quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Em busca da “Matrafona” perdida



Uma pergunta que muito me faço, e me fazem a mim mesmo, é sobre a origem das “matrafonas”.

Em termos genéricos uma “matrafona” é um homem mascarado de mulher durante o Carnaval.

Numa observação mais cuidada, nem todo o homem que se disfarça de mulher é uma verdadeira “matrafona”…

Mas vamos por partes.

Comecemos pelo significado.

“Matrafona” não aparece no dicionário de que me sirvo habitualmente, o Dicionário de Língua Portuguesa, em dois volumes, editado pela Academia de Ciências.

Já, em edições mais recentes, nos dois mais credíveis dicionários on-line, o Ciberdúvida, elaborado pelo ISCTE,  e o Infopédia, produzido pela Porto Editora, podemos encontra a palavra “Matrafona”.

No do ISCTE, o significado de “Matrafona” é “mona”, “boneco de trapos”, “mulher desajeitada”, “mulher mal vestida”.

É no Infopédia que a designação de “Matrafona” tem um significado mais curioso. Considera a palavra um “regionalismo” e especifica que é um “homem que se mascara de mulher, no Carnaval de Torres Vedras” (sublinhado nosso).

Note-se que esse dicionário da Porto Editora identifica a “matrafona” como uma designação específica do Carnaval de Torres.

Indica, igualmente, esse termo como sinónimo de “Matrafona”, um “regionalismo” para “boneca de trapos”, em calão “prostituta” e “sentido pejorativo” mulher mal arranjada”, com origem no árabe “mara haina”, “mulher enganadora”.

Foi aliás no Dicionário de Arabismo de Língua Portuguesa, de Adalberto Alves, editado na primeira década deste século, que encontrei o termo que pode estar na origem da palavra “matrafona”: MATRAFÃO, do árabe “matraq”, isto é “taciturno”  ou “desprezível”, significando “homem desajeitado”. Parece ter sido,assim, esta designação de “matrafão” que deu origem ao feminino “matrafona”.

Quanto à fixação escrita da palavra “matrafona” no Carnaval de Torres é um estudo que está por fazer, mas nunca encontramos essa palavra, para designar os homens mascarados de mulher, pelo menos até muito recentemente.

Note-se que a tradição de os homens se mascararem de mulher já é muito antiga, não só por ser a forma mais simples de inversão de personalidade, que é uma característica do Carnaval, como por ser a máscara mais simples e até mais barata, bastando ir buscar as roupas velhas lá em casa, da esposa, mãe ou filha.

Em Torres Vedras, a primeira referência  a essa “transgressão” data de 1900, referindo-se a presença no desfile em Torres Vedras de “uma dança” vinda de Runa de “travestis de bailarinas”.

Há também a tradição oral de um costume antigo no Turcifal onde, durante o Carnaval, um grupo de homens mascarados de mulher percorria as tabernas da aldeia.

Inicialmente essa era uma máscara de gente pobre e do meio rural.

Alguns testemunhos referem os anos de 1920 como os da presença de “matrafonas” no carnaval, embora essa designação ainda não apareça assim designada nessa altura. Alguns desses testemunhos apontam mesmo, umas vezes 1926 , outras 1928 para o seu aparecimento.

Para além da velha e popular tradição de os homens se  mascararem de mulher durante o Carnaval, a popularização desse tipo de máscara em Torres Vedras não deverá ser estranha ao aparecimento de um homem como rainha do carnaval desde 1923, geralmente acompanhada por “damas de honor” e pelas “mulheres dos ministros”, também homens massacrados de mulheres.

Nas fotografias e filmes  da época, até pelo menos aos anos de 1960, sem ser  naqueles casos, não se vislumbram muitas situações de homens mascarados de mulher nos desfiles de carnaval.

É a partir dos anos de 1960 que se tornam frequentes a presença de grandes grupos de homens mascarados de mulher, coincidindo também com a generalização do termo “matrafona” para os designar.

Por fim, recorde-se a noite de 2ª feira de Carnaval, como momento alto do carnaval de Torres e dedicado aos grupos de matrafonas, e que começou com um pequeno grupo de rapaziada que se juntava nessa noite junto ao então Café Império, partindo daí para percorrer as colectividades e as discotecas, sendo para muitos a única forma de poder entrar de borla nesses bailes.

Como participei numa dessas primeiras “sessões”, pode-se datar o início dessa “tradição” do dia da “matrafona” algures entre 1978 e 1981, até ganhar dimensão, já na década de 1990, fazendo a partir de então parte do “calendário” oficial do Carnaval de Torres.

Ficam aqui algumas dicas para quem queira um dia aprofundar a história das “matrafonas”.

Agora é tempo de se divertirem.

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