“Dois dias duraram elas.
“E se a função não foi de espavento, nem coisa de encher o
olho (…) aos mais exigentes, foi, no entanto, qualquer coisa decente e
compostinha, que não deixou em mal o bom nome da vila”(1).
Essas “festas”, realizadas em 28 e 29 de Julho de 1929,
foram as da inauguração da rede telefónica urbana e do Museu Municipal de
Torres Vedras, incluindo uma visita às obras do novo Hospital e a realização do
1º Concurso Hípico de Torres Vedras, contando com a presença do Governador
Civil de Lisboa, o coronel Morais Sarmento, e do major João Luís de Moura,
entre outras “altas individualidades.
Esse evento deu continuidade à inauguração da ligação
telefónica entre Torres Vedras e Lisboa que ocorreu em 4 de Março, ocasião para
a qual chegou a estar anunciada a presença do Presidente da República, o
general Óscar Carmona, que acabou por faltar por “razões de saúde (2).
Vivia-se então o terceiro ano da Ditadura Militar iniciada em 28 de Maio de
1926.
Esta enfrentava então um momento de encruzilhada quanto ao
seu futuro, digladiando-se várias facções e várias tendências.
Uns viam no modelo da ditadura espanhola, liderada por Primo
de Rivera, apoiada pelo rei Afonso XIII, uma possibilidade de restaurar a
monarquia mantendo a ditadura, outros desejavam o regresso a uma República
conservadora e democrática “regenerada” pela ditadura, mas o modelo cada vez
mais presente era o de adaptar a realidade portuguesa ao fascismo italiano de
Mussolini.
Ainda no início desse mês de Julho de 1929 tinha tomado
posse o 6º governo da Ditadura, liderado pelo general Ivens Ferraz, fruto de
mais uma crise política provocada por essa “guerra” surda entre fações da
ditadura, da qual saiu mais reforçada a figura de Salazar.
Mas voltando às “Festas” de Torres Vedras, estas tiveram
inicio pelas 11 da manhã do Domingo 28 de Julho, com a chegada dos “ilustres
convidados”, o coronel Morais Sarmento, antigo Ministro da Guerra, ocupando
nesta data o cargo de Governador Civil de Lisboa, e o major João Luís de Moura,
“que fizeram a viagem de automóvel”, deslocando-se aos Paços do Concelho para
uma sessão solene, onde aqueles dois militares do 28 de Maio receberam o título
de cidadãos honorários de Torres Vedras.
No primeiro discurso dessa sessão, proferido pelo
vice-presidente da Câmara, o Dr. António Freire, este recordou a acção de
Morais Sarmento a favor da vila de Torres Vedras, quando ocupou o cargo de
Ministro da Guerra, destacando a entrega “aos cuidados do Município do vetusto
Castelo da Vila, cedendo ainda importantes parcelas de terreno” dependentes
daquele ministério, enaltecendo o facto de, como Governador Civil, ter também
beneficiando, com vários donativos, a Associação de Educação Física, os
Bombeiros Voluntários e a sua Banda, a “Cantina Escolar”, o “hospital em
construção” e a escola primária da freguesia do Maxial, entre outros apoios.
Após essa sessão solene, pautada por vários discursos de
elogio aos convidados e aos feitos da Ditadura Militar, “os visitantes subiram
ao segundo piso do edifício camarário a fim de ser inaugurada a rêde telefonica
dentro da vila. E que conta com 65 subscritores”.
A primeira chamada foi efectuada, simbolicamente, por Morais
Sarmento para o Hotel dos Cucos, para o “sr. General Trindade, presidente da
Junta Autónoma das Estradas, aproveitando para “ lhe pedir “a conclusão da
estrada de Vilar” para Torres Vedras.
Depois o Governador Civil efectuou um segundo telefonema
para “o sr. General Ivens Ferraz”, o recém empossado Presidente do Concelho de
Ministros do 6º governo da ditadura.
Recorde-se que estamos a falar da inauguração da rede
pública telefónica. Em Março deste ano, como referimos, foi efectuada a
primeira ligação simbólica entre Torres Vedras e Lisboa. Já existiam telefones
em Tores Vedras, mas eram particulares, tendo
a primeira ligação sido efectuada
em 24 de Dezembro de 1885, ligando o casal das Lapas, em A-Dos-Cunhados, à
vila. Antes já existia um sistema de comunicação por telégrafo inaugurado em 23
de Junho de 1865, ligando Torres Vedras a Caldas da Rainha e a Mafra, com uma
estação provisória instalada no Largo do Terreirinho.
Continuando com as “festas”, por volta do meio-dia aquelas
individualidades deslocaram-se à sala Irmandade dos Clérigos Pobres, anexa à
Igreja de S. Pedro, para inaugurar o Museu Municipal, dirigido por Salinas
Calado, destacando a citada reportagem do jornal Gazeta de Torres os principais
objectos expostos ao público, como o bufete da Maceira, o foral manuelino de
Torres Vedras, vários objectos de arte sacra, uma imagem em marfim, colecções
arqueológicas de várias épocas e os oito quadros quinhentistas, então ainda
atribuídos a Gregório Lopes.
Após essa inauguração, os “ilustres hospedes visitaram (…)
as obras do novo edifício hospitalar, em construção, e cujo corpo central se
encontra já bastante adiantado”, sendo recebidos “pelo sr. Joaquim dos Santos
Vaquinhas, presidente da comissão edificadora e uma das pessoas que mais se tem
esforçado para dotar a vila com uma instituição hospitalar digna, e que possa
satisfazer as crescentes necessidades da população”. Contudo, esta obra só foi
concluída e inaugurada em 1943.
Após essas visitas e inaugurações, seguiu-se um almoço no
Hotel dos Cucos, que terminou com mais uma ronda de “uso da palavra” para
enaltecer os convidados e a obra da Ditadura.
O programa de festas desse dia culminou com a realização do
Primeiro Concurso Hípico de Torres Vedras, ao qual concorreram 40 cavaleiros,
realizado em terrenos pertencentes ao proprietário das Termas dos Cucos, José
António Vieira, e próximos desse empreendimento.
“Três escassas semanas atraz estava o campo ainda em cultura
de grão. E os pinheiros ainda firmes e erectos em seu enraizado.
“Na altura devida, porem, as pistas estavam prontas, os
obstáculos em seus sítios próprios, as vedações e ripados devidamente
colocados”, tudo graças à “boa vontade” daquele proprietário e ao “esforço e
trabalho incansável do capitão sr. José Lúcio Nunes”.
No dia seguinte teve lugar o programa religioso das “festas”,
dedicadas a “S. Gonçalo, padroeiro da vila”, iniciando-se este segundo dia com
uma missa solene, pelas 13 horas, e uma procissão a partir das 19 horas, que
“percorreu as principais ruas da vila, sempre no meio do maior respeito,
repicando os sinos festivamente e estralejando no ar constantes girandolas de
foguetes.
“Muitas das janelas do percurso encontravam-se engalanadas
com ricas colchas de seda e damasco”.
As “festas” terminaram à noite com iluminações no Largo da
República “aonde os extensos relvados se coalhavam de tigelinhas minhotas e o
arvoredo ostentava centenas de balões multicores”, com as bandas dos Bombeiros
de Torres Vedras e de Infantaria 5 das Caldas da Rainha a tocarem
alternadamente.
A encerrar, um “magnifico fogo de artifício fornecido pelo pirotécnico
local sr. José de Oliveira Nunes” e “bouquets” coloridos “lançados do alto do
Castelo de Torres Vedras”.
Ao longo dos dois dias a vila foi invadida “por muitos
milhares de forasteiros vindos de toda a parte” e que, ao alvorecer da
madrugada de terça-feira ainda deambulavam pelo Largo da República, antes de
apanharem as “varias careiras de camioneta não só para Lisboa, como para outras
terras”.
Este foi um dos primeiros casos, ocorridos em Torres Vedras,
de uma prática comum ao longo do regime surgido no 28 de Maio, a das
inaugurações de vários “melhoramentos locais”, com a presença de “altas
individualidades” do regime, uma constante da propaganda política junto das
populações da “província”, ao mesmo tempo que servia para demonstrar a
fidelidade a esse mesmo regime, por parte das “elites” e autoridades locais.
(1) – “AS festas em Torres Vedras”, in Gazeta de Torres, 4 de Agosto de 1928. A maior parte as citações deste artigo têm origem nessa reportagem;
(2) - Ver edições de 4 e 14 de Março de 1929 de “O Jornal de Torres Vedras”;
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