À volta dos “largos” têm lugar festas, procissões, encontros, mercados, feiras, movimentos sociais e neles concentram-se os lugares nobres e as principais instituições da vida urbana.
Muitas vezes são os “largos”, “praças” ou “adros” que definem a malha
urbana e a direcção das ruas de uma vila ou cidade.
No caso torriense, a primeira referência à malha urbana surge nos
finais do século XIV, pela pena de Fernão Lopes, descrevendo Torres Vedras como
um lugar que “he hua fortalleza aseemtada em çima dhua fremosa mota, a quall
natureza criou em tam hordenada igualdade, como sse a maão fosse feita
artefiçialmente (…). A villa tem sua çerca arredor do monte, e na mayor alteza
delle esta o castello; e emtre a villa e o castello moravam tam poucos (…) e
toda sua poboraçom era em huu gramde arravalde de muitas e boas casas, em bem
hordenadas rruas ao pee do monte” (1). Contudo, essa descrição, demasiado
genérica, não faz referência à possível existência de “praças” ou “largos”
A partir do século XV, já existem vários estudos que documentam a
realidade urbana de Torres Vedras, nomeadamente o da autoria de Ana Maria
Rodrigues (2).
Nesse estudo são referidos vários adros, praças e largos na malha
urbana de Torres Vedras: o “adro de Santa Maria”, em frente à entrada principal
do Castelo, o “terreirinho”, no cruzamento da antiga rua da judiaria com a “rua do cano real” ( a parte norte do
actual “estacionamento de S.Tiago”), o “adro de Santiago”, em frente à Igreja
do mesmo nome, o “Outeirinho”, no actual “largo da Havaneza”, junto à porta de
Santana, o adro de S. Pedro, frente à igreja do mesmo nome e o largo da “praça
de víveres”, actual praça do município.
Com as característica de “largo” também se podem referir o espaço
frente ao Chafariz dos Canos e, fora das “muralhas”, o campo da feira perto da
ermida de Nossa Senhora do Amial ou de Nª Srª de Rocamador.
Esses “largos” situavam-se junto das Igrejas paroquiais, das ermidas,
das fontes e das “portas” da vila.
Escreve Ana Maria Rodrigues sobre o centro urbano de Torres Vedras que,
situadas “na confluência de várias ruas, as praças constituíam, na densa malha
urbana, espaços abertos, ainda que geralmente não muito amplos, cuja função se
consubstanciava em dois tipos principais, por vezes unidos no mesmo lugar: a
praça da igreja e a do mercado” (3)
Do primeiro tipo, a autora inclui os “adros das três matrizes
intra-muros”, a saber, os de Stª Maria, S. Pedro e S. Tiago, embora refira que
apenas encontrou testemunhos coevos sobre o de S. Pedro, demonstrando a
importância comercial do largo em frente desta Igreja, com referências à
existência no local de tendas de ferreiro e oleiro, de um forno e de um
sapateiro.
A autora encontrou também documentação sobre outra “praça”, na
“Corredoira”, junto ao Chafariz dos Canos.
Quanto ao segundo tipo, refere a Praça dos víveres ou do Município,
local de realização do “mercado diário”, onde existiam o Paço do Concelho e o
Pelourinho, a zona “mais animada e concorrida da vila” (4).
Com rara referência documental anterior ao século XIX, há que recordar outros
dois Largos ou Praças muito antigos, o Largo dos Pelomes, ou dos “ferradores”,
a norte da vila, e o Largo do Rosário, nas traseiras da Igreja de S. Pedro,
onde existiu a praça do peixe.
Existe também referência ao Largo do Espírito Santo, a norte do
“Outeirinho”, no adro da Igreja da Misericórdia.
Já no início do século XIX, num dos documentos mais completos
existentes no Arquivo Municipal sobre a toponímia da vila, o Livro de Registo
do Pagamento de Sizas do ano de 1821, são referidas, como praças ou largos
existentes na zona urbana, o Largo da Graça, o Largo de Sant Ana, o Largo do
Rosário e o Largo de São Pedro. As novidades , neste caso, são a referência ao
Largo da Graça e, mais a norte, ao Largo de Santa Ana, na zona do antigo
“outeirinho”, e a “primeira” (?) referência ao “Largo do Rosário”.
Para a segunda metade do século XIX é possível confirmar, não só a
existência daqueles largos, praças e adros, como alargar a referência aos que
existiam na vila, com base num documento manuscrito, existe no Arquivo
Municipal, da autoria de Gama Leal, datado de 1864, e que serviu de base para
delimitar administrativamente o concelho.
Neste documento registava-se, na área urbana da freguesia de S. Pedro,
os Largos de Santana, da Graça, de S. Pedro, do Rosário, da Praça e dos Canos,
na da freguesia de Santiago, o Largo de Santiago e a Praça de Stª Maria, na da
freguesia de Stª Maria, o Largo do Serieiro, e na da Freguesia de S. Miguel, o
Largo de S. Miguel.
Ainda no final do século XIX, com a inauguração do caminho-de-ferro,
surgiu o chamado Largo da estação, de onde partiu “nova” avenida Casal Ribeiro,
actual 5 de Outubro.
A agitada vida política do século XX reflectiu-se na alteração da
toponímia de alguns daqueles largos e praças.
Durante a primeira República, o Largo de Santana, que tinha mudado a
designação para Largo D. Carlos I no final do século XIX, foi baptizado como
Largo da República; o Largo de Santiago
foi rebaptizado como Praça Machado dos Santos, embora continuasse popularizada
como “praça da batata” e outro Largo próximo, mas em frente à fachada da Igreja
de Santiago, foi baptizado como Largo Dr. Justino Xavier da Silva Freira. O
popularmente conhecido Largo de Santo António, foi baptizado como Largo Estevam
Feyo.
Durante o Estado Novo o Largo da República foi “dividido”, mantendo o
“largo da Havaneza”, o antigo Outeirinho, a designação e passando o lado sul,
antigo Largo de Santana, a designar-se por Praça do Império, incluindo o jardim
da antiga cerca do Convento da Graça.
Também terá sido nessa época que o Largo do Rosário foi rebaptizado com
Largo Wellington.
Com o 25 de Abril a Praça do Império passou a designar-se Praça 25 de
Abril.
Com o acentuado crescimento urbano, a partir da 2º metade do século XX
as antigas praças e largos perderam
muito da sua centralidade para as novas
pracetas, sendo a mais antiga de
todas a Praceta Dr. Afonso Vilela, inaugurada na década de 60 do século XX.
Actualmente, no centro histórico, ainda se mantêm muitos dos largos
referenciados desde a Idade Média, embora, na maior parte dos casos, com
topónimos e dimensões diferentes, alterados pelo crescimento urbano e pelas
várias alterações registadas ao longo do tempo.
O largo de S. Pedro é o único que mantem o nome original e foi, até
meados do século XX, o “centro cívico” da “vila”. Nas traseiras da Igreja de
S.Pedro existe o Largo Wellington, antigo Largo do Rosário. No extremo norte
dos antigos limites da “vila”, junto das medievais “ferrarias”, fica o Largo
dos Pelomes, ocupando uma área muito atrofiada e incaracterística . O “adro de
Santa Maria”, frente à entrada do Castelo, é o actual Largo Coronel Morais
Sarmento. O antigo Largo de Santiago está hoje dividido em dois Largos, a
“Praça Machado dos Santos”, a sul, e o Largo Dr. Justino Freire, a poente.
Também no antigo “Outeirinho”, que marcava o limite urbano a sul da vila,
existem hoje dois largos, a “praça da República”, também popularemente
designado por “Largo da Havaneza” e, na sua continuidade, para sul, ocupando a
zona da antiga cerca do Convento, a “praça 25 de Abril”, popularmente designada
por “Largo da Graça”, local hoje considerado por muitos como o “centro” da
cidade. Por sua vez, a medieval “praça de víveres” tem hoje a designação de
Praça do Município. O Largo que já existira junto ao centenário Chafariz do
Canos tem hoje a designação de “Largo Infante D. Henrique”. Ainda nos limites
do antigo centro histórico surgiu recentemente a Praça Dr. Alberto Avelino,
muito próxima do antigo Largo de S. Miguel. O Largo de Stª António mantem a sua
designação popular.
Não se pretendeu fazer neste texto a História das praças e largos torrienses, pretendendo-se apenas alertar para a importância em dinamizar e recuperar esses espaços, muitos deles em risco de desertificação humana.
Se as “ruas” são as “veias” dum centro urbano, os seus largos são os “corações” que medem a vivência palpitantes dos seus habitantes.
(1) LOPES, Fernão, Cronica del Rei Dom Joham I de Boa Memoria (…), ed de Anselmo Braamcamp Freire, Lisboa, 1973, p. 318;
(2) RODRIGUES; Ana Maria, Torres Vedras – a vila e o termo nos finais da Idade Média, ed. Fundação Calouste Gulbenkian e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995;
(3) RODRIGUES, ob. cit, pp.146-147;
(4) RODRIGUES, ob.cit. pp. 147-148;
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