Foi durante a época romana que se começou a desenhar o actual traçado viário da região torriense, principalmente a partir do tempo de Trajano (98 a 117).
Na região de Torres Vedras, as vias romanas que a
atravessaram teriam aproveitado caminhos pré-romanos:
“A faixa atlântica ocupada pelos Túrdulos, entre o Tejo e o
Douro, contava, pelos finais da Idade do Ferro, com caminhos que se estendiam
ao longo do litoral (…) unindo as grandes povoações da região; outros caminhos,
vindos de alguns pontos privilegiados de uma costa difícil seguiam,
frequentemente utilizando os vales dos cursos de água que correm para o
litoral, em direcção às terras do interior. As estradas romanas incorporaram
nos seus traçados mais ou menos rectificados, troços importantes dos caminhos
existentes anteriormente”(1).
A estrada que ligava Olisipo (Lisboa) a Bracara Augusta
(Braga), era uma das mais importantes do país. A primeira paragem importante,
dos que faziam este percurso partindo de Lisboa, tinha lugar em Ierabriga, em
Paredes, perto da actual Alenquer. Daqui seguia uma via secundária em direcção
à zona de Torres Vedras.
“Torres Vedras (...) estaria ligada a Ierabriga (...) por
estrada de que também não há vestígios reconhecidos. (…) Talvez nas vizinhanças
de Torres Vedras se deva supor um vicus, dele poderiam partir duas estradas:
uma para sul, na direcção de Sintra; outra para norte, no sentido de
Eburobrittium” (2).
Gil Mantas identifica ainda uma terceira via, que
continuaria a ligação de Eburobrittium com Olisipo que, passando por Torres
Vedras e pelo Penedo, bifurcava em Dois Portos da via para Ierabriga, correspondendo,
em termos gerais, ao traçado da actual EN 248, seguindo em direcção ao sul,
pela Feliteira, Casal da Estrada e em direcção ao Milharado, seguindo o traçado
da actual EN 374, para o vale de S. Gião, subindo depois, passando a poente do
Cabeço de Montachique até S. Julião do Tojal, ligando-se então à via Olisipo –
Scallabis.
Alíás, o topónimo Dois Portos parece derivar o facto de aí
se dar a bifurcação dessas duas vias.
Da estrada Torres Vedras – Ierabriga “saía um deverticulum (…)
que da Carnota seguia em direcção à ribeira de Alenquer, flectindo depois para
poente, por Merceana, para a Carvoeira, atingindo as proximidades de Torres
Vedras junto á Quinta da Macheia, através de uma zona onde não faltam
testemunhos da presença romana” (3).
Desta, junto a Matacães, seguia outra via em direcção ao
Maxial, a qual se ligava por um ramal ao Ramalhal. Seguia pela margem esquerda
do Alcabrichel, em direcção nordeste, paralela à vertente de Montejunto, por
Aldeia Grande e Vilar, seguindo aproximadamente o actual percurso da EN 115-2.
Quanto à estrada ligando Torres Vedras a Sintra, seguia a
margem direita do Sizandro, passando junto a S. Gião de Entre Vinhas, em
direcção à Coutada, atravessava o rio junto a S. Pedro da Cadeira, dirigindo-se
para sul, pelo Casal da Estrada, passando a poente de Mafra.
“Seriam maioritariamente estradas de terra com um ou outro
revestimento de pedra em pontos críticos do percurso, hoje muito difíceis de
identificar no terreno” (4).
Até ao século XVIII aquelas vias, em melhor ou pior estado,
continuaram a ser as mais usadas na região,
Em finais do século XVIII iniciou-se a renovação das vias
tradicionais.
Quando o conde de Hoffmansegg visitou esta região em 1798
(5) escolheu a estrada que, partindo de Lisboa pelo Campo Pequeno, chegava a
Torres Vedras passando pelo Campo Grande, Loures, Montachique, Póvoa e Enxara
(dos Cavaleiros), queixando-se, contudo, do mau estado e da má pavimentação
dessa estrada, acrescentando estar seguro dela não ter sido reparada há mais de
um século. Contudo, ela era a principal via de ligação entre Torres Vedras e a
capital, numa distância de cerca de 7 léguas.
Uma outra via tradicionalmente utilizada para escoar o
comércio ou viajar para Lisboa, era a estrada de Torres Vedras a Alhandra, num
percurso de cerca de 5 léguas, atravessando Runa, Ribaldeira, Dois Portos,
Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos, seguindo-se, de Alhandra, por via
fluvial, pelo Tejo até Lisboa. Esta era uma via muito usada pelos agricultores
de Dois Portos e Carvoeira e a principal via comercial do concelho no século
XIX, antes da chegada do caminho de ferro.
Igualmente importante na época era a via que ligava Torres
Vedras a Peniche, numa distância de 4 léguas, por Via Facaia e Lourinhã, e pela
qual se escoavam os produtos da região por via marítima.
Para além daquelas três vias de comunicação, existiam outras
cinco ligações importantes: para Caldas, pelo Ramalhal e passando por Roliça e
Óbidos, num percurso de 6 léguas; para Mafra, a três léguas, pela Azueira e
Gradil; para Alenquer, pela Serra de S.Julião e Merceana, numa distância de 4
léguas; para a Ericeira, por Ponte do Rol e Lobagueira (actual Encarnação), com
3 léguas; e para o Cadaval, a 4 léguas, pelo Ramalhal, em direcção a
"Cabeça de Bombarral" e "Venda de Fernão Cunha" (6).
As estradas do concelho registaram algumas obras de
melhoramento por ocasião da construção das Linhas de defesa de Torres Vedras,
entre 1810 e 1812, "sol de pouca dura", pois a desactivação dessas
linhas defensivas levou a que a sua conservação voltasse a ser abandonada.
Em 1816 e 1817 o governo central, por provisões remetidas
pelo Desembargo do Paço ao corregedor da comarca e ao Juiz de Fora de Torres
Vedras, ordenou a realização de obras nas estradas locais "para que os
generos do interior possão mais commodamente concorrer ao mercado de
Lisboa"(7).
Tais ordens não terão obtido grande resultado, pois,
descrevendo a situação por volta de 1819, o padre Madeira Torres apontava como
primeiro obstáculo ao comércio externo deste concelho "o máo estado dos
caminhos, especialmente daquelles que se dirigem ao Riba-Tejo, e que apenas no
Verão permittem o transito dos carros com pipas" (8). Só na segunda metade
do século se iniciaram obras de vulto para melhorar as condições de circulação
nas estradas por onde se escoava o comércio local, bem como naquelas que ligavam
Torres Vedras aos centros rurais do concelho, como se comprova pela leitura dos
livros de acordãos da Câmara Municipal ao longo das décadas de 40, 50 e 60 do
século XIX.
Em 25 de Novembro de 1849 iniciaram-se obras na estrada real
de Torres Vedras para Alhandra, adoptando-se pela primeira vez na região o
sistema de MacAdam, obras que terminaram em 1859, permitindo a inauguração, no
ano seguinte, de uma carreira regular de carruagens para Alhandra, três vezes
por semana, no mesmo ano em que, igualmente, se inaugurou uma carreira regular
para Lisboa. Esta ultima, contudo, foi sempre mais difícil de conservar e menos
importante economicamente.
Só em 16 de Abri 1862 é que
o Marquês de Loulé ordenou ao intendente das obras públicas do distrito
de Lisboa que aprovasse a diretcriz da estrada ligando Loures a Torres Vedras,
passando por Lousa, Venda do Pinheiro, Turcifal e Serra da Vila, e que se
tornou a principal via de ligação a Lisboa.
Essas viagens tinham os seus riscos, pois as estradas
estavam infestadas de salteadores. Conta-se, com base no testemunho oral de
"um antigo serviçal da empresa "Capote", que fazia transportes
entre Torres Vedras e Lisboa, que os seus patrões tinham com a mais temida
quadrilha o acordo de os prover do necessário, quando o "negócio"
deles não rendia. Acontecendo sair ao caminho algum dos da quadrilha, e por
engano deitasse a mão às redeas da parelha ou animal de carga que fosse à
frente, se o seu condutor dizia: "isto é dos senhores Capotes", logo
seguiam em paz. Se o patrão vinha na traseira da caravana perguntava de lá:
"hoje é preciso alguma coisa?" - respondiam sim ou não, pois tinham
muitas vezes a hombridade de dizer: "não, hoje não precisamos" (9).
A grande revolução dos transportes no concelho teve lugar
com a decisão parlamentar de 1880 de
mandar construir uma ligação ferroviária entre Lisboa e Torres Vedras. A 1ª
locomotiva chega a Torres Vedras em 30 de Dezembro de 1886, mas as ligações
regulares para Lisboa só se iniciaram meses depois. O transporte regular de
mercadorias teve inicio em 9 de Maio de 1887 e o de passageiros em 25 de Maio
do mesmo ano.
A inauguração desse novo meio de transporte tornou-se o principal concorrente das vias terrestres tradicionais, contribuindo igualmente para construção de novas vias que ligaram vários pontos do concelho às principais estações ferroviárias.
A construção da autoestrada A8, cujo primeiro troço foi inaugurado em 1984 entre Olival Basto e Frielas, prolongada até à Malveira em 12 de Setembro de 1991, chegando a Torres Vedras em 24 de Agosto de 1997 e ligando-se a Leiria em 28 de Março de 2002, provocou a decadência da via ferroviária e reduziu importância económica das vias terrestres tradicionais.
(1) A partir de uma comunicação inédita de Vasco Gil Mantas em 1998, gravada durante o encontro de história local de T. Vedras, com base em apontamentos pessoais e MANTAS, Vasco Gil, “A População da Região de Torres Vedras na Época Romana”, Turres Veteras IV, ed.2000, pp.129-149;
(2) ALARCÃO, Jorge, O Domínio Romano em Portugal, Publicações Europa-América, 1988, p.97);
(3) MANTAS, 1998 e MANTAS, Vasco Gil ,“A rede viária romana do território português”, in História de Portugal – Dos Tempos Pré-Históricos aos Nossos Dias, dir. João Medina, 2º Vol, pp.213 a 230, Ediclube, 1993;
(4) MANTAS, 1998);
(5) Voyage en Potugal, par M. Le Comt. de Hoffmansegg; rédigé par..., Paris, 1805, p.232;
(6) CASTRO, P. José Bautista de, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, Tomo terceiro, Parte V, 3ª ed., Lisboa, 1870 (1ª ed. deste tomo e parte: Lx. 1763), p. 309;
(7) PINTO, António Joaquim de Gouveia, Resumo Chronologico de Vários Artigos de Legislação Pátria (...) , Lisboa 1818, p.145;
(8) TORRES, Manoel Agostinho Madeira, "Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras - Parte Economica", in Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo 11,Parte 2ª,1835, p.288;
(9) Uma digressão pelo nosso passado regional - 2 :- Festas e romarias, por J.C.", in Badaladas de 15 de Setembro de 1978.
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