A única referência que encontramos em Torres Vedras ao Maio de 68 em
França, durante esse mês, é uma referência indirecta, num artigo algo confuso, publicado nas
páginas do jornal “Badaladas”, intitulado “Como Dialogar?”, e do qual
transcrevemos as passagens mais significativas:
“(…) Não seria mais acertado procurar dialogar carinhosa e
humildemente, embora com firmeza, com os dirigentes educacionais,
administrativos, religiosos, sociais e até políticos, antes de agitar os
subordinados daqueles?
“A insubordinação gera a desordem senão a revolta, e onde há desordem
não pode haver paz, disso temos agora
um flagrante e triste exemplo em França” [sublinhado nosso].
E rematava o mesmo anónimo articulista:
“A obra de reconstrução do mundo, que se impõe, só pode ser feita com o
Espírito do Alto, sendo pois necessário caminhar de cima para baixo, para unir fraternalmente
toda a Humanidade: dos pais para os filhos, dos patrões para os empregados, dos
chefes para todos os restantes”.
Só nas edições de Julho desse ano aparecem as primeiras referências directas àquele acontecimento, em artigos de primeira página, um, na edição do dia 13, da autoria de Andrade Santos, intitulado "França: um teatro de Guerra" e outro na edição do dia 20, intitulado "A Nova Revolução Francesa".
Apesar da censura, a imprensa local da época (que no caso se restringia
à edição semanal do jornal “Badaladas”) não vivia alheada da situação
internacional. Exemplo disso é o caso de um vigoroso artigo condenando o
racismo nos Estados Unidos [recorde-se que em 4 de Abril desse ano tinha sido
assassinado Martin Luhter King] e de outro referindo a situação no Vietname,
dois temas que, de algum modo, estavam relacionados com a agitação estudantil
em França e um pouco por todo o mundo ocidental.
Da Guerra Colonial, na qual o Estado português estava então envolvido,
motivo para a agitação estudantil em Portugal que atingiu o seu auge no ano
seguinte, a censura apenas deixava passar a publicação de inócuas cartas de
soldados, publicadas nas páginas do “Badaladas”.
Torres Vedras vivia nessa altura um dos períodos mais apagados, no
ponto de vista cultural. Salazar ainda não tinha caído da cadeira, facto que só
ocorreria a 3 de Agosto, e o cinzentismo era imposto a todas as tentativas mais
ousadas de criatividade cultural. Ainda estava fresco o caso do Cine Clube de
Torres Vedras, a quem fora imposta uma comissão administrativa seis anos antes,
levando à perseguição politica dos jovens que então tinham ousado fazer diferente.
A única excepção a esse cinzentismo era o Pelouro Cultural da Física
que iniciava então um período de crescente actividade (que viria a conhecer um
destino parecido ao do Cine Clube anos depois).
A Associação de Educação Física, então dominada por homens próximos da
oposição republicana, realizou, nesse mês de Maio, uma cerimónia para comemorar
a abertura das propostas da empreitada da primeira fase das obras para a sua nova
sede, que é a actual.
Nesse mês de Maio de 68 o jornal “Badaladas” completava 20 anos de vida
e publicava mais 4 páginas do seu histórico Suplemento Cultural, que então, em
parte por acção indirecta da censura, em parte pelo afastamento, por várias
razões, dos seus primeiros mentores, passava por uma fase menos criativa, menos
irreverente e menos interessante.
Outros acontecimentos marcaram esse mês de Maio de 68 em Torres Vedras,
como o fim, em 20 de Maio, da primeira campanha de escavações na Gruta do
Cabeço da Rainha, junto ao lugar da Maceira, que tinha contado com grandes
nomes da arqueologia portuguesa, como Farinha dos Santos, Veiga Ferreira e o
abade Jean Roche, para além do conterrâneo Leonel Trindade.
Essas escavações permitiram que pela primeira vez se observasse um terraço fluvial numa gruta, possibilitando
a datação geológica dos seus níveis.
Nessas escavações foram identificados níveis de ocupação do Paleolítico
Superior e outra mais antiga do Paleolítico Médio.
Outro acontecimento localmente marcante foi a realização em Torres
Vedras, em 26 de Maio, do Dia da J.O.C. [Juventude Operária Católica] Internacional que contou com a presença de
jovens católicos de todo o país.
Não o sabemos, mas é muito provável, dado o carácter cada vez mais
progressista e crítico da JOC em relação às condições sociais e à guerra
colonial, que nesse encontro os seus participantes tivessem falado do Maios de 68.
Foi assim, num clima de paz aparente, mas com pequenos sinais que
anunciavam um novo tempo, que se passou o Maio de 68…em Torres Vedras.
(NOTA: a base para a elaboração deste texto foi a leitura das páginas
do jornal “Badaladas” no mês de Maio de 1968. O texto original teve como objectivo a sua utilização num programa de rádio em 1988, sendo agora apresentado com ligeiras alterações, recorrendo igualmente a um artigo de Carlos Guardado, que se encontra na página on-line da Câmara Municipal de Torres Vedras, que pode ser lido AQUI)
Bom resumo duma situação pouco clara pelas contradições em que se debatiam os interessados, aliás sujeitos a ameaças de repressão bem concretas.
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