Talvez seja um pouco exagerado falar de “monografia” para referir um manuscrito que sistematiza várias informações sobre a História e o Património de Torres Vedras.
Mas existe nesse documento uma primeira tentativa de organizar um
conjunto de informações históricas sobre o concelho, atitude que é pioneira em
relação à História local deste concelho.
Referimo-nos ao manuscrito intitulado “Livro de Notícias Varias,
composta por hum vario autor. Anno de 1729”, que esteve, primeiro, depositado
na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, e se encontra actualmente à guarda do
Arquivo Municipal.
Quando consultámos pela primeira vez esse manuscrito, em 1988, encontrava-se
junto um pequeno papel em anexo onde se indicava que esse “manuscrito foi feito
pelo capitão Luiz Botto Pimentel Corte real e pertencia ao sr. Augusto Botto
Pimentel, morador na casa da Ribeira, na Bulegueira, que em 1926 o mostrou a
Júlio Vieira”.
Esta anotação, datada de 26 de Maio de 1976, era assinada pelo
conhecido arqueólogo torriense, sr. Leonel Trindade.
Pouco se sabe sobre a vida do capitão Boto Pimentel. Terá vivido entre
1684 e 1741, a fazer fé na placa toponímica que se encontra na rua baptizada
com o seu nome, e pertencia a uma das mais antigas famílias do concelho, ainda
hoje existente.
Júlio Vieira afirmou que a família dos Bôtos “em 1729 era representada
pelo capitão Luiz Bôto Pimentel Côrte Real, autor do manuscrito a que faço
referência (…) e que naquela época era “vereador mais velho”.
Voltando ao manuscrito em causa, ele foi pela primeira vez mencionado
com data e autoria correcta pelo citado Julio Vieira, na sua “Torres Vedras
Antiga e Moderna”, obra editada em 1926.
Contudo, na 2ª edição da obra de Madeira Torres, “Descripção Historica
e económica da villa e termo de Torres-Vedras”, publicada em 1862, os seus
editores e anotadores, Dr. José António da Gama Leal e bacharel José Eduardo
Cezar de faro e Vasconcelos, referem-se amiudadas vezes a uma “memória” de 1734
que nos parece ser o mesmo documento a que nos estamos a referir.
Comparando as informações por eles atribuídas à tal memória de 1734 com
as informações do “Livro de Notícias Várias” de 1729, elas são , na grande
generalidade, coincidentes.
Isto leva-nos a colocar duas hipóteses:
- ou aqueles editores copiaram mal os dois últimos algarismos do rosto
do manuscrito, o que é perfeitamente possível, pois a forma como os números 2 e
9 estão grafados podem ser confundidos com os números 3 e 4;
- ou o manuscrito de 1729 foi uma primeira versão, uma espécie de
“caderno de apontamentos”, que serviu de
base para uma outra versão, passada a limpo, com a data de 1734.
Esta última hipótese também é credível já que, em 1734, o capitão Boto
Pimentel ainda estava vivo.
Porém, até hoje, nunca foi encontrada qualquer versão datada de 1734.
É igualmente importante analisar o “Livro de Notícias Várias (…)” no
contexto da historiografia característica da época.
Esta influência provoca, na época, apesar do domínio da tal “história
clerical”, um “surto de novos métodos
críticos e comparativos com os primeiros passos das ciências auxiliares –a
diplomática, a paleografia, a filologia, a arqueologia, a cronologia, etc”,
atitude que se reflecte na historiografia portuguesa.
Apesara deste avanço, Oliveira Marques alerta para o facto de “que o
recurso a essas “ciência auxiliares”, pelo estado mais que infantil em que se
encontravam ainda, escondia perigos imensos, quais os de extrair conclusões e
fomentar hipóteses a partir de dados que de verídico nada tinham”.
De facto, o documento por nós aqui recordado, revela algumas das
novidades que começam a surgir em setecentos, pois o texto do capitão Boto
Pimentel recorre a várias fontes, citando a sua origem (obras impressas,
manuscritos existentes nos arquivos da Câmara, pedras tumulares, etc.), mas
também comete alguns erros.
Quanto ao estilo, o “Notícias Várias (…)” parece estar mais de acordo
com a caracterização feita por Oliveira Marques para as narrativas ao estilo
medieval que ainda eram dominantes na época: o documento em causa apresenta uma
“ordenação e abundância desconexa de factos”, residindo aqui um dos maiores
defeitos do manuscrito.
O Manuscrito é um único caderno que se pode dividir em 3 partes
distintas. Numa primeira parte intitulada “Reys de Portugal”, descreve-se,
resumidamente, a vida dos nossos monarcas, desde Afonso Henriques até D. João
V, com pouco interesse. Numa segunda parte, que é aquela que nos interessa,
reúnem-se, de forma desordenada, várias informações sobre Torres Vedras, sendo
a partir desta parte que o autor começou a numerar as páginas do caderno.
Finalmente, temos uma terceira parte de apontamentos dispersos, uma
descrição da evolução e valor das moedas portuguesas, onde aparecem dados
dispersos sobre História Universal e de Portugal, sem nada de relevante.
Contudo, no meio dessas notas dispersas, semeadas no conteúdo genérico desta
terceira parte, encontram-se mais algumas informações sobre Torres Vedras.
Um dos aspectos a valorizar neste conjunto da apontamentos sobre Torres
Vedras é o facto de eles terem sido escritos antes do incêndio do cartório da
câmara, em 1745, e do efeito devastador do terramoto de 1755, pelo que, neste
ensaio de monografia, se encontram transcritos, em primeira mão, documentos
desaparecidos na voragem dos referido e trágicos acontecimentos, como é o caso,
por exemplo, de uma carta de D. Afonso IV, integralmente citado neste documento,
sobre a doação de uma vinha.
Há ainda a tentativa de reproduzir graficamente símbolos e letras de
sepulturas, lápides e brasões, alguns já desaparecidos.
Seria interessante editar e tornar acessível ao público torriense este documento, anotado criticamente, mais por curiosidade do que pela novidade, pois, o que de mais importante nele se encontra, já foi usado por Júlio Vieira e pelos anotadores da 2ª edição da monografia de Madeira Torres nas obras já citadas.
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