(versão integral do texto que já tinha sido apresentado neste espaço, mas de forma resumida)
Depois de termos evocado, em crónica anterior, a primeira Escola
Secundária a funcionar em Torres Vedras, entre 1890 e 1903, aqui recordamos
agora a segunda fundação da escola de ensino secundário torriense, inaugurada
em 3 de Novembro de 1919.
Não pretendemos fazer a história desta escola que esteve na origem da
actual Escola Madeira Torres, mas apenas coligir alguns breves apontamentos que
possam servir de ponto de partida para quem pretenda fazer a História desse
estabelecimento de ensino.
Em 1918 Victor Cesário da Fonseca, que tinha frequentado a escola
encerrada em 1903, republicano activo, e que sempre responsabilizou os
monárquicos locais pela decisão daquele encerramento (1), iniciou uma campanha,
nas páginas do jornal “Ecos de Torres” em defesa de se retomar o funcionamento
de uma Escola Secundária, a partir de um artigo não assinado na edição de 28 de
Janeiro desse semanário.
Em sessão camarária de Abril de
1919 o vereador José Anjos da Fonseca propôs o lançamento de um imposto de 5% sobre
as contribuições pagas pelas freguesias do concelho, para apoiar a abertura da
Escola Secundária, proposta aprovada apenas pela diferença de um voto (2) , constituindo-se
uma comissão instaladora que levou o projecto a bom termo.
Dessa comissão fizeram parte Afonso Pedreira Vilela, João Fernandes
Caldeira, Victor Cesário da Fonseca, Joaquim Rodrigues Cardoso e António
Germano Marques de Carvalho.
A nova Escola Secundária foi inaugurada em 3 de Novembro de 1919, uma
segunda-feira, provisoriamente num edifico da Travessa da Olaria, mudando-se em
definitivo para o edifício localizado na Avenida 5 de Outubro, onde funcionam actualmente
os serviços camarários, em 1921, edifício que então tinha apenas um andar.
Foi nomeado como seu primeiro director o professor Augusto do
Nascimento Gonçalves, até então director do Instituto Politécnico de Torres
Vedras (3), escola que tinha sido inaugurada em de Outubro de 1911, e onde se
ministravam a “instrucção primária, secundária e commercial” e que admitia
“alumnos de ambos os sexos como internos, semi-internos e externos”,
leccionando também “piano e lavores”, funcionando na Rua Barreto Bastos, nº 3,
1º Direito (4) .
O jornal “A Vinha de Torres Vedras”
referia-se nos seguintes termos àquela inauguração:
“Como amigos da instrução e partidários da fundação deste útil
estabelecimento de ensino, não podemos deixar de nos congratular com este
acontecimento, por todos os títulos importante e cuja falta há muito se fazia
sentir nesta villa.
“Ao acto da inauguração da nova escola presidiu o sr. António Cabral,
presidente da Camara e assistiram a vereação e muitas pessoas” (5).
Até 1923 os alunos não pagavam propinas.
No primeiro ano lectivo, o de 1919/1920, inscreveram-se 56 alunos, 26
no 1º ano, 12 no 2º ano, 6 no terceiro, 4 no 4º ano e 8 no 5º ano, entre eles
algumas alunas, 15 no 1º ano, 2 no 3º ano e uma no 5º ano.
Entre os inscritos encontramos nomes que vieram a ser figuras
proeminentes na vida cultural, social, económica e política de Torres Vedras :
Alberto Vieira Jerónimo e Galileu Silva,
inscritos no 1º ano; Amílcar Guerreiro, Hélder dos Santos Torres, Inácio do
Nascimento Clemente, José Hipólito e Manuel Duarte Capote, no 2º ano e Leonel
Trindade no 5º ano (6).
(Alunos e professores da Escola Secundária, nos anos de 1940 - Arquivo de Maria Helena Aspra de Matos)
No primeiro livro de matriculas onde se regista a profissão dos
encarregados de educação, o referente ao ano lectivo de 1942/1943, não deixa de
ser significativo registar o domínio de filhos de funcionários públicos e
comerciantes.
Entre um total de 164 alunos inscritos em todos os níveis de ensino
nesse ano, 52 eram filhos de gente ligada ao comércio (45 comerciantes, 6
empregados de comércio, e um ajudante de farmácia) , 40 estavam ligados ao
funcionalismo público (10 funcionários públicos, 8 conservadores, 5
professores, 4 empregados da CP, 3 funcionários municipais, 2 funcionários dos CTT, 2 ajudantes de
notário, 2 oficiais do exército, 1 funcionário colonial, 1 funcionário público
aposentado, 1 notário e 1 solicitador) seguindo-se os filhos de “proprietários”
(21).
Refira-se ainda o número de pais com formação média e superior: 9
médico, 4 advogados, 3 enfermeiros, 2 engenheiros e 2 empregados bancários (sem
contar com os 5 professores e outros profissionais acima incluídos no
funcionalismo público). Refiram-se ainda os filhos de “industrias” (em número
de 8).
Em contrapartida, apenas encontramos 3 filhos de operários e 1 de
agricultor.
Não espanta que a maioria dos alunos residisse na vila, 133 dos
inscritos. Runa é a freguesia fora da vila que sobressai, com 7 alunos
inscritos, situação que não será estranha à proximidade permitida pelo
caminho-de-ferro.
Nas décadas de 1960/70 a Escola atraia alunos de muitos concelhos vizinhos,
nomeadamente do sobral de Monte Agraço, sendo uma escola “com forte poder de
atracção” devido à sua “posição bastante central em relação à sua área de
influência”, e bem servida de transportes, começando a colocar-se um problema
de crescimento (7).
No ano lectivo de 1968/1969 começou a funcionar o chamado ciclo
preparatório, provocando uma ligeira redução no número de alunos inscritos na
Escola Secundária. Dos 334 inscritos em 1967/68 passou para 318 no ano seguinte.
A barreira das 3 centenas de alunos inscritos na Escola Secundária
tinha sido ultrapassada, pela primeira vez, no ano lectivo de 1964/1965, com
310 inscritos (8).
Por despacho de dezembro de 1969, e após intensa campanha iniciada nesse
ano nas páginas do “Badaladas”, por ocasião do cinquentenário, a Escola
Secundária, tornou-se secção do Liceu Nacional D. Pedro V, deixando de ser o
município a suportar financeiramente essa escola, o que permitiu uma redução
das propinas pagas pelos alunos (9).
Oficialmente o Reitor da escola torriense era o reitor do Liceu D.Pedro
V, o Dr. Estevão Ferreira Moreira, passando o director da antiga secundária, o
Dr. João Carlos da Cunha, a ser designado por “vice-reitor” (10).
Contava nessa data com 19 professores e cerca de 400 alunos.
Em 12 de Outubro de 1971 o Conselho de Ministros aprovou um decreto (
Decreto 447 de 25 de Outubro) que criou 21 liceus nacionais, entre os quais o
de Torres Vedras, passando a escola secundária, então com 540 alunos incritos,
a denominar-se, a partir do ano lectivo de 1972/73, Liceu Nacional de Torres
Vedras, abrindo uma secção na Lourinhã, sendo nomeado como reitor o Dr. Joaquim
Semedo Toco e tendo sessão inaugural em 2 de Outubro de 1972 (11).
Sobre este tema, registamos aqui uma recolha oral que fizemos junto do
sr. Adão de Carvalho, em Abril de 1990, onde ele nos contou que, em meados de
1971, o sr. Fernando Leal se deslocou ao Ministério do Interior para que o
ministro exigisse, junto do Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, a passagem da Escola Secundária a Liceu.
Uma das condições que Fernando Leal tinha posto para aderir à União
Nacional tinha sido a de que a escola secundária fosse elevada a Liceu.
Como, nesse encontro, o Ministro referiu que Torres Vedras já tinha
sido beneficiada em demasia, Fernando Leal ameaçou demitir-se a ele, a toda a
direcção regional da União Nacional.
Quando vinha a sair desanimado do encontro, encontrou Marcelo Caetano,
que regressou com ele ao ministério e pressionou a passagem da escola a Liceu
Nacional.
Foi assim, no início da década de 70 do século passado, que o “liceu” deixou de ser a escola elitista que
tinha sido, para se “democratizar” e abrir à população que até aí tinha como
única saída para os seus filhos o ensino técnico ou comercial, muito também devido
à chamada reforma Veiga Simão, situação que levou a um grande aumento do número
de alunos a frequentá-la.
No ano lectivo de 1971/1972 era frequentada por cerca de 540 alunos. No
ano lectivo de 1973/1974 já a frequentavam mais de 800 alunos, ultrapassando o
número de mil alunos nos anos seguintes.
Já em 1971 o jornal “Badaladas” referia que se impunha “com a maior
urgência, a construção dum novo edifício para o Liceu”, propondo que ficasse
para “a Escola Preparatória todo o imóvel municipal da Avenida 5 de Outubro”.
É em 1975 que o assunto voltou a merecer atenção, num artigo publicado
por António Leal d’Ascensão intitulado “Liceu de Torres Vedras –Torres Vedras
precisa e merece um Liceu Novo” (12).
Em sessão de 9 de Fevereiro de 1977 iniciou-se o debate sobre a criação
das novas instalações para o Liceu, então designado por Escola Secundária nº 2,
e para a Escola Preparatória, processo que vai ser liderado pela vereadora Ana
Maria Bastos, coadjuvda pelo vereador António Leal d’Ascensão, durante o primeiro
mandato de Alberto Avelino como presidente da Câmara (13).
O processo vai-se arrastar pelos anos seguintes e, em Março de 1978, a
Direcção Geral das Construções Escolares informa a Câmara da previsão do
concurso para esse ano e o início das obras para o final do ano ou início de
1979 (14).
Embora se defendesse uma maior participação dos pais no destino da
escola, logo na sessão solene da criação do Liceu de Torres Vedras, só depois
do 25 de Abril é que foi eleita a primeira comissão de pais, em 11 de Dezembro
de 1974, tendo como primeiro presidente da direcção a Drª Maria Aldina Rebelo
(15), altura em que surgiu igualmente a primeira associação de estudantes.
Em 2 de Abril de 1987,o Liceu passou a designar-se Escola Secundária
Madeira Torres, três anos depois de ter mudado para novas instalações, no ano
lectivo de 1983/1984, aquelas onde ainda hoje funciona (16).
Aqui ficam algumas notas de uma História por fazer, de uma escola
centenária que ainda tem muito por contar.
- (1)
–
leia-se FONSECA, Victor Cesário da , Retalhos Para a História de Torres Vedras, ed.
Associação da Defesa do Património de Torres Vedras, 1979;
- (2)
–PEREIRA,
Dr. Paulino, “Porque se espera para planear a comemoração do cinquentenário da
Escola Secundária ?”, in Badaladas, de 26 de Abril de 1969;
- (3)
– in
“Folha de Torres Vedras”, edições de 13 de Agosto , 10 de Setembro e 15 de
Outubro de 1911;
- (4)
Sob a
designação de “Fragmentos”, “Cinquentenário da Escola Secundária Municipal! e
“Recordar é viver” publicaram-se no jornal “Badaladas”, ao longo do ano de
1969, vários documentos relativos aos primeiros anos do funcionamento da escola
secundária, artigos não assinados mas que foram escritos pelo Dr. João Carlos
Cunha, autoria que ele me revelou. Chama-se a atenção para os dados publicados
nas edições de 14 de Junho, 5 de Julho, 2 de Agosto e 1 de Novembro de 1969 do
jornal “Badaladas”; Leia-se igualmente “A História da E.S.M. E A Homenagem Aos
Municípios e Fundadores”, da autoria do então Conta-almirante Lino Paulino
Pereira, comunicação lida por ocasião da sessão solene comemorativa do
cinquentenário da escola municipal, realizadas em Junho de 1970 e transcrita
integralmente na reportagem, da autoria de Francisco Vieira Jerónimo, publicada
na edição de 20 de Junho de 1970 do jornal “Badaladas”;
- (5)
– in
“A Vinha de Torres Vedras” de 8 de Novembro de 1919;
- (6)
–
Livros de Matriculas da Escola Secundária existentes no Arquivo Municipal de
Torres Vedras.
- (7)
– in
SALGUEIRO, Teresa Barata, “Documentos para o Ensino – A Área de Influência da
Escola Secundária de Torres Vedras”, separata de Finisterra, Vol.VI - 12, Lx,
1971, pp. 302 a 307;
- (8)
– in
Arquivo Municipal de Torres Vedras, Elementos de Estudo do Presidente da
Câmara, Frequência da Escola Secundária Municipal de Torres Vedras, 7 de Maio
de 1969;
- (9)
– in
“Badaladas” de 10 de Janeiro de 1970;
- (10)
– in
“Badaladas” de 28 de Março de 1970;
- (11)
- in
“Badaladas” de 16 de Outubro de 1971, 30 de Setembro e 7 de Outubro de 1972;
- (12)
– in
“Badaladas” de 22 de Março de 1975;
- (13)
– in
“Badaladas” de 24 de Fevereiro de 1977;
- (14)
– in
“Badaladas” de 16 de Março de 1978;
- (15)
– in
“Badaladas” de 28 de Dezembro de 1974;
- (16)
–
sobre o patrono e o processo de escolha do nome, leia-se a publicação, de
autoria colectiva, “O Patrono da Escola Secundária Madeira Torres, Manoel
Agostinho Madeira Torres”, editada em Fevereiro de 2006 conjuntamente pela
escola e pela Câmara Municipal.
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