giulio Zanetta produziu durante três anos muitos e variados trabalhos
da sua especialidade”, referindo que “os recém chegados são dois artistas
hábeis, dignos de protecção” (10).
Em anuncio publicado nessa mesma edição, menciona-se o custo dos
retratos, desde 1$200 a 4$500 réis a
dúzia.
Para outro jornal local, a presença daqueles fotógrafos era “uma bella occasião para os nossos
leitores e leitoras se photographarem, ficando com exemplares tão nítidos como
os dos melhores photographos de Lisboa, e por preços muito mais resumidos” (11).
Uma das novidades anunciadas foi o facto daqueles fotógrafos darem
“licções aos amadores que desejem conhecer os segredos da fotografia” (12), o
que comprova a crescente popularização da fotografia , possível pela sua rápida
evolução técnica, registada na década de 80.
Ao longo de notícias publicadas em edições seguintes, durante vários
anos, é referido apenas um daqueles nomes, Martinez Pozzal, não havendo mais
nenhuma referência ao seu sócio Figueiredo.
A partir do seu atelier no Largo de Santiago, Martinez Pozzal deslocou-se
às localidades vizinhas, principalmente ao longo de 1889, onde obteve várias
fotografias. Vila Franca de Xira, Arruda dos Vinhos e Ericeira foram três dos
lugares visitados, regressando a esta última localidade em 1895, segundo a imprensa
local da época.
Na obra “Ericeira – Uma Fotobiografia” (13) são publicadas três
fotografias daquela localidade atribuídas a Martinez Pozzal, pertencentes ao
Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Ericeira, mas datadas à mão de 1880.
Desconhecemos se aquela datação será rigorosa ou indica a década. Se a data for
correcta, quer dizer que, antes de se estabelecer em Torres Vedras, já Pozzal
tinha fotografado a Ericeira. Se aquela data indicar a década, então podemos
estar perante o resultado de trabalhos que Pozzal fez naquelas digressões aos
concelhos vizinhos a partir de Torres Vedras.
Deve-se a Pozzal a edição, em 1890,
daquele que pode ser considerado o primeiro postal de Torres Vedras, uma
fotografia da imagem do senhor dos Passos, “servindo-se para isso de um
aparelho próprio para fazer reproduções nos interiores dos edifícios”, da qual
efectou reproduções para serem vendidas em Lisboa e no seu atelier em Torres
Vedras. (14).
Contudo, “oficialmente”, a primeira colecção de postais ilustrados de
Torres Vedras foi a editada pela Papelaria Cabral em Agosto de 1899 (15).
Em 1894 Pozzal muda o seu atelier para a rua Dias Neiva, onde vendia
“vistas” de Torres Vedras e dos Cucos (16).
Não conhecemos fotografias de Pozzal referentes a Torres Vedras, a não
ser uma fotografia e uma gravura, a partir de outra fotografia, referentes ao
estabelecimento das águas medicinais da Fonte Nova, a primeira fazendo parte do
espólio fotográfico do sr. Adão de Carvalho (17) e a segunda, que aqui
reproduzimos, publicada na edição da revista Occidente onde se publica uma
reportagem sobre a inauguração, em 22 de Maio de 1895, daquele estabelecimento
termal (18).
A mais antiga dessas gravuras, uma vista de Torres a partir do Castelo,
foi publicada nas páginas do “Gazeta…” em 7 de Junho de 1894 (19).
Tal como aconteceu com Zanetta, pouco mais sabemos sobre Pozzal, não sendo nenhum deles citado na obra de António Sena.
A “vida” de Martinez Pozzal foi magistralmente ficcionada, com base nas
informações recolhidas na imprensa local, por António Augusto Sales na sua obra
“Os Guardadores do Tempo” (20).
Há, contudo, um Pozal, (só com um “z”), Fernando Martinez Pozal,
referenciado no site do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, que viveu
entre 1899 e 1971, e que, lendo a sua biografia, deduzimos que seja filho do
“nosso” Pozzal.
Pela biografia deste encontramos algumas coincidências. O nascimento de
Fernando acontece quando o “pai” deixou Torres Vedras, em 1899.
Segundo a biografia citada, o Pozzal pai tinha no principio do século
XX um estúdio de fotografia na Caçada da Estrela, nº 99, tendo abandonado a
fotografia para abrir uma casa de penhores, regressando à fotografia em 1919,
com a firma Pozal & Garcia, dona da Casa de Fotografia Vénus, na rua D.
Pedro V. Foi aqui que Fernando aprendeu com o pai a fotografia. Nada mais
sabemos sobre o “pai” Pozal, nem a data do seu
falecimento (21).
Pozzall apareceu referenciado em Torres Vedras pela última vez em 1899,
embora já se estivesse estabelecido em Lisboa, ligado à “Photographia União”,
pensamos que a nova designação do atelier que tinha fundado anos antes na rua
Dias Neiva, espaço inaugurado (ou reinaugurado?) em 20 de Agosto de 1899 (22) e
que aparece referido até 1903, embora desde 1900 seja indicado aquele atelier
como propriedade de José Maria de Miranda e surgindo, em 1902, a designação de
João Henriques dos Santos como sócio gerente.
Pensamos que o autor das fotografias, J. Novaes, é o fotógrafo Júlio Novaes (1867-1925) o mais novo dos irmãos Novais, dois dos quais, António e Eduardo, também foram fotógrafos conhecidos da viragem do século.
Julio Novais iniciou-se na fotografia aos 12 anos, em 1879 e em 1897
inaugurou em Lisboa o estúdio Photographia Novaes, que recebia “encomendas da
província” e, em 1909, abre outro estúdio com o nosso conhecido Pozal, em
Lisboa, o “J.Novaes & Pozal”, na Rua
do Sol, ao Rato (24).
Há inda referência a um outro atelier estabelecido em Torres Vedras no
final do século XIX, de vida efémera, “Photographia Neves”, referenciado em
Março de 1899, situado no “bairro Tertuliano”(25) , mas que encerrou as suas
portas poucos meses depois de abrir, em 18 de Setembro desse ano (26).
Ao longo do século XX a fotografia populariza-se e surgem vários
estúdios de fotografia e vários fotógrafos em Torres Vedras, alguns de renome.
Mas essa é outra parte da história que não cabe agora aqui, neste
pequeno esboço sobre as origem da fotografia em Torres Vedras, um pequeno
resumo de um trabalho de investigação que, espero, possa um dia vir a ser
concluído e publicado.
1.
– Informações
recolhidas em SENA, António, História da Imagem Fotográfica em Portugal –
1839-1997, Porto Editora, Porto 1998;
2.
–
Livro nº 5 de Correspondência do Administrador do Concelho para o Governo
Civil, registo nº 181 de 14 de Julho de
1877 (Arquivo Municipal de T.Vedras);
3.
- “Jornal
de Torres Vedras” de 21 de Maios de 1885;
4.
–
“Jornal de Torres Vedras” de 25 de Junho
de 1885;
5.
–
“Jornal de Torres Vedras” de 1 de Outubro de 1885;
6.
– “A
Semana” de 31 de Março de 1887;
7.
– “A
Semana” de 31 de Março de 1887;
8.
– “A
Semana” de 21 de Julho de 1887;
9.
–
“Voz de Torres Vedras” de 23 de Julho de 1887;
10.
–
“Voz de Torres Vedras” de 10 de Setembro de 1887;
11.
– “A
Semana” de 8 de Setembro de 1887;
12.
– “A
Semana” de 27 de Outubro de 1887;
13.
–COSTA,
José Constantino, Ericeira – Uma Fotobiografia, Mar de Letras editora, Ericeira
2013;
14.
– “A
Semana” de 6 de Março de 1890;
15.
-–“Folha
de Torres Vedras” de 27 de Agosto de 1899;
16.
– “A
Semana” de 22 de Julho de 1894 ;
17.
–
CARVALHO, Adão de , “Recordando…Águas Medicinais da Fonte Nova”, in “Badaladas”
de 19 de Maio de 1995;
18.
– “O
Occidente”, de 5 de Junho de 1895, reportagem de Caetano Alberto, pp.124 a 126,
com gravura na pág. 124;
19.
–
“Gazeta de Torres Vedras” de 7 de Junho de 1894;
20.
–
SALES, António Augusto, Os Guardadores do Tempo, ed. Da CMTV, Janeiro de 2007,
pp.27 a 29;
21.
–site
do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, a partir da biografia de Fernando
Martinez Pozal escrita por Clara Anacleto;
22.
–
“Folha de Torres Vedras” de 20 de Agosto de 1899;
23.
–
“Folha de Torres Vedras” de 26 de Junho de 1902;
24.
–
site do Centro Português de Fotografia;
25.
–“Folha
de Torres Vedras” de 26 de Março de 1899;
26.
-
“Folha de Torres Vedras” de 10 de Setembro de 1899;
(Uma versão mais resumida deste texto foi
publicada na secção “Vedrografias” do Jornal “Badaladas” de 31 de Março de
2017).
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