O primeiro dia de Abril desse ano distante de 1888 foi um Domingo de
Páscoa. Por esse motivo “a Fanfarra da Associação 24 de Julho de 1884 percorreu
a villa (…) em cumprimento de boas festas a diversas pessoas “(1).
Para esse mesmo dia estava previsto o início de um novo horário de
trabalho para o comércio local, objectivo que não terá sido cumprido, a julgar
pela seguinte notícia:
“Uma parte dos commercintes d’esta villa tinha resolvido acceder ao
pedido dos seus empregados, fechando os estabelecimentos às quatro horas da
tarde, nos domingos. Era mais uma victória do progresso, ganha pacificamente,
que honrava por igual aquelles que o solicitaram e os que concederam.
“Esta regalia devia começar no domingo de Páscoa. Não sucedeu, porém,
assim, cremos que por circunstâncias independentes de boa vontade de alguns dos
lojistas que assignaram do melhor grado a petição dos caixeiros.
“Os estabelecimentos que à hora aprazada fecharam, foram os dos srs.
Bernardino António Silva Cardoso, Emygdio José da Costa, Ferreira & Sousa,
e José Gonçalves Carvalho” (2).
A principal actividade económica de então era a agricultura, e o
principal produto da região o vinho. Um pequeno quadro dessa actividade era
descrito nos seguintes termos:
“Os trabalhos das vinhas estão todos acabados e a rebentação surge
fluente nas vinhas sadias.
“Por toda a parte se observam os grandes estragos da phylloxera. Agora
que as vinhas já deram a primeira demonstração da sua força, vê-se que algumas
estão mortas, tendo feito as suas despedidas com a colheita passada” (3).
Por sua vez apostava-se na melhoria da rede viária e no desenvolvimento
do caminho de ferro como soluções para melhor escoar a produção local.
Contudo, nem tudo corria bem para o cumprimento desse objectivo:
“(…) o assumpto da conservação das estradas carece de séria e especial
atenção do sr. ministro das obras públicas. Isto não pode aguentar-se muito
tempo. Os concelhos de Torres e Alenquer, que nós melhor conhecemos, estavam
bem servidos de estradas districtaes, mas os invernos e a falta de concertos,
por ter sido suprimida a verba destinada à conservação, estão pondo as viações
em estado lastimosos e impossível (…)” (4).
Também numa carta dirigida ao jornal “A Semana”, um leitor queixava-se
de ser “lastimoso o estado em que se acham os caminhos dos logares da
Ermegeira, Abrunheira, Ramalhal e Amial para a estação de caminho de ferro do
Rmalhal (…).
“Havendo n’estes logares (…) adegas importantes de vinho e outras
mercadorias a transportar para a estação do Ramalhal, não o podemos fazer por
causa dos péssimos caminhos, não nos servindo de utilidade nenhuma o haver
estação no Ramalhal, porque temos que ir à estação de Torres, que é mais do
dobro do caminho, mas ao menos aproveitamos a estrada real e podemos conduzir
dois cascos de cada vez, enquanto que para a estação do Ramalhal, nem um, mesmo
em carro de bois, porque corremos o risco de nos ficar carro e bois submergidos
na lama!
“De que nos serve uma estação de caminho de ferro, sem termos estrada?
De nada (…)” (5).
Igualmente mal servidos estavam os habitantes de Torres Vedras que se
quisessem deslocar para a estação do caminho de ferro desta localidade. Por
isso manifestavam preocupação com a construção de vias que ligassem o centro da
vila àquela estação:
“Vão ser remetidos para a administração do concelho os autos das novas
expropriações feitas para o alargamento da Avenida do caminho de ferro d’esta
villa [ a actual Av. 5 de Outubro], alargamento que acaba de ser approvado pelo
ministro, como a câmara requereu, por iniciativa do deputado do círculo, que em
vez de 8 pediu 16 metros de largura para aquela via pública (…) “ (6).
Outra notícia dava conta que na “terça-feira fez-se a medição e
iniciaram-se os cortes a fazer nos terrenos para a nova rua que a Câmara
projecta abrir, a fim de ligar a Praça Nova com a futura avenida” (7) [julgamos
tratar-se da actual Rua Tenente Valadim].
Contudo, apesar das alterações que o caminhos de ferro estava a
provocar na fisionomia urbana de Torres Vedras, era evidente o descontentamento
com o facto de então apenas se realizar uma viagem de comboio ascendente
diariamente.
Eram também divulgados alguns números sobre o movimento da linha férrea
no concelho:
“Durante o anno decorrido de Maio de 1887 até igual mez de 1888 a
receita realizada em dinheiro na estação do caminho de ferro d’esta villa, foi
de 22.000$000 réis, números redondos. Não entram n’este rendimento as remessas
de mercadorias a pagar nas estações que
se destinam, o que é importantíssimo, especialmente em vinhos” (8).
“No mez de Janeiro transitaram pelas linhas férreas de Cintra a Torres
10:372 passageiros e 3:444 toneladas de mercadorias, produzindo 8:225$144 réis.
“De Torres à Figueira e Alfarellos, os comboios transportaram no mesmo
período 4:216 passageiros e 2:035 toneladas de mercadorias, dando de receita
3.559$714 réis” (9).
Terminamos esta crónica como começámos: referindo uma festa de cariz
religioso, a reinauguração da Capela do Senhor Jesus Morto no Turcifal, em 29
de Abril de 1888, descrita neste termos:
“Foi uma verdadeira surpreza a enorme quantidade de gente que no
domingo affluiu ao logar do Turcifal. A festividade era, por assim dizer,
extraordinária, pois, como havíamos já noticiado, celebrava-se a inauguração da
antiga capella que fôra reedificada, e onde ficou agora o Senhor Jesus Morto,
que esteve provisoriamente na igreja matriz, emquanto se prepararam as obras.
“De todos os logares comvisinhos e também de muitos pontos distantes
concorrerm famílias, fazendo-se conduzir por toda a espécie de vehiculos e
animaes de carga.
“O espaço largo onde se ergueu o templo de Santa Maria Magdalena,
apresentava um aspecto imponente.
“Ao descair a tarde saiu a procissão em que era conduzido o esquife com
a veneranda imagem do Senhor Morto, e a da Virgem, sendo muito acompanhadas de
Irmãos.
“Na frente tocava a Fanfarra de Villa Franca do Rosário, que
espontaneamente appareceu a encorporar-se no préstito, e na rectaguarda a philarmónica
Torreense, fechando com uma força de 16 praças de infantaria 11, comandada pelo
sargento.
“Percorreu o logar, dirigindo-se à pequena ermida que está muito
alindada, onde ficaram as imagens: Em seguida orou o ver. Chagas, e depois o préstito
dispersou, começando então a debandada que tinha o pittoresco matiz das variadas conduções, desde o veterano
jumento ao pesado carro de bois, desde a clássica carroça de muares até à
elegante “caleche” particular.
“De Torres Vedras a Concorrencia era bastante. A tarde conservou-se
bonita e convidativa ao passeio.
“Os principaes moradores do Turcifal receberam com a sua proverbial
amabilidade os convidados, que retiraram muito satisfeitos pelo modo como em
tudo sobressaiu a festividade do domingo n’aquelle logar” (10).
Com descrições como esta, não era preciso existir máquina fotográfica…
(1)
– in
Voz de Torres Vedras, 7 de Abril de 1888;
(2)
–idem,
idem;
(3)
– in
A Semana de 12 de Abril de 1888;
(4)
–
idem, idem;
(5)
–in A
Semana de 19 de Abril de 1888;
(6)
– in
A Semana de 5 de Abril de 1888;
(7)
–in
Voz de Torres Vedras de 7 de Abril de 1888;
(8)
– in
“A Semana” de 12 de Abril de 1888;
(9)
– in
Voz de Torres Vedras de 7 de Abril de 1888;
(10)
– in A
Semana de 3 de Maio de 1888.
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