Saidos recentemente de umas eleições autárquicas, recordamos Torres Vedras durante um outro acto eleitoral, de há cem anos, as eleições para o parlamento de 1921.
Em resultado da instabilidade política que se seguiu à queda do governo
de Bernardino Machado, em 21 de Maio, e após nomear o liberal Tomé de Barros
Queirós, o Presidente de República, António José de Almeida, dissolveu o
parlamento, usando, pela primeira vez, os poderes de dissolução que lhe tinham
sido conferido pela revisão constitucional de 1919, convocando eleições para 10
de Julho de 1921.
Esse acto eleitoral decorreu num período de grande agitação politica,
no qual, pela primeira vez, "pareceu que o monopólio democrático ia ficar
em perigo" (1), eleições que apresentaram “certas particularidades em
relação às eleições precedentes (...): realizaram-se sob um governo não democrático"
["Liberal"]
"e insuspeito de fazer a "política invisível" do Partido Democrático;
(...) foram as primeiras em que tomaram parte listas retintamente monárquicas
(...) foram mais mobilizadoras e participantes do que as eleições anteriores
(...)" [as de 11 de Maio de 1919](2).
Além disso, concorreram eleitoralmente, e pela primeira vez, vários
partido republicanos recém criados, nomeadamente o Partido Republicano Liberal
("Liberais") e o Partido Republicano Reconstituinte Nacional
("Reconstituintes"), aparentemente em condições de se baterem, de
igual para igual, com o dominante Partido Republicano Português
("Democráticos”).
Excluindo o curto consulado "sidonista", foram estas as
únicas eleições onde, a nível nacional, os "Democráticos" foram
derrotados.
Torres Vedras era o centro de um importante círculo eleitoral, o nº 31,
ao qual pertenciam, para além deste concelho, os concelhos de Cascais,
Lourinhã, Mafra, Oeiras e Sintra, elegendo 3 deputados.
Em Torres Vedras, o ano de 1921 iniciou-se politicamente com a eleição,
pelo Senado da Câmara, do novo elenco do executivo camarário.
Os executivos camarários eram, então,
eleitos indirectamente pelos Senados Municipais, que os confirmava
anualmente, sendo o Senado o equivalente às actuais assembleias municipais,
eleito por sufrágio popular, e o “executivo” o equivalente às Câmaras actuais,
escolhida pelo Senado.
O executivo camarário torriense era, nessa data, de coligação. Desse
executivo faziam parte 3 "liberais”, que detinham igualmente a
presidência, 3 “democráticos” e 1 “reconstituinte”. Contudo, ainda antes das
eleições de Julho, esta distribuição foi alterada, devido ao facto de um dos
elementos escolhidos para representar os “democráticos” ter aderido ao partido
“reconstituinte”, sem ter abandonado aquele executivo. Deste modo, os
“democráticos” perderam muita da influencia que ainda lhes restava no executivo
municipal.
Os grandes debates, a nível da política local, passavam pelas páginas
dos jornais Ecos de Torres e 0 Torreense, ambos comprometidos politicamente, o
primeiro com os "reconstituintes" e o segundo com os "liberais”.
O Partido Republicano Reconstituinte Nacional era dirigido por Álvaro
de Castro, dissidente do Partido Democrático, tendo-se formado em 1920. Em
termos locais os "reconstituintes" receberam adesões de vários
ex-militantes do Partido Democrático.
Por sua vez, o Partido Republicano Liberal formou-se em 1919, tendo por
base uma "coalizão de evolucionistas, centristas, unionistas,
independentes e presidencialistas, que esperavam formar um segundo partido
capaz de se opor ao P.R.P” (3).
Quanto aos "democráticos", encontravam-se em acentuada perda
de influência a nível local, sem um orgão de imprensa que em Torres Vedras
defendesse a sua acção e perdendo representatividade no executivo, editando
apenas, em 9 de Julho, um exemplar único de “O Democrático”, de propaganda à
sua candidatura.
No outro extremo, os monárquicos, sem imprensa afecta em T. Vedras e
afastados do poder politico, recuperavam algum poder de iniciativa,
participando activamente na Associação Comercial de Torres Vedras e na
crescente organização dos interesses corporativos
dos agricultores da região.
Representando os interesses dos agricultores, surgiu, em 8 de Janeiro
de 1921, o jornal Federação Agrícola, orgão da Federação de Sindicatos
Agricolas do Centro de Portugal e que veio substituir, na imprensa local, o antigo
Vinha de Torres Vedras . A sua administração tinha por sede o Sindicato
Agricola de Torres Vedras, mas a sua redacção funcionava em Lisboa, no Largo do
Carmo, onde estava a sede dessa federação.
Este jornal veio a transformar-se no porta-voz de uma candidatura dita
“agrícola”, liderada por Tiago Sales, médico da Lourinhã, republicano
histórico, importante proprietário agrícola, presidente daquela “federação”,
apoiada pelo “Núcleo Agrícola de Torres Vedras”, movimento independente,
fundado em 10 de Agosto de 1920.
Note-se que o número de eleitores era muito restrito, apenas homens,
maiores de 21 anos, sabendo ler e escrever, vigorando, então, o Código
Eleitoral de 3 de Julho de 1913.
Terá residido nesta lei uma das principais causas da deslegitimação do
regime republicano, ao reduzir drasticamente o número de eleitores, num país
que, em 1910, tinha cerca de 75% de analfabetos, a maior parte destes
concentrados no meio rural, que, nessa época, correspondia praticamente a toda
a população que vivia fora do centro de Lisboa.
No concelho de Torres Vedras, em 1921, apenas 23,6% dos adultos,
maiores de 21 anos, estavam em condições de se tornarem eleitores.
Além disso, apenas 68,5% dos que se encontravam nessas condições
estavam recenseados.
Em resultado das eleições de 10 de Julho de 1921 foram eleitos, pelo círculo de Torres Vedras, dois
candidatos do Partido Democrático, Lúcio de Azevedo e Fausto Cardoso de
Figueiredo, e um dos "liberais", Constâncio de Oliveira. Este foi dos
poucos círculos nacionais onde os democráticos saíram vencedores.
Analisando os resultados apenas a nível concelhio, tendo saído
igualmente vitoriosos os candidatos “democráticos”,
o terceiro lugar pertenceu ao candidato monárquico José Maria Teles da Silva,
enquanto que o “agrário" Tiago Sales, que muitas esperanças tinha
alimentado em relação a estas eleições, principalmente quanto ao apoio neste
concelho, se quedou pelo 4º lugar, embora tenha sido o candidato mais votado no
concelho da Lourinhã (4).
Ainda mais decepcionante foi a prestação no concelho, de
"liberais" e "reconstituintes” (ver quadro em anexo).
No Concelho existiam 6 assembleias eleitorais, englobando, cada uma,
várias freguesias, sedeadas em Stª Maria
(reunindo as 4 freguesias urbanas), Turcifal, S. Pedro da Cadeira, Ramalhal,
Dois Portos e Runa.
Analisando os resultados nas assembleias eleitorais do concelho, é
significativo o bom resultado dos monárquicos em todas as assembleias rurais,
tendo vencido as eleições em três delas (Ramalhal, Dois Portos e Runa).
Foi o peso eleitoral da assembleia urbana que deu a vitória concelhia
aos "democráticos", pois se retirarmos os votos obtidos por todas as
candidaturas na assembleia de St° Maria, o candidato monárquico seria o
vencedor neste concelho.
Foi igualmente significativo que o melhor resultado conseguido por um
candidato "reconstituinte" (Helder Ribeiro) e um dos dois melhores
obtidos por um candidato "liberal" (Constâncio de Oliveira), fosse na
assembleia "urbana", onde a influencia da imprensa partidária,
conotada com esses dois partidos, terá exercido alguma influência.
A candidatura "agrária" de Tiago Sales apenas beneficiou de
resultados acima das expectativas nas assembleias do Turcifal e de S.Pedro da
Cadeira, as duas únicas freguesias rurais onde os monárquicos não ganharam.
Mas o facto mais significativo foi os "democráticos", apesar
de não beneficiarem neste concelho de uma "boa imprensa", com escassa
influência a nivel do executivo camarário, e desgastados políticamente, terem
conseguido que os seus dois candidatos fossem os mais votados neste concelho, o
que em muito contribuiu para a sua vitória no circulo eleitoral (5).
Douglas Wheeler (6) considera o ano de 1921 como "um importante
ponto de viragem na história do fracasso da democracia em Portugal"
durante a primeira república, isto porque tendo as eleições de 10 de Julho
levado ao "aparecimento de um segundo partido, com possibilidades que lhe
permitiam fazer pressão para reformar e remodelar o P.R.P., foi cortado cerce
por uma insurreição militar" que, em 19 de Outubro de 1921, depôs, de
forma dramática, o governo de António Granjo, um dos assassinados dessa chamada
"noite sangrenta", levando à dissolução do parlamento e à convocação
de novas eleições para Janeiro de 1922, nas quais os "Democráticos"
recuperaram a sua "usual maioria".
(1 (1) - WHEELER,
Douglas L., História Política de Portugal de 1910 a 1926, Publicações
Europa-América, s/d (edição original de 1978), pág.226 ;
(2 (2) -
LOPES, Fernando Farelo, Poder Político e Caciquismo na 1ª República Portuguesa,
Editorial Estampa, 1994, pp.152-153;
( ( (3) -
WHEELER, ob.cit., p.293;
(4 (4) – leia-se
a comunicação inédita, da minha autoria, “O Eleitorado no Concelho da Lourinhã
em 1921”, apresentada no encontro de História Local realizado naquela
localidade em 27 de Abril de 1993, existindo uma cópia da comunicação na posse
da Câmara Municipal da Lourinhã;
(5 (5) –
Sobre este acto eleitoral no concelho de Torres Vedras, leia-se a nossa
comunicação inédita, de 52 páginas, “Elites Locais e Comportamentos Eleitorais
em T. Vedras – As eleições de 10 de Julho de 1921”, apresentada no ISCTE em
1997 e da qual existe uma cópia na BMTV. Para uma contextualização histórica
destas eleições, leia-se a minha tese “Republicanos de Torres Vedras”,
publicada em livro;
(6 (6) - WHEELER, ob.cit., p.293.
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