A história da Banda Desenhada em Torres Vedras ainda está por fazer, pelo que registamos aqui apenas um breve apontamento que possa servir de base para que, futuramente, a história da 9ª arte nesta cidade possa ser feita.
Convém, em primeiro lugar, que não se confunda a Banda Desenhada com o
cartoon e a caricatura, nem mesmo com o cinema de animação, embora seja um
“primo” próximo destas artes.
Em Torres Vedras existe uma boa tradição de caricaturistas e
cartoonistas, pelo menos desde a edição do semanário humorístico “A Laracha”,
editado pela primeira vez em 20 de Janeiro de 1929, do qual se editaram 10
números, onde aparecia uma caricatura por edição, a maior parte da autoria de
Amílcar (Guerreiro), outras, em menor número, de Cruz Martins e de um tal
Jacques.
Também o Carnaval de Torres foi um dos palcos onde se manifestou a veia
artística, com recurso a caricaturas e cartoon´s, de muitos artistas
torrienses, ao longo dos tempos, principalmente nos muitos folhetos de promoção
dessa festa, tradição essa que conheceu o seu auge com a publicação da revista
“O Barrete”, a partir de 1996.
Coube a estas duas associações o lançamento dessa revista, com uma
tiragem de mil exemplares, impressa na Sogratol, uma revista de humor com textos, banda desenhada e cartoon´s da
autoria de vários autores locais que foram passando, com maior ou menor
regularidade, pelas páginas dessa revista.
Foram fundadores Antero Valério, Daniel Abreu, José Afonso Torres,
Jorge Delmar, José Eduardo Santos, Jorge Humberto Nogueira, José Pedro
Sobreiro, Luís Fortes e Valdemar Neves, aos quais se deve juntar o trabalho do
Carlos Ferreira, não referido nessa primeira edição, mas que foi um dos
principais responsáveis pelo trabalho de sapa que está por detrás da construção
de um projecto com este.
Aos fundadores foram-se juntando outros autores, ao mesmo tempo que
alguns dos fundadores íam ficando pelo caminho.
Na última edição, a 19ª, no ano
de 2015 mantinham-se o Antero Valério, o Carlos Ferreira, o Jorge Delmar, o
José Eduardo Santos e o José Pedro Sobreiro.
Joaquim Moedas Duarte (desde 2004), Joaquim Ribeiro (desde 2013), Luís
Fili Rodrigues (desde 2005), Manuela Catarino (desde 2009) e Sérgio Tovar (
desde 2004) completam a equipa desta última edição.
A revista não foi publicada em 2001 e, em 2010, passou a ser
patrocinada pela Promotorres. Desde 2011, a até 2015, foi editada apenas pela Associação
do Património.
Para além dos nomes citados foram muitos os autores que passaram pelas
suas páginas, com destaque para João Sarzedas (2006-2013), Jaime Umbelino (1997-1999) ou José Almendro
(1998-2007).
Colaboraram ainda, irregularmente, por vezes apenas numa ou duas
edições, a Ana Palma, o Carlos
Bartolomeu, o Jordão Pereira, o Jorge Ralha, o João Camilo, o Vitor Alexandre,
o Carlos Carneiro, o José Sanina, o Marcos Ferreira, o Venerando António, o
Nuno Raimundo, o Fernando Miguel, o Rui
Matoso e o Tiago Ferreira.
(ver reprodução de todas as capas do Barrete AQUI)
Recentemente, um caricaturista torriense dessa revista, o professor José
Sanina, viu uma caricatura sua selecionada para o World Press Cartoon de 2022.
Mas aqui estamos no domínio da caricatura e do cartoon, quando é da BD que pretendemos falar.
O que diferencia a BD do simples cartoon é a dinâmica da sua narrativa,
numa sequência de imagens (fixas e bidimensionais, o que, por sua vez, a
distingue do desenho animado), onde a fala dos personagens é representado
dentro de um “balão” ou filoctera.
Embora chegassem regularmente a Torres Vedras alguns dos grandes
títulos históricos da divulgação de BD, como o “Mosquito” (1936-1953), o
“Diabrete” (1941-1951), ou o “Cavaleiro Andante” (1952-1962), entre muitas
outras revistas de quiosque, juntamente
com as excelentes páginas dominicais do Primeiro de Janeiro (1948-1995), e quase
todos os jornais publicassem diariamente “tirinhas” de BD, sem esquecer os suplementos
como a “Nau Catrineta” no Diário de
Notícias (1964-1974) ou o “Pim-Pam-Pum” no Século (1925-1977), não encontramos
qualquer BD publicada localmente ou por autores locais, antes dos anos 70.
Podemos referir uma única excepção, a publicação de umas “tirinhas”,
com as características gráficas da BD e
o uso de balões, mas de tipo publicitário, da Casa Hipólito, no jornal do
“Torreense” e no “Badaladas”, na década de 1950.
Foi o aparecimento em Portugal da revista Tintin, em 1 de Junho de
1968, que contribui para o crescente entusiasmo do alguns jovens torrienses pela
Banda Desenhada, tentando imitar o que liam produzindo “revistas” caseiras de
exemplar único, dadas a ler à família.
Na edição portuguesa do “TinTin” destacou-se Vasco Granja como divulgador
de uma nova forma de editar autores desconhecidos, ou que procuravam dar a
conhecer as suas “obras”, entre o naif e o criativo, a edição de “fanzines”,
situação facilitadas por novos processos tipográficos, mais simples e baratos,
como o stencil, primeiro a álcool, com uma maquete em cera, depois electrónico.
Essa técnica foi muito divulgada nas escolas, para reproduzir testes, e
acabou por ser aproveitado para elaborar jornais escolares, onde se tornava
possível a divulgação de Bandas Desenhadas amadoras.
Foi o que aconteceu em Janeiro/Fevereiro de 1971, no Liceu de Torres Vedras, com a
publicação do jornal “O Padrão”, editado pelo “núcleo de jornalismo do Liceu
Nacional D. Pedro V – secção de Torres Vedras”, ligado à Mocidade Portuguesa, o
qual, nas duas primeiras edições, incluiu um suplemento, “O Padrão Ilustrado”,
onde saíram 4 pranchas das “Aventuras de João Alfredo”, intitulando-se essa
primeira, única e incompleta aventura “O Assalto ao Banco Nacional”, da autoria
de Vaam.
Em 1972 surgiu o primeiro fanzine português de BD, o Argon e, em 6 de
Janeiro de 1973, nascia o fanzine “Impulso”, editado pelo Liceu de Torres
Vedras, usando a técnica do stencil electrónico, recorrendo aos recursos
técnicos da escola para a reprodução de testes.
Expansão dos fanzines em Portugal deveu-se também a um certo abrandamento da censura, fruto da chamada “primavera marcelista”.
Quando da edição do Impulso apenas se editavam mais 4 fanzines em
Portugal, para além do pioneiro “Argon”, editavam-se o “Quadrinhos”, o “Copra”
e o “Saga”.
Neles publicavam-se críticas e noticias sobre o mundo da BD, bem como
trabalhos originais de autores portugueses.
Em Janeiro de 1973 editavam-se em Portugal quatro revistas de BD com
edição regular : para além do já citado Tintin, existiam o “Jornal do Cuto”, o
“Jacto” e o “Mundo de Aventuras”.
Por sua vez, na imprensa editavam-se suplementos semanais colecionáveis
de BD, como os citado “Quadradinhos”, “Pim-Pam-Pum” e “Nau Catrineta”.
O grupo que esteve na origem da edição do Impulso tinha em comum, para
além da amizade pessoal, escolar e de vizinhança, de longa data entre alguns
dos seus membros, o gosto pela leitura de Banda Desenhada e o desejo de editar
aquilo que, de forma por vezes muito naif, cada um de nós ía fazendo.
A edição do “Impulso” contou com o apoio do então reitor do liceu, o
Dr. Semedo Touco, homem liberal e compreensivo, e que nos garantiu, não só o
suporte técnico, mas também o suporte financeiro para a edição desse fanzine,
sem nunca ter intervindo nos conteúdos deste.
O fanzine tinha uma tiragem média de 150 exemplares e um custo de cerca
de mil escudos (cinco euros) por edição, dois terços dos quais eram suportados
pela escola e o restante pelas vendas. Inicialmente o “Impulso” vendia-se ao
preço unitário de dois escudos e meio (pouco mais de …um cêntimo), mas o seu
preço foi subindo ao longo do ano, 3$50 a partir do nº3, 5$00 a partir da 4ª
edição.
Fizeram parte da equipa do “Impulso” o Vaam, o seu irmão Mário Luis, o
Carlos Ferreira, o João Nogueira (Janeca), o Mário Rui Hipólito, o Manuel
Vilhena, o Calisto, o José Eduardo
Miranda Santos (Zico), este exterior à escola mas amigo dos restantes, e que
possui uma das mais variadas e extensa colecções de álbuns e revistas de BD que todos liam avidamente.
Ao grupo de vizinhos e amigos de longa data, juntaram-se dois
prometedores autores de BD, o Joaquim Esteves e o Antero Valério, sem dúvida os
que, de todos nós, possuíam melhores qualidade artísticas. Mais tarde
juntaram-se à equipa o Jorge Barata e o António Trindade.
O Carlos Caetano também andou com o grupo, mas acabou por não integrar
a colaboração.
Entretanto começaram a colaborar, nuns casos com textos sobre BD, noutros com desenhos, outros amigos de outra regiões do país, como o José de Matos-Cruz, o Carlos Pessoa, o Jorge Magalhães, o Al Bonjour, o Carlos Nina, o A. Vilarinho e a Maria Clara.
Do Impulso foram editados 5 números ao longo de 1973, feitos com a “revolucionária” tecnologia de então , o “stencil electrónico”, existente no liceu para a feitura dos testes escolares, contando então com a preciosa colaboração do Emílio Gomes que dominava essa tecnologia e ensinou a todos o seu uso.
Como todos se envolveram na vida associativa e política em 1974 e 1975, só voltaram, e pela última vez, a editar o “Impulso” em 1976, agora financiado pelo Cine-clube de Torres Vedras.Refira-se ainda que, em finais de Outubro de 1976, a equipa do Impulso
organizou a primeira exposição de BD realizada em Torres Vedras e uma das
primeiras no país, integrada no 8º Encontro Nacional de Cine-Clubes.
Em Janeiro de 1973, o mais velho do grupo tinha 16 anos, quase 17, e os mais novos tinham cerca de 11 anos.
(Ver mais sobre o Impulso AQUI).
Nas suas páginas surgiu também a primeira entrevista conhecida com
Vasco Granja, dirigida pelo “Zico”, e que gerou alguma polémica com o fanzine
“Aleph”.
Em Novembro de 2008 o Antero Valério editou o livro de cartoon´s e
banda desenhada “Como se tornar um docentezeco”, reunindo a sua abordagem
critica à acção da ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues, cartoon´s
que mereceram reprodução em cartazes de manifestações de professores realizadas
nessa época.
Em 1985, desta vez patrocinada pela Cooperativa de Comunicação e Cultura, alguns elementos da mesma equipa organizaram uma nova e mais elaborada Exposição de Banda Desenhada, com a pomposa designação de 1º Salão de Banda Desenhada de Torres Vedras, realizado entre 14 e 22 de Dezembro desse ano.
Nessa ocasião foi editado um número único de um novo fanzine torriense
de BD, o “Bêdêzine”, editado pela Cooperativa de Comunicação e Cultura.
José Basto publicava, nesse ano de 1985, uma BD humorística no
suplemento “Espaço Novo” do jornal “Badaladas”.
A capa desse número Zero do “BêDêzine” foi da autoria do consagrado
autor nacional Arlindo Fagundes e contou ainda com a colaboração de um
histórico da BD nacional, o José Ruy, este com um texto sobre a condição de
autor de BD em Portugal e um desenho original .
Uma pequena menção a João Sarzedas, nascido em Lisboa em 9 de Fevereiro
de 1943, mas que se estabeleceu profissionalmente em Torres Vedras em 1979,
falecendo em 27 de Julho de 2013.
Com o seu irmão Fernando, colaborou activamente como cartoonista e
autor de BD nos dois primeiros números do fanzine Aleph, editados ainda antes
do 25 de Abril, respectivamente em Julho de 1973 e Março de 1974.
Era um apaixonado pela Banda Desenhada e pelo cartoon, artes que
desenvolveu ao longo da sua vida, dedicando-se profissionalmente às artes
gráficas.
Ainda antes do 25 de Abril, e no período imediatamente a seguir,
colaborou em várias outras publicações, como o Jornal do Exército, ou no famoso
suplemento humorístico do Diário de Lisboa, "A Mosca", e numa revista
feminina liderada por jornalistas como Helena Neves e Fernando Dacosta.
Em Abril de 1974 editou o seu primeiro livro de banda desenhada, “Luz
Verde Para Tuntas”.
Motivos profissionais levaram-no a estabelecer-se em Torres Vedras em 1979, onde criou um atelier de serigrafia e de venda de artesanato gráfico da sua autoria, "Boom Serigrafia".
Em Torres Vedras continuou a dedicar-se à sua actividade preferida, o
cartoon e a Banda Desenhada, que repartiu como outra paixão sua, a actividade
policiária e charadista, sendo membro da Associação Policiarista, tendo
realizado várias ilustrações e mais de 50 capas do orgão oficial daquela
associação, "Célula Cinzenta".
Foi colaborador nos jornais Badaladas e Frente Oeste, fez parte da
organização da já mencionado Exposição de Banda Desenhada de Torres Vedras,
realizada em finais de 1985, e co-responsável pela edição do fanzine
“BêDêzine”.
Foi contudo na já mencionada revista “O Barrete” que evidenciou todas
as suas qualidades enquanto cartoonista e autor de Banda Desenhada.
Vítima de doença prolongada, ainda teve tempo para deixar pronto o
livro de cartoon´ intitulado "Sorria com Eólicos na Paisagem" é
editado a título póstumo em 7 de Fevereiro de 2015, que tem como temática uma
realidade muito marcante na zona oeste, a profusão de moinhos eólicos, numa
região com uma longa tradição de moinhos e azenhas para moer o trigo.
A arte de João Sarzedas, a sua simplicidade e irreverência, sem cedências à sociedade de consumo e profundo respeito pela cultura local, marcaram profundamente todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer e com ele conviver.
Recorde-se ainda que, entre 20 de Junho de 1975 e o início de 1976, se
publicou, durante cerca de 30 semanas, uma série de “tirinhas” de Banda
Desenhada, nas páginas do jornal local de Torres Vedras "Oeste
Democrático", intitulada “Rei Minimus” da autoria de Vaam.
Também o jornal “Área” publicou, regularmente, em 1979, uma BD da autoria de Jorge Delmar, com argumento de Mário Luís Matos.
Regularmente, a partir dessa década de 1970, encontram-se várias bandas
desenhadas em jornais escolares editados pelas escolas locais.
Recorde-se ainda que, em 2008, a Banda Desenhada foi o tema escolhido para o Carnaval de Torres Vedras desse ano:
Seria igualmente interessante comemorar o cinquentenário do fanzine Impulso, em 2023, com a reactivação da organização regular de “Exposições”, “Encontros” ou salões de BD.
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