AGOSTO DE 1885
Na edição de 13 de
Agosto do Jornal de Torres Vedras
um articulista queixava-se das condições de funcionamento dos serviços
de correio da vila:
“(…) o transporte das malas de ida ou volta é feito pelo
systema de há cem anos, - n’uma velha, cega e podre cavalgadura, em malas mais
velhas e podres, tendo por guias conductores rapazolas de 16 a 18 annos,
completamente ignorantes; alguns amantes de vinho em excesso, e que não têeem, por isso, cuidado com a correspondência. E
assim sucede, que chega aqui, as mais das vezes, rasgada, enlameada, estragada,
e servindo apenas para embrulho(…).
“A villa de Alenquer fica a trinta e tantos kilómetros
d’esta terra – distância que é percorrida em carruagem em duas horas e meia, e
três, quando muito. Pois bem. Uma carta lançada no correio de Torres Vedras
para Alenquer, na segunda feira, por exemplo, é distribuída n’esta ultima
localidade…na quarta feira pela manhã, 48 horas depois!
“Fallaremos agora no horário da correspondência para o
norte.
“De Torres para Alhandra parte às 4 horas da tarde uma mala
que leva a correspondência para a linha
[de comboio] (…). Esta mala chega a Alhandra às 9 e meia da noite, e tem de
esperar para seguir pelo comboio que ali passa [às] 9 e 5 minutos da manhã do
dia seguinte.(…).
“Se esta mala partisse de TV não às 4 da tarde, mas às duas,
alcançaria o comboio que sai de Lisboa às 7 da tarde, e a correspondência
seguiria para o norte no mesmo dia. (
…).
“Nós, em nome do commercio importante d’esta localidade,
exoramos encarecidamente ao sr. director geral dos correios, ou a quem
competir, que dêem as providencias necessárias [para alterar a situação] (…). (13
de Agosto).
Mês de Agosto era mês de praia para algumas famílias
abastadas da vila, que mereciam referência nas página da imprensa local por
estarem “a banhos na nossa pitoresca e sadia praia de Santa Cruz”, praia que estava
“já muito animada”, onde “as tardes à beira mar, ao pé do famigerado [??] Penedo do Guincho, e da Pedra que bole, são cheias de doce
melancolia(…)” (13 de Agosto).
Menos melancólica era a vida da maior parte da população,
entregue aos rotineiros trabalhos agrícolas, nomeadamente nas vinhas da região.
Estas estavam então sob o ataque da filoxera e a imprensa anunciava que tinha
começado no dia 7 desse mês “o tratamento da nodoa phyloxerica do casal do
Valle, propriedade do nosso amigo o sr. Dr. Barros e Cunha” (13 de Agosto).
Ainda nesse mês os vinhedos do concelho, principalmente no
dia 18, foram atingidos por um
“escaldão” que produziu “gravíssimos prejuízos nos vinhedos. Vinhas há, cujo
fructo ficou reduzido a metade, e alguns ainda menos. Parece que a uva foi
queimada pelo fogo!”. Nalguns sítios a temperatura “marcou trinta e tantos graus
à sombra”.
“Em Matacães, Varatojo, Runa, Dois Portos, faz pena ver se
tanto estrago (…).” (27 de Agosto).
O calor da época e as más condições sanitárias do concelho
eram propícias à propagação de uma epidemia de cólera, publicando a edição de
20 de Agosto um conjunto de recomendações para se combater essa doença.
Com esse objectivo o administrador do concelho, “sr.
Gonçalves Rosa”, auxiliado “pelo sr. sub delegado de saúde” efectuou
várias “visitas domiciliárias” para se
inteirar das condições sanitárias da vila. Segundo o articulista, as “condições sanitárias desta
povoação teem melhorado consideravelmente de há um anno para cá; e se não está
tudo com tanto aceio e hygiene, como seria para desejar-se, todavia está
consideravelmente melhorado (…)” (20 de Agosto).
Quanto às obras do caminho-de-ferro, estavam a decorrer as
obras de perfuração do Túnel da Certã , assombradas, na manhã de 18 de Agosto,
por um grave acidente que vitimou mortalmente um dos trabalhadores: “depois de
se fazerem alguns tiros, ali entrava o trabalhador Juan Lopez, de Lugo, foi
victima de explosão de um tiro com que já não contava. Ficou quasi despedaçado
(…)” (27 de Agosto).
No primeiro domingo da segunda quinzena do mês foi a vila
“invadida” por uma “praga de realejos”. “Foram nada menos de quatro que se
fartaram de estafar a moer musica por essas ruas e largos.
“O rapazio teve um dia cheio, fazendo o cortejo dos homens
da manivela, e deliciando-se principalmente com a vista de várias figuras
mecânicas que adornava um d’aquelles apuradores da nossa paciencia.
“Parece que os pobres artistas não fizeram grande colheita,
porque no dia seguinte tinham desaparecido todos como fumo”.
E passava assim mais um mês da vida desta terra, tal com a
descrevia a imprensa de então.
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