segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A CENSURA no Carnaval de Torres


(Cartoon de Antero Valério - Facetoon)

Está por fazer a história da censura no Carnaval de Torres Vedras.

Época de irreverência, o Carnaval sempre foi temido por todo o tipo de “autoridades”, que sobre ele tentaram todo o tipo de controle.

Claro que a situação actual não é comparável à dos tempos da ditadura.

Então a transgressão podia acabar com a prisão e/ou um interrogatório pela PIDE.

Em Torres Vedras o primeiro acto de censura conhecido partiu da própria Igreja que, durante o Estado Novo, conseguiu impedir que o cortejo “real” fosse acompanhado por “altos dignatários” da Igreja, como acontecia nos primeiros carnavais organizados da década de 1920, onde, ao lado do “rei” e da “rainha”, desfilavam “bispos” e “freiras”.

Durante o período do Estado Novo poucos se atreviam a desafiar ou criticar as autoridades durante o Carnaval, o que não quer dizer que não o tentassem, mas geralmente nas “entrelinhas” dos discursos dos reis e do enterro do Carnaval, situação que  ainda está por  estudar.

Mas não se pense que a critica politica era a única visada pela censura. As alusões à Igreja e as brejeirices de tipo sexual que atentassem contra a “moral” eram igualmente alvo de perseguições e restrições.

Com a conquista da liberdade não acabaram os actos de censura.

Aí pelos anos 80 ficou célebre a proibição de desfilar a um carro da Associação do Património que criticava a actuação da Câmara.

Mas o episódio mais célebre aconteceu em 2009 com o “caso Magalhães”, onde aparecia, no “monumento”, uma alusão ao computador Magalhães, cujo ecran apresentava cenas sexuais explicitas, levando a que uma juíza com excesso de zelo, obrigasse a que se retirassem essas imagens.


(a sequência do "caso" Magalhães, em 2019 - Fotos do Público e do autor)

Este ano o Carnaval voltou a conhecer um novo acto de censura.

Tendo por tema “Made in Portugal”, não seria de estranhar que a Nossa Senhora de Fátima fosse uma das figuras a aparecer no Monumento.

A Santa, Nossa Senhora da Bola,  era apresentada com uma bola, em vez da cabeça, uma alusão inofensiva à nova “religião” dominante, o Futebol.

Assim não o entenderam algumas figuras influentes da Igreja local e respectivas “beatas” que exigiram que a imagem fosse retirada do monumento, onde passou poucas horas.

Geralmente o efeito, nestas situações, é o contrário.

Uma imagem, que passaria quase despercebida no meio de tanto “figurão”, ameaça tornar-se “viral” no carnaval deste ano, anunciando-se já a “aparição” da Imagem ao longo de várias ocasiões durante o Carnaval e dando o mote para grupos de mascarados.

Mais uma vez o Carnaval de Torres vai vencer a Censura e o censor vai sair-se mal do “atrevimento”.
(o local onde estava colocada a figura)

Aqui transcrevemos o texto de Bruno Melo, responsável pela escultura em causa, publicado na página do Facebook da Gate7:


(fonte:Gate 7)

"ESCULTURA RETIRADA DO MONUMENTO

“AFINAL NÃO ERA ELA!”

"Caros Torreenses, abro o meu coração para mostrar a minha indignação com algumas pessoas da nossa sociedade e as suas opiniões!

"Enquanto artista plástico que dá o seu melhor pelo nosso Carnaval há mais de 30 anos, respeitando o seu conceito, história e tradição, sinto-me na obrigação de não deixar calar a minha voz e a de todos os artistas plásticos que contribuem para o seu engrandecimento!
"O não entendimento de alguns relativamente a peças que fazem parte do Monumento ao Carnaval de Torres, leva a situações extremas de pressão que em pleno século XXI não têm qualquer sentido.
"A liberdade de expressão criativa sempre foi a imagem de marca do nosso Monumento! Este ano não fugiu à regra!
"Contudo uma escultura criou “alarido” suficiente, diretamente a mim e junto da Câmara Municipal, ao ponto de me ser imposta a sua remoção!
"No espaço dedicado ao futebol, além dos Presidentes, ex-presidentes e jogadores, incluindo o melhor do Mundo, está(va) a Nossa Senhora da Bola. Escultura em tudo igual a uma Nossa Senhora, sem expressão facial, tendo no lugar da face uma bola de futebol.
"Escandalizada está uma sociedade que devido a credos, crenças ou religiões, ainda tem o poder de ver e convencer quem vê, que esta é uma sátira que não pode ser feita, ao ponto da mesma ser retirada do Monumento!
"Em Torres, Carnaval é sátira, connosco e com os nossos, com os heróis e os vilões, os vivos e os mortos, os melhores e os menos bons, os políticos e os artistas, agradecendo nós, os que têm liberdade criativa, tudo o que foi alcançado para a nossa sociedade desde que o lápis azul foi “enterrado”.
"Fica mais pobre o nosso Monumento, fica mais pobre o nosso Carnaval, mas está bem mais pobre uma sociedade que consegue ver tudo, menos o que realmente está à vista!
"Sim, é(ra) uma Nossa Senhora…da Bola, como há a de Fátima, do Alívio, da Ajuda, do Caravaggio, de Copacabana ou do Bom Parto, existindo até uma dos Prazeres…são mais de 50, e em Torres tínhamos a nossa pelo Carnaval!
"Não me entra na cabeça, que alguém que se revê numa igreja que nos presenteia inúmeras vezes com casos de pedofilia e abusos de menores, fazendo “vista grossa”, consiga ter uma vista tão “maldosa” para com uma sátira tão inofensiva e despejada de segundas intenções!
Que o Carnaval de Torres honre as suas tradições, como o mais Português de Portugal, carregando de sátira e simbolismo todas as ações que o engrandecem ano após ano!
Bom Carnaval a todos!"
Bruno Melo

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