quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Há 210 anos, Torres Vedras ocupada pelas tropas francesas



6 de Dezembro de 1807 – Quando os Franceses ocuparam Torres Vedras


Há 110 anos os torrienses passaram o Natal sob ocupação francesa.

As tropas de Junot cruzaram a fronteira portuguesa em 19 de Novembro de 1807, só conseguindo entrar em Lisboa em 30 de Novembro.

A família real tinha saído de Lisboa a caminho do Barasil no dia 27.

Em Torres Vedras ficamos a dever ao padre Madeira Torres, testemunha coeva e observador atento, a descrição do modo como esses acontecimentos foram sentidos na localidade e da sua ocupação pelas tropas francesas.

Refere aquele autor que “Torres Vedras (...) foi a primeira em participar da consternação e saudade (…) pela ausencia do nosso adorado Principe”.

Ainda “os habitantes começavam a lamentar-se de tamanha perda,(…) logo no dia 6” de Dezembro “foram constrangidos a franquear quarteis, e munições de bôcca para a tropa de mais de duas brigadas, ou de quasi toda a segunda divisão, cujo commando ainda então estava (como o fóra pela marcha) provisoriamente no Brigadeiro Charlot, que o largou logo nos dias seguintes ao General Loison (…).

 No dia 8 do mesmo mez adiantou-se para a Praça de Peniche o General de Brigada Thomiers com dois batalhões, e passados alguns dias retrocederam dois para Mafra, onde Loison estabeleceo ordinariamente o seu Quartel General, e permaneceram aqui fixos os dois Batalhões dos regimentos 12 e 15 de infantaria ligeira”, que eram compostos por cerca de tres mil homens, sob o comando do Brigadeiro Charlot.

“Nos primeiros dias padeceo esta Villa não só os gravissimos incommodos do alojamento, mas quasi todo o pêso das requisições para a inteira subsistencia da tropa”.

A moderação do brigadeiro Charlot foi muito elogiada pelo ilustre pároco torriense, até porque “contribuio ella para nunca se interromperem as funcções do Culto, nem mesmo a do Natal, e para se fazerem com boa ordem, e até com esplendor”.

Com a proximidade da Primavera o mesmo brigadeiro aliviou a vila “d’algum pêzo de tropa, mandando destacar duas Companhias para a Lourinhã, e duas para o logar do Turcifal: Em fim nos ultimos dias de Maio levantou-se o quartel do General Charlot, quando partio com o Batalhão do regimento 12, e com os outros, que estavam em Mafra, para a frustrada expedição do Douro e Porto, commandado por Loison.

“Pelo mesmo tempo se transferio o Batalhão do Regimento 15 para Mafra, e veio para aqui um dos alojados na Praça de Peniche, de que era Commandante o Major Bertrand, o qual apenas se demorou um dia.

“Desde então ficou esta Villa alleviada de tropa effectiva; mas não deixou de ser frequentada, e incommodada por alguns destacamentos, pelo transito dos Officiaes do Estado Maior, e tambem de varios corpos do Exercito.” (1).

O bom tratamento dado à população pelo brigadeiro Charlot foi igualmente confirmado por outra testemunha coeva, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, um dos Grandes de Portugal, que se refugiou com toda a família na Quinta Nova, em Matacães, a pouca distância da então vila de Torres Vedras, onde recebeu “a noticia do embarque da Familia Real e da entrada dos francezes em Lisboa. Meu irmão e eu (...) assentámos em ficar aquelle inverno” (de 1807) “ no campo, sem virmos para Lisboa, como costumavamos vir todos os annos.

“Assim o fizemos e, permanecendo alli por todo o tempo que os francezes estiveram em Portugal, escusado é dizer que nem tivemos nem desejámos ter influencia alguma no seu Governo.

“Apenas tivemos a comunicação necessaria ou de civilidade com o General Charlot, que residia em Torres, e com os poucos officiaes que mais viviam com elle. Tambem vimos o general Loison, que por alli passou na sua espedição das Caldas da Rainha; não vimos mais nenhum General nem outro empregado, e até ao mez de Agosto seguinte” (de 1808) “não tivemos incommodo ou susto algum, porque Charlot não era mau homem e queria conservar a paz e o socego” (2).

Mas não foi apenas o ocupação militar alterar a vida dos habitantes desta vila. Cedo a ocupação se fez sentir em termos económicos.

Em Fevereiro de 1808 tomou-se conhecimento de uma ordem de Napoleão para lançar, sobre todo o teritório porugês, um imposto extraordinário para efeitos de guerra, dando-se início à sua execução em Abril desse ano.

As vilas da comarca de Torres Vedras, que ía da Lourinhã e Cadaval até Sintra e Cascais , foram constrangidas a pagar 8000$000.

Só as vilas de Torres Vedras e Ribaldeira, cujos domínios correspondem, aproximadamente, aos actuais limites administrativos do concelho de Torres Vedras, pagavam mais de metade do imposto a para toda a comarca (respectivamente 3000$000 e 1200$00), o que revela a importância económica desta região (3).

Em relação aos limites administrativos de Torres Vedras, aquele valor de 3000 réis foi subdividido entre as 38 vintenas do concelho, sendo que as cinco que mais contribuíram para aquele valor foram, respectivamente, a vila de Torres Vedras (907 réis), Turcifal (250 réis), Freiria (200 réis), Azueira, actualmente pertencente ao concelho de Mafra (150 réis) e Runa (140 réis) (4).

Torres Vedras só voltou a sentir o incómodo da presença militar em Agosto do ano seguinte, quando uma parte das tropas francesas, comandadas por Thomiers, atravessou Torres Vedras. Foram estas forças que se defrontaram com os ingleses na batalha da Roliça.

Mais uma vez Torres Vedras viveu estes acontecimentos à distância: “(...) na tarde de 17 d’Agosto de 1808, constou” (em Torres Vedras) “da batalha da Roliça (...) pelos que se retiravam feridos do Exército, e por alguns prisioneiros, que aqui vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do Corpo da Polícia. N’essa acção era commandado o Corpo da Tropa Franceza pelo General Delaborde, o qual vendo-se obrigado a retirar-se depois de sustentar o resto do dia com evoluções, se aproveitou da noite para largar de todo o campo, e tomou a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça. Em quanto o Corpo principal seguia, não deixavam de passar pela Villa em toda a noite soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum severo castigo” (5).

Tomando conhecimento da Batalha da Roliça, Junot decidiu abandonar a capital, em direcção a Torres Vedras, para travar o avanço das forças inglesas.

“Junot, sendo informado por uns camponezes que Laborde estava combatendo só com as tropas inglêsas, suppoz que estas seguiam sobre Lisboa, pela estrada de Torres, emquanto o exercito português seguiria a estrada real de Rio Maior- Alcoentre.

“Como ligava mais importancia ao exercito inglês, resolveu atacar primeiro este, e, só depois de vencel-o, viria atacar o exercito português.

“D’esta forma determinou fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras” (5).

Estávamos nas vésperas da Batalha do Vimeiro, que teve lugar em 21 de Agosto de 1808, tema ao qual voltaremos em Agosto do próximo ano.

(1)    - Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.164 a 171;
(2)   - Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato (...) (1777 a 1826), ed. revista e coordenada por Ernesto de Campos de Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.52;
(3)   - Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 17 de Abril de 1808, ff.164 e 164 v.;
(4)   - Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 30 de Abril de 1808, ff.166v. a 170v.;
(5)   - Madeira Torres, obra citada,  pp. 171-17;
(6)   - Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 112-113.

(texto publicado no jornal Badaladas, na série "Vedrografias", em 29 de Dezembro de 2017)


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