JANEIRO de 1888
O ano novo não começou da melhor maneira para Torres Vedras nesse ano
de 1888.
O mau tempo continuava a impedir, desde finais de Dezembro, a
realização dos trabalhos agrícolas, prejudicando os “pobres trabalhadores, que
têm passado dias e dias sem ganhar jorna “ (1).
Os temporais que tinham tido lugar em 27 e 28 de Dezembro de 1887,
provocaram cheias e interromperam a ligação ferroviária entre Torres Vedras e
Lisboa, provocando a “irregularidade” do serviço de correio (2).
Atribuía-se às obras na linha férrea a responsabilidade pelos prejuízos
que o temporal provocou nalgumas terras, “devido ao desvio que se permitiu
fizesse, no rio Sizandro”, citando-se o caso da “propriedade do sr. João
Victorino Pereira da Costa, bastante danificada hoje em consequência da Câmara transacta
ter consentido no que não devia consentir (…) assim com deixou que se
construísse, sem as necessárias condições, requeridas ali pela afluência das
àguas, o aterro sobre a Várzea do Reguengo (…). Os resultados não podem ser
piores. Aí estão patentes” (2).
Uma certa decepção perante as possibilidades do novo meio de transporte
recentemente inaugurado não impedia que
se apostasse no seu futuro, chegando a defender-se a construção de um ramal
ferroviário que ligasse Pêro Negro ao Turcifal, proposta que seria nesse mês
apresentada à direcção da Companhia dos Caminhos de Ferro portugueses.
Em decadência encontrava-se o único meio de transporte alternativo de
então, embora durante alguns dias tenha sido o único meio de ligação com
Lisboa, com os inconvenientes abaixo referidos:
“As correspondências expedidas de Lisboa a Torres, por uma só
diligência, chega aos seus destinos atrasada, e a horas incertas da noite.
“É assim que estamos recebendo os Jornais de Lisboa e a da província”
(2).
Tais inconvenientes demonstrados pelo transporte tradicional não
impediram que, em 8 de Janeiro, fosse inaugurada uma nova carreira de
diligência entre Torres Vedras e
capital, pertencente à companhia “António Alves Gato & Irmão (…)
saíndo de Lisboa dois carros – um às 9 horas da manhã e outro ao meio dia,
passando o das 9 por Dois Portos, e o do meio dia pelo Turcifal.
“Sai de Torres o primeiro carro às 5 horas da manhã, passando em Dois
Portos; e o segundo às 10, pelo Turcifal.
“Os bilhetes vendem-se em Lisboa na Tabacaria Neves, e em Torres
Vedras, na loja do sr. José Avelino (…). Preço, 1$000 réis” (2).
Uma das maiores preocupações da imprensa de então era com o saneamento
da vila:
“Pedimos à Ex.ma Câmara que provindencie no sentido de serem mais
rigorosamente cumpridas as disposições que sabemos estarem no ânimo de todos os
srs. Vereadores, com respeito à limpeza e saneamento da vila.
“Nem a todos os pontos chegam a vassoura a limpar as imundices que a
falta de saguões e pias obriga a acumular na ruas e vielas, havendo sítios onde
a falta de asseio é positivamente uma vergonha (…)” (3).
A defesa do consumidor era então uma idéia ausente na preocupação de alguns comerciantes, mas já
então a imprensa local desempenhava o importante papel em denunciara os abusos,
como se revela na seguinte notícia:
“O leite que alguns vendedores estão fornecendo para consumo, nesta
vila, é uma perfeita burla feita aos consumidores. A um freguês foi vendido, no
dia de Ano Bom, um litro de leite que, analisando no aparelho, continha 65 por
cento de àgua (…)” (1).
Outro problema com que a população local então se debatia era com a
iluminação pública.
Iniciaram-se então experiências com um novo tipo de iluminação: “já estão colocando nas ruas da vila os novos candeeiros para a iluminação pelo sistema gasogénio.
Iniciaram-se então experiências com um novo tipo de iluminação: “já estão colocando nas ruas da vila os novos candeeiros para a iluminação pelo sistema gasogénio.
“Os candeeiros são muito elegantes e darão a Torres Vedras um aspecto
moderno” (4).
De facto, avelha iluminação a petróleo, inaugurada em Fevereiro de
1864, parecia condenada:
“É de péssima qualidade o petróleo que há tempos para cá se consome na
iluminação da vila. As luzes parecem de lamparina. Ousamos lembrar à nossa
vereação que mude de freguês; porque o actual está a mangar com a gente desde
que se faz a experiência da luz a gasolina.
“Convém notar que as noites estão escuras, e a respeito de policias
nikles (…)” (2).
A falta de policiamento era outra preocupação de então, provocando
alguns casos graves de criminalidade:
“Afiançam-nos que nas imediações da vila têm sido atacados transeuntes
sendo assaltados de preferência os trens, e já se mencionam alguns furtos
cometidos por ataques de mão armada.
“Como boato cita-se que existe um grupo de homens que se acoitam pelos
pinhais do Vale Paxis, a quem saem à estrada.
“Como Torres Vedras não tem policia será bom que estejamos de prevenção
para não transitar de noite fora da vila, pois diz-se que ante-ontem, mesmo
junto aos arcos do aqueduto, fora assaltado um cocheiro que guiava um trem de
retorno (…)” (3).
Nessa época eram raros os espectáculos com os quais a população se pudesse
distrair. Por isso era motivo de entusiasmo a presença na vila de uma companhia
de teatro, “Theatro Recreios Dramáticos”:
“Depois d’uma longa interrupção nos espectáculos, devido ao mau tempo,
que não permite representações no teatro barraca, onde o público ficava muito
exposto às intempéries da estação, realizou-se no domingo [8 de Janeiro] na
sala generosamente cedida no Convento da Graça, um sarau que a companhia Dias
convocou em auxílio das suas despesas e transtornos.
“O público foi, como de costuma ser, generoso e pronto (…)” (3).
Mas um dos mais importantes acontecimentos desse mês de Janeiro de 1888
foi a realização do mercado de S. Vicente, com cuja descrição encerramos esta
nossa crónica:
“A vila no Domingo [22 de Janeiro] tinha um aspecto estranho. Por todas
as ruas e praças transitavam grupos, procurando os estabelecimentos e fazendo
as suas compras. A faina comercial desenvolveu-se sofrivelmente, mostrando uma
certa animação.
“Na Várzea do Amial fez-se a feira do gado suíno. O dia esteve benigno,
apesar do Sol se não mostrar muito expansivo. O aspecto do mercado era deveras
atraente. A concorrência foi enorme, e os grupos mercadejavam por todos os
lados, e cada um seguia depois com o seu suíno alentejano, gordo, futigado, de
calcheta no chispe, como verdadeiros condenados à morte.
“O preço da carne começou por ser de 2 800 a 2 700 réis, e já
para o fim do mercado estava a 2 400 réis, havendo ainda bastante por onde
escolher.
“Na ermida de N. S. do Amial, fez-se festividade a S. Vicente, havendo
de tarde arraial. É a festa chamada dos charnequeiros, e reinou bastante
alegria, não sendo alterada a ordem.
“ A Phylarmonica Torreens eabrilhantou a festividade.
“A policia do mercado foi feita por alguns gurdas civis vindos da
capital, e pelos oficiaes da administração deste concelho, e o zelador
municipal.
“Foi capturdo um contrabandista (…)” (4).
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(1) A Semana de 5 de Janeiro de 1888;
(2) Voz de Torres Vedras de 7 de Janeiro de 1888;
(3) A Semana de 12 de Janeiro de 1888;
(4) A Semana de 26 de Janeiro de 1888.
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