A iniciativa de o fundar um convento no sítio do Varatojo pertenceu a D. Afonso V, que em 1470, tomou essa decisão, escolhendo esse lugar porque o monarca aí possuía uma Quinta que adquiriu por 35$000 réis.
Em Fevereiro de 1470 aí se
deslocou aquele monarca em procissão solene, para o lançamento da primeira
pedra do convento.
Ficou como responsável pela obra
e pela sua inspecção Diogo Gonçalves Lobo, que tinha sido vedor da rainha D.
Leonor, ao qual o monarca ordenou “que pusesse toda a eficácia (...) sahindo do
Real Erário todas as despesas da mesma: Para effeito de se pôder concluir a
obra o mais depressa, e com mais suavidade, e também para que os lavradores
mais facilmente, e mais gostosos concorressem para ella com seus carros, lhes
fez o Rei sempre generoso a grande mercê de alivia-los em grande parte do
oneroso tributo, que pagavão chamado jugada, em quanto durasse a obra” (1).
A jugada era um tributo que os
lavradores do concelho pagavam, um moio de trigo por cada junta de bois.
O mesmo Gonçalves Lobo
representou o rei à data da inauguração oficial, em 4 de Outubro de 1474, por
impossibilidade da sua presença nessa ocasião, dando posse do convento aos 14
religiosos vindos de Alenquer na companhia do Vigário Provincial dos Religiosos
Franciscanos, Frei João da Póvoa, e nomeando Fr. Álvaro de Alenquer primeiro
guardião do convento.
D. Afonso V reservou para si um
modesto aposento, ao qual se recolhia frequentemente, passando aqui grande
parte dos seus últimos anos de vida, [faleceu em 1481] assistindo à missa de
uma tribuna junto ao coro, quase em frente ao púlpito.
Da ligação daquela monarca ao
convento conserva-se, no museu de Arte Antiga, em Lisboa uma cadeira de braços,
ou “estadela”, usada por esse monarca e que foi incorporada no espólio desse
museu em 1913. No site dessa instituição, onde se refere essa peça de
mobiliário, pode ler-se que, de “facto,
nos textos dos cronistas da Ordem, a alusão à existência no convento da cadeira
de D. Afonso V é recorrente e a sua conservação por sucessivas gerações de
frades deverá ser entendida como preservação da fundação régia do convento,
pois mais do que um simples objecto pessoal, a “cadeira de estado” revestia-se
de uma forte carga simbólica associada ao poder real”.
Segundo a tradição, era da janela
de canto, junto à entrada para o convento que o rei D. Afonso V falava aos
pobres. Contudo, essa janela é obra mais tardia, posterior ao reinado de D.
João II.
Manuel Clemente afirma que “o
conventinho inicial mal daria para albergar vinte e cinco frades. No século
seguinte, D. João III teve de o acrescentar e a sua esposa D. Catarina
construiu uma nova capela-mor na igreja inicial. Assim já pôde albergar cinquenta
religiosos, com estudos de filosofia e teologia até 1680”, acrescentando aquele
historiador torriense que, “durante este primeiro período, de 1470 a 1680, a
estação evangélica do Varatojo chamava gente grada a ouvir os frades e a
aprender com eles. Não foi por acaso que as primeiras habitações à volta do
convento tenham sido exactamente as desses ouvintes discípulos” (2). Dessas
habitações ainda hoje é possível observar as ruínas do paço brasonado dos
Andrades.
Em 1680 Frei António das Chagas
fundou, neste convento, um seminário.
Vários cronistas da ordem de S.
Francisco apontam a existência de um primitivo convento daquela ordem já no
século XIII, entre Torres Vedras e a encosta do Varatojo, na várzea do
Alpilhão, junto à muralha da vila, conhecido por Ermida de S. Francisco, hipótese
até hoje impossível de confirmar.
Em 1834, os frades deste convento
conheceram o destino de todos os regrantes do país. Em 1861 seria recuperado
pelos franciscanos como seminário, tendo funcionado como escola de instrução
primária, a primeira do concelho. Entre 1903 e 1906 construiu-se um novo andar.
Em 1910 o convento voltou a ser
encerrado, funcionando aí, até 1928, um asilo de inválidos. Neste ano voltou a
ser entregue aos franciscanos, sendo o único convento desta ordem, de todos os
encerrados desde 1834, a regressar às suas funções iniciais, sendo hoje o único
convento do concelho habitado por frades.
A Capela de Nª Senhora do
Sobreiro, à entrada, do lado esquerdo, em frente à entrada da Igreja foi
construída em 1777 e deve o seu nome ao facto de a Imagem da Senhora ter sido
descoberta, segundo reza a tradição, na cavidade de um robusto sobreiro, na
mata do convento.
A Igreja do convento, de uma só
nave, tem uma estrutura geral já do século XVII, mas com um portal gótico,
decorado à direita com o rodízio (3) de D. Afonso V, cercado pelo cordão
franciscano, e à esquerda, um baixo relevo gótico de mármore, com as armas do
reino sustentadas por dois anjos.
As paredes são revestidas por
azulejos do século XVIII e nichos para confessionários, cujos azulejos se
compõem de motivos alusivos à confissão. Um deles retrata o inferno,
representando o estado de um penitente que se confessa bem, em contraste com o
penitente que se confessa mal.
No seu interior, decorado a talha
dourada, destaca-se a capela de Nossa
Senhora das Dores, fundada em 1740 com painéis de azulejos setecentistas, um altar
de talha rocaille, com bonitas e pequenas imagens, sobressaindo a de Nossa
Senhora das Dores em alto relevo. É nesta capela que, debaixo da mesa do altar,
se venera, desde 1870, “em urna de cristal, todo o esqueleto do mártir S.
Benedito, artisticamente composto em cera, e vestido com ricos brocados de
cera, oferta da princesa de Portugal, a Infanta D. Isabel Maria (...) filha de
D. João VI, ao seu confessor, o conhecido Padre Fr. Agostinho da Anunciação
(...) a qual por sua vez a tinha recebido por gentileza do Papa Pio IX, na
terceira e última visita que aquela Infanta fizera a Roma” (4)
Outro elemento a destacar nessa
Igreja é a sua Capela-Mor, com abóboda de berço com caixotões, forro de
azulejos do século XVIII com cenas da vida de Stº António, representando alguns
dos seus milagres e quatro tábuas do final do século XVI, “Anunciação”,
“Adoração dos Reis Magos”, “Adoração dos Pastores”, “Aparição de Cristo”,
atribuídos a Grão Vasco e, ao centro, uma tela, da autoria do pintor italiano
Braccarelli – “Stº António Perante a Virgem que lhe Entrega o Menino”.
A Sacristia, inaugurada em 1732, possui
duas tábuas do século XVII: “Milagre da Mula (Santo António)” e
“Pentecostes(descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos)”, quadros igualmente
atribuídos a Grão Vasco. Os silhares de azulejos do século XVIII são cópia das
estampas do livro “Escuela del Corazon”, alegoria dos vários estados de alma
nas suas ascensões para Deus, legendados com várias quadras.
O Claustro de tipo gótico tem a
arcada ogival decorada com o rodízio de D. Afonso V.
Na ala norte existe uma porta
manuelina, que dá acesso à capela do Senhor Jesus, forrada com azulejos de
ponta de diamante. Aqui encontra-se o panteão da família Soares de Alarcão, que
dominaram a alcaiadaria de T. Vedras nos séculos XVI e XVII, para o qual se
entra por um magnífico pórtico manuelino. Destaca-se a lápide sepulcral de
Gomes Soares, que foi conselheiro de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel.
Destaque também para o nicho de
Stº António, com azulejos policromados representando o Santo.
Aberto para o claustro existe a Sala
do capítulo com azulejos albarrados do século XVIII e várias telas com retratos
dos priores e figuras ilustres do convento, com destaque para a de “Frei
António das Chagas”, tela do final do século XVII.
Mas um dos sítios mais
emblemáticos deste monumento é a sua “cerca”, assim descrita por Madeira
Torres:
“A cerca do Convento é espaçosa,
e comprehende uma boa mata, horta, e vinha povoada de muitas arvores das
milhores castas de peras, maças, ameixas, ginjas, e pêcegos, e tambem
comprehende diversos taboleiros de pomares d’espinho, sendo bastante conhecidas,
e estimadas as limas, que d’elles se colhem” (5).
Nela existem duas capelinhas, uma
no sítio do primitivo forno de cal, que funcionou para a construção do convento
no século XV, a gruta do “Ecce Homo”, forrada a azulejos, e a primitiva capela
da Senhora do Sobreiro, adornada com quatro pequenos painéis que figuram monges
em estudo e em contemplação, onde, segundo a lenda, foi descoberta a Imagem de
Maria Santíssima com o menino, na cavidade de um centenário sobreiro, escondida
aí desde o tempo de D. Afonso Henriques, para escapar á perseguição dos mouros.
Parte da mata parece ser o que
resta da primitiva paisagem florestal da região pois reconhece-se “que não foi
plantada esta matazinha, mas fôra um pedaço de monte, cujo mato e arbustos
cresceram á mercê da sua natureza, formaram selva, mais ao diante aproveitada
para uso dos animais domésticos do primeiro colono, que na encosta daquele
monte arroteou e semeou; e mais tarde transformada em recreio do primeiro
senhor que ali instituiu Quinta para sua morada” (6).
O Convento do Varatojo é hoje uma
verdadeira cápsula do tempo no seio da região torriense.
(1) Frei Manoel Maria Santíssima,
História do Varatojo, 1º volume, 1799 [obra em 2 volumes];
(2) P. Manuel Clemente, “Uma
página da história torrense – Varatojo: Centro de Irradicação”, in Badaladas,
T. Vedras, 5 de Outubro de 1984;
(3) . O rodízio de tirar água
significa que um monarca deve movimentar-se continuamente ao serviço da nação.
(4) Frei Bartolomeu Ribeiro, “Os
Franciscanos em Torres Vedras”, in Badaladas, 1953e 1954, ed. Fac-similada [foi
editado em livro com uma 1ª edição em 2009, e uma 2ª edição em 2005];
(5) P. Manoel Agostinho Madeira
Torres, Descripção Historica (...) de Torres Vedras, 2ª ed., Coimbra, 1862,
p.139
(6) Frei Bartolomeu Ribeiro, ob.
Cit.
Para saber mais e para uma
informação actualizada, leia-se:
SILVA, Carlos Guardado da, Torres
Vedras Antiga e Medieval, ed. CMTV/Colibri, Lisboa 2008. Para uma leitura da
vida actual desse convento leia-se a reportagem de Joaquim Moedas Duarte
“Varatojo - Vinte e quatro horas na vida de um convento” publicada no nº 5 da
revista Torres Cultural de 1992. Para uma visão diferente, leia-se a
investigação colectiva intitulada “A exploração dos recursos hídricos no
convento franciscano do Varatojo (Torres Vedras”, publicado no Boletim Cultural
da Assembleia Distrital de Lisboa, nº 95, t. 2, pp.37-54: