quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Primórdios dos movimentos sociais, de base “operária”, em Torres Vedras


Neste breve ensaio pretende-se fazer um breve balanço de alguns movimentos sociais, de cariz “operário” e sindical, registados em Torres Vedras no século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

Claro que, para falar em “movimento operário”, é preciso que existam “operários”, isto é, assalariados ligados à actividade industrial.

Acontece que, no concelho, de acordo com vários dados conhecidos (inquéritos indústrias, recenseamentos de população com dados sociais, quer oficias, quer registados em monografias várias, como na parte económica da “Madeira Torres”), a percentagem de população registada como profissional do sector secundário, entre 1817 e 1930, ronda os 10%, ou menos, do total de activos (8,2% em 1817, 9,3% em 1862, 11,9% em 1890, 11% em 1911 e 8,2% em 1930).

Não se conhecendo dados entre 1930 e 1960, só neste último recenseamento a percentagem era ligeiramente superior, 16%, ultrapassando finalmente os 20% em 1970 (23%) e chegando ao seu máximo do século XX em 1981 ( 36,5%), entrando depois em declínio.

Registe-se, contudo, que, pelo menos até 1930, a esmagadora maioria dos profissionais registados no sector secundário deste concelho eram meros artesãos, trabalhando em “micro-empresas” de base familiar, longe das características sociais do “operariado” contemporâneo, base do desenvolvimento dos movimentos sociais de tipo “socialista” e sindical que aqui pretendemos registar.

O Inquérito Industrial de 1881 regista apenas 4 empresas desse ramo no concelho, empregando um total de 16 assalariados (uma média de 4 por empresa). No inquérito camarário de 1913 registam-se 11 estabelecimentos indústrias, empregando 96 “operários”, sendo de registar que a única empresa ligada à indústria metalúrgica empreguava 12 pessoas e uma outra, classificada com da indústria de alimentos”, empregava um total de 14 trabalhadores. Estes números são pouco diferentes dos registados para o concelho no inquérito nacional de 1917, 15 estabelecimentos empregando um total de 99 assalariados, destacando-se, neste caso, a “indústria metalúrgica”, onde 2 empresas empregavam 25 trabalhadores. No inquérito industrial de 1930 esses números já são mais significativos, 68 empresas empregando 230 trabalhadores, 46 empregados nas 7 empresas ligadas à metalurgia e 97 às 41 empresas de fabrico alimentar, apesar de tudo uma média por empresa abaixo dos 10 trabalhadores.

Não serão assim de estranhar os raros registos de lutas sociais, de cariz sindical e operário, ocorridos durante o período abordado, entre a implantação do liberalismo e o início do Estado Novo.

Quase todas as revoltas e movimentações sociais registadas na primeira metade do século XIX, neste concelho, são de base camponesa, lideradas pelas elites locais de pequenos proprietários rurais, pela Igreja ou pela pequena burguesia urbana, revoltas dessas muitas vezes de cariz político (miguelismo, setembrismo, “patuleia”, …), ou contra os impostos (como a “janeirinha” de 1868).

Só nos finais do século XIX se registam as primeiras revoltas com reivindicações salariais e por melhoria de condições de trabalho, despoletadas pelos trabalhadores do caminho-de-ferro, como aconteceu no dia 5 de Maio de 1885 quando “à noite, marchando até à Quinta das Fontainhas”, os operários exigiram o pagamento dos salários em atraso, partindo os vidros dessa quinta onde vivia o engenheiro responsável pelas obras, Abel Marty. O jornal que descreveu essa revolta considerava que “os operários têm tido bastante razão de queixa à pontualidade do pagamento” (1).

Os conflitos sociais provocados por essa situação acabaram, aliás, de forma trágica, pouco menos de um ano depois, com o assassinato daquele engenheiro em 26 de Abril de 1886, na sequência de uma violenta discussão com um alguns operários que lhe exigiam o pagamento do salário em atraso, tema já por nós abordado em crónica anterior.

Data, aliás, desse mesmo ano de 1885 a fundação de uma colectividade de cariz operária, a “Associação de Socorros Mútuos 24 de Julho de 1884”,  fundada em 27 de Dezembro de 1885, tema também por nós tratado noutro estudo.

Não é de estranhar que surja por essa altura, num artigo do jornal “A Voz de Torres Vedras” de 6 de Julho de 1889, intitulado “As Classes”, a primeira referência local à obra e pensamento de Karl Marx, a propósito do qual o articulista se interrogava : “Quem não sente o arruído das classes escravizadas pelo salário, classes que em altos brados reclamam por toda a parte o seu quinhão no banquete social, apresentando-se para tomarem nas suas mãos o destino d’este mundo (…)?”.

Nos finais do século XIX, início do século XX o descontentamento popular e as reivindicações sociais vão ser absorvidos pelo crescente movimento republicano.

Neste concelho, o movimento operário só volta a ter alguma iniciativa autónoma nos anos da Primeira Guerra, devido às dificuldades económicas que atingem principalmente os assalariados, a chamada “questão das subsistência” ( tema que abordámos noutro estudo).

A primeira greve local registada aconteceu nesse ano de  1917, no dia 27 de Fevereiro, uma greve dos operários tanoeiros da viúva de António da Silva.

Ao crescente despertar do incipiente movimento operário local não terá sido estranho à criação do “Núcleo de Propaganda Socialista de Torres Vedras”, criado em Abril de 1917, inaugurando a sede, na Rua Mouzinho de Albuquerque nº 32, em Setembro desse mesmo ano, com a execução do “hino operário A Internacional” (2).

Na sequência dessa iniciativa, o núcleo local do Partido Socialista, liderado localmente pelo marceneiro António Vicente Santos Júnior, concorreu, pela primeira vez,  às eleições autárquicas em Maio de 1919, obtendo 45 votos.

Por outro lado, está por conhecer a influência local e  a sua implantação, nos anos da República, do movimento sindical anarcossindicalista, enquanto a influência local do PCP, fundado em 1921, só comece a ter algum impacto junto dos trabalhadores deste concelho a partir dos finais da década de 1930, situação também já abordado anteriormente.

Sabe-se, contudo, que, quando da publicação da legislação corporativa de 1933, que acabou com a independência do movimento sindical, existiam em Torres Vedras representações da Associação de classe dos caixeiros, do Sindicato único dos operários da Industria e construção civil e do Sindicato único dos metalúrgicos (3).

Ficam assim registadas algumas pistas para quem queira investigar as origens do movimento social de cariz operário e sindical neste concelho.

(1)    – in “Jornal de Torres Vedras” de 7 de Maio de 1885;

(2)    - leiam-se as edições de 5 de Abril e 19 de Julho de 1917 de “A Vinha de Torres Vedras”;

(3)    – leia-se RAMOS, Hélder Ribeiro, A Consolidação do Estado Novo em Torres Vedras – Poder e oposição – 1926/1949, T. Vedras, ed. Colibri/CMTV, 2019.

 

 

 

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