segunda-feira, 24 de abril de 2023

Vitor Alves, um “capitão” de Abril em Torres Vedras


Ainda está por fazer um levantamento dos militares nascidos ou criados em Torres Vedras que participaram no “25 de Abril”.

Um há, contudo, que foi decisivo, não só para a concretização desse golpe militar, que pôs fim a 48 anos de ditadura, como para o rumo democrático dessa revolução.

Chamou-se Vitor Manuel Rodrigues Alves, nascido em Mafra em 30 de Setembro de 1935, mas que viveu parte da sua infância e juventude em Torres Vedras.

O major Vitor Alves foi uma das figuras cruciais para o êxito do “25 de Abril”, mas, muitas vezes, o seu papel nesse acontecimento e na evolução dessa revolução não tem sido devidamente valorizado, em grande parte devido à sua personalidade discreta e sóbria.

Contudo, como se revela na excelente biografia que Carlos Ademar lhe dedicou (1), a sua acção foi crucial, quer para o êxito do golpe de estado que pôs fim ao regime salazarista, quer para o rumo democrático e liberal do regime saído do “25 de Abril”.

Formado na Escola do Exército, participou na Guerra Colonial, onde combateu durante mais de uma década nos mais difíceis cenários de guerra, apercebendo-se da incapacidade do regime para encontrar uma saída política para esse conflito, o que o levou a ser um dos pioneiros na formação do que veio a ser o MFA e um dos principais responsáveis pela elaboração do programa político desse movimento.

Depois do movimento vitorioso, integrou cargos em várias estruturas, como o Conselho de Estado, o Conselho dos Vinte e, mais tarde, o Conselho da Revolução, foi ministro sem pasta,exercendo também várias funções diplomáticas. Foi um dos fundadores do Grupo dos Nove, sendo um dos “vencedores “ do 25 de Novembro e ministro da educação no IV Governo Provisório, liderado por Pinheiro de Azevedo. Foi mais tarde conselheiro presidencial de Ramalho Eanes, candidato pelo PRD nas eleições de 1985, 1986 e 1989, e fundador da Associação 25 de Abril, entre muitas outras actividades cívicas em prol da defesa da comunidade portuguesa no mundo, de um bom relacionamento com as antigas colónias e em defesa dos Direitos Humanos.

Toda esta acção está bem documentada na referida biografia, uma obra que é também um fiel retrato da vida política e social de Portugal entre o final da década de 1960 e da década de 1980, durante as quais Vitor Alves foi uma figura decisiva

Neste artigo não pretendemos fazer uma história dessa importante personalidade, mas referir as suas ligações a Torres Vedras.

Nascido em Mafra, a sua família, depois se uma curta passagem por Vila Franca de Xira, mudou-se para Torres Vedras na década de 1940, vivendo na Rua Conde Tarouca, nº 28, 1º andar. “Era num prédio de três pisos. A família Alves residia no 1º andar e a senhoria no 2º. Teresa, a mulher de Vítor Alves durante 50 anos (…) refere-se-lhe como a “casa do risco ao meio”, por ter um corredor longo e muitas divisões de um e outro lado”. Nessa casa existia uma grande biblioteca, propriedade do avô paterno Alexandre, figura tutelar de Vitor Alves, com quem conviveu de perto durante os 4 ou 5 anos que este viveu na casa paterna em Torres Vedras. “O seu ingresso na Escola do Exército, em 1954, ocorreu dois ou três anos após a morte dessa figura tutelar” (2).

O pai de Vitor Alves, Eduardo, era escriturário da Junta Nacional dos Vinhos, falecendo em 1968. A mãe, Maria Palmira, “foi o grande motor da família”, exercendo “funções de telefonista nos CTT e passou posteriormente para o apoio à secretaria”.

Os pais de Vitor Alves tiveram 11 filhos, dos quais cinco morreram à nascença. Os dois mais novos, dos 6 sobreviventes, José Manuel e Carlos António, foram os únicos a nascer em Torres Vedras. Após a morte do pai, a mãe e os irmãos mudaram-se para Oeiras.

Vitor Alves conclui os estudos primários e secundários em Torres Vedras (3), recordando, numa entrevista concedida a Manuela Cruzeiro em 2004, a sua passagem pelo Liceu de Torres Vedra e a memória com que ficou de alguns professores: “O professor Mesquita, de Português, era extraordinário, bem como o de Matemática. Ambos eram de esquerda”. Referia-se ao professor José Carvalho Mesquita, que conheceu a prisão e foi saneado. O “professor de matemática” era o Dr. Albarran Grilo. Na mesma entrevista o “capitão de Abril” recordou igualmente com simpatia o professor de ginástica Carlos Dieguez. Já em relação ao director do liceu, o Dr. João Carlos Cunha, a sua opinião não era tão simpática. Para além da sua ligação à Legião Portuguesa, Alves desconfiava que ele era informador da PIDE, opinião que não é verdadeira (4).

A causa da desconfiança de Vitor Alves em relação ao Dr. Cunha prende-se com o facto de ter conhecimento, depois do 25 de Abril, da existência, nos arquivos da PIDE, de uma denuncia anónima contra si e um amigo do liceu, João Antunes, descrevendo as conversas entre ambos. “João Antunes tinha três ou quatro anos a mais do que Vitor Alves e ambos eram colegas do liceu. Morava na mesma rua, quase em frente da casa do Dr. Cunha. Os dois ficavam a conversar até altas horas da noite, à porta de um e do outro, o que não passaria despercebido ao director” (5), nascendo desta situação a infundada desconfiança em relação ao Dr. Cunha.

Como vimos, Vitor Alves deixou Torres Vedras em 1954, para ingressar na Escola do Exército, e a sua família deixou esta localidade em 1968, após a morte do pai.

Vitor Alves faleceu no dia 9 de Janeiro de 2011.

Em vésperas do cinquentenário do 25 de Abril, seria interessante, no mínimo, colocar uma placa evocativa da sua passagem por Torres Vedras na casa onde viveu.

(1)    – ADEMAR, Carlos, Vitor Alves – o Homem, o Militar, O Político, ed. Parsifal, 2015 (com o apoio, entre outros, da Câmara Municipal de Torres Vedras;

(2)    – ADEMAR, pág.40;

(3)    – ADEMAR, pág. 41;

(4)    - o autor desta rubrica teve oportunidade de consultar os arquivos da PIDE, onde, pelo contrário, o Dr. Cunha era alvo das desconfianças da policia politica e dos seus informadores torrienses, apesar de ser um apoiante do regime. Também sei, de boa fonte, que o mesmo Dr. Cunha, amigo de alguns oposicionistas, lhes indicou quem eram os informadores da PIDE em Torres Vedras, para eles se poderem defender melhor da perseguição dessa polícia;

(5)    – ADEMAR, pág.44

 

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