("O Triunfo da Morte", de Piter Brueghel)
A História do impacto em Torres Vedras das epidemias conhecidas ainda
está por fazer.
Embora se registem muitas epidemias na Península Ibérica desde que
existem registos, isto é, desde a época romana, uma das mais antigas
documentadas foi uma em 1188, mas foi a tristemente “famosa” “peste negra” uma
das que deixou mais marcas na memória colectiva.
Para Carlos Guardado , em Torres Vedras o surto de peste “ter-se-ia
dado entre finais de Setembro de 1348 e Janeiro de 1349” (1).
Segundo outro autor, Júlio Vieira, deve-se ao impacto da “peste negra” na região,
baseando-se na tradição, “a fuga de parte dos povos de Torres Vedras, em busca
dos melhores sítios, para as fraldas da serra do Montejunto onde construíram
cabanas para viverem (…) pelo que resultou a fundação da povoação chamada
Cabanas de Torres” (2).
Também existe referência, num único documento , a uma peste local em
1395, fonte estudado por Ana Maria Rodrigues (3).
Não existe referência na região ao efeito da peste de Lisboa de 1438,
uma das mais mortíferas .
Existe registo em Torres Vedras da chamada “peste grande” de 1576 nos livros dos
acórdãos da Câmara e no próprio processo de beatificação de Gonçalo de Lagos, a
quem se atribuem alguns “milagres” junto de habitantes da vila infestados, que
atingiu todo o reino a refere nesta região.
Também por aqui se sentiu “a
chamada “peste pequena” que aqui chegou em 1580” (4) havendo memória de nesta
ocasião terem falecido todos os frades do Convento da Graça (5).
Fez-se igualmente sentir neste
concelho a peste de 1598 “que havia começado em Lisboa no mês de outubro, durando
cinco anos” (6) , aqui tendo chegado pelo menos em Janeiro de 1599, tudo
bastante documentado nos livros de acórdão da câmara desses anos (7).
Sobre uma das piores pestes europeias, a peste Bubónica de 1644, não
existe qualquer registo local.
Uma epidemia de “febres malignas” atingiu o lugar da Ponte do Rol,
entre 11 de fevereiro e 2 de Maio de 1795 (8) e que esteve na origem do
estabelecimento, naquele lugar, por ordem de D. Maria I, de um hospital “para
tratamento dos doentes pobres”.
Esta epidemia foi estudada recentemente
por André Melícias, provando a alargamento dessa epidemia, pelo menos, à
freguesia de S. Pedro da Cadeira, (9).
Houve outra epidemia em 1798 nos
lugares de Abrunheira, Monte Redondo e Maxial, entre Abril e Junho desse ano (10).
Vieira refere a epidemia de 1810 de grandes dimensões e bastante mortal,
registada no final do ano, já anteriormente referida por Madeira Torres nos
seguintes termos: “Por este tempo [finais de 1810] grassava na villa, e muito
mais nas suas vizinhanças, um contagio, que foi quase geral, sendo mais
mortífero nas terras invadidas [refere-se à 3ª invasão francesa], e nos emigrados
por serem mais incomodados, e menos socorridos. Contaram-se tantos mortos, que
foi preciso designar-se um amplo cemitério juncto à Igreja de S. Miguel, e
ainda este teve de ampliar-se além dos seus primeiros limites” (11). Segundo
Júlio Vieira (12), deve-se a este facto o nome dado a “casal dos ossos”
localizado próximo desse lugar.
A grande mortalidade causada por esta epidemia esteve na origem de um
avultado empréstimo do governo britânico, em dinheiro e cobertores, ainda
segundo Madeira Torres.
Em Abril e Maio de 1817 registou-se nova epidemia, “de febres e esquinencias” [amigdalite ou
angina na faringe ou laringe], localizada nos lugares da Ermigeira e Maxial,
que atacou “88 pessoas maiores, e 41
menores, fallecendo das primeiras, 3 e das segundas 8” (13).
Registou-se também uma epidemia no lugar da Carvoeira em 1824 (14).
Em 1833 surgiu na vila, em 22 de Maio, prolongando-se até junho, a epidemia
de “Cholera-morbus” (febre amarela), a qual, embora menos devastador que
noutros lugares do país, provocou 30 mortos na vila. Foi introduzida por um
almocreve vindo de Vila Franca de Xira, “que morreu na rua dos Pelomes
contagiando mais algumas pessoas da mesma rua”, onde ele habitava (15).
Ao que parece a “Chólera-morbus”
atingiu mais o termo que a vila, tendo sido o Barro e a Louriceira os lugares
mais atingidos (16).
Constituiu-se então “um Hospital
privativo e provisorio na Quinta chamada do Desembargador ao sul da Villa, e no
fim da Varsea-Grande, juncto á estrada que vae para o Repellão; e um cemiterio
juncto á Ermida de S. João” (17).
Ao todo teriam morrido no concelho 600 pessoas vitimadas por esta
epidemia (18) , sendo assim uma das mais mortíferas registada na região.
No concelho, só os lugares do Ramalhal e Amial escaparam ao flagelo. O facto de a Câmara ter tomado várias medidas
preventivas antes desta chegar ao concelho contribui para evitar que o seu
efeito fosse ainda mais devastador, pois, tomando-se conhecimento que aquela
epidemia já grassava em Lisboa, tomaram-se várias medidas para a combater em
vereação extraordinária de 30 de Abril desse ano (19):
1ª – removeram os matadouros para “o poente da villa no cítio da Fonte
da Pipa próximo do rio (…)”;
2ª – “que a dessecação das tripas seja para o Monte de S. Vicente ou
cazal da Forca assim como a cura do sebo”;
3ª – “que as rezes que se talharem nos açougues sejão os mais
saudáveis, e o pescado o mais fresco, e todo aquelle que se achar incapaz será
apreendido e queimado”;
4ª – mandou queimar todos os animais “sendo bois, porcos, ovelhas ou
cabras, e todos os mais enterrados de forma que não possão ser lançados no Cano
Real”;
5ª –“que se fará dar mais prompta expedição às agoas do Cano Real
devendo as confinantes alargar e aprofundar
para esse fim a regueira tanto quanto seja necessário, e que para evitar
extagnação de immundices no mesmo Cano Real se despejará para elle nas noites
quartas feiras e sábados de cada semana o tanque do chafariz da Praça
juntamente com mais doze pipas ou dornas de àgua que para esse fim se lançarão
nas mesmas noites em o dito tanque sendo conduzidas por carros do chafariz dos
canos”;
6ª – mandou escoar as águas da regueira dos Polomes;
7ª - “que em todos os dias da semana deverão todos os proprietários e
moradores desta villa fazer limpar de manhã suas respectivas testadas e de dois
em dois dias os pateos interiores, cavalariças ou currais de bois, fazendo
extrahir os extrumes para fora da villa”;
8ª – proibia a existência de “currais de vacadas, ovelhas, cabras ou
porcos” dentro da villa, obrigando os seus donos a remover os animais para fora
da vila;
9ª –proibia os ferradores de sangrar animais dentro da vila, só o
podendo fazer “junto do Rio alé, da Ponte da Mentira”;
10ª – mandava que se fizessem “revista” aos “comestíveis e vegetaes que
estiverem a venda nas tendas desta villa” e proibia “que estas ultimas possão
ser conservadas em as ditas tendas de hum para o outro dia por causa da
fermentação”;
11ª –“que se publiquem aos Povos os comestíveis que são nocivos à Saude
Publica”;
12ª- que, dando-se o caso de a
“enfermidade que infelizmente graça em parte da capital” chegar à vila, “se
estabelecerão fora della alguns Hospitaes Provizorios para cujo efeito se
destinarão desde já as cazas da Quinta de Custodio José Rodrigues e as do
Beneficiado José de Leonico e João Ignacio no citio da conquinha e as da Quinta
do Prior”;
13ª – que os “Boticarios tenham em suas boticas todos os medicamentos
constantes da relação que fora dada pelos facultativos”;
14ª – em caso de necessidade serão chamados todos os facultativos da
vila e termo como os da comarca “para concorrer ao ponto onde for necessário”;
15ª – que se promova uma subscrição na vila e termo em dinheiro, roupas
e “alguns utensílios, só nominal e para ter efeito somente e se verificar a
recepção no cazo de infelizmente chegar a existir o fim pqrq que he aberta”.
Como vimos, a epidemia chegou à vila cerca de três semanas depois de
tomadas estas medidas;
Em 1844 registou-se uma epidemia de escarlatina na vila atribuída ao
efeito dos arrozais existentes nas proximidades, a norte, e que terá causado
muitas vítimas (20).
No ano seguinte voltou a registar-se uma epidemia atribuída à
existência daquela cultura, que acabou
por ser abandonada por esse motivo.
Num relatório escrito pelo administrador do concelho em 5 de Janeiro de
1860, em resposta ao pedido do Ministério do Reino par se conhecer a influência
da cultura do arroz na saúde pública,
pode ler-se que “ a cultura do arroz
n’este concelho foi introduzida no anno de 1841, e até ao anno de 1845 teve muito pequeno
desenvolvimento, e n’este anno, que se póde considerar o de mais cultura,
appareceram febres intermittentes em grande escala; depois nos annos seguintes
por occasião dos arrozais largarem flor desenvolvia-se nas povoações proximas
aos locaes aonde existiam as searas o mesmo mal, o que deu lugar a que os povos
clamassem contra a cultura, a que se attribuiam as febres que faziam muitas
victimas, e alguns cultivadores abandonaram a cultura; e em 1848, por portaria
do ministerio do reino, foram mandadas arrazar as searas e prohibida a
cultura de futuro” (21).
Tal opinião, sobre os efeitos nocivos para a saúde pública da cultura
do arroz, corroborava a dos médicos de Torres Vedras nos relatórios enviados
com o mesmo objectivo, em Novembro de 1859:
“No anno de 1845 a 1846, em
consequencia de uma grande sementeira de arroz que se fez ao norte d’esta
villa, cuja embocadura vinha dar a ella, todas as pessoas que assistiam para este
lado foram atacadas de [febres] intermittentes
rebeldes e perniciosas, das quaes muitos doentes foram victimas da morte, e os
que não tinham meios para se curarem nas suas casas se recolheram ao hospital,
aonde foram tratados devidamente, e muitos escaparam: era tão pernicioso o ar
que se respirava do norte d’aquellas sementeiras, que algumas mulheres saindo
das suas casas com saude para ir lavar alguma roupa ao rio voltavam d’ahi a
pouco accomettidas de febres” (22).
“A observação demonstra (...) que
o augmento e gravidade das doenças n’esta localidade é devida á cultura do
arroz, exercendo esta o seu domínio em todas as direcções (...). A classe
jornaleira tem sido sempre a mais atacada, porém as outras classes não o tem
sido pouco, mesmo a mais recatada, e com maior copia de meios; sendo os que
trabalham nos arrozaes, em regra, os que mais soffrem” (23).
“Em 1843 e 1844, quando aqui se renovaram” as
sementeira do arroz “appareceram logo as
febres, que de benignas, segundo o costume anterior, se tornaram perniciosas
pela maior parte; acontecendo que em 1845, em que tomou grande incremento
aquella cultura, de tal forma cresceram as molestias, e de tal maneira se
tornaram geraes, que a epidemia da
cholera de 1855 e 1856 n’estes sitios foi de menos susto e de menos mortalidade”
(24).
De acordo com a opinião unanime daqueles médicos, assim que aquela
cultura foi abandonada cessaram as referidas enfermidades.
Em 1848 um acórdão da Câmara de
6 de Outubro mandou que se tomassem medidas para o caso de a peste de
“Cholera-morbus”, que então grassava na Europa, chegar ao país, mas não existe
qualquer registo conhecido do seu impacto na região.
Em 1853, a partir de Outubro, grassou pelo país uma grave epidemia de
“Cholera-morbus”, desconhecendo-se, contudo, se houve algum caso registado no
concelho de Torres Vedras.
A última grande epidemia que atingiu o concelho no século XIX foi, novamente, a “chólera-mórbus”,
em 1856, contudo mais benigna que a de 1833.
Para esta situação muito terão contribuído as medidas de prevenção que
começaram a ser tomadas ainda em 1855, quando uma circular de 20 de Agosto do
Governo Civil mandou o executivo municipal estabelecer um cemitério em cada
freguesia como primeira medida de prevenção (25) e, pouco tempo depois, mandava criar hospitais
provisórios.
Em relação a esta última recomendação, o executivo considerou não
existir necessidade de criar imediatamente os referidos hospitais por “acharem suficiente (...) o Hospital da
Misericordia d’esta villa”. Contudo “caso
a epidemia se estabelecesse e progredisse a ponto tal que a Mizericordia não
podesse receber todos os doentes atacados de epidemia (...) que era conveniente
desde já olhar para o local onde depois se podessem estabelecer, um dois ou
mais hospitais provisórios que recebessem os doentes que alli se não podessem
tratar”, propondo o convento da Graça e a Quinta do Desembargador, “onde já em 1833 se estabeleceu um Hospital
de cholericos”, que tinham “as
necessárias condições para aquelle fim” (26).
Ainda nessa sessão foi formada uma “Comissão
Central de Socorros”, composta de 17 cidadãos, entre os quais os médicos e
facultativos, e na sessão seguinte nomearam-se os membros dessa comissão para
cada uma das paróquias de fora da vila, em número de 5 cidadãos por cada uma
(27).
Contudo, perante as notícias cada vez mais preocupantes da progressão
da doença, pouco depois tomou-se a decisão de estabelecer hospitais provisórios
nos lugares acima designados (28).
Pouco depois decidiu-se dar provimento a um ofício do Governo Civil,
datado de 20 de Outubro, que “mandava
supprimir d’esde já em todo o Districto de Lisboa, todas as feiras que até ao
fim do presente anno deverião ter lugar em quaesquer terras ou povoados do
mesmo districto” (29).
Em Novembro o tom de preocupação aumentou perante a notícia de que “a cholera infelismente se tem aproximado”,
determinando o executivo “que se
passassem Editaes recomendando aos povos da villa e concelho a maior limpeza
das suas casas, lojas, sagões [sic]
e estrumeiras, removendo todos os focos
de infecção (...) e não fazendo uso de comidas e bebidas corruptas”,
mandando ainda que os moradores acendessem “fogueiras
à noite em frente das casas, segundo as possibilidades de cada um, (...) por
ser aconselhado como um dos meios de purificar o ar e que a tradição ensina
ter-se uzado com proveito em semilhantes ocaziões”.
Devido ao mau estado do caminho que conduzia à Quinta do Desembargador,
um dos locais escolhidos para estabelecer um hospital provisório, sugeriu-se
ainda, em alternativa, utilizar “a caza que anda edifficando José Gomes
Fevelim à Horta Nova”, mandando
continuar as obras deste edifício de modo a que pudesse receber doentes(30).
Só em 28 de Julho de 1856 se
declarou o primeiro caso de cólera no concelho, vitimando um habitante do lugar
do Paul, estendendo-se depois ao lugar de Monte Redondo e a partir daí a quase
todos os lugares do concelho (31).
Em Agosto registam-se nos acórdãos da câmara dois pedidos de auxilio, um,
do lugar do Turcifal, requisitando um dos três médicos facultativos da Câmara
para ir àquele lugar afim de aí “estabelecer
e cuidar do tratamento dos cholericos pobres daquella Freguezia”,
oferecendo-se o então vereador Maurício José da Silva, “que era cirurgião, mas não do partido da Camara, (...) para ajudar no
tratamento dos coléricos do Turcifal”(32); outro, da comissão de socorros
da Ribaldeira “exigindo recursos desta
Camara para occorrer à pobreza e miseria dos povos daquella Freguesia que se
achava invadida pelo flagelo da cholera morbus” (33).
Em Setembro terminou a epidemia no concelho, encerrando-se em 3 de
Outubro o Hospital Provisório para coléricos que entretanto se tinha
estabelecido no extinto Convento da Graça.
Os lugares mais atingidos do concelho foram a Serra da Vila, onde se
registaram 20 mortos, e a Freiria e as povoações desta freguesia, morrendo aqui
40 pessoas. Ao todo morreram no concelho mais de cem pessoas. (34).
O surto de febre amarela que atingiu Lisboa em 1857 não teve efeito em
Torres Vedras, apenas sendo registado o
caso de duas pessoas doentes que vieram de Lisboa, mas que não contagiaram
ninguém neste concelho (35).
Em Dezembro de 1872 registaram-se no concelho alguns casos de “bexigas”
(36).
Entre Dezembro de 1876 e Janeiro de 1877 registou-se uma epidemia de
varíola na vila, levando o administrador do concelho a solicitar vacinas (37);
Em julho de 1882 registou-se uma epidemia de varíola na freguesia de
Dois Portos (38);
Em 1884 foram tomadas medidas de prevenção contra o surto de cólera que
grassava no país.
Em 29 e 30 de Dezembro de 1889 iniciou-se na vila uma epídema de “influenza”
(39);
Um acórdão de 5 de Agosto de 1896 dá conta de uma epidemia na
Cadriceira.
Confirma-se assim uma maior incidência de epidemias na primeira metade
do século XIX, embora nunca se tendo registado grande mortandade neste
concelho.
Uma dos mais devastadores surtos epidémicos, ainda presente na memória
de habitantes ainda vivos, através de relatos directos de pais e avós, foi a
“pneumónica” de 1918. (40)
Em Portugal, a primeira
vaga dessa epidemia registou-se entre Junho e Julho de 1918, entrando
rapidamente em declínio e tendo um impacto pequeno. Mas uma segunda vaga
iniciou-se nos arredores do Porto em Agosto, disseminando-se lentamente durante
os meses seguintes, atingindo o sul e o seu clímax em Outubro, continuando a
fazer sentir o seu efeito até Dezembro de 1919.
Em Torres Vedras a doença
“começou a fazer-se sentir nos lugares situados ao norte do concelho”,
propagando-se “assustadoramente” a todo o concelho, provocando “grande miséria”
nos lugares “onde a epidemia tem feito mais estragos”, pelo que se aguardava “a
vinda de algum açúcar, cuja falta é enorme”, ao que parece por ser necessário
para o fabrico de remédios farmacêuticos. Foi igualmente criado um hospital
provisório “para os doentes atacados de epidemia”(41).
Neste concelho o período
mais crítico decorreu entre 27 de Setembro e 31 de Outubro de 1918, obrigando
ao encerramento de estabelecimentos e paralisando momentaneamente a vida
política, social e económica de Torres Vedras.
A pneumónica foi registada pela primeira vez neste concelho a 27 de
Setembro e durou até 20 de Novembro. Embora se tenham registado ainda alguns
casos esporádicos após esta data, estes registaram-se a partir de então de
forma descontinuada, ou seja, entre aquelas duas datas registaram-se todos os
dias óbito provocados pela pneumónica, sendo o dia 21 de Novembro o primeiro
que não registou nenhum óbito por gripe ou pneumonia.
Não deixa de ser
significativo que o primeiro caso se tenha registado no Ramalhal. Poucos dias
antes tinha tido lugar, nessa localidade, a 22 e 23 de Setembro, a festa de Nª
Snrªda Ajuda, uma das mais concorridas do concelho e que atraiu muitos
forasteiros das redondezas. Uma das causas da rápida propagação dessa epidemia
terá sido exactamente a aglomeração de muitas pessoas nas tradicionais
festas de verão. Além disso, essa localidade era servida por estação de
caminho-de-ferro.
As localidades da freguesia
do Maxial foram também as primeiras a conhecer os efeitos mortais da epidemia,
talvez pela proximidade em relação ao Ramalhal, ou por outra razão não
detectada, quem sabe se relacionada com as vindimas, que atraiam a este
concelho mão-de-obra de fora do concelho, sabendo-se que a deslocação de
trabalhadores pelo país para os trabalhos agrícolas é outro dos factores
geralmente associado com a rápida propagação da epidemia.
Recorde-se ainda que o
Ramalhal e o Maxial são duas freguesias localizadas a norte do concelho e que,
em Portugal, a pneumónica se expandiu de norte para sul.
Refira-se ainda os casos da
Feliteira e de Dois Portos, ambas servidas por estação de caminho-de-ferro que
foi um dos meios da rápida propagação da epidemia.
Segundo os dados oficiais,
o impacto da pneumónica não foi o mesmo em todas as freguesias do concelho.
Como é óbvio, a vila foi
das mais afectadas pela propagação da doença e pelo seu efeito, situação que se
ficou a dever, não só à facilidade de propagação num meio urbano, servido de
transportes, com uma actividade comercial assinalável, mas também porque nele
estavam centralizados os principais serviços de saúde (hospital, lares, etc.).
Outras três freguesias
destacaram-se pela elevada mortalidade, quer em termos numéricos quer em termos
percentuais:
- Ramalhal,
com 67 mortos, 3,71% da sua população;
- Maxial,
com 69 mortos, 2,62% da sua população;
- Dois
Portos, com 82 mortos, 2,08% da sua população.
A freguesia de Ponte do
Rol, embora tivesse contado com um reduzido número de óbitos, 26, mercê da sua
reduzida base demográfica, obteve uma percentagem elevada, 2%.
Pelo contrário, a freguesia
de S. Pedro da Cadeira, apesar de ter registado o maior número de falecimentos
a seguir à vila, 91 mortos, registou uma percentagem baixa, devido á sua enorme
base demográfica.
As freguesias que no
concelho registaram a mais baixa percentagem de mortalidade foram as freguesias
da Carvoeira (0,87%), Matacães (0,94%) e Ventosa (1,01%).
Durante esse período
morreram no país 31785 pessoas, sendo a região de Lisboa uma das mais atingidas.
Em Torres Vedras morreram, segundo os dados oficiais que não são totalmente
coincidentes com aqueles que encontrámos nos livros de óbitos consultados, 861
pessoas (42), numa percentagem de 2,2% da sua população, tomando como
referência os censos de 1911.
Em termos nacionais e
apenas em relação àquele período, a epidemia matou cerca de 0,6% da população
nacional.
Torres Vedras registou
assim uma mortalidade quase quatro vezes superior à média nacional.
A pneumónica foi a última grande epidemia registada em Portugal.
A introdução das vacinas, a melhoria das condições de vida e a evolução
da medicina permitiram que, pelo menos nos países mais desenvolvidos, as
epidemias se revelassem menos mortíferas a partir de 1918.
Mesmo assim registaram-se no século XX alguns momentos críticos, como a
chamada “gripe asiática” que entrou em Portugal em Agosto de 1957, durando até
Outubro e que causou 1050 mortos em Portugal, 288 em Lisboa, desconhecendo-se a
que se passou em Torres Vedras.
Em 1968 houve nova epidemia, a “gripe de Hong Kong”, não matando
ninguém em Portugal.
A última grande epidemia deu-se já neste século, a chamada “gripe A”, que, tendo entrado em Portugal em 29 de Abril de 2009, registou 200 mil
casos em Portugal, causando 124 mortes no país. (43)). Desconhecemos os números
em Torres Vedras.
Actualmente enfrentamos novo surto epidémico, o “COVID 19”, cujo
desfecho é imprevisível. Mesmo que se venha a revelar menos mortífero de muitos
dos registados acima, como acreditamos ser o caso, o efeito das medidas de
contenção e na vida social e económica já se parece comparar com o que
aconteceu em 1918.
… e a história continua!
NOTAS:
(1)
– SILVA,
Carlos Guardado da, “As pestes” in Torres Vedras Antiga e Moderna, edição
Colibri e CMTV, 2008, pp.123 a 125;
(2)
- VIEIRA,
Júlio, pag.207 de “Epidemias” in Torres Vedras Antiga e Moderna, Torres Vedras
1926, pp.206 a 208;
(3)
- RODRIGUES, Ana Maria, “Uma Peste em Torres
Vedras em 1395”, in Espaços, Gente e Sociedade no Oeste: Estudos sobre Torres
Vedras Medieval, Cascais: Patrimónia Historica, 1996, pp. 13-15;
(4)
- anotadores
de Madeiras Torres [anotadores], na sua monografia torriense, parte histórica,
2ª edição, na página 180;
(5)
- VIEIRA,
ob. cit.
(6)
- VIEIRA, ob.cit;
(7)
- anotadores,
p.181;
(8)
- anotadores p.182;
(9)
- MELÍCIAS,
André Filipe Víctor, “Ponte do Rol. Contributos para o estudo de uma epidemia”,
in História da Saúde e das Doenças/XIV Encotro Turres Veteras (…), ed. Colibri
e CMTV, 2012, pp.205-235;
(10)
- anotadores p.182;
(11)
- TORRES, Madeira “monografia”, parte histórica, 2ª edição, p. 179;
(12)
- VIEIRA, ob. Cit, p.207;
(13)
- anotadores, pp. 182 e 261;
(14)
- anotadores,
p. 182;
(15)
- VIEIRA, p. 208;
(16)
- anotadores, p. 182;
(17)
- anotadores, pp. 182 e 183;
(18)
- anotadores, p. 183;
(19)
- ff.
345, 345 v e 346, do Lº 26ª dos Acordãos [1817-1834];
(20)
- anotadores,
p. 182;
(21)
- Relatório sobre a Cultura do Arroz em Portugal
e sua influencia na saude publica (...), Lisboa, Imprensa nacional, 1860, p.
163;
(22)
- João
Victorino Pereira da Costa, Relatório citado,
p. 288.;
(23)
- José
Joaquim Alves, Relatório citado, p.
289.;
(24)
- José Maria de Oliveira e Silva, Relatório citado, p. 286;
(25)
- Lº de
Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 – 1856), sessão de 29 de Agosto de 1855, AHMTV;
(26)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 –
1856), sessão extraordinária de 3 de Setembro de 1855, AHMTV;
(27)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 –
1856), sessão de 12 de Setembro de 1855, AHMTV;
(28)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 – 1856),
sessão extraordinária de 27 de Outubro de 1855 AHMTV;
(29)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 – 1856),
sessão de 31 de Outubro de 1855 AHMTV.
(30)
- Lº de
Acórdãos da Câmara, nº 28 (1842 – 1856), sessão extraordinária de 10 de Novembro de 1855 AHMTV;
(31)
- anotadores,
p. 183;
(32)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 29 (1856 – 1864),
sessão extraordinária de 2 de Agosto de
1855 AHMTV;
(33)
- Lº de Acórdãos da Câmara, nº 29 (1856–
1864), sessão extraordinária de 9 de
Agosto de 1855 AHMTV;
(34)
-
anotadores, p. 183;
(35)
- sobre algumas destas epidemias dos anos 40,
50 e 60 do século XIX, ler o meu estudo, “Elementos para o Estudo da Saúde
Pública e da criação dos Cemitérios Públicos em Torres Vedras no Século XIX”,
in Turres Veteras VI – História da Morte. Instituto Alexandre Herculano/CMTV, 2004,
pp.103-151. Ler também BAPTISTA, Nuno Miguel, “Subsídios para o estudo
da morte em S. Miguel de Torres Vedras”, mesmo, pp.153-171;
(36)
- Copiadores
da Correspondência do Administrador do
Concelho para o Governo Civil [1868 a 1890], Arquivo Histórico Municipal de
Torres Vedras, documento daqui para a frente designado com a sigla CAC;
(37)
– CAC;
(38)
– CAC;
(39)
– CAC;
(40)
- existe um estudo sobre o seu efeito em
Torres Vedras por nós publicado: MATOS,
Venerando António Aspra de, “Torres Vedras e a pneumónica de 1918” in in História da Saúde e das Doenças/XIV
Encotro Turres Veteras (…), ed. Colibri e CMTV, 2012, pp.187-203. Pode também
ser consultado AQUI;
(41)
- in O Século, 10 de Outubro de 1918;
(42)
- dados da “pneumónica” no concelho na “Vinha
de Torres Vedras” de 21 de Novembro de 1918;
(43)
GEORGE,
Francisco, História da gripe,
DGS, 2014.
No livro de RP M2 de S. Pedro podemos ler que o padre Luís do Vale realizou um casamento em Monte Redondo em 2\5\1599 por "... estar esta vila empidida do mal da peste de que Deus nos livre...".
ResponderEliminarJoão Flores Cunha
Obrigado pela informação. Um abraço.
ResponderEliminarDeve haver alguma confusão entre gripes em 2009. Creio ter sido a "gripe A" (H1N1) e não a "gripe das aves" (H5N1).
ResponderEliminarCumprimentos de uma antiga aluna.
Ângela Silva
Obrigado Ângela pelo esclarecimento. Penso estar certa. Abraço.
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