(Quinta da Viscondessa na actualidade. Fotografia retirada do site oficial da Quinta)
Foi nos finais de 1888 que se inaugurou a “Escola Prática de
Viticultura”, com sede na Quinta da Viscondessa, então propriedade da família
Batalha Reis.
A escola foi criada de acordo com o “decreto orgânico de 30 de Junho de
1887” e o primeiro documento anunciando a sua existência data de 28 de Outubro
de 1888, assinado pelo “director da escola” António Batalha Reis.
Esse documento é um “Aviso” publicado nas páginas do semanário local
“Voz de Torres Vedras” de 3 de Novembro de 1888, informando “os indivíduos que
requereram para ser admitidos como alunos da escola pratica de viticultura de
Torres Vedras, para comparecerem no dia 3 de Novembro próximo [no próprio dia
da publicação nas páginas desse jornal], na secretaria da mesma escola, para
serem matriculados ou examinados em conformidade”.
Nessa mesma edição publicou-se o “Anuncio”, assinado por Elvino de
Brito, director geral da Direcção Geral de Agricultura, datado de 25 de
Setembro de 1888, indicando-se os objectivos e as condições de matricula nessa
escola:
“A escola, de que se trata, habilita operários vitícolas e vinícolas , que possam servir como feitores e
mestres práticos nos diversos serviços de vinha e da adega, taes como:
“1º - Cultura da vinha;
“2º - Vinificação, tratamento e conservação do vinho;
“3º - Destilação do vinho, agua-a pé de bagaço para álcool e aguardente
de copo;
“4º - Utilização do bagaço, sarro, borra e rescaldo para tártaro, acido
tartárico e acetato de cobre;
“5º - Acondicionamento da uva para embarque, sua seccagem artificial;
preparação e conservação da passa e seu acondicionamento para exportação;
“6º - Cultura das arvores fructiferas próprias da região;
“7º - Culturas hortenses e arvenses usuaes na região;
“8º - Montagem, funcionamento e conservação de machinas, aparelho e
instrumentos usados nas especialidades da escola;
9º - Manutenção e hygiene do gado de trabalho”.
Esse mesmo anuncio indica a formação de duas classes de alunos,
internos e externos, obrigados a “frequentar o curso de operários, incluindo os
exercícios no campo” ao longo de três anos, sendo admitidos 35 alunos externos
e 15 “pensionistas do governo”, admitindo ainda alunos “voluntários” externos.
Para se matricularem tinham como condição “não terem menos de quatorze
nem mais de dezoito annos de idade”, apresentarem certidão de “saúde e robustez
para trabalhos rurais” e de exame de instrução primária elementar.
Os que não tivessem a instrução primária submetiam-se a um “exame
especial na escola” para aprovação.
Pagavam uma mensalidade de 4$500 réis.
Os “pensionistas” tinham de apresentar “certidão de pobreza passada pela camara municipal, administrador,
parocho ou regedor”.
A Escola funcionou na Quinta da Viscondessa, próxima do Turcifal,
aproveitando o facto de aí já funcionar, desde meados de 1888, a “estação
ampelo-phylloxerica do sul”.
Nesta já se ministrava gratuitamente informações e formação “ a
indivíduos, feitores ou creados dos lavradores, que ali concorram para se
habilitarem no tratamento da vinha europea, e cultura da americana, a pratica
de pesquiza de phylloxera e tratamento de vinhas phylloxeradas” (1).
Esta estação fornecia igualmente “alguns milheiros da casta Jacquez, Herbmont, York Madeira, Riparias, Rupestris e poucos de vialla e Solonis” (2), e foi uma das formas de responder ao combate à
filoxera e à necessária renovação da vinhas da região.
A Escola foi oficialmente inaugurada no dia 5 de Novembro de 1888, mas
inicialmente contou apenas com sete alunos matriculados, atribuindo a imprensa
esse fracasso ao facto de o anuncio de abertura de matriculas só ter sido feito
dois dias antes da abertura, ao mesmo tempo que se lamentava que para “ a
inauguração nem a imprensa local” tivesse sido convidada e queixando-se de que
as “cousas não se fazem assim, à porta fechada, como quem tem medo da attrair
gente” (3).
Embora só tenha sido inaugurada em Novembro de 1888, já existia uma
referência anterior àquela escola, numa reportagem sobre a visita do “Sr.
Visconde de Chancelleiros” realizada em 28 de Julho:
“No Sabbado passado esteve em Torres Vedras o opulento viticultor do
concelho de Alenquer, sr. Visconde de Chancelleiros.
“S. Exª fez-se acompanhar pelos seus caseiros com o destino de
visitarem escola agricola da Quinta da
Viscondessa, onde começará a funccionar o aparelho inventado pelos
constructores Fafeur Fréres, e que serve para fazer a mistura do sulfureto na
agua, distribuindo-lhe uma dose regulada”, técnica utilizada para melhor
combater a filoxera.
“Sendo este systema, apesar de dispendioso, muito praticável nas
varzeas, abeiradas de rebeiras, charcos, etc, o sr. Visconde de Chancelleiros
tinha recomendado ao sr. ministro das obras publicas a acquisição do aparelho
Fafeur, e já estão na Quinta da Viscondessa dois exemplares dos mais pequenos,
fazendo ensaios, de que ainda se não conhecem os resultados, pela grande
tardança que houve na montagem”(4).
Os primeiros tempos da Escola Agrícola terão sido de grandes
dificuldades, como se revela numa notícia, publicada em Janeiro de 1889, dando
conta que os “trabalhadores e mais empregados da quinta da Viscondessa” estavam
“há mais de três mezes sem receber salários. A maior parte, ou quasi todos,
segundo nos informaram, para se alimentarem e a suas famílias, rebatem as
ferias, ficando por isso prejudicados em 50 réis diários” (5).
Recorde-se aqui que António Batalha Reis (1838-1917), co-proprietário
da Quinta da Viscondessa, fundador e primeiro director da Escola Pratica de
Viticultura, destacou-se como viticultor, com formação na área e autor de uma
vasta bibliografia sobre o tema, desempenhando cargos importantes relacionados
com essa actividade. Em 1874 integrou a primeira comissão nomeada pelo governo
para estudar os efeitos da filoxera no Douro, onde adquiriu conhecimentos que
foram muito uteis para os viticultores da região de Torres Vedras no combate à
filoxera e contribui para o prestigio da Escola da Quinta da Viscondessa.
Deixou a direcção da Escola em 1890, partindo em comissão de serviço
para a Itália e a França para estudar o funcionamento das Escolas Agrícolas e a
plantação da cepa americana nesses países (6).
(reprodução da capa de uma das muitas obras de António Batalha Reis)
A fama do seu irmão mais novo, Jaime Batalha Reis (7), ofuscou um pouco
a importância de António.
O Ensino agrícola foi criado pelo Decreto de Lei de 30 de Dezembro
de 1852, mas teve de esperar 36 ano pela
inauguração da sua primeira escola, exactamente a Escola Elementar de
Viticultura Prática de Torres Vedras, o seu nome oficial .
Em 1892 foi rebaptizada como Escola de Viticultura Ferreira Lapa, uma
homenagem ao conceituado cientista agrónomo.
Em 1899 o ensino agrícola foi reformado e aquela escola passou a
designar-se Escola Operária Rural Ferreira Lapa, perdendo alguns dos cursos que
ministrava e conhecendo a partir de então uma acentuada decadência que levaria
à sua extinção.
Localmente, o ensino pioneiro ministrado na escola da Quinta da
Viscondessa deu lugar, após um breve hiato de tempo, , ao Posto Agrário das
Almoinhas, designado a partir de 1913 de Posto Agrário de Dois Portos(8).
A Escola da Quinta da Viscondessa deu um grande contributo para se
ultrapassar, em termos locais, mas não só, os efeitos trágicos da filoxera que
chegou a esta região em 1883 (9).
Hoje em dia o espaço daquela escola continua preservado numa Quinta que
mantém a produção de vinho como actividade dominante.
[texto publicado na secção "Vedrografias" do jornal "Badaladas" em 28 de Dezembro de 2018]
(1)
–“Voz
de Torres Vedras” de 17 de Novembro de 1888;
(2)
-
“Voz de Torres Vedras”, 10 de Novembro de 1888;
(3)
-”Voz
de Torres Vedras”, 1 de Dezembro de 1888;
(4)
-“A
Semana”, 2 de Agosto de 1888;
(5)
–“A
Semana”, 26 de Janeiro de 1889;
(6)
–
Baseámo-nos numa biografia de António Batalha Reis da autoria de Isabel Zilhão,
respigada da net.
(7)
–
Existe uma vasta bibliografia sobre Jaime
Batalha Reis, Destacamos, contudo, o estudo de Andrade Santos sobre a ligação
deste destacado intelectual e diplomata com a Quinta da Viscondessa publicado
em 1994: SANTOS, Andrade, “Batalha Reis no Turcifal”, in Torres Cultural, nº 6,
1994, pp.22 a 47.
(8)
– Um
importante estudo sobre essa escola, contextualizada na realidade económica e
social deste concelho à época, pode ser lido num ensaio recente, disponível na
internet, da autoria do Dr. António Francisco Baixinho em: BAIXINHO, A. F. A
Escola de Viticultura Ferreira Lapa e o associativismo regional em Torres
Vedras: suas organizações e objetivos nos finais do século XIX. EccoS, São
Paulo, n. 33, p. 17-41. jan/abr. 2014.
(9)
Sobre os
efeitos da Filoxera em Torres Vedras leia-se: REIS, Célia, “A Filoxera No Concelho
de Torres Vedras” (texto copiografado, sem data) e REIS, Célia, “Problemas dos
Vinhos Torrienses no Final da Monarquia”, in Turres Veteras III- Actas de
História Contemporânea, ed. CMTV/IERMAH-Un. Letras, T. Vedras 2000, pp.123 a
158;
Caro Venerando António Aspra de Matos,
ResponderEliminarSou leitor regular do Vedrografias e a qualidade dos seus artigos é inquestionável. Exemplo disso é este artigo sobre a Quinta da Viscondessa e a Escola Agrícola. Muito interessante. Apenas tenho um pequeno reparo a fazer: a capa do livro que apresenta "Roteiro do Vinho Português" é de um neto de António Batalha Reis, também ele de nome António. Curiosamente este António Batalha Reis (1901-1982) também viveu durante alguns anos no Carvalhal, na década de 1930, e chegou a ser director da Gazeta de Torres em 1932.
Um abraço,
José Constantino Costa
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