terça-feira, 19 de abril de 2022

Petróleo em Torres Vedras


Data de 1862 a primeira referência à existência de “óleo-petróleo” no território torriense, “junto aos banhos dos Cucos  e dos Coxos e no sítio dos Amiais” que “merecia ser explorado”. (1).

É preciso esperar pelo final do século XIX para surgirem os primeiros registos da descoberta de locais no concelho, com potencial na exploração de petróleo.

Foi em 1878 que um tal João José de Corpas registou a descoberta de uma mina de “calcário betuminoso” na Serra do Cabaço, na então freguesia de Matacães, cuja exploração foi concedida, por alvará do Diário do Governo de 23 de Novembro de 1880 à sociedade António Pinto & Companhia, constituída pelo descobridos e por João António Pinto, Joaquim Wagner Russel e Joaquim Maria de Oliveira Vale. Da exploração dessa “mina” pouco mais se sabe, a não ser que naquela serra, como ainda é visível actualmente, “se explorou durante alguns anos em pedreira a céu aberto” calcário e de onde se extraiu “matéria betuminosa que era depois utilizada e aplicada como asfalto”.

A mina da Serra do Cabaço foi declarada abandonada em Diário do Governo de 23 de Maio de 1898 e “em campo livre dois anos mais tarde” em Diário do Governo de 10 de Abril de 1900.

No relatório de reconhecimento dessa mina, feito no ano da sua descoberta, em 30 de Dezembro de 1878, da autoria do engenheiro Francisco Ferreira Roquette, chamava-se também a atenção para a “presença de numerosas e extensas galerias antigas praticadas nas rochas impregnadas de betume no sítio denominado da Cova da Moura” (2).

Por ocasião da abertura do túnel do Cabeço do Cabrito, em 1885, durante a construção do caminho-de-ferro, tanto nesse túnel com nas escavações efectuadas  junto do mesmo foram encontradas “fendas e geodes cheios de hidrocarboneto líquido, de que os operários se utilizavam como petróleo” (3).

Uma nova mina de “calcário Betuminoso” em Torres Vedras foi registada em 1900 com a designação de “Vale Escuro”, abrangendo uma área que “se sobrepunha, em grande parte, à da Serra do Cabaço” e integrada na freguesia de Santa Maria do Castelo.

Foi declarado “descobridor legal” um tal Rafael da Cruz Lezameta, tendo concedido os direitos de exploração dessa mina a uma companhia inglesa a “The Portuguese Petroleum Syndicate, Ltd.”,por alvará publicado em Diário do Governo de 28 de Abril de 1906.

A relação com aquela companhia inglesa teve origem no facto do tal Lezameta, que estava em tratamento nas Termas dos Cucos, ter conhecido um inglês, Coll Taylor que, conhecendo aquela descoberta “emitiu opinião de se tratar dum indício de petróleo em profundidade, pelo que fizeram em comum um manifesto de descoberta de petróleo” (4).

Segundo o autor que temos estado a citar, Fernando Macieira, “Lezameta e Coll Taylor se podem considerar os pioneiros do petróleo em Torres Vedras, e que o ano de 1901 em que, segundo Paul Choffat, se desenrolaram estes acontecimentos, é um marco na história do petróleo em Portugal” (5).

Em 1902 Lazameta pediu a Paul Choffat um relatório “sobre as condições geológicas de Torres Vedras, a fim de ser submetido a especialistas de pesquisa de petróleo” (6).

A notícia espalhou-se e “Torres Vedras atraiu a atenção dos pesquisadores. Local onde aparecesse presumível indício de petróleo logo era registado, e assim o País foi coberto de registos mineiros”, principalmente nos distritos de Lisboa e Leiria, estando registados em 1907, nestes distritos, 215 registos mineiros (7).

Contudo, não há notícias de se terem efectuado trabalhos e exploração no “Vale Escuro”, apenas a realização de duas sondagens, em 1905, as duas primeiras de pesquisa de petróleo na região, dirigidas pela concessionária inglesa, uma a nordeste do casal do Repelão, outra, depois de abandonarem aquela,  a sul da Quinta das Conquinhas.

A sondagem a nordeste do Repelão, dirigida pelo inglês William Calder,  foi “a primeira sondagem profunda para pesquisa de petróleo em Portugal”, tendo parado “ a uma profundidade vizinha dos 200 metros”, devido a uma avaria no “trépano”, mas tendo encontrado vestígios petróleo e de gás.

Abandonada aquela, iniciou-se nova sondagem, desta vez a sul da Quinta das Conquinhas e do actual Asilo de S. José, chegando à profundidade de 480 metros, sendo interrompida por novo acidente, “encravamento do trépano, hastes e tubagem”. Perante este fracasso, a companhia inglesa passou os seus direitos para a Sociedade Portuguesa de Terrenos Petrolíferos, a qual, “após ter resolvido o acidente, prosseguiu a perfuração até aos 518 metros, profundidade a que a sondagem parou definitivamente, em Dezembro de 1912, devido a novo acidente” (8).

Entretanto. aquela Sociedade, por fusão com outra, deu origem à Companhia Petrolífera Portuguesa, formada em 1908, que foi a responsável, a partir dessa data, pelas referidas prospecções e por novas perfurações, uma, realizada entre 1908 e 1910 até uma profundidade de 721 metros, perto da Quinta das Fontainhas e dos Cucos, e outra no Vale do Cabrito, junto à Quinta da Certã, realizada entre 1911 e 1912, até uma profundidade de 363 metros, interrompida devido a um acidente e por falta de capitais.

“Os resultados obtidos com estas sondagens não foram além da obtenção de indícios da existência de petróleo em profundidade, testemunhado pelo aparecimento de betuminosos na água de injecção da sondagem, acompanhados, por vezes, de emanações de gás” (9).

Foi necessário esperar pelo final da década de 1930 para se voltarem a realizar sondagens no concelho de Torres Vedras.

Por portaria de 7 de Abril de 1937 foi aberto concurso “para prospecção, pesquisa e concessão de hidrocarbonetos e substâncias betuminosas na área cativa” onde se incluíam as área de Torres Vedras, concurso esse ganho pelas companhias “Henry Joshua Pierce e Claude Hope Morley” e  “Anglo-Ecuadorian Oilfields, Lda.”, incumbindo os concessionários, à firma inglesa “A. Beeby Thompson & Partners” a realização de estudos geológicos no país, cujo resultado foi publicado em 1938, colocando em relevo, entre outras áreas do país a serem pesquisadas, “por entenderem que oferecem condições mais favoráveis à existência de petróleo”, o “Vale de Abadia”, em Torres Vedras (10).

Neste “Vale de Abadia”, a sul do actual Hospital de Torres, a oeste da estrada para Lisboa, na encosta do actual Bairro Vila Morena, realizaram-se duas sondagens.

A primeira sondagem teve início em 18 de Dezembro de 1939, parando a pouco mais de mil e cem metros, em 14 de Setembro, devido à “fraca potência da sonda”, mas, apesar “de não ter sido atingida a profundidade projectada, os resultados obtidos (…) foram bastante interessantes”, tendo encontrado “indicações de petróleo desde cerca de 96 metros” e de forma mais acentuada na profundidade entre os 581 e 630 metros.

Tendo interrompido aquela sondagem, e enquanto aguardava por material mais resistente para a prosseguir, foi efectuada uma segunda sondagem, a uns 400 metros a nordeste da primeira, que se iniciou em 23 de Janeiro de 1941, mas que teve de ser interrompida em 15 de Fevereiro dessa ano, quando já estava à profundidade de 160 metros, devido aos efeitos do ciclone que teve lugar nesta data, tempestade que danificou as torres de ambas as sondagens, bem como “a máquina de sonda  e outro material” (11).

Devido a esse facto e a outros problemas, aquela prospecção foi interrompida por mais de 6 anos, até a Repartição de Minas receber um requerimento, datado de 8 de Fevereiro de 1946, da Anglo-Portuguese Oil Company, Ltd.”solicitando autorização para efectuar trabalhos de prospecção geofísica na área da concessão”, autorização concedida de imediato, mas a título precário.

Os trabalhos de prospecção foram entregues por aquela companhia a uma empresa sueca especializada, tendo escolhido como primeira região escolhida para investigação, usando o método sísmico, o Vale da Abadia em Torres Vedras, começando os trabalhos em 26 de Março de 1946, os quais duraram até 19 de Julho desse ano.

Nesse período a companhia contratou um engenheiro inglês para iniciar a perfuração daquele local, aproveitando, depois de o reparar, o material que aí se encontrava, que tinha sido danificado pelo ciclone de 1941, trabalho iniciado em Julho de 1946, mas, não obtendo resultados, estes foram interrompidos em Outubro.

Esse mesmo engenheiro procedeu também “ a um reconhecimento geológico  em Torres Vedras, compreendendo as regiões de Runa, Matacães, Ordasqueira, Benfica, Gibraltar e Varatojo, durante o qual abriu 70 pequenos furos, num total de 250 metros”.

Com base nas suas investigações esse engenheiro, J.L. Mac Leod, aventou a teoria segundo a qual o “petróleo estaria muito mais à superfície” do que aquilo que sondagens anteriores revelavam. Baseado nessa teoria iniciou, em Maio de 1947, uma nova campanha de sondagens na zona do Varatojo, “campanha” que decorreu até Novembro, efectuando-se nove sondagens, revelando todas elas vestígios de petróleo.

No final desse ano os direitos dessa prospecção passaram para a Companhia dos Petróleos de Portugal que tinha sido fundada em 25 de Junho desse ano e que continuou a realizar sondagens (12).

Na década de 50 do século XX, continuaram a fazer-se prospecções, uma delas, realizada em 1951 no Vale da Abadia, “com profundidade de 2 340 metros produziu óleo nos testes” e, outras duas realizadas em 1954, uma “com 147 metros produziu (…) 170 400 litros durante 8 meses” e outra, a 190 metros, “produziu 4 000 m3/dia de gaz” (13).

A fraca rentabilidade económica dessa exploração levou ao abandono definitivo dessas estações de prospecção no final da década de 1950.

Foi preciso esperar mais de 50 anos para, já neste século XXI, se voltarem a fazer prospecções e sondagens, para procurar petróleo e gás neste concelho, duas em 2005, outras em 2011 nas freguesias de S. Pedro da Cadeira e Ventosa e, entre 2011 e 2012, em vários locais do concelho, usando a técnica de “propecção sísmica”, sob responsabilidade de uma companhia canadiana (14).

Numa altura de crise energética, mas também de crescentes preocupações ambientais, este é um tema que volta a ganhar actualidade, até porque essas prospecções não revelaram apenas a existência de petróleo, mas também de gás.

Como diria um amigo nosso, com preocupações ambientais e na defesa do nosso património, “só cá nos faltava o petróleo”!!

(1)    os editores de MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho, Descrição Económica da Vila e Termo de Torres Vedras, (1ª edição em 1835, 2ª edição com notas dos editores, manuscrita, terminada em 1865, 3ª edição impressa em Dezembro de 2020 pela CMTV e ed. Colibri), nota 64 dos editores, pág. 117;

(2)    MACIEIRA; Fernando A. C. Gonçalves, Planificação Histórico- Cronológica das Pesquisas de Petróleo em Portugal, saparata do fasc. II do Vol. IV de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”, Porto 1948, págs.14-15;

(3)    MACIEIRA, ob. cit, pág.17;

(4)    MACIEIRA, ob. cit., pág.18;

(5)    MACIEIRA, ob. cit., pág.19;

(6)    MACIEIRA, ob. cit., pág.19;

(7)    MACEIRA, ob.cit., pág.19;

(8)    MACIEIRA, ob. cit., pág.25;

(9)    MACIEIRA, ob. cit. Pág.26; 

(10)  MACIEIRA, ob. cit., pp. 64 a 66;

(11) MACIEIRA, ob. cit. pp. 66 a 70;

(12) MACIEIRA, ob. cit. pp.70 a 74;

(13)PIRES; Pedro Miguel Paiva Trancha Correia, Estudo do Potencial Petrolífero de uma região no Onshore da Bacia Lusitânica : Sub-bacia Arruda, Vale da Abadia, Anticlinal de Montejunto, dissertação de Mestrado em Engenharia de Petróleos, Outubro de 2012, Instituto Superior Técnico, pág.5;

(14)PIRES, ob. cit.

ANEXO FOTOGRÁFICO (Fonte: MACIEIRA, ob. Cit.):













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