6 de Dezembro de 1807 – Quando os
Franceses ocuparam Torres Vedras
Há 110 anos os torrienses passaram o
Natal sob ocupação francesa.
As tropas de Junot cruzaram a fronteira
portuguesa em 19 de Novembro de 1807, só conseguindo entrar em Lisboa em 30 de
Novembro.
A família real tinha saído de Lisboa a
caminho do Barasil no dia 27.
Em Torres Vedras ficamos a dever ao
padre Madeira Torres, testemunha coeva e observador atento, a descrição do modo
como esses acontecimentos foram sentidos na localidade e da sua ocupação pelas
tropas francesas.
Refere aquele autor que “Torres Vedras
(...) foi a primeira em participar da consternação e saudade (…) pela ausencia
do nosso adorado Principe”.
Ainda “os habitantes começavam a
lamentar-se de tamanha perda,(…) logo no dia 6” de Dezembro “foram constrangidos
a franquear quarteis, e munições de bôcca para a tropa de mais de duas
brigadas, ou de quasi toda a segunda divisão, cujo commando ainda então estava (como
o fóra pela marcha) provisoriamente no Brigadeiro Charlot, que o largou logo
nos dias seguintes ao General Loison (…).
No dia 8 do mesmo mez adiantou-se para a Praça
de Peniche o General de Brigada Thomiers com dois batalhões, e passados alguns
dias retrocederam dois para Mafra, onde Loison estabeleceo ordinariamente o seu
Quartel General, e permaneceram aqui fixos os dois Batalhões dos regimentos 12
e 15 de infantaria ligeira”, que eram compostos por cerca de tres mil homens, sob
o comando do Brigadeiro Charlot.
“Nos
primeiros dias padeceo esta Villa não só os gravissimos incommodos do
alojamento, mas quasi todo o pêso das requisições para a inteira subsistencia
da tropa”.
A
moderação do brigadeiro Charlot foi muito elogiada pelo ilustre pároco torriense,
até porque “contribuio ella para nunca se interromperem as funcções do Culto,
nem mesmo a do Natal, e para se fazerem com boa ordem, e até com esplendor”.
Com
a proximidade da Primavera o mesmo brigadeiro aliviou a vila “d’algum pêzo de
tropa, mandando destacar duas Companhias para a Lourinhã, e duas para o logar
do Turcifal: Em fim nos ultimos dias de Maio levantou-se o quartel do General
Charlot, quando partio com o Batalhão do regimento 12, e com os outros, que
estavam em Mafra, para a frustrada expedição do Douro e Porto, commandado por
Loison.
“Pelo
mesmo tempo se transferio o Batalhão do Regimento 15 para Mafra, e veio para
aqui um dos alojados na Praça de Peniche, de que era Commandante o Major
Bertrand, o qual apenas se demorou um dia.
“Desde
então ficou esta Villa alleviada de tropa effectiva; mas não deixou de ser
frequentada, e incommodada por alguns destacamentos, pelo transito dos
Officiaes do Estado Maior, e tambem de varios corpos do Exercito.” (1).
O
bom tratamento dado à população pelo brigadeiro Charlot foi igualmente
confirmado por outra testemunha coeva, Francisco Manuel Trigoso de Aragão
Morato, um dos Grandes de Portugal,
que se refugiou com toda a família na Quinta Nova, em Matacães, a pouca
distância da então vila de Torres Vedras, onde recebeu “a noticia do embarque
da Familia Real e da entrada dos francezes em Lisboa. Meu irmão e eu (...)
assentámos em ficar aquelle inverno” (de 1807) “ no campo, sem virmos para
Lisboa, como costumavamos vir todos os annos.
“Assim
o fizemos e, permanecendo alli por todo o tempo que os francezes estiveram em
Portugal, escusado é dizer que nem tivemos nem desejámos ter influencia alguma
no seu Governo.
“Apenas
tivemos a comunicação necessaria ou de civilidade com o General Charlot, que
residia em Torres, e com os poucos officiaes que mais viviam com elle. Tambem
vimos o general Loison, que por alli passou na sua espedição das Caldas da
Rainha; não vimos mais nenhum General nem outro empregado, e até ao mez de
Agosto seguinte” (de 1808) “não tivemos incommodo ou susto algum, porque
Charlot não era mau homem e queria conservar a paz e o socego” (2).
Mas não foi
apenas o ocupação militar alterar a vida dos habitantes desta vila. Cedo a
ocupação se fez sentir em termos económicos.
Em Fevereiro de
1808 tomou-se conhecimento de uma ordem de Napoleão para lançar, sobre todo o
teritório porugês, um imposto extraordinário para efeitos de guerra, dando-se
início à sua execução em Abril desse ano.
As vilas da
comarca de Torres Vedras, que ía da Lourinhã e Cadaval até Sintra e Cascais ,
foram constrangidas a pagar 8000$000.
Só
as vilas de Torres Vedras e Ribaldeira, cujos domínios correspondem,
aproximadamente, aos actuais limites administrativos do concelho de Torres
Vedras, pagavam mais de metade do imposto a para toda a comarca (respectivamente
3000$000 e 1200$00), o que revela a importância económica desta região (3).
Em
relação aos limites administrativos de Torres Vedras, aquele valor de 3000 réis
foi subdividido entre as 38 vintenas do concelho, sendo que as cinco que mais
contribuíram para aquele valor foram, respectivamente, a vila de Torres Vedras
(907 réis), Turcifal (250 réis), Freiria (200 réis), Azueira, actualmente
pertencente ao concelho de Mafra (150 réis) e Runa (140 réis) (4).
Torres
Vedras só voltou a sentir o incómodo da presença militar em Agosto do ano
seguinte, quando uma parte das tropas francesas, comandadas por Thomiers,
atravessou Torres Vedras. Foram estas forças que se defrontaram com os ingleses
na batalha da Roliça.
Mais
uma vez Torres Vedras viveu estes acontecimentos à distância: “(...) na tarde
de 17 d’Agosto de 1808, constou” (em Torres Vedras) “da batalha da Roliça (...)
pelos que se retiravam feridos do Exército, e por alguns prisioneiros, que aqui
vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do
Corpo da Polícia. N’essa acção era commandado o Corpo da Tropa Franceza pelo
General Delaborde, o qual vendo-se obrigado a retirar-se depois de sustentar o
resto do dia com evoluções, se aproveitou da noite para largar de todo o campo,
e tomou a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde
descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça. Em quanto
o Corpo principal seguia, não deixavam de passar pela Villa em toda a noite
soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria
dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a
necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum
severo castigo” (5).
Tomando
conhecimento da Batalha da Roliça, Junot decidiu abandonar a capital, em
direcção a Torres Vedras, para travar o avanço das forças inglesas.
“Junot,
sendo informado por uns camponezes que Laborde estava combatendo só com as
tropas inglêsas, suppoz que estas seguiam sobre Lisboa, pela estrada de Torres,
emquanto o exercito português seguiria a estrada real de Rio Maior- Alcoentre.
“Como
ligava mais importancia ao exercito inglês, resolveu atacar primeiro este, e,
só depois de vencel-o, viria atacar o exercito português.
“D’esta
forma determinou fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras”
(5).
Estávamos
nas vésperas da Batalha do Vimeiro, que teve lugar em 21 de Agosto de 1808,
tema ao qual voltaremos em Agosto do próximo ano.
(1) - Manuel
Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de
Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.164 a 171;
(2) - Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão
Morato (...) (1777 a 1826), ed. revista e coordenada por Ernesto de Campos de
Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.52;
(3) - Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara de Torres
Vedras (1802-1812), vereação de 17 de Abril de 1808, ff.164 e 164 v.;
(4) - Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara Municipal de
Torres Vedras (1802-1812), vereação de 30 de Abril de 1808, ff.166v. a 170v.;
(5) - Madeira Torres, obra citada, pp. 171-17;
(6) - Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em
Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 112-113.
(texto publicado no jornal Badaladas, na série "Vedrografias", em 29 de Dezembro de 2017)
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