Existem referências a confrontos entre dois “bandos armados”, no inicio do reinado de D. João II, na região de Torres Vedras.
As causas desse clima insurrecional na região reflectem o clima de
instabilidade política que se viveu no inicio do reinado do “príncipe
perfeito”.
Embora governando o reino “de facto” desde 1477, ao herdar o trono,
após a morte do seu pai, D. Afonso V, em 1481, D. João II deu inicio a uma
politica de forte centralização régia, que durou até 1485, tendo, para o
efeito, de enfrentar a reacção da Grande Nobreza, nomeadamente o duque de Bragança e o duque de Viseu, clima
de “pré-guerra civil” que se terá prolongado para lá daquelas datas(1).
Nos confrontos registados nesta região, um dos bandos era liderado pelo
alcaide de Torres Vedras Gomes Soares d’Albergaria, o outro era liderado por D.
Pedro de Noronha, senhor do Cadaval e mordomo mor de D. João II.
Com base no documento em que nos baseámos para este texto, os “parentes
mais próximos dos chefes entraram também na contenda, como os cavaleiros de que
dispunham”, sucedendo-se “os choques das forças armadas, e, num dos combates,
caiu morto D. Henrique de Noronha, sobrinho de D.Pedro” (2).
No mesmo texto que citamos, o autor, indicando apenas como fonte “os
Nobiliários”, faz uma listagem do lideres principal de cada bando.
Pelo “bando” liderado pelo alcaide de Torres Vedras combatiam: Lopo
Soares de Albergaria, irmão do alcaide, que veio a ser governador da Índia;
Fernão de Melo, irmão daqueles e “Senhor de Vila de Rei”; D. Pedro de Menezes,
“1º conde de Canatanhede”, futuro cunhado dos anteriores; D. Álvaro de Castro,
cunhado do alcaide de Torres Vedras; Aires da Sylva, também cunhado de Gomes
Soares; D. Fernando Coutinho, alcaide-mor de Pinhel, sogro de uma irmã de Gomes
Soares; Diogo Soares de Albergaria, tio do alcaide torriense; Fernão Soares de
Albergaria, irmão do anterior; D. Diogo Lobo da Silveira, primo de Gomes
Soares; Estevão de Brito Nogueira, primo do alcaide; Jorge Moniz, também primo
do líder do bando; Tristão da Cunha, navegador conhecido e cunhado do acima
citado Lopo Soares; D. João de Castro, cunhado do acima citado Fernão de Melo;
D. Afonso de Menezes e Vasconcelos, genro de Lopo Soares; e D. Fernando de
Almada, genro do mesmo Lopo Soares.
Pelo “bando” de D. Pedro de Noronha: o seu filho D. Henrique de
Noronha; D. Martinho de Noronha, irmão de Pedro; Rui Teles de Menezes, cunhado
dos antecedentes; D. João de Noronha, alcaide-mor de Óbidos e irmão de D.
Pedro; D. Fernando de Noronha, irmão dos anteriores; D. Pedro de Menezes,
marquês de Vila Real, capitão donatário de Ceuta, primo de D. Pedro; D. Pedro
de Castro, sobrinho do anterior; D. João, marquês de Montemor-o-Novo, filho
segundo dos segundos duques de Bragança e cunhado de D. Pedro; D. João de
Almeida, igualmente cunhado de D. Pedro; Luis de Albuquerquer, 1º conde de
Penamacor e cunhado do líder do “bando”.
É evidente a força do “sangue” e das lealdades de origem familiar no
posicionamento militar e “político” dos principais envolvidos nessa “pequena
guerra civil regional”.
Uma análise mais completa e actualizada sobre genealogia e as acima
referidas ligações familiares entre os lideres dos dois bandos, pode ser lida
no recente estudo de Maria Natália da Silva sobre “A Casa de Torres Vedras” (3).
Citando Maria Natália da Silva, a “rivalidade entre esses senhores e o
envolvimento de tão poderosos cavaleiros tiveram como consequência combates sangrentos
que puseram em perigo a estabilidade da região”, destacando-se a já citada
morte de D. Henrique de Noronha num desses confrontos (4).
A paz foi restabelecida por intervenção do monarca, que privou Gomes
Soares do seu cargo de alcaide-mor.
Segundo consta, foi com esse objectivo que D. João II chamou Gomes
Soares à sua presença, tendo este respondido ao monarca que “se Sua Alteza o chamava para lhe fazer
mercê ele não a pretendia e se era para lhe cortar a cabeça também se
podia fazer aquela demonstração na praça
de Torres Vedras” (5).
Pelo contrário, o monarca parece ter apoiado o “bando” liderado pelo
Duque do Cadaval, que desempenhou o cargo de mordomo-mor do rei e pertencia ao
conselho de D. João II.
D. Pedro de Noronha foi, aliás, um dos mais fiéis aliados do monarca no
confronto que ao longo do seu reinado opôs D. João II à grade nobreza.
Embora ao longo do seu reinado o monarca tenha feito várias doações a
Gomes Soares, situação reveladora de que este terá recuperado alguma
influência, não deixa de ser significativo que a princesa D. Isabel, casada com
o príncipe D. Afonso, ao receber, como era habitual, Torres Vedras como dote de
casamento, tenha nomeado para seu procurador na vila, por carta de 9 de
Setembro de 1491, o tal D. Pedro de Noronha (6).
Embora o autor daquele texto, onde se referem os “recontros” entre
“bandos armados” nesta região, não indique a data em que os mesmos tiveram
lugar, é credível que se tenham dado por volta de 1491, não só pela data da
nomeação referida no parágrafo anterior, mas também porque foi nesse ano que
Gomes Soares foi afastado do cargo de alcaide-mor do Castelo de Torres Vedras,
cargo herdado do pai em 1477.
Foi substituído no cargo por Rui de Sande, mas, 9 anos depois, já no
reinado de D. Manuel, por carta de 3 de Março de 1500, recuperou em definitivo aquele
cargo (7).
Sobre esse episódio, o “combate de Bandos Armados” na região de Torres Vedras, ainda existem muitas dúvidas por esclarecer, nomeadamente sobre as suas reais motivações e o seu impacto social e económico.
Talvez esta referência possa contribuir para aguçar a curiosidade dos investigadores, mais capacitados do que eu para estudar esse período, respondendo às dúvidas suscitadas pelo pouco que se conhece sobre esse episódio.
- (1)
para
uma actualizada biografia do reinado de D. João II leia-se a obra de Luís Adão
da Fonseca, “D. João II”, na colecção “Reis de Portugal”, editada pelo Círculo
de Leitores em 2005 (existe edição posterior);
- (2)
ALARCÃO,
D, José Manuel de Noronha e Menezes de,
“Os Recontros dos Bandos Armados” nas cercanias de Torres Vedras”, in
Boletim da Junta da Provincia da Estremadura, nº 14, 2ª série, 1947 (Janeiro-
Abril) pp.85 a 88;
- (3)
SILVA,
Maria Natália, A Casa de Torres Vedras – de Rui Gomes de Alvarenga aos
Marqueses do Lavradio – séculos XV-XIX,
colecção H 19, ed. Colibri)CMTV, Lx, Dezembro de 2019. Sobre o tema
desta crónica, leia-se, principalmente, o capítulo 2.5 – O sucessor : Gomes
Soares de Melo, pp.64-73;
- (4)
SILVA,
Maria Natália, ob. cit., pág. 65;
- (5)
segundo
a obra de Antonio Suárez de Alarcón, Relaciones genealógicas de la Casa de los
Marqueses de Torcifal Condes de Torres Vedras (…), editada em Madrid em 1656,
existindo cópia na Biblioteca Nacional de Lisboa, citada por Maria Natália da
Silva, na nota 120 da pág. 66, do seu estudo;
- (6)
documento
transcrito por J. M. Cordeiro de Sousa
em “Fontes Medievais da História Torreana : alguns documentos do Arquivo
Nacional da Torre do Tombo”, ed. CMTV, 1958;
- (7)
SILVA,
Maria Natália, ob. cit., pp. 65-66.
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