(Reprodução de uma página da Ilustração portuguesa relatando os acontecimentos)
Em 14 de Dezembro de 1918 Sidónio
Pais foi assassinado.
Após a sua morte o governo alterou
a Constituição, devolvendo ao parlamento a prerrogativa de eleger o Presidente
de República.
Num parlamento esmagadoramente
dominado pelo partido sidonista - Partido Nacional Republicano - foi eleito
para o cargo, a 16 de Dezembro, o almirante Canto e Castro, de conhecida
tendência monárquica, sendo remodelado a 23 o governo presidido por Tamagnini
Barbosa.
Temendo as crescentes pressões da
facção monárquica do "sidonismo”, no sentido de rapidamente ser proclamada
a restauração da monarquia, os republicanos desencadearam uma revolta militar a
10 de Janeiro de 1919, que eclodiu em Lisboa, na Covilhã e em Santarém, sendo
prontamente dominada nas duas primeiras localidades, enquanto que na última
cidade só o foi no dia 16.
Foi a ocasião esperada pelas Juntas
Militares, que se tinham formado em vários pontos do país, ainda em vida de
Sidónio Pais, "com o pretexto de defender Portugal da "subversão" e de
apoiar o presidente contra os seus inimigos mas, na realidade, com o propósito
de proclamar a Monarquia, mais cedo ou mais tarde", para
proclamarem a restauração da Monarquia,
em Lisboa e no Porto, no dia 19 de Janeiro.
("Decreto" da "Monarquia do Norte" abolindo a República)
A
rebelião no sul do país, nomeadamente em Lisboa, foi rapidamente
dominada pelo "povo urbano" que, "aos milhares, acorreu a defender
a "sua" República, apoiando decisivamente o Exército e a Marinha a
desalojar os revoltosos do seu reduto entrincheirado na serra de Monsanto".
Contudo no norte do país os
revoltosos conseguiram aguentar-se até 13 de Fevereiro, chegando a dominar todo
o Minho e Trás-os-Montes (com a excepção da região de Chaves) e parte da Beira,
proclamando a Monarquia, que ficou conhecida por "Monarquia do
Norte", provocando assim uma curta guerra civil no país.
(nota emitida pela "Monarquia do Norte")
Em Lisboa o governo
"sidonista" deu lugar a um governo de coligação entre os partidos
republicanos, presidido por José Relvas, que se manteve em funções até 30 de Março
e que incluiu pela primeira vez um ministro socialista na pasta do Trabalho, (1).
Em Torres Vedras a "notícia
da traição monarquica no Porto ecoou (...) como uma bomba,
despertando o sentimento republicano do povo"(2).
Noticiados os acontecimentos na
manhã de dia 20, pela chegada dos jornais de Lisboa, "o antigo republicano desta
vila, sr. Julio Vieira, ao ter conhecimento da noticia (...), alvitrou a reunião imediata de todos os
republicanos, sem distinção, no Largo da Republica, por ser o momento solemne
de se definirem situações, e, logo cercado e apoiado por varios outros
republicanos velhos e sinceros que aceitaram com justificado alvoroço o
alvitre, dirigiu-se com um grupo, ao comandante militar de Torres Vedras, a
pedir autorisação para a reunião, visto achar-se o concelho na região abrangida
pelo estado de sitio.
"O comandante militar (...),
não só prontamente acedeu a que se efectuasse a aludida reunião publica, como
galhardamente se prestou a satisfazer a solicitação que lhe foi feita de soltar
imediatamente todos os presos por delito de opinião, visto a republica
encontrar-se em perigo(...).
"Acto continuo numerosos
mensageiros partiram pelas varias ruas da vila anunciando a todas as pessoas
que encontravam, a reunião que se ia efectuar no Largo da Republica, e meia
hora depois, apezar de ser dia de descanço semanal, com os estabelecimentos
fechados e muita gente fora de Torres, reuniu-se naquele Largo em frente do
coreto, um rasoavel numero de republicanos desta vila.
"Subindo a um banco, o sr. Julio
Vieira, em breves palavras e no meio do mais fremente entusiasmo republicano de
todos os assistentes, salientou a gravidade da hora presente que extremava os
campos e a necessidade que se impunha da estreita união de todos os
republicanos numa acção comum (...)
para salvar a República (...). Os oito anos de luctas anteriores vieram
demonstrar que o inimigo comum só poderia triunfar se a união dos republicanos
não se traduzisse num facto imediato e sincero (...)".
Foi nessa ocasião lido o telegrama
a enviar ao governo onde, manifestando-se ao seu lado, os republicanos
torrienses pediam a imediata nomeação de um administrador do concelho "autenticamente
republicano caso insista na demissão pedida o actual administrador"
.
De seguida "o
cortejo (..) encaminhou-se
pelo largo abaixo em direcção á rua das Flores, á residencia do sr. Alberto
Pedreira, administrador do concelho demissionario, onde o sr. Julio Vieira, á
frente do povo, agradeceu em nome da opinião republicana a atitude leal e
correcta daquele senhor durante o exercicio do seu espinhoso cargo, saudação
aque o sr. Pedreira correspondeu soltando dois vivas à República(...)"
(3). Dirigindo-se de seguida para a sede do Grémio Artístico - Comercial,
formou-se o auto designado Comité de Salvação (ou de Defesa) da Republica
(CDR), nascido "da
fusão de todas as forças republicanas" que, em nome da "UNIÃO!
ORDEM! TOLERÂNCIA!" apelou a que "nesta hora de perigo grave
para a nossa nacionalidade", em que se extremavam posições, "monárquicos
de um lado, republicanos a outro", se acabassem as "divisões
de partidos e lutas estereis", se esquecessem agravos, "para estarem todos unidos, todos por um e um por
todos na defeza sacrosanta da Patria que os traidores pretendem afundar num mar
de lama e sangue, e da defeza heroica da republica, cuja imagem gloriosa tem de
ser colocada carinhosamente no mais alto pedestal (...)"(4).
Na sua acta de constituição,
referiam-se como objectivos desse Comité de Defesa da Republica:
"1º- Promover a defeza da
Republica neste concelho.
"2º- Manter a ordem e a segurança
de pessoas e haveres.
"3º- Assegurar o respeito pelas
crenças dos habitantes.
"4º- Cuidar da nomeação e da
eleição das corporações administrativas.
"5º- Defender perante os poderes
publicos, os interesses politicos e materiais do concelho, de acordo com a
comissão administrativa municipal.
"6º- Cuidar da eleição de
deputados e senadores do circulo de acordo com comissões analogas de outros
concelhos agrupados neste círculo(...)" (5).
Ficaram a dirigir esse
"comité" os sete primeiros subscritores, representantes dos vários
sectores republicanos.
À cabeça dessa lista figurava
Júlio Vieira, a quem, em parte, se ficou a dever essa iniciativa,
antecipando-se de algum modo aos acontecimentos, evitando que se voltassem a registar
os excessos e perseguições cometidos quando da "Revolução de 14 de
Maio" de 1915, dos quais o próprio Júlio Vieira tinha sido vítima.
Recorde-se que este tinha sido um dos principais apoiantes locais do
"sidonismo".
Manuel Coelho Cláudio Graça era outro
dos nomes que figuravam nessa lista, republicano histórico, que tinha sido
presidente da primeira Câmara
republicana, um dos líderes locais do Partido Evolucionista.
João Marques Trindade era outro
"evolucionista" a fazer parte do grupo dirigente desse comité.
José Anjos da Fonseca , que tinha
sido membro da primeira comissão administrativa "sidonista",
ex-"evolucionista", surgia agora a representar o Partido
Unionista no CDR.
Artur Gouveia de Almeida, que
também tinha feito parte da primeira comissão administrativa
"sidonista", Emílio Bandeira, líder local do PRP, e José Nunes de
Chaves, eram os representantes "democráticos" no comité.
No dia seguinte, o novo
administrador do concelho, alferes engenheiro Metrass de Azevedo, demitiu a
ultima comissão administrativa municipal sidonista e nomeava nova comissão
municipal, presidida por João Ferreira Guimarães Júnior, do Partido
Evolucionista, "guarda-livros"
de Torres Vedras, então com 64 anos .
Dela faziam parte cinco dos membros
do CDR, entre os quais Júlio Vieira, que, como vice-presidente, desempenhava
pela primeira vez funções municipais.
No dia 21 foi içada, no torreão do
castelo a bandeira nacional, "acorrendo a esta cerimonia uma grande
multidão e prestando-lhe as honras militares o destacamento de infantaria 23
que aqui se encontra, sob o comando do alferes sr. Seiça Neto, sendo o exercito
e a Republica muito aclamados quer
nesse acto, quer durante o percurso pelas ruas da vila"(6).
Não se registando neste concelho
confrontos militares, formou-se um "batalhão de voluntários" para
ir combater os monárquicos no norte (7).
A 13 de Fevereiro chegou a Torres
Vedras, por via telegráfica, a notícia da vitória republicana, tendo sido esta
"uma das primeiras terras da provincia a saber a noticia da restauração
da Republica no Porto":
"(...) Produziram-se as naturais
explosões de alegria, subindo ao ar grande numero de foguetes e morteiros.
Depois veio a confirmação e no dia seguinte, tudo certo da victoria da
republica (...) as manifestações redobraram de entusiasmo,
encerrando-se o comercio, tocando a filarmonica Torreense e realisando-se uma
sessão solemne na Camara Municipal, formada na frente dos Paços do concelho a
força militar aqui existente, a qual fez a continencia á bandeira, cerimonia
tocante e entusiastica, feita no meio de salvas de palmas e de delirantes vivas(...)"
(8).
Após a vitória republicana o
administrador do concelho convocou "um grupo de republicanos de todas as
facções" para uma reunião a realizar a 24 de Fevereiro no edifício
daquela instituição.
Nessa reunião foi apresentada uma
proposta, aprovada por unanimidade, de acordo com a qual se decidiu:
"(...)1º -Confirmar a deliberação
tomada em reunião publica no dia 20 de Janeiro" de "Abater as bandeiras partidarias para assim
se poder com mais energia e eficacia defender a republica, enquanto existe um
governo de concentração.
"2º-Concorrer para a desligação de
todos os funcionarios publicos que tenham manifestamente dado provas de
infidelidade ás instituições republicanas, logo que contra esses funcionarios
existam provas insofismaveis ou documentadas.
"3º-Impedir abusos que por ventura
possam sobreviver, filhos de incompatibilidades pessoais.
"4º-Reclamar junto do "Comitá
de Defeza da Republica" desta localidade, todas as medidas que se achem
necessarias para a mesma defeza, devendo estas reclamações ser principalmente
feitas pelas comissões dirigentes dos diversos partidos politicos.
"5º-Acatar todas as deliberações
do Comité ao qual deverão agregar-se, desde já, outros elementos escolhidos por
esta assembleia.
"6º-Manifestar-se a asembleia
sobre a actual organisação da Comissão Administrativa do Municipio e
Administrador do Concelho.
"7º-Todos os republicanos que
concordarem e aprovarem esta proposta, tomam o compromisso de honra de faze-la
respeitar por todas as forças ao seu alcance, devendo todos assina-la ficando
esta arrecadada pelo Comité (...)"(9).
De acordo com essa proposta aprovou-se a manutenção da comissão
administrativa e do administrador do concelho, decidindo-se ainda agregar mais
6 nomes, entre os quais o do administrador do concelho, à direcção do Comité de
Defesa da Republica que ficou assim composto por 13 republicanos.
Assinaram o compromisso de honra 31
republicanos.
O Comité de Defesa da Revolução
reuniu, pela última vez, na presença das comissões políticas locais dos três
partidos republicanos, a 2 de Março, dando por findos os seus trabalhos,
dissolvendo-se de seguida "depois de entregar o seu mandato nas mãos
das mesmas comissões políticas" (10).
Dias depois era a vez da comissão
administrativa municipal pedir a sua demissão, por razões que prefiguravam já o
regresso das velhas intrigas políticas que sempre haviam minado os partidos
republicanos:
"(...) Tendo estado esta comissão
administrativa a gerir os negócios municipais por indicação e acordo tanto de
todos os partidos republicanos deste concelho, e tendo sido nomeada nova
autoridade administrativa, em desacordo com as comissões politicas municipais,
que não foram ouvidas, resolve depôr telegraficamente nas mãos do sr.
Governados Civil o seu mandato por coherencia e solidariedade com as mesmas
comissões partidarias"(11). A razão dessa crise política local,
relacionou-se com o facto de o Governador Civil de Lisboa ter demitido o
administrador João Fernandes Caldeira "que estava na administração por
acordo de todos os partidos republicanos locais", sem ter
consultado as comissões políticas dos três partidos, nomeando um novo administrador "completamente desconhecido deste concelho e representando apenas uma
facção política parcial e pessoal, cujos interesses procura servir",
ou seja , o Partido Democrático.
"A Vinha.." avisava o
novo administrador de que a sua "situação aqui" não se podia prolongar, "visto que não tem o apoio da grande corrente do partido democratico
legalista que está ao lado da comissão municipal republicana eleita e
representativa do mesmo partido", revelando as crescentes
clivagens no seio do PRP .(12).
Apesar de tudo, não se coibiu o
novo administrador de nomear nova comissão administrativa, em substituição da
demissionária.
Aquela remodelada comissão
administrativa manteve-se em funções até 16 de Junho desse ano, data em que
tomou posse a câmara eleita a 25 de Maio
de 1919, entrando-se assim em período de normalidade democrática, que, em termos
municipais locais, só voltaria a ser interrompida com o 28 de Maio de 1926.
A nível nacional, o governo de
José Relvas apresentou a sua demissão em 27 de Março, sendo nomeado um novo
governo, chefiado por Domingos Leite Pereira, exclusivamente "democrático",
que presidiu às eleições parlamentares de 11 de Maio, que deram ao PRP a
maioria absoluta dos deputados, marcando o regresso em força da chamada
"República Velha".
A sonhada unidade dos republicanos
chegava definitivamente ao fim, iniciando-se agora um novo período marcado pela entrada em cenas
de novos protagonistas e por profundas transformações no panorama político
partidário.
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(1) MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal da
Monarquia para a República, pp. 721 a 724.
(2) Suplemento ao nº 1:300 de
"A Vinha de Torres Vedras", de 21 de Janeiro de 1919.
(3) A Vinha de Torres Vedras,
23 de Janeiro de 1919.
(4) Suplemento ao nº 1:300 de
"A Vinha de Torres Vedras", de 21 de Janeiro de 1919.
(5) Vinha de Torres Vedras,
6 de Fevereiro de 1919 .
(6) Suplemento ao nº 1:300 de
"A Vinha de Torres Vedras", de 21 de Janeiro de 1919.
(7) A Vinha de Torres Vedras,23
de Janeiro e 6 de Fevereiro de 1919.
(8) A Vinha de Torres Vedras,
20 de Fevereiro de 1919.
(9) A Vinha de Torres Vedras,
27 de Fevereiro de919.
(10) A Vinha de Torres Vedras
, 6 de Março de 1919 .
(11)Livro de Actas da ,
nº 39,(1916-19120), sessão de 5 de Março de 1919,AMTV.
(12) A Vinha de Torres Vedras,
6 de Março de 1919.
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