terça-feira, 25 de julho de 2017

Há 190 anos: em 25 de Julho 1827 foi inaugurado o “Hospital Real dos Inválidos Militares de Runa”

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 Foi em 18 de Junho de 1792 que a princesa D. Maria Francisca Benedita, filha de D. José, irmã da rainha D. Maria I, viúva do principe D. José, seu sobrinho, mandou iniciar construção do “Hospital Real” de Runa, ordem confirmada por Decreto de 25 de Julho de 1802 e por Alvará de 27 de Julho desse mesmo ano (1). Com essa finalidade aquela princesa comprou a chamada Quinta de Alcobaça, em 11 de Agosto de 1790, para além de outras propriedades próximas, incluindo a Quinta de S.Miguel da Enxara do Bispo, tudo pelo preço de “40 contos de réis”.
 “A construção do edifício só veio a iniciar-se, porém, em 1803, participando nela mais de trezentos operários. Em 1807, quando a família real emigrou para o Brasil, já grande parte do edifício se encontrava erguida” (2) . Mesmo distante, a princesa continuou a enviar regularmente “do Rio de Janeiro repetidas vezes avultadas sommas em dinheiro” (3). Quando finalmente regressou ao reino, em 1821, deu ordens para que a obra fosse apressada e concluída, o que aconteceu no dia 25 de Julho de 1827, por ocasião do seu 81º aniversário.

 A descrição desse dia mereceu uma ampla “reportagem” na Gazeta de Lisboa nº 199 de 23 de Agosto de 1827; “(…) Com a maior satisfação annunciamos aos bravos Defensores da Patria, e a todos os Portuguezes amigos da Gloria Nacional, que no dia 25 de Julho forão recebidos no Real Asylo dos Invalidos, mandado edificar junto ao Lugar de Runa, e magnificamente dotado por S. A. R. a Serenissima Princeza D. Maria Francisca Benedicta, os primeiros Militares, que no Serviço da Patria adquirírão enfermidades porque forão julgados em estado de lhes aproveitar o beneficio deste tão piedoso quão patriótico Estabelecimento, do qual Portugal carecia, e que hoje deve unicamente á generosidade, assiduos disvélos, e heroicas virtudes de huma Princeza, que o Ceo conserva para exemplo de seus iguaes, e consolação dos Portugueses. “A’s onze horas e meia da manhã do dia 25 de Julho de 1827, dirigio-se á 1greja do Real Asylo dos invalidos S. A. R. a Serenissima Senhora D. Maria Francisca Benedicta, viuva do nunca assás chorado Principe do Brazil, D. José, tendo a honra de acompanhar S. A.R. os Excellentissimos Mordomo Mór, e Viadores da mesma Senhora, diversas pessoas da primeira Nobreza, o Coronel Governador do Asylo e seus Ajudantes, o Corregedor, Provedor da Comarca, e outros Magistrados, bem como as Pessoas mais distinctas tanto no estado Ecclesiastico como Secular da mesma, Celebrada huma Solemne Missa, a que assistírão, em uniforme, e lugar distincto, os Militares Invalidos, e recitada huma eloquente e análoga Oração, pelo Prégador Regio o muito R. P. M. Fr. João de Santa Anna; passou S. A. R. á Sala destinada para refeitorio dos Invalidos. “No topo desta Sala se achava preparada para S. A. R. huma cadeira, a que servião de ornato diferentes troféos militares, entre os quaes se distinguião duas bandeiras, nas quaes os fieis e cançados defensores do Estado podião ler em torno do Escudo Real, a nobre apóstrofe, que outr’ora dirigia ao seu Rei hom Poeta Soldado: E Julgareis qual he mais excellente;Se ser do mundo Rei, se de tal Gente. “Tanto que S. A. R. occupou este assento, Ordenou,que os Invalidos fossem introduzidos na Sala, e acolheo a cada hum delles singularmente, com aquella carinhosa affabilidade, que só pode gerar a solida beneficencia, que inspirára a Sua Alteza Real a primeira idéa desta fundação, e de cuja expressão só podem formar exacta idéa, aquelles que tiverão a satisfação de presencealla, e de ouvir da bocca de S. A. R. as seguintes palavras, dirigidas áquelles para quem preparára hum tão honroso descanço : “» Estimo ter podido concluir o Asylo, que mandei construir para descançardes dos vossos honrosos trabalhos; emrecompensa só vos peço a Paz e o Temor de Deos.» “Tendo S. A. R. mandado sentar os Militares Invalidos, e servido hum sumptuoso banquete, levantou-se S. A. R.,e acompanhada pelo seu Mordomo Mór, e Viadores, Dignou-se servir os mutilados, mas não, vencidos Defensores da Patria, e a cada hum delles dirigio Esta Augusta Virtuosa Princeza palavras de consolação, que fizeram derramar lagritnas de enternecimento e gratidão, não só áquelles a quem S. A. R. as dirigia, mas ao grande numero de espectadores de todas as classes, que por permissão sua havião sido admittidos na Sala. “Repetidos vivas, nascidos do enthusiasmo da gratidão, e do respeito, que inspira a verdadeira Magnanimidade,e a solida Virtude, resoárão em toda a Sala quando S.A. R. se despedio dos seus novos hospedes. “Este bello dia em que completou oitenta e hum annos a Augusta Fundadora do Real Asylo destinado aos Defensores da Patria, foi terminado por hum solemne Te Deum, ao qual S. A. R. assistio com aquella efusão de Piedade, de quem tão eminentemente sabe alliar as virtudes Christãs cou hurn inalteravel e esclarecido amor dos Povos,que Seus Augustos Antepassados Governárão. “Não só dos lugares vizinhos, mas de outros mui distantes, concorreo innumeravel Povo a presencear esta solemnidade verdadeiramente Nacional. Forão todos os concorrentes agazalhados e servidos, e soccorridos os necessitados com esmolas abundantes; folgando todos de verneste numeroso concurso reinar a mais perfeita tranquillidade, e a mais imperturbavel ordem; apezar de não apparecer em armas nem ainda huma Guarda de honra (…)”. Em vésperas daquela solenidade escreveu Roque Ferreira Lobo um panegírico em honra da princesa. (4).
 
 Foi primeiro administrador do “Hospital” o Brigadeiro Luis Pereira Miranda Palha, autor da primeira monografia escrita sobre aquele estabelecimento (5). Até ao seu falecimento, dois anos depois, a princesa aí voltou por várias vezes. Sousa Escrivanis, na sua monografia sobre o “Real Asylo” de Runa inclui uma curiosa lista com o nome das pessoas que nos lugares de Runa, Penedo, Zibreira e Matacães conheceram a princesa, parte delas tendo trabalhado “na  construção do asylo (6) A princesa, além de ter deixado em testamento ao “Asilo” vários bens pessoais (7), declarou este estabelecimento “seu universal herdeiro, passando então a administração das rendas para o Conselho de Administração, o qual, bem como todo o Estabelecimento, é hoje [1859] governado pelo Ministério da Guerra”(8).

 O edifício é de estilo neoclássico e foi responsável pela sua construção o arquitecto José da Costa e Silva. “O edifício tem 450 palmos de frente com 25 janellas: o seu fundo é de 280 palmos com 13 janellas: tem 4 faces regulares e três andares, além das àguas-furtadas, nas quaes, somente, se poderiam acomodar 300 pessoas” (9). Integrando o edifício destaca-se a sua original capela: “Ao centro do edifício, a notável entrada para a igreja, formando peristilo, é de uma arquitectura austera e nobre. O templo tem uma curta nave ou corpo e um grande transepto em que os topos são rematados em semicírculo. O conjunto é dominado por uma cúpula. É inegável que o revestimento de mármore dá certa riqueza ao interior, mas o ambiente é frio e o altar-mor, colocado ao centro, é pesado e fúnebre. De notar, contudo, os nichos com esculturas de mármore de Carrara ao estilo neoclássico (...)” (10).
 Madeira Torres refere que  os mármores usados na capela foram extraídos das “pedreiras descobertas nos logares de Figueiredo, e Furadoiro” (11).. Contudo, os anotadores de Madeira Torres, com base em apontamentos que lhe foram facultados por José Ribeiro d’Almeida, comandante daquele estabelecimento à época (1861), desmentem aquela origem dos mármores, que tiveram, sim, origem, “mas de outros mais existentes nas imediações do mesmo Azylo”,  acrescentando que os de cor preta foram extraídos das pedreiras de “Pêro-Negro ao pé da Çapataria” (12). Pertence também a esta igreja uma alta e valiosa custódia de prata dourada cravejada de pedras preciosas, fabricada de acordo com desenho elaborado pela própria princesa. Essa valiosa e original custódio pode ser vista no museu existente no edifício, que inclui, entre muitas outras peças interessantes “três tábuas portuguesas da primeira metade do século XVI” [escola de Gregório Lopes?]”representando São Luís, rei de França, S. João Baptista e S. Jerónimo, S. Bento e santo Ambrósio, e uma tela representando Santo António e o Menino, assinada  por Vieira Lusitano “(13). Durante a década de 50 do século XIX o espaço onde se encontra o edifício foi alvo de diversas obras de beneficiação (14). A encerrar, recomendamos, após uma visita ao lugar, ao seu valioso museu e aos seus jardins, fazendo  nossas as palavras de Alexandre Herculano que, realçando o pitoresco da localização do edifício, sugeria “formosos passeios nos arredores”, espairecendo “pelas cercanias do hospital” (15). Venerando Aspra de Matos    (1)   A melhor e mais actualizada biografia da princesa pode ser lida em :BRAGA, Paulo Drumond, A Princesa na Sombra – D. Maria Francisca Benedita (1746-1829), Colecção H11, ed. Colibri/CMTV, 2007;
(2)   Lar de Veteranos Militares – Runa, ed. Serviços Sociais das Forças Armadas, Lx. 1970;(3)   Anotadores de MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho, Descripçaõ Historica da villa e termo de Torres Vedras, 2ª edição, Imprensa da Universidade, Coimbra 1862,  pág.68;
(4)   LOBO, Roque Ferreira, Panegírico em honra da Sereníssima Princesa do Brasil e Senhora Dona Maria Francisca Benedita pela sua fundação de um Hospital para Militares Inválidos, na sua Quinta do lugar de Runa, termo da Villa de Torres Vedras, Regia Typ. Silvianna, Lisboa, 1826;
(5)   PALHA, Fernando Luiz Pereira de Miranda, Breve narração acerca do Real Asylo de Inválidos Militares estabelecidos em Runa, Typ. da Sociedade de propaganda dos  Conhecimentos Úteis, Lisboa 1842;
(6)   ESCRIVANIS, Augusto Carlos de Souza, Descripção do Real Asylo de Inválidos Militares em Runa (…), Lisboa, 1882;
(7)   Leia-se: LÁZARO, Alice, O Testamento da Princesa do Brasil D. Maria Benedita (1746-1829), ed. Tribuna da História, Lisboa 2008;
(8)   (Anotadores, MADEIRA TORRES, ob.cit., pág.69.
(9)   HERCULANO, Alexandre, “O Hospital Militar de Runa”, in O Panorama, nº72, Setembro 15, 1838, texto transcrito em CUSTÓDIO, Dr. Jorge Raimundo, Hospital Militar de Runa, ed. CMTV/ADDPC de T. Vedras, 1982;
(10)                      Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Vol IV, pp. 34-35, 1963;
(11)                       MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho, Descripção Histórica da villa e Termo de Torres-Vedras, [1819], 2ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1861, pág.67;(12)                      Anotadores, MADEIRA TORRES, ob.cit., pág.68.(13)                      Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Vol IV, pp. 34-35, 1963;
(14)                      Ver lista em:Anotadores, MADEIRA TORRES, ob.cit., pág.71;(15)                      HERCULANO, ob. Cit.
(Uma versão resumida deste texto foi publicada nas páginas do jornal Badaladas, na secção Vedrografias de 21 de Julho de 2017)   

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