Uma pergunta que muito me faço,
e me fazem a mim mesmo, é sobre a origem das “matrafonas”.
Em termos genéricos uma “matrafona” é um homem mascarado de mulher
durante o Carnaval.
Numa observação mais cuidada, nem todo o homem que se disfarça de
mulher é uma verdadeira “matrafona”…
Mas vamos por partes.
Comecemos pelo significado.
“Matrafona” não aparece no dicionário de que me sirvo habitualmente, o
Dicionário de Língua Portuguesa, em dois volumes, editado pela Academia de
Ciências.
Já, em edições mais recentes, nos dois mais credíveis dicionários
on-line, o Ciberdúvida, elaborado pelo ISCTE,
e o Infopédia, produzido pela Porto Editora, podemos encontra a palavra
“Matrafona”.
No do ISCTE, o significado de “Matrafona” é “mona”, “boneco de trapos”,
“mulher desajeitada”, “mulher mal vestida”.
É no Infopédia que a designação de “Matrafona” tem um significado mais
curioso. Considera a palavra um “regionalismo” e especifica que é um “homem que
se mascara de mulher, no Carnaval de Torres Vedras” (sublinhado nosso).
Note-se que esse dicionário da Porto Editora identifica a “matrafona”
como uma designação específica do Carnaval de Torres.
Indica, igualmente, esse termo como sinónimo de “Matrafona”, um
“regionalismo” para “boneca de trapos”, em calão “prostituta” e “sentido
pejorativo” mulher mal arranjada”, com origem no árabe “mara haina”, “mulher
enganadora”.
Foi aliás no Dicionário de Arabismo de Língua Portuguesa, de Adalberto
Alves, editado na primeira década deste século, que encontrei o termo que
pode estar na origem da palavra “matrafona”: MATRAFÃO, do árabe “matraq”, isto
é “taciturno” ou “desprezível”,
significando “homem desajeitado”. Parece ter sido,assim, esta designação de
“matrafão” que deu origem ao feminino “matrafona”.
Quanto à fixação escrita da palavra “matrafona” no Carnaval de Torres é
um estudo que está por fazer, mas nunca encontramos essa palavra, para designar
os homens mascarados de mulher, pelo menos até muito recentemente.
Note-se que a tradição de os homens se mascararem de mulher já é muito
antiga, não só por ser a forma mais simples de inversão de personalidade, que é
uma característica do Carnaval, como por ser a máscara mais simples e até mais
barata, bastando ir buscar as roupas velhas lá em casa, da esposa, mãe ou
filha.
Em Torres Vedras, a primeira referência
a essa “transgressão” data de 1900, referindo-se a presença no desfile em Torres
Vedras de “uma dança” vinda de Runa de “travestis de bailarinas”.
Há também a tradição oral de um costume antigo no Turcifal onde,
durante o Carnaval, um grupo de homens mascarados de mulher percorria as
tabernas da aldeia.
Inicialmente essa era uma máscara de gente pobre e do meio rural.
Alguns testemunhos referem os anos de 1920 como os da presença de “matrafonas”
no carnaval, embora essa designação ainda não apareça assim designada nessa
altura. Alguns desses testemunhos apontam mesmo, umas vezes 1926 , outras 1928
para o seu aparecimento.
Para além da velha e popular tradição de os homens se mascararem de mulher durante o Carnaval, a
popularização desse tipo de máscara em Torres Vedras não deverá ser estranha ao
aparecimento de um homem como rainha do carnaval desde 1923, geralmente
acompanhada por “damas de honor” e pelas “mulheres dos ministros”, também
homens massacrados de mulheres.
Nas fotografias e filmes da
época, até pelo menos aos anos de 1960, sem ser
naqueles casos, não se vislumbram muitas situações de homens mascarados
de mulher nos desfiles de carnaval.
É a partir dos anos de 1960 que se tornam frequentes a presença de
grandes grupos de homens mascarados de mulher, coincidindo também com a
generalização do termo “matrafona” para os designar.
Por fim, recorde-se a noite de 2ª feira de Carnaval, como momento alto
do carnaval de Torres e dedicado aos grupos de matrafonas, e que começou com um
pequeno grupo de rapaziada que se juntava nessa noite junto ao então Café
Império, partindo daí para percorrer as colectividades e as discotecas, sendo
para muitos a única forma de poder entrar de borla nesses bailes.
Como participei numa dessas primeiras “sessões”, pode-se datar o início
dessa “tradição” do dia da “matrafona” algures entre 1978 e 1981, até ganhar
dimensão, já na década de 1990, fazendo a partir de então parte do “calendário”
oficial do Carnaval de Torres.
Ficam aqui algumas dicas para quem queira um dia aprofundar a história
das “matrafonas”.
Agora é tempo de se divertirem.
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