Introdução
Pretende-se neste texto analisar o modo como as elites políticas locais do concelho de Torres
Vedras se posicionaram perante
o processo eleitoral de 10 de Julho de 1921, bem como o comportamento do
eleitorado do mesmo concelho.
Escolhemos este acto eleitoral como modelo de análise por ter
decorrido num período de grande agitação política, no qual, pela primeira vez, “pareceu
que o monopólio democrático ia ficar em perigo”[1],
e pelo facto de essas eleições "apresentarem certas particularidades em
relação às eleições precedentes (...): realizaram-se sob um governo não
democrático” | “Liberal” | "e
insuspeito de fazer a “política invisível” do Partido Democrático; (...) foram
as primeiras em que tomaram parte listas retintamente monárquicas (...) foram
mais mobilizadoras e participantes do que as eleições anteriores(...)” |as
de 11 de Maio de 1919| [2].
Além disso, concorreram eleitoralmente, e pela primeira vez,
vários partido republicanos recém criados, nomeadamente o Partido Republicano
Liberal | “Liberais” | e o Partido Republicano Reconstituinte Nacional |
“Reconstituintes“ |, aparentemente em condições de se baterem, de igual para
igual, com o Partido Republicano Português | “Democráticos” | .
Excluindo o curto consulado “sidonista”, foram estas as únicas
eleições onde os “Democráticos” foram derrotados.
Escolhemos o concelho de Torres Vedras, não só pela facilidade de
acesso ao seu arquivo municipal, onde se reúne bastante documentação sobre esse
acto eleitoral, um dos mais bem documentados para a região, mas também porque
este concelho era a sede do círculo eleitoral nº 31, ao qual pertenciam ainda
os concelhos de Cascais, Lourinhã, Mafra, Oeiras e Sintra.
Por outro lado, em termos locais, podemos acrescentar mais um
conjunto de razões que reforçam o carácter original desse acto eleitoral :
- a formação, em Torres Vedras, de um “Núcleo Agrícola de Torres
Vedras”, apoiando a candidatura de Tiago César Moreira Salles;
- o facto de ter sido o círculo eleitoral de Torres Vedras, bem
como o concelho, um dos poucos que a nível nacional deu, nestas eleições, a
vitória ao Partido Democrático.
- o significativo resultado dos monárquicos neste concelho, tendo
mesmo obtido a vitória em três das seis
Assembleias eleitorais de Torres Vedras.
As principais fontes usadas neste estudo foram a imprensa local,
existente na Biblioteca Municipal de Torres Vedras (BMTV), e os cadernos e
documentos eleitorais dessas eleições, cujos originais se encontram no Arquivo
Histórico Municipal da Câmara de Torres Vedras (AHMTV).
Devemos esclarecer que o universo aqui analisado se restringe à
área e às assembleias eleitorais do concelho de Torres Vedras, e não à
totalidade do círculo eleitoral .
Nas transcrições de artigos e documentos da época conservámos a ortografia original.
O posicionamento político das
elites municipais torrienses em 1921
Em Torres Vedras o ano de 1921 iniciou-se politicamente com a
eleição, pelo Senado da Câmara, do novo elenco do executivo camarário.
O jornal Ecos de Torres,
orgão local dos “Reconstituintes”, deu conta dessa eleição, informando os seus
leitores, não só da composição política do novo executivo, mas também da
opinião política dos “reconstituintes” locais sobre esse acontecimento: “(...) Ha na Camara Municipal deste concelho indivíduos
filiados em três partidos republicanos”
|Democráticos, Liberais e Reconstituintes |”e
há-os não filiados. Antes da eleição da actual comissão executiva, houve da parte
de alguns elementos de dois desses partidos,” |Democráticos e Liberais | “combinações e entendimentos -digamos
sinceramente- pouco morais. Mas também houve, felizmente, quem dentro desses
mesmos dois partidos, não aceitasse, terminantemente, certas conclusões a que
se queria chegar. Prevaleceu, afinal (...) o bom senso. Foi eleita uma comissão
que não descurará os interesses administrativos em beneficio dos políticos.
Podemos falar com autoridade, não só por o nosso passado a isso dar jus, como
também o caso de na comissão do ano passado termos dois correligionários e,
agora, apenas um. (...). O nosso apoio só será retirado e se transformará mesmo
em ataque, logo que os políticos de oficio, os obcecados pela politica partidária,
consigam eleger uma comissão executiva ou uma Camara, que transforme a sala das
sessões da casa do povo torreense num centro politico para agradar a filhos e
afilhados. Pode a comissão executiva eleita contar com o nosso mais
incondicional apoio(...)”[3].
Ficamos assim a saber que o executivo camarário era de coligação.
Desse executivo faziam parte 3 “liberais”, que detinham igualmente a
presidência, 3 “democráticos” e 1
“reconstituinte”. Contudo, ainda antes das eleições de Julho, esta distribuição
foi alterada devido ao facto de um dos elementos escolhidos para representar os
“democráticos” ter aderido ao partido “reconstituinte”, sem ter abandonado
aquele executivo. Deste modo os “democráticos” perderam muita da influencia que ainda lhes restava no executivo municipal.
O Senado de Torres Vedras, em funções em 1921, e que era o orgão
responsável pela confirmação anual do executivo camarário, tinha sido formado
de acordo com os resultados das eleições administrativas de 1919. Nesta data,
as várias facções republicanas encontravam-se unidas pela resistência à
“Monarquia do Norte” e, pelo menos em Torres Vedras, um acordo pré-eleitoral
tinha dado a maioria do Senado aos “democráticos” e a minoria aos
“evolucionistas”, ficando estes últimos com a presidência do executivo, também
maioritariamente “democrático”. Contudo, nos anos seguintes assiste-se a uma
mudança radical do espectro partidário republicano, com a formação do Partido
Liberal, que resultou da fusão de “unionistas” e “evolucionistas”, e com a
formação do Partido Reconstituinte, que resultou de uma cisão nos Partido
Democrático. Esta situação provocou grandes alterações na distribuição política do Senado de Torres Vedras, em
prejuízo do domínio até então mantido pelo Partido Democrático: todos os
eleitos nas listas “evolucionistas” passaram a representar os “liberais”,
enquanto, por sua vez, vários dos eleitos nas listas “democráticas”, aderiram
ao Partido Reconstituinte.
Se aparentemente os “liberais” dominavam o executivo, eram,
contudo, alvo de fortes ataques oriundos do interior do seu próprio partido.
Logo em 16 de Janeiro o jornal O
Torreense, orgão local do Partido Liberal, respondendo ao artigo do Ecos de Torres acima transcrito,
esclarecia que na “Comissão executiva da
Camara Municipal acham-se, na verdade, cidadãos filiados no Partido Republicano
Liberal. Este facto, porem, não quer dizer que o aludido Partido esteja
representado na referida Comissão executiva.(...). Filiação partidaria, implica
disciplina; por isso, a Comissão Municipal politica do Partido Republicano
Liberal deste concelho, indicou aos seus correligionários que teem assento na
Camara, qual a conduta e atitude que deviam assumir. Fez-se a eleição e o seu
resultado não foi de molde a garantir ao Partido Republicano Liberal, a certeza
de que a administração do Município será norteada pelas normas e preceitos que
reputa mais convincentes. O resultado da eleição não nos surpreendeu; estava
previsto. Nestas condições, os republicanos liberais deveriam ter renunciado
aos cargos para que foram eleitos, conforme resolução unanime da Comissão
Municipal Politica do seu partido, que previamente lhe foi comunicada antes da
eleição.(...) Resumindo: da Comissão Executiva da Camara fazem parte individuos
filiados no P.R.L. mas estes não teem o apoio do Partido em que teem militado,
por haverem desobedecido a instruções
dos seus dirigentes as quais visavam a bem servir os interesses do
Municipio”[4].
Estas divergências, no seio dos liberais locais, só foram sanadas
numa reunião da Comissão Municipal Política desse partido, realizada em Março,
onde se resolveu “dar o incidente por
liquidado com honra para ambas as partes”[5].
Contudo, foram constantes as picardias entre os dois orgãos de
informação de Torres Vedras, bem como a diferença de atitudes face à acção
camarária. Um dos casos mais significativos teve origem na reacção ao imposto Ad Valorem, que provocou uma enérgica tomada de posição por parte
da localmente poderosa Associação
Comercial de Torres Vedras. Um manifesto, dirigido pela direcção dessa
associação ao executivo municipal, mereceu publicação integral, em toda a largura da primeira página d' O Torreense de 23 de Janeiro e no qual se podia ler que o “imposto
ad valorem lançado sobre todas as mercadorias exportadas e reexportadas pela
Vila de Torres Vedras, encerrando-nos dentro da divisão administrativa do
concelho por meio de barreiras fiscais, limitando as nossas relações economicas
sómente á pequena população concelhia, tornará em breve os nossos balcões
desertos e os armazens vazios, e então é que V.Ex.as “ |membros do
executivo camarário | “poderão contemplar
a tristeza de morte medieval, apagado que seja de todo o sol da liberdade
comercial e industrial”[6].
Quatro dias depois, na sua edição de 27 de Janeiro, o Ecos de Torres vinha em socorro do
município: ”(...)A Camara Municipal de
Torres Vedras tem necessidade
absoluta de vêr as suas receitas
aumentadas e, como para o
conseguir a única maneira legal que tinha era pôr em execução este imposto,
fê-lo(...)não para perseguir uma classe, não por caturrice, mas unica e
simplesmente por que não tinha outra maneira de conseguir equilibrar o
orçamento.(...). Diz a Associação Comercial que o imposto deveria recair
simplesmente nos generos produzidos neste concelho(...). Se se colectasse
simplesmente os generos aqui produzidos,
que é, por assim dizer, unicamente o vinho, teria que cobrar maior percentagem
do que actualmente se cobra, 1%. Este imposto arrancado apenas dum produto, era
alem de violento, por que atingiria apenas uma classe, poderia levantar grande
celeuma entre essa classe, a mais sacrificada, em todos os tempos, com
impostos, e então viriam eles, e com razão, á Camara Municipal perguntar se os
vinicultores eram os unicos que disfrutavam das regalias proporcionadas pelo
municipio(...)”[7].
Este teme foi um dos principais no debate político local desse
ano, tanto mais que aquela Associação Comercial era presidida por um
monárquico, ex-líder dos “franquistas” locais, vice-presidente da câmara
durante a ditadura de João Franco. Em defesa do município e contra aquela
Associação, o Ecos de Torres voltou à
carga num artigo publicado em Março : “o
sr. Alvaro Galrão" | monárquico | "que é inimigo figadal da Republica e que não vê com bons olhos os
melhoramentos que a Camara pretende realisar, em vez de -como presidente da
Associação Comercial- agradecer à Camara a boa vontade com que salvaguardou os
interesses do comercio que sua ex.ª representa, arrancou a mascara e mostrou a
face do político que não cede em campo nenhum e que se aproveita de tudo para
fazer o seu jogo. Como representantes da Associação Comercial recorreram para a
auditoria administrativa os srs. Alvaro Galrão,
João Crisostomo da Costa” | Liberal | “ e Florencio Augusto das Chagas” [Republicano histórico, à data sem
filiação conhecida]”contra a deliberação
da Camara Municipal(...). Por politica, sim. Como defensores do comercio, nunca (...)”[8] .
Uma outra situação, ocorrida com frequência ao longo desse ano,
permite vislumbrar as clivagens políticas locais: a tomada de posse dos
Administradores do Concelho. Fernando Farelo Lopes refere que “os administradores do concelho, escolhidos
pelos governadores civis, são agentes de política partidária”[9],
daí a importância política que a sua nomeação assumia. Entre o início de 1921 e
as eleições de Julho desse ano, Torres Vedras conheceu 4 administradores do
concelho, reflectindo a instabilidade política desse período
Já com as eleições marcadas, foi nomeado um novo administrador do
concelho, acto que desagradou aos “reconstituintes” torrienses, como se comprova
pela leitura do artigo que o Ecos de
Torres dedicou ao assunto:
"Acaba de chegar a
Torres Vedras e tomar posse da
administração do concelho, o sr. Damião Sant'Ana. A politica tem destas
surpresas. Toda a opinião republicana e até mesmo todo o concelho esperava com
o maior agrado a nomeação do presidente
da comissão executiva," |da Câmara de T.Vedras| " sr. major Almeida Baltazar, para
administrador do concelho. Era filiado antigo do ex-partido evolucionista e faz
parte do partido liberal, desde a organização deste partido. Porém, como é um
homem de caracter e se não curva submisso perante o chefe-mor"
|Alberto Vieira da Mota, contador da comarca de Alenquer, director do jornal
"O Torreense" | "-vergonha
do partido liberal em Torres Vedras-, levou mais um pontapé na boca do
estomago. Porque-tenham os liberais paciencia de ouvir estas verdades- a
organização liberal aqui só existe para engrandecimento estomacal do chefe-mór,
sem vergonha.(...). Agora mesmo já depois de feita esta local, ouvimos da boca
de um liberal categorisado a afirmação de que o administrador do concelho que
acaba de tomar posse, vem unicamente para fazer as
eleições(..)".E rematava o mesmo articulista, em tom irónico:
"À posse do novo administrador, que
foi concorridissíma, apenas assistiram os
srs. Manuel Coelho Claudio Graça, Alberto Vieira da Mota, João Alves, da
Ribaldeira, e Candido Leitão”[10].
Na obra citada de Fernando Farelo Lopes podemos encontrar alguma
explicação para esta agitação à volta de novas nomeações administrativas e
das divergências que aparentemente
pareciam dividir os liberais sobre este assunto:"(...) a interrupção do exercício do poder pelos democráticos, em
Maio de 1921, deu azo a mexidas nos cargos administrativos, se bem que a
distribuição dos magistrados gerasse conflitos e dissidências entre as várias
facções do novo Partido Liberal”[11].
De facto, o governo presidido por Bernardino Machado, e
constituído por ministros "democráticos",
"reconstituintes", "populares" e independentes, que havia
tomado posse a 2 de Março de 1921, foi substituído, a 23 de Maio desse ano,
pelo governo "liberal" presidido por Barros Queirós, em funções
quando das eleições de Julho. Aquele mesmo autor confirma também uma das
preocupações do articulista do "Ecos de Torres" referindo que eram os administradores do
concelho “quem mais influía na preparação
das eleições”[12]
.
Apesar do mesmo autor referir que os "democráticos acabaram por condescender com a substituição de alguns governadores civis, mas apenas a oito dias do acto eleitoral e sob condição de os administradores de concelho permanecerem intocáveis”[13], esta situação não ocorreu em Torres Vedras.
A Vida Partidária Torriense em
1921
Podemos constatar que os grandes debates, a nível da política local, passavam pelas páginas dos jornais Ecos de Torres e O Torreense, ambos comprometidos politicamente, o primeiro com os
"reconstituintes" e o segundo com os "liberais", dois
partidos recém- chegados ao espectro
partidário do regime republicano.
O Partido Republicano Reconstituinte Nacional era dirigido por
Álvaro de Castro, dissidente do Partido Democrático, de onde saiu a maior parte
dos seus mentores, tendo-se formado em 1920. Em termos locais os
“reconstituintes” receberam adesões de vários ex-militantes do Partido Democrático, a mais
importante das quais foi a de Artur Gouveia de Almeida, vereador da câmara, que
transformou a representação reconstituinte nesta, de minoritária em idêntica à
dos "democráticos"(dois representantes cada).
Por sua vez, o Partido Republicano Liberal formou-se em 1919,
tendo por base uma “coalizão de
evolucionistas, centristas, unionistas, independentes e presidencialistas, que
esperavam formar um segundo partido capaz de se opor ao P.R.P”[14]
.
Eram evidentes as grandes divergências que existiam entre os seus
partidários a nível local, a mais grave das quais se relacionou com o
posicionamento face à acção do executivo. Este, apesar de ter na presidência um
"liberal" e de ser
maioritariamente dominado por este partido, principalmente a partir do momento
em que um dos vereadores eleitos pelos "democráticos" aderiu aos
"reconstituintes", encontrava
mais facilmente defensores da sua acção na imprensa "reconstituinte" do que na
"liberal".
Por sua vez os "democráticos" encontravam-se em acentuada perda de
influência a nível local, sem um orgão de imprensa que em Torres Vedras
defendesse a sua acção e em acentuada perda de influência a nível do poder
executivo, mercê de crescentes dissidências a favor dos
"reconstituintes".
Apesar de tudo, tal situação era mais aparente que real, como se
veio a comprovar pelos seus resultados nas eleições de Julho.
No outro extremo, os monárquicos, sem imprensa afecta em T.Vedras
e afastados do poder político, recuperavam algum poder de iniciativa, participando activamente na
Associação Comercial de Torres Vedras e na crescente organização dos interesses
corporativos dos agricultores da região, beneficiando da crescente
tendência conservadora de alguns sectores republicanos.
Representando os interesses dos agricultores da região, surgiu, a
8 de Janeiro de 1921, o jornal Federação
Agrícola, orgão da Federação de Sindicatos Agrícolas do Centro de Portugal
e que veio substituir na imprensa o antigo Vinha
de Torres Vedras . O jornal era impresso numa tipografia de T.Vedras . A
administração tinha por sede o Sindicato Agrícola de Torres Vedras, mas a sua
redacção funcionava em Lisboa, no Largo do Carmo, onde estava a sede da
Federação de Sindicatos Agrícolas do Centro de Portugal. Oliveira Marques
refere que os chamados sindicatos agrícolas funcionaram nos anos vinte como
organismos de protecção e defesa dos proprietários rurais, sendo as federações de sindicatos
agrícolas controladas pelos grandes
proprietários[15]
.
Procurando adoptar uma postura independente do poder político,
foram pouco frequentes as intervenções do jornal Federação Agrícola nos debates políticos locais acima analisados.
As suas intervenções, a nível dos
assuntos locais, visavam defender
os interesses agrícolas da
região, como o foi, por exemplo, a proposta feita por um dos seus colaboradores mais frequentes, Tiago Sales,
para a criação de Adegas Regionais.
Tiago Sales era um médico
da Lourinhã, importante proprietário agrícola da região, republicano de
primeira hora, mas, com o tempo, assumindo uma postura cada vez mais
conservadora, não desdenhando colaborar com monárquicos no seio da Federação
dos Sindicatos Agrícolas do Centro, à qual presidia..
Aparentemente à volta deste jornal reuniam-se "meros" interesses corporativos, alheados da vida política local. Contudo, e como veremos mais à frente, quando chegou a "hora da verdade", a das opções políticas, como aconteceu nas eleições de Julho, este jornal fez-se porta-voz de uma candidatura dita "agrícola", apoiada pelo "Núcleo Agrícola de Torres Vedras", onde se acoitavam muitos monárquicos e "sidonistas", e que apoiou a candidatura de Tiago Sales.
As eleições de 1921 e a luta
política local
Em resultado da instabilidade política que se seguiu à queda do
governo de Bernardino Machado, em 21 de Maio, e após nomear o liberal Tomé de Barros Queirós, o
Presidente da República, António José de Almeida, dissolveu o parlamento eleito em 1919, por decreto de 1 de Junho de
1921, usando pela primeira vez os poderes de dissolução que lhe tinham sido
conferido pela revisão constitucional de
1919, e convocou eleições para 10 de Julho.
Os políticos locais começaram desde logo a preparar a organização
e o apoio às listas, tanto mais que Torres Vedras era o centro de um círculo
eleitoral que elegia 3 deputados.
Através da imprensa local, já referida, é possível seguir as
movimentações políticas locais, embora com a lacuna, já apontada, de
desconhecermos quase completamente o que se passou no seio de
"democráticos" e " monárquicos", bem como o tipo de apoios
que dispuseram, a não ser através de dados vagos e parciais. Os “democráticos” apenas fizeram editar um
efémero jornal de 2 páginas, intitulados O
Democrático , do qual se publicou apenas um número, em 9 de Julho, véspera
do acto eleitoral.
Assim só nos será possível
seguir, com algum detalhe, a actividade eleitoral de
"reconstituintes", "liberais" e "regionalistas".
Logo a 9 de junho o Ecos de Torres anunciava o candidato reconstituinte pelo circulo de Torres Vedras, Prestes Salgueiro, “(...),o republicano valoroso que, junto com o comandante Cerqueira, tomou de assalto o forte de Monsanto (...), notabilisou-se, ainda, como governador civil de Lisboa, após a aventura realista, conseguindo exercer esse cargo a contento de todos os republicanos(...)”[16].
Estranhamente, em 5 de Julho, o mesmo jornal anunciava outro
candidato pelos reconstituintes ao circulo de T. Vedras, o tenente-coronel
Helder Armando dos Santos Ribeiro: ”distinto
oficial já desempenhou o alto cargo de Ministro da Guerra por cinco vezes, foi
chefe do estado maior duma divisão do C.E.P”[17].
Esta inesperada alteração do nome do candidato, parecendo revelar alguma
precipitação e desorganização por parte dos "reconstituintes" locais,
era anunciada na mesma página onde, num artigo intitulado
"Serenidade", estes se gabavam de "no meio de toda a barafunda politica que as eleições tem agitado”,
notar-se “uma profunda serenidade nos
arraiais reconstituinte".
Em vésperas do acto eleitoral, publicava aquele periódico o
programa local dirigido aos eleitores do concelho de Torres Vedras:"(...)muito fizemos já em prol da
nossa terra. É aos Reconstituintes de Torres Vedras que se deve a fundação da
Escola Secundária. Por nossa iniciativa foi ao
hospital desta vila concedido um subsidio de trez mil escudos anuais. É
aos reconstituintes de Torres Vedras que se deve ainda o subsidio de cinco mil
escudos concedidos para a reparação da rua da Corredoura e muito mais que é
ocioso referir. Incansaveis temos sido e incansaveis seremos em tudo o que
constitui um melhoramento do nosso concelho.(...)"[18].
Uma outra candidatura a este círculo era dada como provável no
jornal Federação Agrícola de 11 de
Junho de 1921 e confirmada numa edição especial desse jornal datada de 16 do
mesmo mês: a candidatura do Dr. Tiago Cezar Sales, como representante da
agricultura e proposto pelo "Núcleo Agrícola de Tores Vedras". Esta
organização havia sido fundada em Torres Vedras um ano antes, em 11 de Agosto
de 1920, definindo-se como um agrupamento sem caracter político e tendo por
objectivo a defesa "da agricultura
em geral e dos interesses do concelho de Torres Vedras em particular",
tendo já nessa reunião decidido dar "o
seu apoio se assim o entender, a qualquer grupo ou partido constituido da
Republica"[19].
Os apoiantes de Tiago Sales reivindicavam os louros de terem
fundado um Sindicato Agrícola em Torres Vedras "e a seguir uma Caixa de Credito Agricola Mutuo, em terem promovido a
fundação da Federação de Sindicatos Agricolas do Centro de Portugal, em terem
creado a Adega Regional, de Torres Vedras, em terem trabalhado para as
Cooperativas de Consumo junto dos Sindicatos Agricolas, em terem organisado o
Nucleo Agricola de Torres Vedras, destinado
á defeza, no campo legal, de todos os interesses que se relacionem com o
progresso e levantamento economico da lavoura(...)"[20].
Entre os apoiantes desse núcleo encontramos vários indivíduos que
tinham sido nomeados como representantes da autoridade para as assembleias
eleitorais do concelho de Torres Vedras nas eleições "sidonistas" de
28 de Abril de 1918 [21],
alguns destes, bem como outros elementos daquele núcleo, conotados com o ideal
monárquico. O próprio Tiago Sales foi abordado pelos monárquicos do círculo de
Torres que procuraram negociar o apoio à sua candidatura, como ele próprio
revelou nas páginas do Federação Agrícola,
num texto bem elucidativa do modo como os políticos de então se movimentavam
nos bastidores:
"(...)
procuraram-me na Federação(...) o sr. dr. Alvaro de Vasconcelos que se fez
acompanhar do sr. Augusto Pinheiro, cabecilha monarquico do concelho de Torres
Vedras. O sr. dr. Alvaro desejou saber a minha opinião sobre uma lista em que
entrasse eu e ele, podendo(...) fazer-se um acordo com o governo pelo qual
seriam possiveis varios desdobramentos, de modo a resultar a eleição de nós
dois e um governamental(...)Respondi que teria pessoalmente, muito prazer em
vel-o eleito, mas que me estava vedado o entrar nesse sentido em qualquer
combinação que só podia ser feita com os nucleos agrarios que lançaram a minha
candidatura(...). O sr. dr. Alvaro de Vasconcelos dirige-me então frases de
agradavel critica ao meu modesto trabalho, acrescentando que não hesitaria em
associar-se á responsabilidade dos que promoveram a minha candidatura que
considerava absolutamente justificada. Disseram-me depois que s. ex. tinha
extranhado"(sic)" a minha
atitude, apezar de ser a unica que podia ter, e nesse sentido, se manifestou a
alguns amigos. Como é genro de um dos maiores influentes eleitorais de Sintra,
fiquei logo supondo que de Sintra não obteria um voto a candidatura agricola a
não | ser | que acordasse na
candidatura do dr. Alvaro. Esta suposição foi inteiramente confirmada, mais
tarde, pelo sogro do mesmo senhor, José Antunes, perante uma comissão de
agrarios de Torres Vedras que o procurou em Lisboa para averiguar das suas
intenções.(...). Surge a candidatura monarquica e, passados poucos dias, os
dirigentes monarquicos de Torres propoem ao Nucleo Agrario um acordo oficial
eleitoral, monarquico-agrario. Ouvido sobre o caso fui absolutamente de acordo com o criterio do Nucleo, acrescentando que
preferia ficar de fora do parlamento a entrar nele, por auxilio, oficialmente
definido, de qualquer partido, e, muito menos, dum partido adverso ao regime.
Não podia ou devia aceitar tal coisa quer como presidente da Federação quer
como republicano de sempre, embora respeitador de todas as ideias e de todas as
crenças.(...). Fui em seguida, informado, que os monarquicos dirigentes de
Torres Vedras não se esforçariam por minha eleição, mas que não contrariariam
niguem, dando a todos os seus eleitores liberdade de acção, de modo a votarem
em mim os que assim quiséssem proceder.(...). Todavia, passa-se o dia da
eleição, quando recebo do Sindicato Agricola o seguinte telegrama:
"Eleitos circulo maioria democraticos , minoria governo, segue votado
Sales cujo nome aqui cortado
carga serrada todo concelho por
monarquicos". São estes quasi todos agricultores e alguns, dos mais
importantes entre eles, faziam parte do nucleo agricola: Todavia quizéram fazer
prevalecer o seu espirito político, faccioso e apaixonado, ferindo pelas
costas, e á ultima hora, a causa da candidatura agricola num concelho
carateristicamente agricola e contra a opinião da grande maioria dos seus
habitantes. Nem mesmo exitaram"( sic ) " em desrespeitar todas as pessoas de alta categoria, umas
independentes, e outras, inclusivamente monarquicas, que, patrioticamente,
leais à causa agricola, patrocinavam com
o maior entusiasmo e a melhor sinceridade a candidatura agraria(...)"[22]
.
Os monárquicos não foram os únicos a recear a influência eleitoral
do "Núcleo Agrícola". Também os
"reconstituintes" procuraram cativar o potencial eleitorado do
"Núcleo", como se pode interpretar do conteúdo do texto publicado a
16 de Junho, nas páginas do Ecos de
Torres, significativamente intitulado "Reconstituintes e
Agrários": "Com a mais
desagradavel surpreza ouvimos da boca de alguem que muita consideração nos
merece,(...) que dos filiados no Partido Reconstituinte em Torres Vedras muito
desejariam hostilisar o Nucleo Agrario(...). Temos assistido a todas as
reuniões do Partido Reconstituinte em Torres Vedras, desde a subida ao Poder do
governo liberal, e jamais ouvimos que nessas reuniões qualquer palavra fosse
pronunciada contra o referido Nucleo, sendo até certo que por ele se manifestou
sempre a maior simpatia e até o maior desejo de lhe ser prestavel. É alem disso
o regionalismo que esse grupo pretende efectivar, uma formula politica que
ardentemente defendemos e que existe expressamente no programa do Partido
Republicano de Reconstituição Nacional. De harmonia com esta doutrina, oficial
e particularmente, afirmámos aos Senhores Agrarios a quem temos tido a honra de
nos dirigirmos, em nome do Partido a que pertencemos, que muito desejariamos
trabalhar conjuntamente, não apenas no que diga respeito a eleições, mas muito
principalmente na futura politica local, para nós a mais importante e á qual
tem o Partido reconstituinte dedicado em Torres Vedras o melhor dos seus
esforços(...)"[23]
.
Os "liberais" foram os únicos que concorrerem à "maioria" do círculo, em plano de
igualdade com os "democráticos", com dois candidatos a deputado,
Constancio d'Oliveira, "Chefe da
repartição da contabilidade da Câmara Municipal de Lisboa e antigo Deputado e
Senador", e Alfredo Soares, "Sub-Director
da Casa Pia de Lisboa e antigo Deputado"[24].
Definindo-se como corrente agregadora "de varias correntes conservadoras
da República"[25],
o principal argumento usado localmente pelos liberais a favor dos seus
candidatos era o da estabilidade governativa: "Estamos a oito dias do momento em que o País tem que escolher entre o
avançar, progredir, desenvolver-se a dentro da ordem ou retrogradar, e cair
para nunca mais se levantar no meio da desordem. Votar no Govêrno é concorrer
para que o País se erga da lama para que o arremessaram os politícos sem
escrúpulos, cheios de vaidade e ambições, sem ideias nem crenças, vivendo nos
partidos que infelizmente os toleram e protegem, enquanto pódem conseguir os
seus fins, ou afastando-se dêles, agrupando-se em volta de novos sóis nascentes
que os aquecem com o calôr dos seus favores, ou então servindo-se de mil e um
pretextos, sem filiação política, procurando conseguir uma preponderância tal
que lhes garanta uma força eleitoral que os leve ao Parlamento, e nada mais levando
na sua bagagem que os recomende(...)"[26].
Ainda na mesma edição d' O
Torreense anunciava-se uma medida nitidamente eleitoralista, com vista a
cativar os eleitores de Torres Vedras: "Acedendo ao pedido que para tal fim lhe foi dirigido pela Comissão do
P.R.L. deste concelho por intermedio dos candidatos a deputados liberais por
este circulo, srs. Constancio de Oliveira e Alfredo Soares, o ilustre Ministro
da Instrução Publica, sr. Ginestal Machado, acaba de conceder um subsidio de
6:000$00 para conclusão das obras do edifício destinado às escolas primarias
oficiais desta vila. Vai, pois, ser satisfeita uma legitima aspiração de todas
as pessoas desta vila, que verdadeiramente se interessam pela causa de
instrução. Por seu turno, os republicanos liberais, deste modo mais uma vez,
mostram que acima da politica de regedoria, colocam os interesses gerais do
concelho."[27].
Esta situação parece comprovar a ascendência do patrocinato
político-administrativo que se desenvolveu com o advento da República e a
consequente perda de influência do caciquismo clerical, referido por Fernando
Farelo Lopes: "A relevância dos
empregos e "melhoramentos materiais" mostra que os recursos do Estado
constituíam o principal nutriente do caciquismo. Esta conexão traduz o peso
estratégico e a ascendência do "caciquismo do Terreiro do
Paço"(também designado por "burocrático" e administrativo) sobre
as restantes fontes de patrocinato político"[28].
Ia também nesse sentido a propaganda “democrática”, ao indicar
como principal razão para os eleitores do concelho de T. Vedras votarem num dos
seus candidatos à maioria, Anibal Lúcio de Azevedo, o facto de este ter
conseguido “com o seu esforço” vários
benefícios para este concelho, “tais como: ao Asilo de S. José, 2:000
escudos em dinheiro, e assucar, arroz, etc., 5:000 escudos para a estrada da
Freiria, diversas verbas para as estradas distritais do concelho, para o
Hospital de Torres, etc., etc.”[29]
.
A acção atribuída àquele candidato esteve mesmo na origem de um
dos seus apoios locais mais badalados, o do cónego António Francisco da Silva,
administrador do referido asilo de S. José, antigo líder local do Partido Regenerador, ex-presidente camarário
nos tempos da monarquia deposto pela ditadura de João Franco e um dos poucos
párocos locais que nunca hostilizou o regime republicano.
Tal como os “liberais”, os “democráticos” concorreram à “maioria”
do círculo, apresentando como segundo candidato, Fausto Cardoso Figueiredo.
Nas duas páginas da edição do número único de “O Democrata”, “orgão” local “do Partido Republicano Portuguez” , a única força política abertamente criticada, de entre todas as adversárias nesse acto eleitoral, foi a “reconstituinte”: “O nucleo [local] que compõe o P.R.R.N. comquanto tenha dentro de si individualidades que não nos deixam duvidas sobre o seu republicanismo, tem tantos outros que carecem de escalpelisação, pois consideramos os republicanos novos para a Republica, da mesma fórma que consideramos os novos ricos para o publico consumidor.” E, sobre os dissidentes do PRP que aderiram a esse novo partido, considerava que “ninguem ignora que todos esses individuos sairam do velho e sempre glorioso P.R.P., de quem receberam todos os benefícios que materialmente estão usufruindo, cujos beneficios são pagos com uma ingratidão descarada; e dizemos descarada, porque os motivos alegados por esses cavalheiros, são que, o Partido Democratico tem praticado irregularidades que os vexaram. Sairam: abandonaram quem lhes deu vida(...)”[30].
A Base Social de Apoio às Várias
Candidaturas, no Concelho de T. Vedras
A 16 de Junho, o jornal "Fedração
Agrícola" publicou um total de 49 nomes, fundadores do "Nucleo
Agricola de Torres Vedras" , potenciais apoiantes da candidatura
"agrícola" de Tiago Sales. Datando essa lista de 1920, sabendo-se que
muitos deles acabaram por apoiar a candidatura monárquica, apenas tivemos em
consideração os 11 membros da Comissão Executiva do Núcleo Agrícola, formada em
1921 para apoiar a candidatura de Tiago Sales..
Por sua vez, o "Ecos de
Torres" publicou, ao longo do mês de Junho e no início de Julho, as
adesões e apoios à candidatura "reconstituinte", num total de 32
nomes.
Finalmente, a 3 de Julho, publicava "O Torreense" uma lista de 22 cidadãos torrienses apoiantes dos candidatos
"governamentais", aos quais, com base nas fontes abaixo referidas,
conseguimos acrescentar mais 11 nomes, perfazendo um total de 33 nomes
Através da publicação dessas listas, das listas de delegados às mesas das assembleias eleitorais das várias candidaturas, existentes no Arquivo Histórico Municipal de Torres Vedras, bem como, no caso do PRP, da comparação entre os candidatos e apoiantes municipais deste partido, que se mantiveram entre as eleições de 1919 e 1923, e cruzando todos esses dados com os cadernos eleitorais usados em 1921, é possível caracterizar socialmente, no Quadro I, a base de apoio dos vários partidos e grupos que, neste concelho, concorreram às eleições de 1921.
QUADRO I
Distribuição sócio-profissional dos apoiantes dos várias
candidatos (T.Vedras 1921)
|
Democráticos
|
Reconstituintes
|
Liberais
|
Agrários
|
Monárquicos
|
TOTAL
|
||||||
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Nº
|
%
|
Proprietários
|
3
|
10,7
|
4
|
12,5
|
4
|
12,1
|
6
|
54,5
|
9
|
56,2
|
26
|
21,7
|
Act. Agrícola
|
-
|
-
|
-
|
-
|
2
|
6
|
-
|
-
|
1
|
6,2
|
3
|
2,5
|
Primário
|
3
|
10,7
|
4
|
12,5
|
6
|
18,2
|
6
|
54,5
|
10
|
62,5
|
29
|
24,2
|
Act. Industrial
|
6
|
21,4
|
-
|
-
|
1
|
3
|
-
|
-
|
-
|
-
|
7
|
5,8
|
Secundário
|
6
|
21,4
|
0
|
0
|
1
|
3
|
0
|
0
|
0
|
0
|
7
|
5,8
|
Act. Comercial
|
5
|
17,9
|
8
|
25
|
21
|
63,6
|
1
|
9,1
|
2
|
12,5
|
37
|
30,8
|
Act. Administr.
|
4
|
14,3
|
18
|
56,3
|
4
|
12,1
|
1
|
9,1
|
2
|
12,5
|
29
|
24,2
|
Act. Saúde
|
2
|
7,1
|
2
|
6,3
|
-
|
-
|
3
|
27,3
|
1
|
6,3
|
8
|
6,7
|
Terciário
|
11
|
39,3
|
28
|
87,5
|
25
|
75,8
|
5
|
45,5
|
5
|
31,3
|
74
|
61,7
|
Desconhecido
|
8
|
28,6
|
-
|
-
|
1
|
3
|
-
|
-
|
1
|
6,3
|
10
|
8,3
|
TOTAL
|
28
|
100
|
32
|
100
|
33
|
100
|
11
|
100
|
16
|
100
|
120
|
100
|
Fonte : Imprensa local (BMTV); Cadernos Eleitorais; Listas de delegados das várias candidaturas às mesas da assembleia eleitoral (“Eleições”, Caixa nº10, AHMTV).
Analisando o quadro, são significativas as tendências divergentes
das bases de apoio de cada candidatura.
Os proprietários agrícolas
dominavam no "Núcleo Agrícola" e nos monárquicos, não sendo de
admirar a convergência política dessas
duas as correntes.
Já entre os "Reconstituintes", embora se registe uma
maior diversidade de apoios, é de referir o peso dominante do
"funcionalismo".
Entre os
"liberais", a sua base de apoio baseia-se quase exclusivamente
nos comerciantes .
A maior heterogeneidade de apoios encontra-se entre os apoiantes
das candidaturas “democráticas”, sendo de assinalar o facto de esta ser a única
facção política a conseguir um apoio significativo no sector secundário.
Em termos gerais, podemos notar o domínio absoluto de actividades
terciárias na vida política local, de entre os quais se destacam os
comerciantes e os funcionários da administração.
Esta situação parece confirmar
a observação de José Cutileiro, citada por Fernando Farelo Lopes, que, analisando a
estrutura social de um concelho situado no interior do Baixo Alentejo,
considerava "que entre 1910 e 1926 o
patrocinato político associado à Regeneração e animado pelos grandes
latifundiários", que no caso de Torres Vedras pode ser representado
pelos "proprietários agrícolas", "entrou em declínio e foi substituído por um novo tipo de petrocinato em
que sobressaíam funcionários públicos, professores primários, lojistas e
advogados - gente ligada aos partidos republicanos e que reunia à sua volta uma
certa clientela"[31].
Significativo é ainda o facto da reduzida participação política do sector secundário, denotando, provavelmente, a tendência nacional da desconfiança deste sector em relação ao regime republicano e a sua aproximação aos ideais anarcossindicalistas .
O processo eleitoral nacional visto pela imprensa local
Outro tema que nos parece interessante abordar é o modo como os órgão
de comunicação locais viram o processo eleitoral e a campanha a ele associada.
O porta-voz dos "liberais", O Torreense, analisava do seguinte modo o processo eleitoral em
curso: "(...) Por todo o País vai
uma azáfama enorme, procurando cada influente político obter para o seu candidato
preferido, o maior número de votos possivel. A ninguem deve surpreender que
assim suceda, porque o contrário é que seria para estranhar, sabido como é que
Portugal é um país de políticos.(...). A pulverização das forças políticas que
se está evidenciando na propaganda eleitoral, póde ter como consequência a
eleição dum Parlamento com o qual não sejam possiveis governos estáveis, como é
mister que existam para uma salutar e profícua acção governativa. Em quási
todos os círculos os candidatos pulúlam como cogumélos, significando este facto
não um fervoroso desejo de vêr o país bem governado, mas sim a ambição de
satisfazer vaidades, pessoais umas, políticas outras(...)"[32].
Por sua vez, o semanário
reconstituinte Ecos de Torres
descrevia-o em tom irónico:
"(...)Eleições!Eleições!
"Os caciques -ainda ha
disto na Republica - desenvolvem a actividade maxima, prometendo beneses das
mil e uma noites. É o momento mais feliz para o influentesinho da aldeia.
Os
jornais publicam-lhes os nomes, largamente adjectivados, e as suas casa recebem
diariamente as visitas dos politicos mais evidentes da região, com pasmo da
visinhança, alarmada com as cornetas dos automoveis e o cheiro a ...carneiro
com batatas. Depois das eleições voltarão as aldeias á pacatez habitual, os políticos
graúdos a esquecerem-se das suas promessas e os pequenos influentes a sentir a
desilusão da sua importancia momentanea"[33].
A história dos automóveis e do carneiros com batatas, parece
dirigida aos "democráticos", sendo
de algum modo confirmada pelo correspondente em Torres Vedras do jornal A Pátria que, referindo-se à campanha
dos "democráticos" neste concelho, escrevia: "Esperam "|os democráticos| "que lhes seja enviado um automovel de luxo
para darem os ultimos retoques nos seus trabalhos eleitorais, cujo exito
depende muito deste veloz auxiliar. Deve ser um espectaculo interessante ver
alguns deles num belo automovel, tratando de eleições(...)"[34].
Farelo Lopes fala na utilização do automóvel nas eleições como uma nova forma de apoio comprado, surgido durante a República,
obtido com "a "passeata"
de automóvel ou camião: na verdade, é bem possível que a "passeata"
atraísse muitos eleitores desejosos de partilhar os progressos da civilização”[35]
Também o referido "carneiro com batatas" se devia inserir neste tipo de práticas, que muito contribuíram para desacreditar o sistema democrático republicano.
Características do eleitorado do
concelho de T.Vedras em 1921
Para a elaboração deste capítulo, baseámo-nos num conjunto de seis
cadernos, cada um correspondendo às seis assembleias eleitorais deste concelho,
datados de 30 de junho de 1921 e intitulados "Copia do livro do Recenseamento eleitoral deste concelho, relativo ao
ano de mil novecentos e vinte, que contem todos os cidadãos recenseados pelas
freguesia(...)" |segue-se, para cada assembleia eleitoral o nome das
respectivas freguesias que a constituem | "para servir nas eleições
de deputados, que nos termos do decreto nº7529 de 1 de Junho findo se
devem realisar no dia 10 de Julho
proximo(...)Paços do Concelho de Torres Vedras. 30 deJunho de 1921".Segue-se
a assinatura dos membros do executivo municipal.
Estes cadernos encontram-se arquivados, conjuntamente com outros
cadernos idênticos de outras assembleias eleitorais pertencentes a outros
concelhos incluídos no Círculo eleitoral nº31,com sede em Torres Vedras, no
Arquivo Municipal de Torres Vedras(A.M.T.V.).
Ao Círculo 31 pertenciam, para além do concelho que lhe servia de
sede, os concelhos de Cascais, Lourinhã, Mafra, Oeiras e Sintra.
Contudo no A.M.T.V. só estão completos os cadernos dos concelhos
de Torres Vedras e Lourinhã. Faltam os registos de algumas das assembleias
eleitorais de Mafra, Sintra e Oeiras, e todos os de Cascais.
Junto a estes documentos encontram-se ainda as actas eleitorais com os
resultados apurados em cada assembleia.
Organizado por freguesias, cada caderno eleitoral regista o nome,
a idade, o estado civil, a profissão e a residência de cada eleitor. As
descargas registadas nesses cadernos, coincidindo com os votos expressos em
cada assembleia, situação que só não sucede num caso, permitem conhecer quem se
absteve nas eleições de 1921.
Sobre a organização do recenseamento para estas eleições, refere
Farelo Lopes "que as pressões
exercidas pelos democráticos forçaram o ministério liberal de Barros Queiroz
(...) a adoptar o recenseamento precedente, o qual, por sua vez, se tinha
baseado no de 1919, elaborado "a favor" do Partido Democrático na
"época de terror após Monsanto"[36],
situação que terá contribuído para a fraca maioria obtida pelos liberais nestas
eleições e para o facto de terem sido derrotados na capital, tal como aconteceu
no círculo de Torres Vedras.
Quando da implantação da República, vigorava, em termos gerais, a
lei eleitoral de 28 de Março de 1895 que, "grosso modo", considerava
como eleitores os homens, maiores de 21 anos e com 500 réis de
"censo".
A República substituiu o voto censitário que, com maiores ou
menores alterações, havia vigorado ao longo de todo o período da monarquia
constitucional, pelo voto capacitário.
A primeira lei eleitoral republicana, publicada em 14 de Março de
1911,extinguiu o censo mínimo.
Contudo a lei eleitoral mais importante da Iª República, e que no
fundamental regeu todos os actos eleitorais deste regime, foi o Código
Eleitoral de 3 de Julho de 1913 que retirou capacidade eleitoral a todos os
analfabetos. Paradoxalmente, só durante o "sidonismo" é que esta lei
foi banida, sendo introduzido o sufrágio universal masculino (Lei de 30 de
Março de 1918), mas esta foi uma situação efémera, tal como a ditadura de
Sidónio Pais. O decreto de 1 de Março de 1919 reintroduziu no essencial as
restrições do Código de 1913.
Terá residido nesta lei uma das principais causas da deslegitimação do regime republicano, ao reduzir drasticamente o número de eleitores, num país que em 1910 tinha cerca de 75% de analfabetos, a maior parte destes concentrados no meio rural, que nessa época correspondia praticamente a toda a população que vivia fora do centro de Lisboa.
Observando o Quadro II, onde se comparam os dados do recenseamento
geral da população de 1920, relativos ao total do concelho de Torres Vedras,
(estrutura etária dos homens recenseados e homens com capacidade eleitoral,
isto é, com mais de 21 anos e que sabiam ler e escrever),com o número de
eleitores recenseados para as eleições de 1921,comprova-se a reduzida
participação política imposta pela lei, pois só 23,6% dos adultos estavam em
condições de se tornarem eleitores. Contudo, e mesmo assim, só 68,5 dos que se encontravam nessas condições estavam
recenseados.
Neste quadro é ainda possível observar o maior ou menor interesse
pela participação política nos diferentes grupos etários:
Parece ser entre os 30 e os 45 anos que se revela maior interesse em aproveitar a capacidade que a lei dá para participar na vida política.
QUADRO II
Relação entre eleitores e recenseáveis (T.Vedras -1920 / 1921)
escalão etário
|
1 -homens
|
2 –sabem "ler e
escrever"
|
3 -eleitores
|
% (de 3 p/2)
|
20-24
|
1751
|
437
|
131
|
30
|
25-29
|
1633
|
405
|
266
|
65,7
|
30-34
|
1500
|
389
|
318
|
81,7
|
35-39
|
1269
|
305
|
244
|
80
|
40-44
|
1119
|
263
|
213
|
81
|
45-49
|
911
|
237
|
185
|
78
|
50-54
|
927
|
202
|
149
|
73,8
|
55-59
|
719
|
172
|
139
|
80,8
|
60-64
|
689
|
153
|
102
|
66,7
|
65-69
|
528
|
101
|
76
|
75,2
|
70-74
|
339
|
61
|
44
|
72,1
|
75-79
|
188
|
34
|
28
|
82,3
|
80-84
|
141
|
18
|
10
|
55,6
|
85-89
|
49
|
6
|
1
|
16,7
|
90-94
|
8
|
0
|
0
|
0
|
95-99
|
3
|
0
|
0
|
0
|
TOTAL
|
11774
|
2783
|
1906
|
68,5
|
Fonte: Censo da População de 1920; Cadernos Eleitorais do círculo eleitoral de T. Vedras de 1921(“Eleições”, Caixa nº10, AHMTV).
No grupo etário entre os 45 e os 60 anos regista-se um ligeiro
decréscimo no interesse em participar nos actos eleitorais, descrença que se
acentua à medida que se avança na idade, sendo estatisticamente pouco
significativa a situação que se observa entre os 75 e os 79 anos.
Por outro lado, mais
significativa parece ser de registar a situação dos grupos etários mais jovens,
entre os 20 e os 29 anos. Esta situação pode ser explicada pela falta de
actualização dos cadernos eleitorais, bem como pelo facto de poder incluir
indivíduos com 20 anos à data da elaboração dos mesmos, logo excluídos do
recenseamento.
Parecem existir assim três tendências nítidas respeitantes à
participação na vida política. Aqueles que iniciaram a sua vida adulta quando
se deu a queda da monarquia e a implantação da república denotavam um
maior interesse pela vida política, recenseando-se em grande número. Pelo contrário, os mais velhos, embora em
condições recenseáveis, demonstravam, aparentemente, um menor interesse em se
recensearem.
Contudo, foi entre os que ainda eram menores quando da implantação
do regime republicano que o desinteresse pelo processo eleitoral parece ter
sido mais evidente.
É óbvio que este tipo de interpretação é feita com algumas
reservas, tendo em conta que nos estamos a referir a menos de 1/4 da população
adulta masculina do concelho de T.Vedras.
Continuando a tentativa de caracterizar o eleitorado do concelho de T.Vedras em 1921, no Quadro III vemos a distribuição etária dos recenseados por assembleia eleitoral, tendo destacado ainda a mesma situação relativamente à malha urbana de T.Vedras, cujos eleitores se repartiam por quatro freguesias, todas pertencentes à assembleia eleitoral de Stª Maria. No total do concelho os três grupos etários mais bem representados eram, por ordem de importância, o dos 30-34 anos, 25-29 anos e 35-39 anos, que, na sua totalidade representam mais de 43% de todos os eleitores. Observando essa tendência por assembleia eleitoral, aqueles grupos etários eram dominantes em três assembleias: Stª Maria, Turcifal e S.Pedro da Cadeira. Contudo, no Turcifal, a ordem de importância era diferente, dominando o grupo dos 25-29 anos.
QUADRO III
Distribuição Etária dos Eleitores Recenseados - Assembleias
Eleitorais do Concelho de T.Vedras (1921)
escalão etário
|
1ª StªMaria
|
2ª Turcifal
|
3ª S.P.Cadeira
|
4ª Ramalhal
|
5ª D.Portos
|
6ª Runa
|
TOTAL
|
Vila
|
20-24
|
57
|
24
|
14
|
9
|
21
|
6
|
131
|
53
|
25-29
|
77
|
61
|
26
|
31
|
30
|
41
|
266
|
65
|
30-34
|
118
|
51
|
33
|
38
|
39
|
39
|
318
|
106
|
35-39
|
76
|
40
|
24
|
42
|
41
|
21
|
244
|
70
|
40-44
|
62
|
26
|
20
|
38
|
42
|
25
|
213
|
52
|
45-49
|
63
|
21
|
20
|
23
|
35
|
23
|
185
|
53
|
50-54
|
44
|
23
|
16
|
22
|
14
|
30
|
149
|
39
|
55-59
|
41
|
19
|
16
|
25
|
16
|
22
|
139
|
31
|
60-64
|
27
|
14
|
15
|
19
|
8
|
19
|
102
|
22
|
65-69
|
18
|
18
|
7
|
11
|
12
|
10
|
76
|
15
|
70-74
|
6
|
12
|
8
|
1
|
8
|
9
|
44
|
4
|
75-79
|
5
|
2
|
5
|
8
|
3
|
5
|
28
|
3
|
80-84
|
1
|
3
|
1
|
1
|
3
|
1
|
10
|
0
|
85-89
|
0
|
0
|
0
|
0
|
1
|
0
|
1
|
0
|
TOTAL
|
595
|
314
|
205
|
268
|
273
|
251
|
1906
|
513
|
Fonte: Cadernos Eleitorais do círculo eleitoral de T. Vedras de 1921 (“Eleições”, Caixa nº10, AHMTV).
Em duas assembleias, Ramalhal e Dois Portos, por sua vez, dominava
um eleitorado tendencialmente mais velho, respectivamente o dos 35-39 e o dos
40-44 anos. Por sua vez, na assembleia de Runa, dominava um grupo etário mais
jovem, o dos 25-29 anos, e aparecia em terceiro lugar o dos 50-54 anos,
revelando uma maior heterogeneidade quanto à distribuição etária dos eleitores.
Passemos agora a observar a distribuição sócio-profissional dos
eleitores do concelho, representada no Quadro IV.
Organizámos esse quadro por sectores de actividade e, dentro
destes, por actividades sócio-profissionais, indicando o peso percentual de
algumas, as mais significativas, em cada assembleia eleitoral, e ainda os
totais do concelho e da então vila.
Em termos gerais, 47,8% dos eleitores pertenciam ao sector
primário, 25,3% ao secundário e 25,4% ao terciário.
O sector primário apresentava um peso inferior à sua
representatividade real, pois o analfabetismo
tinha um peso considerável nesse sector. Contudo, se analisarmos o peso
do sector primário ao nível de cada assembleia eleitoral, todas elas apresentam
um valor superior aos 60%,atingindo o máximo de 66,7% na assembleia de Dois
Portos. Mais reduzido era o peso deste sector na assembleia de Runa, enquanto
que na assembleia de Stª Maria era evidente o peso do centro urbano, sendo este
sector o menos representado, com 19,3%. Neste sector é ainda evidente o peso
dos proprietários agrícolas, sempre em número superior aos
"trabalhadores", excluindo o caso da assembleia do Ramalhal. No
Turcifal e em Dois Portos os proprietários rurais representam cerca de 1/3 de
todo o eleitorado.
Quanto ao sector
secundário, o seu peso rondava 1/5 a 1/4 do eleitorado em todas as
assembleias, menos em S.Pedro da Cadeira, onde esse peso era ainda menor, e na
freguesia de Stª Maria onde, pelo contrário, o seu peso era significativo, ultrapassando 1/3 dos
eleitores, mercê da influencia urbana de Torres Vedras. O grupo do
"vestuário e calçado", dominado
pelos sapateiros, era o que registava maior peso dentro deste sector, excepto em
Stª Maria onde dominavam os
"trabalhos em madeira", subsidiários em parte quer da construção
civil, quer da industria de mobiliário ou de manutenção e construção de
carroças. A mesma situação registava-se na Assembleia de Runa, aqui igualando
em importância o sector da construção civil.
Em relação ao sector terciário, a média concelhia deste devia-se quase exclusivamente ao seu extraordinário peso na assembleia de Stª Maria, onde representava a maior parte do
QUADRO IV
Distribuição sócio-profissional dos eleitores do concelho de T.
Vedras – 1921
Actividade
|
Vila
|
%
|
St Marª
|
%
|
Turcifal
|
%
|
S.P.Cad.
|
%
|
Ramalhal
|
%
|
Dois
Portos
|
%
|
Runa
|
%
|
Total
|
%
|
proprietário
|
39
|
7,6
|
69
|
11,6
|
112
|
36
|
52
|
25,3
|
65
|
24,3
|
91
|
33,3
|
56
|
22,3
|
445
|
23,3
|
trabalhador
|
15
|
2,9
|
31
|
5,2
|
59
|
19
|
44
|
21,5
|
70
|
26,1
|
78
|
28,6
|
45
|
18
|
327
|
17,1
|
outros
|
4
|
0,8
|
15
|
2,5
|
29
|
9,2
|
34
|
16.6
|
26
|
9,7
|
13
|
4,8
|
33
|
13,1
|
150
|
7,9
|
TOTAL (primº)
|
58
|
11,3
|
115
|
19,3
|
200
|
64
|
130
|
63,4
|
161
|
60,1
|
182
|
66,7
|
134
|
53,4
|
912
|
47,8
|
industrial
|
9
|
1,8
|
9
|
1,5
|
|
|
|
|
|
|
|
|
1
|
0,4
|
10
|
0,5
|
vestuário.e calç.
|
47
|
9,2
|
50
|
8,4
|
22
|
7
|
15
|
7,3
|
27
|
10,1
|
19
|
7
|
13
|
5,2
|
146
|
7,7
|
contrução civil
|
22
|
4,3
|
24
|
4
|
9
|
2,9
|
4
|
2
|
13
|
4,9
|
5
|
1,8
|
20
|
8
|
75
|
3,9
|
trab. madeira
|
64
|
12,5
|
68
|
11,4
|
16
|
5,1
|
11
|
5,4
|
7
|
2,6
|
19
|
7
|
20
|
8
|
141
|
7,4
|
ferro e metalur.
|
20
|
3,9
|
21
|
3,5
|
8
|
2,5
|
6
|
2,9
|
8
|
3
|
6
|
2,2
|
7
|
2,8
|
56
|
2,9
|
outros
|
27
|
5,3
|
29
|
4,9
|
11
|
3,5
|
3
|
1,5
|
4
|
1,5
|
6
|
2,2
|
2
|
0,8
|
55
|
2,9
|
TOTAL (secundº)
|
189
|
36,8
|
201
|
33,8
|
66
|
21
|
39
|
19
|
59
|
22
|
55
|
20,1
|
63
|
25,1
|
483
|
25,3
|
comerciante
|
58
|
11,3
|
59
|
9,9
|
11
|
3,5
|
10
|
4,9
|
10
|
3,7
|
15
|
5,5
|
15
|
6
|
120
|
6,3
|
negociante
|
10
|
1,9
|
10
|
1,7
|
2
|
0,6
|
1
|
0,5
|
|
|
1
|
0,4
|
|
|
14
|
0,7
|
lojista
|
20
|
3,9
|
24
|
4
|
17
|
5,4
|
15
|
7,3
|
15
|
5,6
|
2
|
0,7
|
8
|
3,2
|
81
|
4,2
|
barbeiro
|
11
|
2,1
|
11
|
1,8
|
1
|
0,3
|
|
|
1
|
0,4
|
1
|
0,4
|
4
|
1,6
|
18
|
0,9
|
emp.º comércio
|
52
|
10,1
|
54
|
9,1
|
6
|
1,9
|
2
|
0,9
|
6
|
2,2
|
3
|
1,1
|
7
|
2,8
|
78
|
4,1
|
funcionalismo
|
59
|
11,5
|
60
|
10,1
|
3
|
0,9
|
1
|
0,5
|
2
|
0,7
|
3
|
1,1
|
1
|
0,4
|
70
|
3,7
|
tranporte e com.
|
30
|
5,8
|
30
|
5
|
6
|
1,9
|
|
|
3
|
1,1
|
2
|
0,7
|
2
|
0,8
|
43
|
2,3
|
outros
|
25
|
4,9
|
25
|
4,2
|
2
|
0,6
|
7
|
3,4
|
5
|
1,9
|
7
|
2,6
|
15
|
6
|
61
|
3,2
|
TOTAL (terciárº)
|
265
|
51,7
|
273
|
45,9
|
48
|
15
|
36
|
17,6
|
42
|
15,7
|
34
|
12,5
|
52
|
20,7
|
485
|
25,4
|
não identificada
|
1
|
1,9
|
6
|
1
|
|
|
|
|
6
|
2,2
|
2
|
0,7
|
2
|
0,8
|
16
|
0,8
|
TOTAL
|
513
|
100
|
595
|
100
|
314
|
100
|
205
|
100
|
268
|
100
|
273
|
100
|
251
|
100
|
1906
|
100
|
Fonte: Cadernos Eleitorais do círculo eleitoral de T. Vedras de 1921 (“Eleições”, Caixa nº 10, AHMTV).
eleitorado, 45,9%,enquanto que no centro urbano representava mais
de 50%. Nas restantes assembleias rondava os 15%, só ultrapassando
significativamente estes valores a assembleia de Runa, em grande parte graças
ao número de militares recenseados do "Asilo Militar de Runa".
Em termos gerais, eram os eleitores designados como "comerciantes" que dominavam este sector, mas era igualmente significativo o número de lojistas das mais variadas modalidades, os empregados do comércio e os funcionários do estado e corpo administrativo. Como era de supor, a maior parte destes últimos concentravam-se no centro urbano, sendo aqui dominantes. Os lojistas eram dominantes entre eleitores deste sector nas assembleias de S.Pedro da Cadeira, Ramalhal e Turcifal.
O comportamento eleitoral do concelho de Torres Vedras em 1921
A abstenção
Depois de termos registado algumas das características do
eleitorado do concelho de Torres Vedras, passamos a analisar qual foi o
seu comportamento nas eleições de 1921, começando por observar
os índices de abstenção eleitoral..
Segundo Farelo Lopes, as eleições de 1921 "foram mais mobilizadoras e participantes do
que as eleições anteriores"[37],tendo-se
registado, a nível nacional, uma abstenção de
36,4%.
No concelho de Torres Vedras registou-se uma abstenção de 30%,
embora no centro urbano essa percentagem tenha sido superior, 38,2%.
Em quatro das assembleias o nível de abstenção foi inferior, quer
à média nacional, quer à média concelhia: Ramalhal-22,7%; Runa-24,3%; Dois
Portos-26%; S.Pedro da Cadeira -26,3%.
Nas outras duas assembleias, embora o índice de abstenção tivesse
sido inferior à média nacional, ele foi superior à média concelhia: Stª
Maria-35,6% e Turcifal-36,3%.
Por idades, o maior índice de abstenção registou-se entre os
eleitores maiores de 70 anos, ultrapassando os 50% em todos os grupos etários a partir dessa idade, o que se
pode compreender pela idade dos mesmos. Elevados índices de abstenção, em relação
à média concelhia, registaram-se ainda nos grupos 55-59 anos, com 36,8%, 30-34,
também com 36,8% e 25-29,com 35,7%.
Pelo contrário, o mais baixo índice de abstenção registou-se nos
grupos dos 50-54 anos, 24,4%, 20-24 anos,28,7%
e 35-39 anos, com 30,1%.
Em termos gerais, parece-nos que o maior interesse pelas eleições se encontra no
eleitorado com mais de 35 anos e menos de 54, enquanto que entre os pouco
jovens que se mostraram interessados em se recensearem, como vimos em capítulo
anterior, também se tivesse registado interesse na participação eleitoral.
Analisando a abstenção por sectores de actividade, o sector
terciário foi aquele que registou um maior índice de abstenção -31,8%-,
seguindo-se o primário -29,2%- e o secundário -27,1%. Só o terciário registou
um nível de abstenção superior à média concelhia, o que não deixa de ser
significativo, tendo em conta que residia neste sector a principal base de
apoio do regime republicano.
Observando mais de perto cada sector, e tomando apenas em linha de
conta os casos estatisticamente significativos, isto é, pelo menos 1% ou
mas dos casos registados em relação ao
total de eleitores, o que dá um mínimo de 20 casos, é possível detectar o maior ou menor interesse de alguns grupos
sócio-profissionais pelo acto eleitoral.
No sector primário os fazendeiros e os proprietários agrícolas
foram aqueles que registaram um índice de abstenção mais baixo, respectivamente
27% e 28,9%,enquanto que entre os assalariados ("trabalhadores") esse
índice foi de 30,9%.
Entre as actividades de tipo secundário, foram as ligadas ao
vestuário e calçado, com 21,2%, e à construção civil, com 25,3%, que registaram
o menor índice de abstenção, enquanto que nas ligadas à produção alimentar se registou um valor superior à média do sector,
mas inferior à média concelhia -29,1%.
Nas profissões do "trabalho em madeira" e do "trabalho em
ferro e metalurgia", registaram-se níveis de abstenção significativamente
mais elevados, respectivamente de 31,2% e 32,1%.
Finalmente, se o sector terciário regista um elevado índice de abstenção, o comportamento das actividades que o integram revela tendências significativamente divergentes. Entre os comerciantes, os empregados de comércio e os "lojistas" o índice é baixo, 25,8% nos primeiros, 24,3% nos segundos e 23,5% nos terceiros. Pelo contrário, revela-se tendencialmente mais elevado entre os "funcionários de estado e corpos administrativos" (35,7%) e entre os ligados aos "transportes e comunicações" (46,5%). Não chegando a representar 1% do total de eleitores, mas aproximando-se bastante (0,9%), é mesmo assim interessante registar que entre os eleitores ligados às forças armadas a abstenção atingiu os 68,8%.
Resultados eleitorais
Tendo observado o comportamento dos eleitores face às eleições
através dos níveis de participação, passamos agora a analisar os próprios
resultados eleitorais neste concelho.
Já referimos, na introdução deste trabalho, algumas das características mais importantes deste acto eleitoral.
Recordemos que as eleições de 10 de Julho de 1921 se
caracterizaram por terem sido as únicas, durante a vigência do regime
republicano, excluindo o período "sidonista", em que o Partido
Democrático saiu derrotado, fenómeno que se explica, entre outros motivos
possíveis, pela situação que caracterizou todos os actos eleitorais da Iº
República, a de "o sucesso eleitoral
"coincidir "quase sistematicamente com o exercício do
poder"[38]
. Daí não ser de estranhar que os "Liberais" tenham ganho as eleições
a nível nacional, já que detinham o governo, chefiado por Barros Queirós.
A poucos dias das eleições, o anónimo correspondente em Torres
Vedras do jornal A Pátria
apontava aquelas que eram as principais
expectativas em relação ao círculo nº31, com sede em T. Vedras, e que elegia
3 deputados: "democratas, reconstituintes, liberais,
agrarios, monarquicos, etc., etc., trabalham activamente para demonstrarem as
suas forças nas próximas eleições. Não há centro de cavaco onde não se discutam
as probabilidades de serem eleitos uns ou outros candidatos. Ninguém pode
contar com a vitória, excepto os agrários que, se os monarquicos lhes não
retirarem a colaboração, elegem certamente o seu candidato dr. Tiago Sales. Os
democratas, que supõem levar ao parlamento os srs. Anibal Lucio de Azevedo e
Fausto de Figueirado não conseguem talvez fazer vingar mais que uma candidatura
(...).Os liberais disputam as maiorias tambem, não se sabe com que fundamento.
Apresentam os srs.Constancio de Oliveira e Alfredo Soares. Se conseguirem que o
primeiro seja eleito andarão com muita sorte, apesar das suas promessas de
...governamentais. Os reconstituintes trabalham com grande entusiasmo a favor
da candidatura do sr. Helder Ribeiro, que deve ter uma boa votação neste
concelho. Como popular propõe-se o sr.Afonso Macedo, que devido a amizades
pessoais, será também muito votado. Os monarquicos -dizem- vão disputar as
maiorias, falando-se nos nomes dos srs. Visconde Palma de Almeida, da Lourinhã,
e dum filho do sr. conde Tarouca. A confirmar-se este boato veremos o numero de
probabilidades a favor dos democráticos"[39]
.
Apenas a dois dias do acto eleitoral, o correspondente em Torres
Vedras de outro jornal de Lisboa, A
Capital, descrevia um panorama um pouco diferente, e que se aproximou mais
do que veio a ser o resultado final neste círculo: "Informações chegadas hoje de Torres Vedras dizem que nos ultimos dias
se torna bastante confuso o aspecto eleitoral. Parece que o partido liberal,
que esperava ganhar a maioria, terá de contentar-se só com um deputado, não se
podendo prever se sahirá eleito o sr. Alfredo Soares ou o sr. Constancio de
Oliveira, porque em varios concelhos foi introduzido o nome do sr. Tiago Sales
na lista do governo, sem que isto obedeça a qualquer combinação. Os
democraticos continuam a garantir a victoria da sua lista. Em muitas listas
aparece o nome do sr. Afonso Macedo como o do sr. Helder Ribeiro. Noutras o
nome do deputado popular figura ao lado do sr. Tiago Sales(...)"[40].
O resultado eleitoral neste círculo confirmou em parte esta
notícia, tendo sido eleitos dois candidatos do Partido Democrático, Lucio de
Azevedo e Fausto Cardoso de Figueiredo, e um dos "liberais",
Constâncio de Oliveira. Este foi dos poucos círculos nacionais onde os
democráticos sairam vencedores. O êxito dos democráticos nalguns círculos terá ficado a dever-se ao facto do governo liberal
não ter conseguido "evitar que a
máquina eleitoral continuasse em grande medida nas mãos dos seus poderosos
adversários [os democráticos ]"[41].
Os resultados no concelho de Torres Vedras deram igualmente a
vitória aos democráticos, mas em terceiro lugar surgia o candidato
monárquico José Maria Teles da Silva,
enquanto que o "agrário" Tiago Sales, que muitas esperanças tinha
alimentado em relação a estas eleições, principalmente quanto ao apoio deste
concelho, se quedava pelo 4º lugar como candidato mais votado. Ainda mais
decepcionante foi a prestação eleitoral, neste concelho, de "liberais” e
"reconstituintes", como se pode ver pelo Quadro V, com os resultados
eleitorais neste concelho e nas respectivas assembleias eleitorais:
Analisando os resultados ao nível das assembleias eleitorais,
ressaltam algumas características mais evidentes:
O bom resultado dos monárquicos em todas as assembleias rurais,
tendo vencido as eleições em três delas,(Ramalhal, Dois Portos, e Runa) e
obtido a segunda posição noutra (S.Pedro da Cadeira).
O seu pior resultado foi obtido na assembleia do Turcifal, onde
talvez tenha funcionado o voto útil na candidatura de Tiago Sales e na
assembleia "urbana" de Stª Maria.
Aliás, foi o peso eleitoral desta ultima assembleia que deu a
vitória concelhia aos "democráticos", pois, se retirarmos os votos
obtidos por todas as candidaturas na assembleia de Stº Maria, o candidato
monárquico teria ganho neste concelho.
Foi igualmente significativo que o melhor resultado conseguido por um candidato "reconstituinte" (Helder Ribeiro) e um dos dois melhores obtidos por um candidato "liberal" (Constâncio de Oliveira), fosse na assembleia "urbana", onde a influencia da imprensa partidária, conotada com esses dois partidos, terá exercido alguma influência.
QUADRO V
Resultado das Eleições de 10 de Julho de 1921 no Concelho de T.Vedras (nº de votos)
Nomes dos candidatos a
deputados
|
filiação partidária
|
1ª St.ª Maria
|
2ª Turcifal
|
3ª S.P. Cadeira
|
4ª Ramalhal
|
5ª D .Portos
|
6ª Runa
|
total votos
|
Aníbal Lúcio d'Azevedo
|
Democrático
|
166
|
108
|
12
|
67
|
78
|
48
|
479
|
Fausto Cardoso de Figueiredo
|
Democrático
|
156
|
101
|
21
|
58
|
70
|
47
|
453
|
José Maria Teles da Silva
|
Monarquico
|
54
|
20
|
47
|
77
|
91
|
83
|
372
|
Tiago Cezar Moreira Sales
|
Regionalista
|
58
|
68
|
63
|
52
|
33
|
33
|
307
|
Constancio d'Oliveira
|
Liberal
|
90
|
31
|
45
|
42
|
20
|
30
|
258
|
Helder Armando dos Santos
Ribeiro
|
Reconstituinte
|
102
|
37
|
31
|
34
|
12
|
33
|
249
|
Alfredo Soares
|
Liberal
|
62
|
16
|
21
|
20
|
21
|
17
|
157
|
Afonso de Macedo
|
Popular
|
16
|
11
|
25
|
0
|
4
|
0
|
56
|
João de Deus Guimarães
|
Presidencialista
|
1
|
0
|
1
|
31
|
2
|
5
|
40
|
António da Costa Mateus
|
Independente
|
2
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
2
|
Afonso Costa
|
Democrático
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
4
|
4
|
Fonte: Actas eleitorais das eleições de 10 de Julho de 1921(“Eleições”, Caixa nº 10, AHMTV).
A candidatura "agrária" de Tiago Sales apenas beneficiou
de resultados acima das expectativas nas assembleias do Turcifal e de S.Pedro da Cadeira, as duas
únicas freguesias rurais onde os monárquicos não ganharam, o que parece revelar
uma dependência dessa candidatura em relação ao comportamento eleitoral dos
monárquicos, tendo os seus apoiantes razão em denunciarem a "traição da ultima hora de alguns monarquicos"[42].
Mas o facto mais significativo foi o facto de os
"democráticos", apesar de não
beneficiarem neste concelho de uma "boa imprensa", com escassa influência
a nível do executivo camarário, e apesar do desgaste da sua base de apoio
eleitoral, como se comprova pela forte abstenção no sector terciário,
terem conseguido ver
os seus dois
candidatos serem os mais votados neste concelho, o que em muito contribuiu
para a sua vitória no círculo.
Terão beneficiado de muitos factores que já referimos ao longo deste texto, mas também, provavelmente, do voto útil de outros sectores republicanos, preocupados com a crescente influência dos monárquicos, bem como da pulverização partidária dos republicanos que se pretendiam apresentar como alternativa aos “democráticos”.
A opinião da imprensa local sobre
os resultados eleitorais.
Por último, talvez seja interessante registar o modo como a
imprensa local reagiu aos resultados eleitorais.
O Federação Agrícola, apoiante de Tiago Sales escrevia que "(...) se o Nucleo Agricola, que foi quem propoz essa candidatura, não viu completar-se o exito dos seus esforços, deve, no estanto, sentir-se orgulhoso pelos resultados obtidos e que provam, ao menos, que nos pontos onde ha organisação agricola, a corrente separatista das influencias politicas partidarias é muito grande e constitui já uma força respeitavel com que todos teem de contar", salientando ainda "a circunstancia de, no concelho de Torres Vedras, o nome do Dr.Tiago Sales ter vencido, por grande maioria, os candidatos governamentais que neste concelho contavam com o seu melhor e mais bem organisado baluarte" e "o acontecimento palpitante do seu nome ter obtido uma estrondosa victoria no concelho da Lourinhã (...). Mas, assim como os povos teem os governos que merecem, assim o circulo de Torres Vedras, que abrange os concelhos da Lourinhã, Torres Vedras, Mafra, Cintra, Oeiras e Cascais e é um circulo essencialmente agricola, tem os deputados que merece(...)."[43] .
Por sua vez , O Torreense,
orgão local dos liberais, sem se referir directamente aos resultados eleitorais
locais, comentava que "jámais houve
em Portugal eleições tão livres, tão honestas, e em que o exercício do direito
de voto fôsse mais escrupulosamente assegurado (...). A grande maioria dos
candidatos eleitos pertence (...) aos
dois mais fortes partidos organisados
dentro da República. É um voto
significativo do eleitorado, de ilacções faceis e claras (...). A luta foi
titânica, gigantesca; mas a vitória coube ás instituições republicanas, a
despeito dos esforços empregados pelos monárquicos, que inadvertidamente
supunham ser-lhes possivel dar um cheque na República, aproveitando-se, para
tanto, da magnanimidade e tolerância do govêrno liberal, a quem estão confiados
os sêlos do estado. Em nosso entender, mal avisadamente andaram todos aquêles
que, de qualquer modo, concorreram para a pulverização das forças eleitorais,
com manifesto prejuízo para o govêrno, o qual, por esse facto, não pôde
assegurar-se duma forte e segura maioria parlamentar.(...) É precisamente na
ocasião em que está no poder um Govêrno
de indole e processos moderados, e em
que abundam competências que são
seguro penhor duma sã administração, que os conservadores ou moderados, como
queiram chamar-lhe, se apresentam a fazer uma dispersão de votos, que outro
resultado não teve, nem podia deixar de ter, senão dar força e relêvo aos
elementos extremistas, cujos processos de govêrno todos, una voce, vinham
estigmatisando. A atitude dos conservadores, ou antes, dos monárquicos que
negáram os seus votos aos candidatos governamentais, outra justificação não
tem, que não seja o quanto pior, melhor(...)"[44].
Conclusão
Douglas Wheeler considera o ano de 1921 como "um importante ponto de viragem na história
do fracasso da democracia em Portugal" durante a primeira república,
isto porque tendo as eleições de 10 de julho de 1921 levado ao "aparecimento de um segundo partido, com
possibilidades que lhe permitiam
fazer pressão para reformar e remodelar
o P.R.P., foi cortado cerce por uma insurreição militar" que, a 19 de
Outubro de 1921, depôs, de forma dramática, o governo de António Granjo, um dos
assassinados nessa chamada "noite sangrenta", levando à dissolução do
parlamento e à convocação de novas eleições para Janeiro de 1922, nas quais os
"Democráticos" recuperaram a sua "usual maioria". "Sem
uma outra alternativa além do P.R.P., não podia haver um sistema político
equilibrado, razoavelmente estável, em que o poder pudesse mudar de mãos, onde
os Governos pudessem entrar e sair em paz, onde se pudessem fazer reformas, com
algum significado, da situação social e económica". A partir de então
"os resultados das eleições passaram
a ter cada vez menos importância como expressão da opinião pública ou como um
exercício democrático"[45].
Parece assim evidente a importância do estudo das movimentações políticas que estiveram por detrás do acto
eleitoral de 10 de julho de 1921.
No caso por nós estudado, apesar de limitado a uma parte dos
intervenientes, foi evidente que, apesar de algum desânimo face ao domínio do P.R.P., se acreditava ainda nas
potencialidades do regime, como se revelou, por exemplo, pelo entusiasmo das adesões
que, a nível local, marcaram a formação dos partidos "liberal" e
"reconstituinte" e pelos vivos debates nos meios de comunicação
editados no concelho.
A entrada dos monárquicos no jogo democrático republicano parecia, por sua vez, evidenciar, por parte
destes inimigos do regime, uma aposta
no jogo democrático e uma tentativa de integração num regime que, depois da
derrota da "Monarquia do Norte", parecia inquestionável.
Contudo, surgiram também alguns sinais de inquietação para o
próprio regime democrático, nomeadamente a crescente influência de algumas
forças de tipo corporativo, como o eram o "núcleo agrícola" e a
Associação Comercial, ou a crescente influencia de ideias de tipo
conservador no seio das recém-criadas organizações políticas, nomeadamente no
Partido Liberal, bem como num certo discurso "anti-política" evidente
nalguns textos dos orgãos de comunicação consultados.
Por último, no que ao próprio resultado eleitoral estudado diz
respeito, foi evidente a crescente influencia de tendências anti-republicanas,
como demonstraram os resultados obtidos pelos monárquicos e mesmo pelos
"agrários", enquanto, por outro lado, se evidenciou
um certo desinteresse pela participação política democrática, quer por
parte dos mais jovens, quer por parte daqueles
que até então constituíam a principal base de apoio do regime.
Esperamos ter conseguido com este trabalho caracterizar, mesmo se
limitados pelas fontes consultadas, o modo como as elites políticas locais se
posicionaram em relação aos debates mais
marcantes da vida política e o modo como esse posicionamento se acabou por
reflectir no resultado desse acto eleitoral .
Venerando António Aspra de Matos (escrito em 1998)
Bibliografia
Fontes Manuscritas
Copia do livro do Recenseamento eleitoral deste concelho, relativo
ao ano de mil novecentos e vinte, que contem todos os cidadãos recenseados
pelas freguesia(...) para servir
nas eleições de deputados,que nos termos do decreto nº7529
de 1 de Junho findo se devem realisar no dia 10
deJulho proximo(...)Paços do Concelho de Torres Vedras.30 deJunho de
1921 .Arquivo Municipal de Torres Vedras,Caixa nº 8 -Eleições.
Representantes da autoridade nas assembleias eleitorais do concelho de Torres Vedras-eleições em 28 de Abril de 1918, Arquivo Municipal de Torres Vedras,Caixa nº7-Eleições.
Fontes Impressas
A
Capital, Lisboa, Junho e Julho de 1921.
O
Democrata, Torres Vedras (1921)
Ecos
de Torres ,Torres Vedras (1921)
Federação Agrícola ,Torres
Vedras(1921)
A
Pátria, Lisboa, Junho e Julho de 1921.
O Torreense, Torres Vedras (1921).
Obras de consulta
- BRANDÃO, Fernando de Castro, A I República Portuguesa - uma
cronologia., Livros Horizonte,1991
- LOPES,Fernando Farelo Poder Político e Caciquismo na 1ª
República Portuguesa,Editorial Estampa,1994.
- MARQUES , A.H. de Oliveira (coordenaação),Portugal da Monarquia
para a República ,vol XI da Nova História de Portugal,ed.Presença,1991.
- WHEELER,Douglas L.
História Política de Portugal de 1910 a 1926.Publicações
Europa-América,s/d(edição original:1978).
[1] WHEELER, Douglas L., História Política de Portugal de 1910 a 1926, Publicações Europa-América, s/d. (edição original:1978),pág.226.
[2] LOPES, Fernando Farelo, Poder Político e Caciquismo na 1ª República Portuguesa, Editorial Estampa,1994, pp.152-153.
[3] “Um de Torres” ,"Politica Local - O Significado Duma Votação", in Ecos de Torres, nº123 de 11/1/1921.
[4] "Politica Local - Definindo situações", in O Torreense,nº65 de 16 de Janeiro de 1921.
[5] "Vida Politica", in O Torreense nº73, de13 de Março de 1921.
[6] Contra o Imposto "Ad Valorem" - Representação da Associação Comercial de Torres Vedras", in O Torreense, nº 66 de 23 de Janeiro de 1921.
[7] “Imposto "Ad Valorem”, in Ecos de Torres, nº125 de 27 de Janeiro de 1921.
[8] “Politica na Associação Comercial", in Ecos de Torres, nº 131, de 17 de Março de 1921,
[9] LOPES, Fernando Farelo, ob.cit. p.102
[10] “Administrador do Concelho", in Ecos de Torres, nº 144 de 16 de Junho de 1921.
[11] LOPES, Fernando Farelo, ob. cit., pp.106 e 107.
[12] LOPES, Fernando Farelo,ob.cit.,p.107
[13] LOPES, Fernando Farelo,ob. cit., p.107.
[14] WHEELER, Douglas L.,ob.cit.,p.293.
[15] MARQUES, A.H. de Oliveira (coordenação), Portugal da Monarquia para a República, vol. XI da Nova História de Portugal, ed.Presença,1991, p.205
[16] Ecos de Torres, nº143 de 9 de Junho de 1921.
[17] “Eleitores do circulo de Torres Vedras”, in Ecos de Torres, nº146 de 5 de Julho de 1921.
[18] “Palavras Sinceras”, in Ecos de Torres ,nº146,de 5 de Julho de 1921.
[19] “As bases do Núcleo”, in Federação Agrícola, suplemento ao nº23,16 de Junho de 1921.
[20] “Uma Eleição”, in Federação Agrícola, nº28 de 16 de Julho de 1921
[21] Representantes da autoridade nas assembleias eleitorais do concelho de Torres Vedras - eleições em 28 de Abril de 1918, A.M.T.V., Caixa nº7-Eleições.
[22] SALES, Tiago "A minha Candidatura", in Federação Agrícola, nº29 de 23 de Julho de 1921.
[23] “Reconstituintes e Agrarios”, in Ecos de Torres, nº 144 de 16 de Junho de 1921.
[24] O Torreense, nº87 de 19 de Junho de 1921
[25]“Aos Eleitores do Concelho de Torres Vedras”, in O Torreense, nº89 de 3 de Julho de 1921.
[26] "Votai nos candidatos governamentais", in O Torreense,nº89 de 3 de Julho de 1921.
[27] "6 contos para as escolas", in O Torreense,nº89 de 3 de Julho de 1921.
[28]LOPES, Fernando Farelo, ob. cit., p.30.
[29] O Democrata, nº único, T. Vedras, 9 de Julho de 1921.
[30] O Democrata, nº único, T. Vedras, 9 de Julho de 1921.
[31] LOPES, Fernando Farelo,ob.cit.p.24
[32] "Ao Eleitorado", in O Torreense, nº87 de19 de Junho de 1921.
[33] "Eleições", in Ecos de Torres, nº144 de 16 de Junho de 1921.
[34] in A Pátria, nº 333,de 25 de Junho de 1921.
[35] LOPES, Fernando Farelo,ob.cit.,pp131 e 132.
[36] LOPES, Fernando Farelo, ob. cit., p.122
[37] LOPES,Fernando Farelo,ob.cit.,p.153.
[38] LOPES, Fernando Farelo,ob.cit.,p.54.
[39] in A Pátria, Lisboa, nº333 de 25 de Junho de 1921, página 2
[40] “Ultima Hora -Eleições- o que se passa em vários circulos”, in A Capital ,nº3828 de 8 de Julho de 1921.
[41] LOPES, Fernando Farelo, ob. cit., p.112
[42] VIEIRA, Júlio "Uma Eleição", in Federação Agrícola, nº28 de 16 de Julho de 1921.
[43]VIEIRA, Júlio, "Uma Eleição", in Federação Agrícola, nº28 de 16 de Julho de 1921.
[44]“Lição das Urnas”, in O Torreense, nº91de 17 de Julho de 1921,
[45] WHEELER, Douglas L., ob. cit, pp. 186 e 187.
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