Existe um lapso de tempo, de quase 750 anos, no conhecimento histórico
da actual região de Torres Vedras.
Referimos-nos ao período que vai do final do domínio romano até à
“reconquista” cristã, a chamada “alta Idade Média”.
Os documentos escritos sobre o território torriense, durante esse
período, são praticamente inexistentes e os arqueológicos raros ou pouco
esclarecedores.
As referências existentes baseiam-se muitas vezes em documentos
posteriores à reconquista.
Convém recordar que o actual território torriense, durante o período
romano, era repartido pela administração da Lisboa e , num espaço mais reduzido
a norte, por Óbidos, situação que se terá mantido durante a época visigótica e
muçulmana ( neste último período o território de Óbidos passou a integrar o
território de Lisboa).
Convém igualmente recordar que, na actual região torriense, não existe
qualquer prova da existência de um centro urbano digno desse nome antes da
reconquista (a própria localização de Chretina onde está Torres Vedras parece
ser hoje contestada).
A própria existência de Torres Vedras, com este nome, só está
documentada a partir da segunda metade do século XII.
Sobram, para além de vagas referências posteriores, algumas lendas, factos
mal documentados referidos por historiadores ou autores de corografias, e, com
maior solidez, a existências de topónimos, principalmente de origem árabe.
Mas também estas últimas fontes têm de ser analisadas com cuidado,
pois, se podem ser de origem “germânica” ou “muçulmana”, esses topónimos podem ter sido
atribuídos em épocas posteriores, por influência de antigos termos ainda
popularmente usados ou por populações de origem muçulmana vivendo no seio do
território cristão.
Período “Germânico” (409 a 711/716)
(Fonte : Volume 1 da História de Portugal dirigida por José Mattoso)
A 1ª incursão dos chamados “bárbaros” na Península Ibérica ocorreu no
Outono de 409, com a entrada de Alanos, Vândalos e Suevos, um ano antes da
“queda” de Roma (1).
Toda a Hispânia vive dois anos de grande instabilidade, com pilhagens,
fomes e epidemias.
Esses povos vão-se espalhar por diversas regiões ibéricas, repartindo
entre si o poder, os chamados Vândalos Silingos na Bética (actual Andaluzia),
os Vândalos Asdingos na região oriental da Gallaecia (Galiza), os Suevos a
norte do rio Douro e os Alanos na região cartagiense e parte da Lusitânia
(sudoeste da península), dominando estes últimos a região de Lisboa (Olisipo).
A vasta rede urbana da Galecia e da Lusitânia, os “vici” ou “castra”,
“não foram aniquilados nem abandonados no momento da invasão de 409, e podemos
mesmo supor que a sua população teria aumentado com a chegada dos refugiados
vindos de um hinterland devastado.
“Essas zonas urbanas conservaram um mínimo de actividades artesanais e
comerciais (…) e um autonomia administrativa, favorecida pelo isolamento e o
declínio do poder imperial e da administração provincial” (2).
A maior parte dos centros urbanos, contudo, manteve-se fiel à cultura
romana, administrando-se com autonomia, adaptando as estruturas romanas e a
organização diocesana daquela que era então a religião oficial do Império
Romano, o cristianismo.
Essas populações romanizadas e cristianizadas vão resistir aos
invasores, principalmente a partir do noroeste peninsular, resistência mais
evidente nas zonas rurais, mais isoladas do contacto com os invasores.
Entre 416 e 418 os Visigodos entram na Península Ibérica como aliados dos
romanos, expulsando da Península os Vândalos Silingos e os Alanos, embora
alguns destes tivessem sido assimilados.
Por sua vez, os Suevos, aliando-se aos romanos , expulsam do norte os
Vândalos Asdingos, os quais abandonam a Península para de instalarem no Norte
de África em 429.
A partir de então vão-se afirmar e reforçar dois reinos na Península
Ibérica , assimilando a cultura romana e as elites ibéricas, os Suevos e os
Visigodos.
Estabelecidos a norte, em 409, como já vimos, os Suevos reforçam e
estruturam o seu reino entre 429 e 455, estabelecendo a sua capital em Braga e
convertendo-se ao cristianismo em 448.
A expansão dos suevos para sul foi contida entre 455 e 456 pelos
Visigodos, apoiados por contingentes romanos e burgundíos, saqueando Braga, que
ocupam temporariamente.
Apesar de derrotados, os suevos reorganizam-se e passam à ofensiva,
chegando à região de Lisboa em 468, que lhes é entregue pelo governador romano
da cidade, Lusídio.
A presença e domínio suevos da região de Lisboa dura até cerca de 485
e, no final do século V, recuam até aos seus domínios iniciais, a região a
norte do Douro, com capital em Braga. O reino dos Suevos vai ser submetido
pelos visigodos em 585.
Entretanto, em 476, caiu definitivamente o Império Romano do Ocidente,
com a deposição de Rómulo Augusto.
Como vimos, os visigodos entraram na Península como aliados dos romanos,
expulsando os primeiros “bárbaros” e contendo os suevos a norte, estabelecendo
um reino cristão/romanizado, o Reino Visigótico, que mantém a administração de
origem romana e a organização religiosa dos cristãos.
Durante o século VI, para além de combaterem os suevos a noroeste, combatem
os bascos a norte, povo pré-romano de origem celta, e os bizantinos (Império
Romano do Oriente) que, a sul, a partir de 553, procuravam reconstruir o antigo
Império.
É sob a liderança de Leovigildo (568-586) que o Reino Visigótico
unifica toda a Península sobre o seu domínio, depois de ocupar a Galiza e o
derrotar o Reino Suevo em 585 e de, a sul expulsar os bizantinos.
Em 589, no concílio de Toledo, o reino visigótico, até aí dominado pelo
arianismo, uma heresia cristã, com Recaredo, converte-se oficialmente ao
cristianismo, perseguindo o arianismo.
Os anos de 642 a 653 são de apogeu do reino visigótico.
Entre 680 e 710 inicia-se uma grave crise que vai terminar com esse
reino, marcada pelo seu declínio económico-social (crise política, calamidades
naturais e crise demográfica), seguindo-se uma guerra civil entre católicos e arianos. Estes últimos acabam por pedir
auxílio aos muçulmanos, então já dominantes no Norte de África que, na década
de 710 vão passar a dominar a Península, como veremos mais à frente.
Não se conhecendo nada de concreto sobre a situação na região de Torres
Vedras nesse período, apenas podemos especular com base no pouco se conhece
sobre a conjuntura da região de Lisboa durante esse período.
A falta de vestígios arqueológicos nesta região, durante esse período,
leva a acreditar que, pelo menos até à entrega da região aos Suevos, em 468,
como vimos, e antes da integração do território no domínio do Reino Visigótico,
se manteve a organização administrativa, com o território integrado na
“civitas” de Olisipo, pontilhado por “villae” e cruzado por algumas vias de
comunicação ligando a economia da região ao Tejo e a Lisboa.
Durante esse período esta região integrava o “bispado” de Lisboa, pelo
menos desde o Concílio de 633, recordando-se que a religião cristã foi aqui introduzida
pelos romanos.
Demograficamente, ao longo de todo esse tempo, o peso do povoamento
germânico terá sido fraco, dominando a população de origem hispânico/romana,
apesar de as elites administrativas, militares e politicas da região serem
ocupadas, se não por “bárbaros”, por gente a eles submetida e convertida.
Na região torriense, sendo raros os vestígios dessa época, junto de
algumas villae romanas (S. Gião de Entre Vinhas e Penedo) estão identificados
alguns raros vestígios paleocristão. Júlio Vieira também considera datar deste
período a capela de Nª Sr.ª do Amial.
Não existe um estudo aprofundado sobre topónimos de origem germânicos
nesta região. Apenas se indica o topónimo Runa, mas que pode ter sido
introduzido muito mais tarde.
(1)
-Sobre
este período, leia-se LEGUAY, Jean-Pierre, “O “Portugal” Germânico” in Portugal
das Invasões Germânicas à “Reconquista”, 2º volume da Nova História de
Portugal, dirigida por Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, editorial
Presença, Lisboa 1993, pp.11 a 115.
(2)
–
LEGUAY, ob. Cit, p.31;
Não faltando referências, quer escritas, quer arqueológicas, a Lisboa,
Sintra, Santarém ou ao vale do rio Tejo durante o período islâmico, nada existe
de concreto sobre a região de Torres Vedras, a não ser umas vagas referências
ao território “a norte” ou ao “litoral” de Lisboa, onde, eventualmente, podemos
situar o território torriense (1).
Segundo Oliveira Marques, durante o período muçulmanos, a “kura” de Lisboa (al-usbuna) , assim
designado pelo menos desde 813-814 (2) “abrangia o território do actual
distrito do mesmo nome, somando à civitas
de Eburobrittium – região de Peniche e Óbidos – e a grande parte da península
de Setúbal. O seu limite meridional era a serra da Arrábida” (3). O mesmo autor, e outros, referem a existência
esporádica de outra “kura” na região, com sede em Sintra, pelo menos no final
do século X e estendendo o seu domínio pelo menos até à região de Mafra (4).
Por sua vez, alguns autores integram o território do concelho torriense
na província de “Balatha”, mas uma leitura atenta de fontes árabes esclarece
que a “Balatha” refere-se à região pertencente à “kura” de Santarém, incluindo
a margem ocidental do Tejo e a actual região do Ribatejo.
Na actual região torriense, não existe qualquer prova da existência de
um centro urbano digno desse nome antes da reconquista. Existiriam, sim, pequenos
centros rurais, alguns formados à volta de antigas villae romanas.
Tudo aponta, contudo, para a existência de uma estrutura defensiva no
morro do actual Castelo, embora se desconheça a sua real dimensão .
Há uma referência coeva a um centro urbano com o nome de Torres na
época muçulmana, mas localizado no sítio de Torres Novas.
Na Península Ibérica foi o sudeste peninsular que registou os primeiros
e maiores impactos da investida islâmica iniciada no verão de 711 , data da expedição
militar comandada por Tariq Ibn Ziyad, governador de Tânger, a mando de Musa
Ibn Nusayr, governador árabe do Norte de África, território então integrado no
Império Omíada de Damasco.
Essa expedição entrou na Península a pedido de uma das facções
visigóticas, os “arianos”, por ocasião da guerra civil que opunha duas facções
visigóticas, acabando os muçulmanos por conquistar quase toda a Península até
716.
A parte ocidental da “Ibéria”, onde se integra a nossa região, terá
sido “conquistada” durante uma segunda vaga comandada pelo próprio Musa, a
partir de junho de 712, tarefa completada pelo filho deste, Abd Azis, a partir
de Outubro desse ano, ao longo de várias campanhas militares, uma delas, em
714, para sufocar a revolta visigótica de Sevilha e Beja, ocasião em que a
região entre Lisboa e Santarém foi “conquistada” definitivamente.
Lisboa terá sido submetida em 716, de forma pacífica, através de um
chamado “pacto de capitulação”.
O exército invasor não era constituído apenas por árabes (
principalmente oriundos do Íemen) e berberes (tribos do Norte de África) , mas
também por cristãos hispânicos, adversários do rei visigótico Rodrigo e da
oligarquia visigótica que o apoiava, situação que ajuda a explicar a facilidade
e rapidez da conquista muçulmana do território.
Na região a norte de Lisboa vão estabelecer-se árabes de tribos do
Íemen, como, possivelmente, os da tribo Mahra, que parece estar na origem do topónimo
Mafra, e berberes do norte de África, a colonização mais importante na região,
presença que parece estar documentada na origem de alguns topónimos da região,
com referência a tribos berberes, como Zuwara (Azueira), Zanata (Genetia), Banu
Birzar (Baraçal) e em topónimos começados por Bem, de Banu, como Benfica (5).
A submissão destes territórios ocidentais terá sido pacífica, através
de acordos estabelecidos entre os invasores e as elites indígenas, de origem
visigótica e romanizadas, mantendo em funções administrativas as autoridades
cristãs, desde que aceitassem a autoridade central muçulmana.
Segundo Picard (6) , nos primeiros tempos, na região de Lisboa, os
árabes deixaram aos senhores visigodos “ a soberania dos territórios e da sua
população” e a “Igreja manteve os seus quadros e os seus bens, bem como a sua
autoridade”, em troca de não dar refugio a inimigos dos muçulmanos e de um
tributo anual, pago pelos habitantes como prova da sua submissão ao
conquistador.
A região de Lisboa e o território a norte terá mantido, durante essa
época, uma importante concentração de população moçárabe (cristão islamizados).
Deve-se, ao padre Félix Lopes, num dos seus estudos sobre a Idade Média
Torriense, a hipótese da origem moçárabe
da paróquia medieval de Santa Maria do Castelo de Torres Vedras, enquanto
outros autores colocam a hipótese de a actual ermida de Nossa Senhora do Amial,
junto ao Choupal, ter a mesma origem. A proximidade do culto de S. Vicente, uma
tradição moçárabe da época islâmica (7), com capela no morro do mesmo nome,
parece reforçar a importância desses núcleos cristãos nesta região.
São também referenciados alguns topónimos moçárabes na região, como
Moçarria, Calvel, Feliteira, Murteira, Arneiros, Carapinheira ou Brejoeira (8).
A partir de 740 é quebrada a estabilidade de décadas, devido à
crescente rivalidade entre árabes, berberes e entre as diversas tribos
muçulmanas, como a revolta dos berberes de Marrocos que se estende à Península
Ibérica em 742, situação que cria as condições para o início da Reconquista
Cristã a partir das Astúrias.
Essa instabilidade reflecte, também,
a instabilidade política generalizada do Califado Omíada de Damasco a
partir de 750 que inicia a sua decadência, sendo substituído pelo poder dos
Abássidas, que mudam a capital para Bagdad.
É neste contexto que em 756 se forma um emirato independente omíada na
Península Ibérica, o chamado “Al-Andaluz”, com capital em Córdoba, a nova
“capital” Ibérica, transformando-se em Califado, com a sua independência
religiosa, face a Bagdad ,em 929.
Até meados do século IX o emirato de Córdoba vive um período de alguma
estabilidade, apesar da incursão falhada de Afonso II das Astúrias neste
território em 798.
Essa estabilidade vai ser quebrado em três ocasiões:
- na revolta de moçárabes de Lisboa, apoiada por tribos berberes aqui
estabelecidas, em 808-809, mas que foi debelada;
- na incursão dos normandos (os “vikings”), que começam a devastar o
litoral ocidental a partir de 844, ano em que atacam Lisboa e a sua região,
pelo menos por duas vezes, uma em Agosto, outra no Inverno, ataques que se vão
repetir em 858 e, esporadicamente, até 972, ano em que se regista novo ataque
na região de Lisboa (9). Não deixa de ser curioso a datação neste período da
fundação lendárias do primeiro Convento de Penafirme, junto ao litoral, em 850,
exactamente num local onde, pelo menos no século XVII, era frequente o
desembarque e as pilhagens de piratas mouros, que aí se abasteciam de água (10);
- na rebelião de Ibn Marwan, um “malado”, isto é, um cristão
convertido, governador de Mérida, que vai durar de 868 até à sua morte em 889.
Um dos momentos dessa rebelião tem lugar em 876, quando se estende a Lisboa e à
sua região. Após a sua morte, entre 889 e 890, tem lugar uma nova rebelião na região
de Lisboa, sob o comando de Ibn Awsaji.
Só em 930 é que Córdova consegue restabelecer o seu poder ao território
ocidental, constituído pela região de Lisboa, Santarém e Coimbra, das regiões
mais periféricas do “Al-Andaluz”, onde dominavam as populações “moçárabes”,
existindo referência a uma governo omíada “autónomo” com sede em Lisboa entre
844 e 858.
A partir dessa época, como reacção aos constantes ataques Normandos e
ao avanço dos Cristão a Norte, a península de Lisboa ganha importância
defensiva, construindo-se ou reconstruindo-se torres defensivas, algumas de
origem romana, ao longo da costa, dos
vales de rios ou no cruzamento das antigas vias romanas.
Arqueologicamente já estão referenciados vestígios dessas torres
defensivas, no litoral da “Península de Lisboa”, de (re)contrução muçulmana, na
zona de Oeiras à Praia das Maçãs e na zona de Peniche à Lourinhã (11).
Pode ter sido uma dessas torres a estar na origem quer do topónimo,
quer da localização do futuro centro urbano medieval de Torres Vedras.
Existe, nas crónicas cristãs, escritas após a reconquista, referências a
uma “reedificação” ou “ampliação” do “castelo” de Torres Vedras em 920 (??),
data referida por Madeira Torres.
Um dos poucos vestígios arqueológicos da ocupação humana, na época
muçulmana, junto ao castelo é referido pelos anotadores de Madeira Torres
(pág.90 da parte histórica da conhecida monografia local) e terá sido
descoberto em 1718 “pouco mais ou menos” ao abrir-se “junto ao adro da Igreja[de
Stª Maria do Castelo] um alicerce para certa parede que se fez”, achando-se
então “no fundo d’ella na altura de mais de duas varas um tumulo de pedra com
um grande alfange mourisco” muito antigo “ e uma espôra de disforme grandeza, e
da mesma sorte ossos de desproporcionado comprimento”, voltando-se a “cobrir
com o alicerce”. Até hoje essa descoberta permanece desconhecida e por
confirmar.
Segundo Carlos Guardado “Torres Vedas seria um hisn, isto é, um sítio fortificado com uma função militar, pelo
menos defensiva, com um território dependente em torno do lugar. Uma fortaleza
do período islâmico ou anterior, que serviria de abrigo, em caso de perigo, à
população do núcleo urbano localizado na vertente sul do morro, de que é
exemplo o sítio medieval dos paços do concelho com uma ocupação islâmica do
período califal (926-1029), assim como refugio às populações rurais”,
localização “que lhe permitia o controle de importantes vias terrestres” de
origem romana com ligação a Lisboa, ao norte e
ao Tejo, e que se cruzavam na base da colina, junto ao rio Sizandro.
O mesmo historiador salienta que as muralhas “já existiriam na época
Omíada (756 a c.1093) no sítio mais elevado do morro”, mas não “abrigariam a
população permanentemente, servindo de ponto fortificado para a vigilância do
território e de refugio das populações rurais, em caso de ataque”, fortificação
“construída e mantida pela população rural muito provavelmente sem intervenção
directa de uma autoridade militar” (12).
Para Manuel Santos Silva, que estudou a região de Óbidos durante o
período medieval, referindo-se à região litoral a Oeste da “Balatha”, entes da
reconquista, não existiriam mais do que pequena comunidades rurais, ocupando
antigas villaes romanas próximas de “pequenos castelos guardados por limitados
grupos armados muçulmanos, nos vales, encostas ou no cimo de alguns montes” ,
embora considere a possibilidade de existir no local do actual Castelo torriense
“um centro populacional que apoiava os cultivadores do seu termo, e no período
de mais acesa guerra entre os dois credos, representara uma linha de defesa
contra as incursões pelo litoral, mais segura do que qualquer outro castelo
mais a norte” (13).
Existem na região, alguns topónimos de origem árabe que podem indicar a
existência de outras Torres defensivas, como “qala ‘a”, evoluindo para “cal” ou
“cat”, na origem de Catefica.
Só recentemente, já no século XXI, começaram a ser descobertos novos
vestígios arqueológicos desse período na actual zona urbana de Torres Vedras.
Refiram-se alguns desses vestígios e a sua localização descobertos em
campanhas entre 1998 e 2008::
- em 1998, no Paço do Patim, vestígios de “um forno de carâmica na
transição da época islâmica para a cristã”, semelhantes a outro encontrado no
largo de Santiago ;
- no troço poente da cerca do
Castelo” foi recolhida alguma cerâmica islâmica;
- no Largo de Santo António recolheu-se “um conjunto muito
significativo de cerâmica islâmica, nomeadamente com pintura em banda, em que
se destacam a boca de um cântaro e uma panela, decorada a barbotina branca” ;
- 2001 e 2002 – nos Paços do Concelho, 9 silos islâmicos, cerâmicas de
produção islâmica, datável dos séculos X/XI;
- outros “materiais islâmicos” junto à Igreja de Santiago, juntamente
com um forno de cerâmica do mesmo período (14);
Num levantamento de algumas peças existentes no Museu Municipal Leonel
Trindade em Torres Vedras é referido . além desse “ forno de cerâmica
encontrado nas antigas instalações da Casa Hipólito” , um capitel Coríntio
paleocristão (moçárabe?) datado do século IX descoberto na aldeia do Penedo. Outras
peças existentes nesse museu da época muçulmana são oriundas do Algarve. (15).
Por outro lado, recentemente foram referenciados possíveis vestígios da
época muçulmana na ermida de S. João (16).
A região de Lisboa vai integrar o Reino Taifa de Badajoz, formado por
volta de 1010, que se vai envolver num conflito militar com o Reino Taifa de
Sevilha, numa primeira fase em 1034 e, numa segunda fase, entre 1044 e 1051.
Uma das batalhas decisivas para conter os sevilhanos teve lugar na região a
norte de Lisboa em 1034.
Durante este período, Lisboa tenta libertar-se do domínio dos aftácidas
de Badajoz, com o apoio dos reinos taifa de Sevilha e Toledo, mas a revolta
acabará sufocada e Lisboa volta ao domínio político de Badajoz durante as cinco
décadas seguintes.
Perante a crescente ameaça cristã, vários monarcas do Al-Andaluz pedem
auxílio aos senhores de Marrocos, os Almorávidas, que desembarcam na Península
em Junho de 1086, derrotando os cristãos em Badajoz e conquistando e unificando
os reinos Taifa, muitas vezes de forma violenta, provocando a resistência do
reino Taifa de Badajoz, que se alia aos cristãos, abrindo-lhes as portas de
Lisboa e Santarém em 1091, que durante uns anos fica sob domínio cristão, mas que
será reconquistada pelos Almorávidas em 1095. Contudo Sintra só será recuperada
pelos almorávidas em 1111, sendo retomada
pelos cristão, definitivamente, em Março de 1147, três meses antes da
tomada de Lisboa por D. Afonso Henriques (17).
Quando, a partir da década de
1140, os almóadas, dominantes no Norte de África, começam a invadir a Península a partir de 1145, Lisboa mantem-se
fiel aos decadentes almorávidas, isolamento que apressou a sua conquista
definitiva por D. Afonso Henriques em 1147, depois do cerco à cidade iniciado
em 28 de Junho, com apoio dos cruzados, caindo a cidade em 21 de Outubro desse
ano.
A região a norte de Lisboa, onde se inclui a zona de Torres Vedras, só será
integrada no reino cristão numa campanha que durou seis anos, entre 1448 e 1154.
Não nos podemos esquecer de algumas lendas mouras existentes na região,
muitas provavelmente surgidas após a reconquista cristã, como a célebre lenda
de “Matacães”, lenda baseada num possível episódio já posterior à reconquista,
por ocasião de uma escaramuça local entre cristãos e muçulmanos, provavelmente um
bando almóada em fuga da derrota sofrida por estes em Santarém em 1184, última
tentativa muçulmana em recuperar a região.
Existe ainda uma outra via que nos permite colmatar as lacunas
documentais, escritas e arqueológicas, a da toponímia, explorada por alguns
autores.
Mas este é um tipo de fonte que tem de ser analisadas com cuidado,
pois, se muitos topónimos locais podem ter origem “germânica” ou “muçulmana”, a
sua atribuição pode ser de épocas posteriores ao domínio “árabe”, por
“aportações recentes coincidentes com o movimento da reconquista” (18).
Em 1993 Oliveira Marques referenciou alguns topónimos de origem árabe
registados no actual concelho de Torres Vedras.
Uns teriam origem nas tribos berberes estabelecidas então na região:
- Os Zanata : - Genetia; Baraçal
(dos Banu Birzal, tribo zanata), Benfica e Bem Paga em T. Vedras, com origem no
Banu (Benfica= Banul al-Faqih);
Com outras origens:
- do barro : Alamagra
- de praças fortes: Catefica (com base em cat-, de qala’a, torre,
castelo ou praça forte); Asneira, de hisn, outra designação para castelo.
Mais recentemente, no seu dicionário de arabismo, sem data, mas
publicado depois de 2008, Adalberto Alves identifica 16 topónimos que ele
identifica no concelho de Torres Vedras:
- Alcabrichel (al-kabx), “o carneiro”;
-Alfaiata (alfaiate);
- Alfainça (al-fâyna), “a desaparecida”;
- Alfeiria (de alfeire), “gado estéril”;
- Bonaval (bû nabîl), “pai do honorável”;
- Brejengas, de brejeiras, de brejo, “um vasto e selvagem terreno”;
- Buligueira (bû l-gayra), “o do ciúme” [ciumento];
- Corvão, de corvo;
-Falgueireda, de Falgueira, terra
vermelha fértil e apta para a gricultura;
- Farroupeira, de farroupeiro, guardador de carneiros;
-Fez (fâs), com origem no
topónimo da cidade Marroquina do mesmo nome;
- Ginetias, de ginete, de “zanâtî”, membro da tribo moura dos Zenetas,
ou cavalo de boa raça;
- Mocharia e Mocharreira, de mocho, ou lugar com mochos;
- Monfanim, ou Monfalim (bû Halîm), “pai do tolerante;
- Picoita, de pico, cume agudo;
- Sirol (sirwâl), “ceroulas”, “calças”, talvez lugar onde se fabricavam
essas vestimentas;
- Turcifal (tûr asfal), rochedo ou pico mais baixo, torre;
Refere outros topónimos de várias regiões do país, identificados pelo
mesmo autor, mas sem especificar localização, existente na região de T. Vedras:
- Almagra (al-magra), “o barro vermelho”;
- Almiara (almiar);
- Almofala (al-muhalla), “o acampamento militar”;
- Almograve , de “almogávar”, “o guerreiro”;
- Almoinha , de “almuinha”, “al-munya”, “ a horta”;
- Alpalhão (al-ballâ ‘a), “o esgoto” ou “o sumidouro”;
- Ameixial . de ameixal, pomar de ameixas ou damascos;
- Assenta (al-sant), “o caminho” ou “a estrada”;
- Baraçal, de “baraça” (marasa), onde se fazem baraças, “corda”ou
“cordel”;
- Barrigudo, de barriga;~
-Barro, (Barrî), “da terra” argilosa;
- Benfica (bem fiqa), “filho da calmeirona [alta];
- Cadouço (qâdûs), “cavidade”;
- Carmões (karm), “videira” (ou qarm, “senhor”);
- Caxaria (qaysârîya), “bazar”;
- Corujeira, de coruja;
-Corvaceira, de corvo;
- Estrada (xâra), caminho;
- Facaia (fukâha), de “divertimento”;
- Folgarosa, de Falgarosa, “de falgar”, “variedade de terra vermelha”
fértil e apta para a agricultura;
- Feteira, de feto (planta) ;
- Gibraltar, (jabal târiq), “monte de Tarique”, comandante da expedição
à Península em 711;
-Lapa (labba), ficar no mesmo lugar ou pedra ou laje grande;
-Machial (mâxiya) ou Maxial,
gado, “terreno silvestre próprio para pasto de gado”;
- Mamede (Muhammad), Maómé;
- Matacão, de “matar”, pedregulho ou bloco de pedra;
- Mecejana ou Messejana (masjana), “calabouço” ou “cárcere”;
- Panasqueira, de Panasco
(banafsajî), “como a violeta” ou lugar com abundância de flores parecida
com as violetas;
- Rabaçal , de rabaça (rabasa), erva,
fruta verde;
- Rebaldeira, de reabalde, local das mourarias, dança popular;
- Safarujo, de safáro, (sahrî), árido, inculto, pedregoso;
- Vartojo (barâh tâj), propriedade bispal, reguengo;
- Zambujal, de zambujo, mata de zambujeiros;
- Zebreira ou Zibreira, de zebra;
Por sua vez, Carlos Guardado (19), confirma alguns daqueles topónimos,
acrescentando outros (numa zona que abrange territórios hoje integrados em
concelhos vizinhos, mas que na época medieval integravam o concelho torriense pós
reconquista) : Gibraltar, Turcifal, Alfacias, Alfeiria, Almargem, Almageira,
Almiarça, Asseiceira, Moçafaneira, Azueira, Pero Negro, Apaul de Alvim, ribeira
de Alpilhão, Almofala, Secarias, Secarias, Ribeira de Alcabrichel, Enxara do
Bispo e Enxara dos Cavaleiros,
Em 1147 Lisboa cai definitivamente em poder dos cristãos. Contudo, só
nos anos seguintes é que as regiões a norte, Alenquer, Óbidos e Torre Vedras,
se entregam ao novo poder, num processo ainda pouco esclarecido, que se
desenrola entre 1148 e 1154.
Foram pouco menos de cinco séculos sob domínio muçulmano, um período
ainda pouco conhecido da História Torriense
(1)
–
para informação geral consultámos: BARBOSA, Pedro Gomes, Reconquista Cristã –
Nas origens de Portugal, Séculos IX a XII, ed. Ésquilo, Lisboa 2008; COELHO, António Borges, Portugal Na Espanha
Átrabe, 2ª edição em 2 volumes, ed. Caminho, 1989; GONÇALVES, Luís Ribeiro,
Sistema de Povoamento e organização territorial : Dois vales na periferia de
Lisboa (séculos IX-XIV), dissertação de mestrado em História Medieval,
Departamento de História da FLL, 2011 (em linha); MARQUES, A.H de Oliveira, “O
Portugal Islâmico”, in Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, 2º
volume da Nova História de Portugal, dirigida por Joel Serrão e A.H. de Oliveira
Marques, editorial Presença,Lisboa 1993, pp.117 a 249; PICARD, Christophe, Le
Portugal musulman (VIII – XIII siècle) – L’Occident d’ al- Andalus sous
domination islamique, ed Maisonneuve & Larose, Paris, 2000;SILVA, Carlos
Guardado da “Da arabização e islamização ao domínio cristão do território:
Século XII”, in Nova História Local-Torres Vedras, edições
Colibri/CMTV/Instituto Alexandre herculano, 2018, pp.31-40; SILVA, Carlos
Guardado da, “A presença árabo-muçulmana”, in Torres Vedras Antiga e Medieval,
ed. Colibri/CMTV, 2008, pp. 29-31; SILVA, Carlos Guardado da, “A estruturação
do povoamento e defesa na Estremadura Islâmica: elementos para os seu estudo”,
in Turres Veteras V – História Militar e da Guerra, CMTV/Instituto Alexandre
Herculano,2003, pp 21-35; SILVA, Manuela
Santos, O Concelho de Óbidos na Idade Média, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2008; TORRES, Cláudio, “O Garb-Al-Andaluz”, in MATTOSO,
José, História de Portugal – Primeiro Volume, ed. Círculo dos Leitores, 1992,
pp. 360 a 437;
(2)
-
PICARD, Ob. Cit, p.209;
(3)
- MARQUES,
Ob. Cit. p.185;
(4) - COELHO,
Catarina, “A ocupação islâmica do Castelo dos Mouros (Sintra): interpretação
comparada”, Revista Portuguesa de Arqueologia, Volume 3, nº 1, 2000, pp.
207-225;
(5)
- ver MARQUES, Ob. Cit;
(6)
- PICARD, ob.cit, pp. 26-27;
(7)
- segundo MATOS, José Luís de, Lisboa na
civilização Islâmica, Academia de Ciências de Lisboa, 2015;
(8) - ver AZEVEDO, Maria Luísa Seabra Marques,
Moçarabismo e Toponímia em Portugal, ed. Academia de Ciências de Lisboa, 2015;
(9)
- ver CORREIA, Fernando Branco (Universidade
de Évora) in “Vikings no ocidente do Al-Andalus – alguns tópicos em redor da
sua chegada na costa próxima so tejo”, in Dossiê – A Antiguidade Tardia e a Sua
Diversidade, História (São Paulo – Brasil), v. 35, e 92, 2016, pp. 1 a 24
(consultado na internet em 14/2/2020) ; PIRES, Hélio Fernando Vitorino,
Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): Fontes, História e
Vestígios, Tese de Doutoramento em História Medieval, Faculdade de Ciências
Humanas e Socias da Universidade Nova de Lisboa, Março de 2012;
(10) - Jorge Cardoso “Hagiológio Lusitano” e Frei
António da Purificação “Chronica (…) da Ordem dos Eremitas de Stº A gostinho
(…)”, Lisboa 1642 e 1656;
(11) - ver CORREIA, ob. Cit e BORGES, Marco
Oliveira, “A Defesa costeira do litoral de Sintra- Cascais durante o Garb
al-Andalus – Em torno do porto de Colares”, in História – Revista da FLUP,
Porto, IV série, Vol 2, 2012, pp. 109-128;
(12) – SILVA, Carlos Guardado (2018), p.33;
(13) - SILVA, Manuela Santos, ob. Cit, pp.12 e 14 ;
(14) - ver LUNA, Isabel e CARDOSO, Guilherme , “A
urbe de Torres Vedras e a sua cerca medieval”, in Fortificações e Território na
Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) , edições Colibri e Campo
Arqueológico de Mértola, 2013, pp. 457-471 (em especial as páginas pp. 463 a
465;
(15) – ver ELIAS, Margarida Maria Almeida de Campos Rodrigues de Mouro, Cem
melhores peças e conjuntos do Museu Municipal Leonel Trindade (Torres Vedras),
Lisboa, Dezembro de 2012 (em linha) ; Sobre s descobertas arqueológicas junto
da Igreja de Santiago, ver também LUNA, Isabel e CARDOSO, Guilherme, S. Tiago –
Torres Vedras – Resultados dos Trabalhos Arqueológicos, 2009 (em linha);
(16) - BASTOS, José Vitorino da Costa e, BASTOS,
António Joaquim da Costa, “Capela de S. João já foi mesquita”, in Badaladas de
12 de Julho de 2002;
(17) - BORGES, Marco Oliveira, “Em torno da
preparação do cerco de Lisboa (1147) e de um possível estratégica marítima
pensada por D. Afonso Henriques”, in Historia- Revista da FLUP, Porto, IV
Série, Vol 3, 2013, pp. 123-144;
(18) -
SILVA, Manuela Santos, ob. Cit. , p.13;
(19) - SILVA, Carlos Guardado da (2008), pp. 30-31
e SILVA, Carlos Guardado da “A Toponímia e o Povomento Árabe e Mocárabe na
“região” de Torres Vedras, in Turres Veteras I – Actas de História Medieval,
s/d [2000], pp. 27 a 36;
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Saudações cordiais.