quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Nas origens do “Choupal”


O Lugar hoje popularmente conhecido por “Choupal está ligado à memória torriense desde, pelo menos, o Século XVIII.

“Entalado” entre o rio Sizandro, a encosta do Forte de S.Vicente e a medieval ermida da Senhora do Amial, integrando o Chafariz de S. Miguel, já existente em 1267 e com data de 1665, tem conhecido várias designações (1).

Choupal, Bosque do Jardim, Parque do Jardim, Alameda de Senhora do Amial, Várzea Pequena (para se distinguir da várzea mais a sul , a poente da cidade), ou, mais remotamente como “do Pinheiro, parecendo que houve ali no começo da monarquia  algum aglomerado de casas ,como ainda hoje ha ,que se chamaria Aldeia da Ruyna  ou  da Ruína"(2).


Segundo os editores de Madeira Torres, as primeiras árvores implantadas no Choupal eram anteriores a 1789, data em que a Câmara,  “para evitar a destruição das arvores constituiu um guarda ( que era official de justiça) a quem davam de propina 14$400 réis annuaes” (3) .

Data de 1799 a primeira referência ao arvoredo do lugar:.

"Nesta Villa (...)sahe huma vistosa rua para a ponte de El-Rei toda cercada , e copada  de arvoredos  ; e outra igualmente vistosa , e formosiada de ambos os lados com arvores ,sahe da mesma villa para o Templo ,ou Sanctuario da Senhora do Amial ,que se avista da Villa.Sem exaggeração se póde dizer ,que nestas duas entradas e sahidas de Torres Vedras  excede muito esta Villa a todas ,e ainda a grandes Cidades do Reino."(4).

Segundo Madeira Torres, o lugar foi escolhido em Agosto de 1806 pelo então Príncipe regente, futuro D. João VI, para descansar e jantar do seu regresso de Peniche. Esse local, ainda segundo o mesmo autor, era antão, ainda pelo “Bosque do Jardim  por ser situado no plano inferior á fonte d'este nome ,composto de nove parallelos d'arvores silvestres na maior largura do terreno ,que discorre para o sul”, acrescentando os anotadores dessa monografia que o dito jardim, sendo  “bem assentado por natureza ,não é comtudo susceptivel de largura regular,por ficar entalado entre uma profunda valla , e o aqueducto da fonte para o chafariz de S.Miguel,dirigido pela raiz do monte de S.Vicente.O arvoredo d'este bosque era quasi todo de chopos muito elevados” (5).

Quando da construção das Linhas de Torres Vedras aquele “bosque” volta a ser referido e motiva um diferendo entre os militares luso-britânicos e as autoridades locais:

“A única barreira à área sob fogo ainda existente é aquela magnífica alameda de velhas árvores no desfiladeiro de Torres Vedras. O juiz de fora e os habitantes pediram-me tanto pelo último momento, com receio que fossem cortadas desnecessariamente que acedi adiar a operação até ao dia anterior da entrada das tropas. Como tenho homens de confiança com machados prontos no local não tenho qualquer dúvida que elas serão abatidas a tempo e horas. Os pinhais nas colinas de Torres já foram abatidos e transformados em trincheiras” (6).

Parte do arvoredo acabou mesmo por ser cortado, como se revela num acórdão da Câmara de 1811, onde “se fez arrematar parte da madeira do concelho a requerimento do Procurador do mesmo ,a qual se achava cortada em varios Passeios dest villa por ordem dos officiaes Melitares Inginheiros Inglezes porque a altura e grossura das madeiras incubrião sertos pontos de vista às fortificações circumvezinhas"(7)

Pouco tempo depois foi aquele espaço replantado, com se revela num acórdão de 1814:

"Que toda a Pessoa que cortar , arrancar ,ou abalar alguma Arvore silvestre  plantadas agora na Entrada desta villa em chão do concelho , e aonde já estiverão outras que pella ocazião das Invazões fes necessario o seu corte ,será prezo por trinta dias , e da cadeia pagara seis mil reis por cada huma (...)(8).

Um outro acordão de 5 de Fevereiro de 1834  fala nos Salgueiros da "Vargea do jardim" (9). Esses salgueiros voltam a ser referidos nove anos depois, num acórdão da Câmara de 1845, ordenando-se  "que  attendendo ao maó estado em que se achão os Salgueiros  - à Vargea do Jardim - os quais por sua antiguidade so tem a casca  e muitos d' elles estão cahindo ,fossem arrancados , e em seu lugar se plantassem outros novos"(10).  

Só em 1851 “se concluio a plantação d' alameda do Jardim que se tinha começado  em Fevereiro de 1823,e que só tinha compreendido o terreno  alem da Rigueira que vem dos Amiaes  d'esde o Chafariz de S.Miguel ,até um pouco acima da ponte que da vargea dá serventia para o Jardim ,completando-se  em 1851 o resto da plantação em todo o campo que fica entre a estrada e o monte de S.Vicente.(...) "(11).

A esse novo arranjo e replantação do lugar também se referem os anotadores de Madeira Torres:

"Hoje |1859 |  existe restaurado o bosque do Jardim desde o anno de 1823 ,em que a Camara o mandou plantar de novo,e as arvores produzem uma excelente sombra ,se bem que muitas se acham principiadas a estragar.E em seguimento d'este bosque caminhando para o nascente,no resto do campo até á Srª do Amial ,se plantou em 1852 outro arvoredo tambem em symetria por ordem da Camara , o qual já hoje se acha bem fechado e formoso” (12).
(fotografia do Choupal do Século XIX)

Nesse  lugar realizava-se a Feira de S. Pedro, situação descrita por Madeira Torres : " No outro campo situado ao Norte da Villa, o denominado a Varzea da Feira ,ou de N.Senhora do Ameal,se faz annualmente huma feira pelo S.Pedro ,a qual he de grande concurso (...)Talvaz nenhuma feira tenha huma situação tão aprazivel, e commoda (apezar de ter perdido singular commodidade , e belleza da sombra, pelo córte de arvoredo desde a sahida da Villa , porque he collocada sobre hum largo campo cortado de diversas estradas , e de dois rios ,proximo a huma fonte , e a hum chafariz ,e entre duas Igrejas nas suas extremidades do Norte , e Sul"(13).

No ano da publicação dessa referência a Câmara tomou um conjunto de medidas para melhorar as condições da realização da Feira de S:Pedro no Choupal : "(...) Que as Lojas de mercadoria e quais outras que armarem Barraca  se formassem debaixo do Arvoredo junto a Feira do Jardim segundo a ordem que lhe for dada nesse acto pelos vereadores encarreados desta commição.E que a Vargea entre a Regueira e o Rio fica destinada para a venda de Gado(...)"(14).

A comodidade do lugar motivou os feirantes da Feira Nova a requererem a mudança desta feira para o lugar do “Choupal” em 1837, decisão aprovada só em 1845, com efeito em 1846, depois de aprovação final do governo civil em Fevereiro deste ano:  "Que tendo requerido os Feirantes ,Canquilheiros e tendeiros volantes a mudança da feira ,que annualmente costuma fazer-se em o primeiro Domingo passado o dia 15 de Agosto ,da Vargea Grande ao sul da villa ,para a Vargea do  Jardim ao Norte d'ella attendendo ás muitas comodidades que resultão desta mudança não só para os Feirantes mas para o Povo , que concorre á mesma Feira ,por ali se encontrarem sombras ,abundancia d'agoa , e outras circonstancias de grande utilidade ,que : sucedendo que no anno de mil oitocentos e trinta e sete ,foi por  Accordão concedida esta mudança em defferimento ao requerimento que foi presente  á camara que então servia(...) (15).

Também nesse lugar realizava-se, em 22 de Janeiro “ uma feira de gado suino chamada de S.Vicente, ignorando a epoca da sua creação (…) e noutros tempos foi acompanhada  de uma festa ao santo daquele  nome que se realisava  na ermida de S.Vicente , mas tendo esta sido arruinada durante o violento combate de 1846 entre as tropas de Saldanha e o conde de Bomfim ,passou a fazer-se em baixo na ermida da Senhora do Ameal ,para onde a imagem do santo foi transferida e ali ficou." (16).

Na década de 60 do século passado ainda se realizava esta feira :"Deve realizar-se no corrente mês |Janeiro de 1962| esta feira |Feira de S.Vicente| ,onde se fazem grandes transacções de gado suino alentejano ,que nas vésperas vão chegando por via terrestre em grandes manadas.
"(..)
"Na capela de N.ª Sra. do Amial  realizava-se nesse dia | dia de S.Vicente ,em Janeiro|  a festa de S.Vicente , que era sempre muito concorrida , e a seguir à missa  procedia-se ao leilão das oferendas , salientando-se sempre os cargos  ornamentados e cheios de gostosos bolos.O pregão era sempre feito por um festeiro que percorria o arraial , gritando "Três mil réis por este cargo ,melhorado para o ano ,quem dá mais", e o preço ia subindo até chegar à conta para se poder entregar ,cuja ordem os masários davam , e alguns chegavam a atingir até cinquente mil réis(...)." (17).

No ano de 1917, uma decisão tomada pelo Executivo da  Câmara,  mandando cortar 250 árvores existentes nesse espaço,motivou uma campanha contra a decisão nas páginas do jornal “Ecos de Torres e quase provocou um levantamento popular, obrigando o Senado Municipal a anular essa decisão.

De  22 a 29  de Agosto de 1926 realizou-se no Choupal ,"então (...) um aprazível espaço arborizado,tendo à sua ilharga um Sizandro navegável e límpido(...)"(18), a 1ª Exposição Agrícola, Pecuária e Industrial de Torres Vedras.

Perante o êxito dessa iniciativa Júlio Vieira e Fernando d’Almeida propuseram à Câmara Municipal, ainda nesse ano, transformar profundamente esse espaço, formando-se um grupo de “Amigos do Parque”, ligado à Comissão de Iniciativas e Turismo de Torres Vedras que elaborou um projecto, datado de 1927, da autoria de Alfredo Moreira da Silva, para melhorar o Choupal, onde se previa um campo de ténis e outro de patinagem, para além do arruamento do espaço.

A obra de renovação foi iniciada em 1928, concretizando-se em 1936, sendo continuada nos anos seguintes, na sequência do qual se construiu uma barragem, criando um pequeno “lago” artificial no Sizandro, onde se podia andar de barco.
(Planta do Choupal nos anos 30)


Já na década de 60 do século passado, foi acrescentado um coreto em pedra.



Depois do 25 de Abril 974 aí se construi um parque infantil e aí se passaram a realizar as comemorações do 1º de Maio, desde 1976.

(fotos de Ezequiel Santos)


Em 1979 ,Victor Cesário da Fonseca ,num conjunto de artigos publicados no "Badaladas" ,denunciava o pouco amor revelado pelas autoridades torienses em relação às `arvores e exemplificava  com vários crimes recentemente cometidos nessa área ,apontando, no caso do Choupal o corte de "uma carreira de lindos plátanos para alargamento da estrada , em frente da Foroeste ,espaço quase sempre ocupado por automóveis ali estacionados" (19), entre outras árvores de grande porte ,concluindo que "O torriense não gosta da árvore;  mas é preciso que goste.  Se não for por uma questão de estética , de beleza ,de regalo pela sombra que ela produz ,seja-o ao menos pelo motivo de saúde e defesa contra as intempéries."(20).

As mudanças de hábitos e, principalmente, a destruição provocada pelas cheias de 1983, levaram à crescente degradação e abandono do local, que só voltou a ganhar importância como lugar de lazer para os habitantes da localidade com as recentes obras de requalificação.

Estas obras foram integradas no programa POLIS e foram iniciadas no final de 2011, coordenadas pelos arquitectos João Ferreira Nunes e Miguel Chalabert, inauguradas em 26 e 27 de Setembro de 2015, voltando o “Choupal” a ganhar uma nova vida.

O projecto foi agraciado com o Prémio Nuno Teotónio Pereira de Reablitação Urbana de 2016. 


(1)   - SILVA, Carlos Guardado da, “Do Choupal”, in site da CMTV, 1 de Julho de 2104, actualizado em 26 de Setembro de 2019 e consultado em 13 de Novembro de 2020;

(2)   - VIEIRA, Júlio, Torres Vedras Antiga e Moderna, ed. 1926 ,p.203;

(3)   – anotadores, in TORRES,  Manuel Agostinho Madeira,  "Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres-Vedras",2º edição ,Coimbra 1861, nota da página 13, a partir do Livro 23 dos acórdãos,  fol.24 e fol. 26 verso;

(4)   - SANTÍSSIMA, Frei Manoel de Maria ,"Historia (...)do(...) Varatojo" ,Porto , ed. 1799 , p.6;

(5)   – TORRES,Madeira Torres e anotadores, ob.cit, pág.12;

(6)   - major John Jones citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of  Torres Vedras, Lisboa 1986, p.16, segundo tradução de Thomas Croft de Moura;

(7)   - Livro nº24 dos Acordãos da Câmara , f.221 V. ,de 11 de Maio de 1811;

(8)   - Livro nº 25,f. 46 (?) ,de 26 de Fevereiro de 1814;

(9)   - Livro 26 , f.374

(10)- Livro  28,de 8 de Fevereiro 1845;

(11) - CEZAR,  José Eduardo Cezar  ," Livro dos Annaes do Municipio" ,1847-1854, obra manuscrita, AMTV, f.5;

(12)- anotadores de TORRES, Manuel Agostinho Madeira Torres, ob.cit. p.13;

(13)– TORRES , Manual Agostinho Madeira, "Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras (…)- Parte Economica " in Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa ,1835, pp.231-313, p. 282-bis;

(14) - Livro nº 27,f.26 ,6 de Junho de 1835;

(15) - Livro nº 28 ,19 de Julho de 1845;

(16) - VIEIRA, Ob.Cit,  ,pág.214;

(17) - Zérriques , "Sino da Saudade - Feira de S.Vicente" , in  BADALADAS  de 20 de Janeiro de1962; 

(18) - CARVALHO, Adão de e /J.P. ,"Das Gentes e das coisas de Torres Vedras (...)" in BADALADAS de 29 de Agosto de 1986;

(19)– FONSECA, Victor Cesário da, "Torres Vedras e a Árvore- 3 - " ,in BADALADAS ,10 de Agosto de 1979;

(20)– FONSECA. Victor Cesário da . "Torres Vedras e a Árvore - 4-" in BADALADAS ,24 de Agosto de 1979.





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