Data de 1862 a primeira referência à existência de “óleo-petróleo” no território torriense, “junto aos banhos dos Cucos e dos Coxos e no sítio dos Amiais” que “merecia ser explorado”. (1).
É preciso esperar pelo final do
século XIX para surgirem os primeiros registos da descoberta de locais no
concelho, com potencial na exploração de petróleo.
Foi em 1878 que um tal João José
de Corpas registou a descoberta de uma mina de “calcário betuminoso” na Serra
do Cabaço, na então freguesia de Matacães, cuja exploração foi concedida, por
alvará do Diário do Governo de 23 de Novembro de 1880 à sociedade António Pinto
& Companhia, constituída pelo descobridos e por João António Pinto, Joaquim
Wagner Russel e Joaquim Maria de Oliveira Vale. Da exploração dessa “mina”
pouco mais se sabe, a não ser que naquela serra, como ainda é visível
actualmente, “se explorou durante alguns anos em pedreira a céu aberto”
calcário e de onde se extraiu “matéria betuminosa que era depois utilizada e
aplicada como asfalto”.
A mina da Serra do Cabaço foi
declarada abandonada em Diário do Governo de 23 de Maio de 1898 e “em campo
livre dois anos mais tarde” em Diário do Governo de 10 de Abril de 1900.
No relatório de reconhecimento
dessa mina, feito no ano da sua descoberta, em 30 de Dezembro de 1878, da
autoria do engenheiro Francisco Ferreira Roquette, chamava-se também a atenção
para a “presença de numerosas e extensas galerias antigas praticadas nas rochas
impregnadas de betume no sítio denominado da Cova da Moura” (2).
Por ocasião da abertura do túnel
do Cabeço do Cabrito, em 1885, durante a construção do caminho-de-ferro, tanto
nesse túnel com nas escavações efectuadas
junto do mesmo foram encontradas “fendas e geodes cheios de
hidrocarboneto líquido, de que os operários se utilizavam como petróleo” (3).
Uma nova mina de “calcário
Betuminoso” em Torres Vedras foi registada em 1900 com a designação de “Vale
Escuro”, abrangendo uma área que “se sobrepunha, em grande parte, à da Serra do
Cabaço” e integrada na freguesia de Santa Maria do Castelo.
Foi declarado “descobridor legal”
um tal Rafael da Cruz Lezameta, tendo concedido os direitos de exploração dessa
mina a uma companhia inglesa a “The Portuguese Petroleum Syndicate, Ltd.”,por
alvará publicado em Diário do Governo de 28 de Abril de 1906.
A relação com aquela companhia
inglesa teve origem no facto do tal Lezameta, que estava em tratamento nas Termas
dos Cucos, ter conhecido um inglês, Coll Taylor que, conhecendo aquela
descoberta “emitiu opinião de se tratar dum indício de petróleo em
profundidade, pelo que fizeram em comum um manifesto de descoberta de petróleo”
(4).
Segundo o autor que temos estado
a citar, Fernando Macieira, “Lezameta e Coll Taylor se podem considerar os
pioneiros do petróleo em Torres Vedras, e que o ano de 1901 em que, segundo
Paul Choffat, se desenrolaram estes acontecimentos, é um marco na história do
petróleo em Portugal” (5).
Em 1902 Lazameta pediu a Paul
Choffat um relatório “sobre as condições geológicas de Torres Vedras, a fim de
ser submetido a especialistas de pesquisa de petróleo” (6).
A notícia espalhou-se e “Torres
Vedras atraiu a atenção dos pesquisadores. Local onde aparecesse presumível
indício de petróleo logo era registado, e assim o País foi coberto de registos
mineiros”, principalmente nos distritos de Lisboa e Leiria, estando registados
em 1907, nestes distritos, 215 registos mineiros (7).
Contudo, não há notícias de se
terem efectuado trabalhos e exploração no “Vale Escuro”, apenas a realização de
duas sondagens, em 1905, as duas primeiras de pesquisa de petróleo na região,
dirigidas pela concessionária inglesa, uma a nordeste do casal do Repelão,
outra, depois de abandonarem aquela, a
sul da Quinta das Conquinhas.
A sondagem a nordeste do Repelão,
dirigida pelo inglês William Calder, foi
“a primeira sondagem profunda para pesquisa de petróleo em Portugal”, tendo
parado “ a uma profundidade vizinha dos 200 metros”, devido a uma avaria no
“trépano”, mas tendo encontrado vestígios petróleo e de gás.
Abandonada aquela, iniciou-se
nova sondagem, desta vez a sul da Quinta das Conquinhas e do actual Asilo de S.
José, chegando à profundidade de 480 metros, sendo interrompida por novo
acidente, “encravamento do trépano, hastes e tubagem”. Perante este fracasso, a
companhia inglesa passou os seus direitos para a Sociedade Portuguesa de
Terrenos Petrolíferos, a qual, “após ter resolvido o acidente, prosseguiu a
perfuração até aos 518 metros, profundidade a que a sondagem parou
definitivamente, em Dezembro de 1912, devido a novo acidente” (8).
Entretanto. aquela Sociedade, por
fusão com outra, deu origem à Companhia Petrolífera Portuguesa, formada em
1908, que foi a responsável, a partir dessa data, pelas referidas prospecções e
por novas perfurações, uma, realizada entre 1908 e 1910 até uma profundidade de
721 metros, perto da Quinta das Fontainhas e dos Cucos, e outra no Vale do
Cabrito, junto à Quinta da Certã, realizada entre 1911 e 1912, até uma
profundidade de 363 metros, interrompida devido a um acidente e por falta de
capitais.
“Os resultados obtidos com estas
sondagens não foram além da obtenção de indícios da existência de petróleo em
profundidade, testemunhado pelo aparecimento de betuminosos na água de injecção
da sondagem, acompanhados, por vezes, de emanações de gás” (9).
Foi necessário esperar pelo final
da década de 1930 para se voltarem a realizar sondagens no concelho de Torres
Vedras.
Por portaria de 7 de Abril de
1937 foi aberto concurso “para prospecção, pesquisa e concessão de hidrocarbonetos
e substâncias betuminosas na área cativa” onde se incluíam as área de Torres
Vedras, concurso esse ganho pelas companhias “Henry Joshua Pierce e Claude Hope
Morley” e “Anglo-Ecuadorian Oilfields,
Lda.”, incumbindo os concessionários, à firma inglesa “A. Beeby Thompson &
Partners” a realização de estudos geológicos no país, cujo resultado foi
publicado em 1938, colocando em relevo, entre outras áreas do país a serem
pesquisadas, “por entenderem que oferecem condições mais favoráveis à
existência de petróleo”, o “Vale de Abadia”, em Torres Vedras (10).
Neste “Vale de Abadia”, a sul do
actual Hospital de Torres, a oeste da estrada para Lisboa, na encosta do actual
Bairro Vila Morena, realizaram-se duas sondagens.
A primeira sondagem teve início
em 18 de Dezembro de 1939, parando a pouco mais de mil e cem metros, em 14 de
Setembro, devido à “fraca potência da sonda”, mas, apesar “de não ter sido
atingida a profundidade projectada, os resultados obtidos (…) foram bastante
interessantes”, tendo encontrado “indicações de petróleo desde cerca de 96
metros” e de forma mais acentuada na profundidade entre os 581 e 630 metros.
Tendo interrompido aquela
sondagem, e enquanto aguardava por material mais resistente para a prosseguir,
foi efectuada uma segunda sondagem, a uns 400 metros a nordeste da primeira,
que se iniciou em 23 de Janeiro de 1941, mas que teve de ser interrompida em 15
de Fevereiro dessa ano, quando já estava à profundidade de 160 metros, devido
aos efeitos do ciclone que teve lugar nesta data, tempestade que danificou as
torres de ambas as sondagens, bem como “a máquina de sonda e outro material” (11).
Devido a esse facto e a outros
problemas, aquela prospecção foi interrompida por mais de 6 anos, até a
Repartição de Minas receber um requerimento, datado de 8 de Fevereiro de 1946,
da Anglo-Portuguese Oil Company, Ltd.”solicitando autorização para efectuar
trabalhos de prospecção geofísica na área da concessão”, autorização concedida
de imediato, mas a título precário.
Os trabalhos de prospecção foram
entregues por aquela companhia a uma empresa sueca especializada, tendo
escolhido como primeira região escolhida para investigação, usando o método
sísmico, o Vale da Abadia em Torres Vedras, começando os trabalhos em 26 de
Março de 1946, os quais duraram até 19 de Julho desse ano.
Nesse período a companhia
contratou um engenheiro inglês para iniciar a perfuração daquele local,
aproveitando, depois de o reparar, o material que aí se encontrava, que tinha
sido danificado pelo ciclone de 1941, trabalho iniciado em Julho de 1946, mas,
não obtendo resultados, estes foram interrompidos em Outubro.
Esse mesmo engenheiro procedeu
também “ a um reconhecimento geológico
em Torres Vedras, compreendendo as regiões de Runa, Matacães,
Ordasqueira, Benfica, Gibraltar e Varatojo, durante o qual abriu 70 pequenos
furos, num total de 250 metros”.
Com base nas suas investigações
esse engenheiro, J.L. Mac Leod, aventou a teoria segundo a qual o “petróleo
estaria muito mais à superfície” do que aquilo que sondagens anteriores
revelavam. Baseado nessa teoria iniciou, em Maio de 1947, uma nova campanha de
sondagens na zona do Varatojo, “campanha” que decorreu até Novembro,
efectuando-se nove sondagens, revelando todas elas vestígios de petróleo.
No final desse ano os direitos
dessa prospecção passaram para a Companhia dos Petróleos de Portugal que tinha
sido fundada em 25 de Junho desse ano e que continuou a realizar sondagens (12).
Na década de 50 do século XX,
continuaram a fazer-se prospecções, uma delas, realizada em 1951 no Vale da
Abadia, “com profundidade de 2 340 metros produziu óleo nos testes” e,
outras duas realizadas em 1954, uma “com 147 metros produziu (…) 170 400
litros durante 8 meses” e outra, a 190 metros, “produziu 4 000 m3/dia de
gaz” (13).
A fraca rentabilidade económica
dessa exploração levou ao abandono definitivo dessas estações de prospecção no
final da década de 1950.
Foi preciso esperar mais de 50
anos para, já neste século XXI, se voltarem a fazer prospecções e sondagens, para
procurar petróleo e gás neste concelho, duas em 2005, outras em 2011 nas
freguesias de S. Pedro da Cadeira e Ventosa e, entre 2011 e 2012, em vários
locais do concelho, usando a técnica de “propecção sísmica”, sob
responsabilidade de uma companhia canadiana (14).
Numa altura de crise energética,
mas também de crescentes preocupações ambientais, este é um tema que volta a
ganhar actualidade, até porque essas prospecções não revelaram apenas a
existência de petróleo, mas também de gás.
Como diria um amigo nosso, com
preocupações ambientais e na defesa do nosso património, “só cá nos faltava o
petróleo”!!
(1) os editores de MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho, Descrição Económica da Vila e Termo de Torres Vedras, (1ª edição em 1835, 2ª edição com notas dos editores, manuscrita, terminada em 1865, 3ª edição impressa em Dezembro de 2020 pela CMTV e ed. Colibri), nota 64 dos editores, pág. 117;
(2) MACIEIRA; Fernando A. C. Gonçalves, Planificação Histórico- Cronológica das Pesquisas de Petróleo em Portugal, saparata do fasc. II do Vol. IV de “Estudos, Notas e Trabalhos do Serviço de Fomento Mineiro”, Porto 1948, págs.14-15;
(3) MACIEIRA, ob. cit, pág.17;
(4) MACIEIRA, ob. cit., pág.18;
(5) MACIEIRA, ob. cit., pág.19;
(6) MACIEIRA, ob. cit., pág.19;
(7) MACEIRA, ob.cit., pág.19;
(8) MACIEIRA, ob. cit., pág.25;
(9) MACIEIRA, ob. cit. Pág.26;
(10) MACIEIRA, ob. cit., pp. 64 a 66;
(11) MACIEIRA, ob. cit. pp. 66 a 70;
(12) MACIEIRA, ob. cit. pp.70 a 74;
(13)PIRES; Pedro Miguel Paiva Trancha Correia, Estudo do Potencial Petrolífero de uma região no Onshore da Bacia Lusitânica : Sub-bacia Arruda, Vale da Abadia, Anticlinal de Montejunto, dissertação de Mestrado em Engenharia de Petróleos, Outubro de 2012, Instituto Superior Técnico, pág.5;
(14)PIRES, ob. cit.
ANEXO FOTOGRÁFICO (Fonte: MACIEIRA, ob. Cit.):
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