Está por fazer a história da censura no Carnaval de Torres Vedras.
Época de irreverência, o Carnaval sempre foi temido por todo o tipo de “autoridades”,
que sobre ele tentaram todo o tipo de controle.
Claro que a situação actual não é comparável à dos tempos da ditadura.
Então a transgressão podia acabar com a prisão e/ou um interrogatório
pela PIDE.
Em Torres Vedras o primeiro acto de censura conhecido partiu da própria
Igreja que, durante o Estado Novo, conseguiu impedir que o cortejo “real” fosse
acompanhado por “altos dignatários” da Igreja, como acontecia nos primeiros
carnavais organizados da década de 1920, onde, ao lado do “rei” e da “rainha”,
desfilavam “bispos” e “freiras”.
Durante o período do Estado Novo poucos se atreviam a desafiar ou
criticar as autoridades durante o Carnaval, o que não quer dizer que não o
tentassem, mas geralmente nas “entrelinhas” dos discursos dos reis e do enterro
do Carnaval, situação que ainda está
por estudar.
Mas não se pense que a critica politica era a única visada pela
censura. As alusões à Igreja e as brejeirices de tipo sexual que atentassem
contra a “moral” eram igualmente alvo de perseguições e restrições.
Com a conquista da liberdade não acabaram os actos de censura.
Aí pelos anos 80 ficou célebre a proibição de desfilar a um carro da
Associação do Património que criticava a actuação da Câmara.
Mas o episódio mais célebre aconteceu em 2009 com o “caso Magalhães”,
onde aparecia, no “monumento”, uma alusão ao computador Magalhães, cujo ecran
apresentava cenas sexuais explicitas, levando a que uma juíza com excesso de
zelo, obrigasse a que se retirassem essas imagens.
(a sequência do "caso" Magalhães, em 2019 - Fotos do Público e do autor)
Este ano o Carnaval voltou a conhecer um novo acto de censura.
Tendo por tema “Made in Portugal”, não seria de estranhar que a Nossa
Senhora de Fátima fosse uma das figuras a aparecer no Monumento.
A Santa, Nossa Senhora da Bola, era apresentada com uma bola, em vez da cabeça, uma alusão
inofensiva à nova “religião” dominante, o Futebol.
Assim não o entenderam algumas figuras influentes da Igreja local e
respectivas “beatas” que exigiram que a imagem fosse retirada do monumento,
onde passou poucas horas.
Geralmente o efeito, nestas situações, é o contrário.
Uma imagem, que passaria quase despercebida no meio de tanto “figurão”,
ameaça tornar-se “viral” no carnaval deste ano, anunciando-se já a “aparição”
da Imagem ao longo de várias ocasiões durante o Carnaval e dando o mote para
grupos de mascarados.
Mais uma vez o Carnaval de Torres vai vencer a Censura e o censor vai
sair-se mal do “atrevimento”.
(o local onde estava colocada a figura)
Aqui transcrevemos o texto de Bruno Melo, responsável pela escultura em causa, publicado na página do Facebook da Gate7:
(fonte:Gate 7)
"ESCULTURA RETIRADA DO MONUMENTO
“AFINAL NÃO ERA ELA!”
"Caros Torreenses, abro o meu coração para mostrar a minha indignação com algumas pessoas da nossa sociedade e as suas opiniões!
"Enquanto artista plástico que dá o seu melhor pelo nosso Carnaval há mais de 30 anos, respeitando o seu conceito, história e tradição, sinto-me na obrigação de não deixar calar a minha voz e a de todos os artistas plásticos que contribuem para o seu engrandecimento!
"O não entendimento de alguns relativamente a peças que fazem parte do Monumento ao Carnaval de Torres, leva a situações extremas de pressão que em pleno século XXI não têm qualquer sentido.
"A liberdade de expressão criativa sempre foi a imagem de marca do nosso Monumento! Este ano não fugiu à regra!
"Contudo uma escultura criou “alarido” suficiente, diretamente a mim e junto da Câmara Municipal, ao ponto de me ser imposta a sua remoção!
"No espaço dedicado ao futebol, além dos Presidentes, ex-presidentes e jogadores, incluindo o melhor do Mundo, está(va) a Nossa Senhora da Bola. Escultura em tudo igual a uma Nossa Senhora, sem expressão facial, tendo no lugar da face uma bola de futebol.
"Escandalizada está uma sociedade que devido a credos, crenças ou religiões, ainda tem o poder de ver e convencer quem vê, que esta é uma sátira que não pode ser feita, ao ponto da mesma ser retirada do Monumento!
"Em Torres, Carnaval é sátira, connosco e com os nossos, com os heróis e os vilões, os vivos e os mortos, os melhores e os menos bons, os políticos e os artistas, agradecendo nós, os que têm liberdade criativa, tudo o que foi alcançado para a nossa sociedade desde que o lápis azul foi “enterrado”.
"Fica mais pobre o nosso Monumento, fica mais pobre o nosso Carnaval, mas está bem mais pobre uma sociedade que consegue ver tudo, menos o que realmente está à vista!
"Sim, é(ra) uma Nossa Senhora…da Bola, como há a de Fátima, do Alívio, da Ajuda, do Caravaggio, de Copacabana ou do Bom Parto, existindo até uma dos Prazeres…são mais de 50, e em Torres tínhamos a nossa pelo Carnaval!
"Não me entra na cabeça, que alguém que se revê numa igreja que nos presenteia inúmeras vezes com casos de pedofilia e abusos de menores, fazendo “vista grossa”, consiga ter uma vista tão “maldosa” para com uma sátira tão inofensiva e despejada de segundas intenções!
Que o Carnaval de Torres honre as suas tradições, como o mais Português de Portugal, carregando de sátira e simbolismo todas as ações que o engrandecem ano após ano!
Bom Carnaval a todos!"
Bruno Melo
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