(Filipe IIº)
Em 13 de Setembro de 1598, há 420 anos, morria um dos monarcas mais
poderosos do mundo, o rei Filipe IIº, rei de Espanha desde 1556 e de Portugal
“e dos Algarves” desde 1581, governando no nosso país com o título de Filipe
Iº.
O seu reinado deu inicio, em Portugal, à dinastia filipina, que só
terminou em 1640.
A propósito dessa efeméride vamos tentar traçar, em poucas palavras,
aquilo que foi o domínio filipino em Torres Vedras (1).
O domínio filipino foi bem aceite pelas famílias dominantes da região,
com a do “Alarcões” à frente.
Esta família, de origem espanhola, dominava a alcaidaria da então vila
desde o reinado de D. Manuel, quando D. João de Alarcão herdou do seu sogro,
Gomes Soares, falecido em 12 de Janeiro de 1514, o cargo de alcaide-mor de
Torres Vedras.
Terá sido também nessa altura que os alcaides-mores, que
tradicionalmente habitavam os chamados “Paços do Patim”, passaram a ocupar o
“palácio” do Castelo, restaurado no tempo de D. Manuel, como o atestam ainda
hoje as esferas armilares aí existentes.
Quando da aclamação do rei espanhol em 1581, exercia o cargo da
alcaide-mor de Torres Vedras D. Martim Soares de Alarcão, que foi um dos mais
fiéis defensores da causa castelhana (2).
Esse alcaide teve um papel importante na repressão das revoltas locais
que tiveram lugar nesse período.
Uma das mais conhecidas foi a chamada revolta do “Rei da Ericeira”,
liderada por um tal Mateus Álvares, natural doa Açores, filho de um pedreiro,
que se fez aclamar como rei pela população
da Ericeira em 1585 , mobilizando os camponeses da região contra o Castelo de
Torres Vedras.
Um dos seus principais seguidores foi um vinhateiro de Torres Vedras,
Pedo Afonso, nomeado pelo falso rei estribeiro mor e marquês de Torres Vedras e
que casou com a filha daquele, “coroada” rainha.
O movimento acabou afogado em sangue, quando o exército do “Rei da
Ericeira” foi travado na estrada de Lisboa pelos bem organizados batalhões
filipinos.
O falso rei e o seu genro foram enforcados em Junho de 1585 (3).
Outra ocasião difícil para o alcaide-mor de Torres Vedras foi quando D. António Prior do Crato, em 1589, apoiado
por forças inglesas, atacou e ocupou Torres Vedras, depois de desembarcar em
Peniche e antes de se dirigir para Lisboa.
(D. António Prior do Crato)
Existem várias versões sobre este acontecimento, mas a mais credível é
a descrição de um manuscrito da Torre do Tombo, da autoria de André Falcão de
Resende.
A armada inglesa era
comandada pelo “General do mar”, Francis Drake,
acompanhado pelo “General de terra” Henrique Norris,”capitão escocês
muito conhecido”, conde de Norwich.
No dia 23 de Maio de
1589 a Armada Inglesa chegou a Peniche, entrando no porto da vila, que tomou, e
a praia em frente, a praia de Nª Senhora da Consolação.
O alcaide local, João
Gonçalves de Ataíde , de imediato mandou enviar recado a “Sua Alteza” e ao
alcaide-mor de Torres Vedras, Dom Martinho Soares de Alarcão e Melo, acerca do
sucedido.
Em Torres Vedras
estavam estacionadas 12 “companhias” comandadas por Martinho
Soares, que logo na noite desse dia partiu com elas na direcção de Peniche,
acompanhado por Gaspar de Alarcão,
morador nesta vila, com cento e dez “ginetes” de que era capitão.
Impressionados com o
número de tropas inglesas, as tropas fiéis a Castela regressaram a Torres Vedras,
de onde se retiraram quando, por volta da meia-noite do Domingo 28 de Maios,
quando se soube que a tropas de D. António vinham marchando da Lourinhã para
esta vila.
No dia 29 de Maio “já
tarde”, entraram na vila de Torres Vedras o exército inglês e D. António, sob o
comando de Norris.
D. António aposentou-se
nas casas do prior de Stª Maria do Castelo, “e a noite foy dormir no Castello,
onde pousava Francisco de Seixas” Cabreira, natural da vila, que veio a ser
preso mais tarde pelo governo filipino, por causa desta sua atitude de
facilitar a aposentação de D. António em Torres Vedras.
Contudo, muitos dos
soldados ingleses “se embebedarão, por haver muito vinho nesta villa”. Beberam
em tal excesso que muitos adoeceram e alguns chegaram mesmo a morrer.
Este incidente provocou
um atraso no avanço dos Ingleses sobre Lisboa, dando tempo às tropas
luso-castelhanas que defendiam a capital, de se prepararem para a chegada dos
apoiantes de D. António.
Chegados próximo de
Lisboa, os ingleses, perante a resistência dos sitiados, resolveram, no Domingo
4 de Junho, retirar-se a caminho de Cascais., onde chegaram no dia seguinte,
perseguidos pelas tropas luso-castelhanas.
Em 18 de Junho
iniciaram a sua retirada, embarcando na armada estacionada em Peniche .
Entretanto, no dia 6 de
Junho, cerca de mil homens comandados por D. Martim Soares e pelo capitão
António Pereira, reconquistaram, quase sem combate, o castelo de Torres Vedras(4).
Em definitivo, a região
voltou a obedecer a D. Filipe II.
Depois desses dois
episódios de resistência local inicial ao domínio filipino, não se voltaram a
assinalar episódios político-militares significativos
até à Restauração.
Apenas um ano antes da
Restauração, num documento enviado ao alcaide de então, D. João Soares de
Alarcão, se revela alguma preocupação em defender a região de um possível
ataque da armada francesa em apoio de uma possível insurreição no Reino.
Nesse documento, datado
de 26 de Junho de 1639, já no reinado de D. Filipe IV (IIIº de Portugal), o
monarca encarrega o alcaide de Torres Vedras de levantar a gente de armas da
região.
Por esse documento, que
refere números relativos ao total da Comarca de Torres Vedras (muito mais
extensa que os limites do concelho), ficamos a saber que, na comarca, existiam
9 743 homens capazes de pegar em armas, dos quais 5722 tinham espingardas
e arcabuzes e 991 “piques”.
Por ordem do mesmo
monarca foram escolhidos 1 200 homens para se reunirem na vila de Torres
Vedras, prontos a resistir a um ataque da armada francesa à costa portuguesa,
um reflexo local da chamada “Guerra dos 30 anos”(5).
Durante esse período, a
vila de Torres Vedras adquiriu uma considerável importância politica e
económica, patentes no prestígio da família dos Alarcões junto da coroa
espanhola e na concretização da Comarca de Torres Vedras, criada anos antes mas
que só passou a ser efectiva em 1617 (6).
Sem procuramos ser
exaustivos, aqui pretendemos deixar uma breve síntese sobre os episódios mais
marcantes da história torriense durante o domínio filipino.
- (1) Existem duas obras fundamentais sobre esse período em Torres Vedras: BRAGA, Paulo Drumond, Torres Vedras no reinado de Filipe II – Crime, Castigo e Perdão, ed. Câmara Municipal de Torres Vedras/Edições Colibri, Lisboa 2009; VEIGA, Carlos Margaça e SILVA, Carlos Guardado da, O Livro de Acordãos do Município de Torres Vedras – 1596-1599, ed. CMTV, 2003.
- (2) RÊGO, Rogério de Figueirôa , “O Castelo de Torres Vedras”, in Boletim da Junta da Província da Estremadura, nº 21, Série II, Maio/Agosto de 1949, pp. 195-209.
- (3) Existe muita bibliografia e muitas referências a esse episódio. Recentemente, nas páginas do “Badaladas”, foi publicada uma excelente síntese sobre esse episódio, da autoria de GRANADA, Manuel Novais, “Revista de Lisboa garantia em 1932 – Última batalha entre as tropas castelhanas e as milícias do “rei da Ericeira” deu-se no castelo de Torres Vedras”, edição de 27 de Julho de 2018; e “Justiça de Filipe I abateu-se de modo implacável sobre os revoltosos de “D. Sebastião da Ericeira” (conclusão), edição de 17 de Agosto de 2018.
- (4) FALCÃO de RESENDE, André, “Carta que o autor escreveo a hum Amigo em que se conta a vinda dos Ingleses a Lisboa com dom António Prior do Crato no Ano de mil quinhentos e oytente e nove annos”, in Manuscrito da Livraria, cota 1147, Arquivo Nacional da Torres do Tombo. Voltaremos a este tema, com mais pormenor, no próximo ano, por ocasião da comemoração da efeméride deste episódio.
- (5) “Menção Histórica”, in A Semana de 23/6/1892.
- (6) SERRÂO, Joaquim Veríssimo, O Surto Regional na legislação dos Filipes (1581-1625), ed. 1975 e O tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil, ed. Colibri, Lisboa.
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