Conheci o Ceia (1944-2024) no Cineclube de Torres Vedras, aí pelos idos de 1973, altura em que um lote de jovens professores, com novas ideias, vieram arejar o velho liceu de Torres Vedras.
Nunca fui seu aluno, na escola, mas ele foi das pessoas que
mais contribuiu para a minha formação.
O cinema foi a sua primeira paixão e deu um grande
contributo para retirar o Cine Clube de Torres Vedras das cinzas em que vivia
desde que lhe tinha sido imposta uma direcção devidamente domesticada pelo
velho regime salazarista.
O seu humor, a sua criatividade e o seu entusiasmo eram
contagiantes. A ele se deve uma total renovação na programação, no grafismo dos
boletins e na vida do velho cineclube.
Os anos que se seguiram ao 25 de Abril foram de grande
entusiasmo, com a criação das chamadas “brigadas móveis” de 16 mm, por ele
baptizadas, percorrendo as aldeias do
concelho, permitindo que muita gente assistisse, muitos pela primeira vez na
vida, a uma sessão de cinema.
Depois seguiram-se outros projectos que percorri na sua
companhia e na de um lote de amigos que me acompanharam para a vida. Foi a
colaboração irreverente no “Oeste Democrático”, foi a célebre e polémica sessão
de cinema underground incluída na programação da chamada “semana contra a
droga”, em consequência da qual, só faltou colocarem-no, a ele e aos que o
acompanharam no projecto, às portas da “vila” com alcatrão e penas, foi o
jornal Área, criado em 1979, com um grafismo arrojado para a época, até hoje um
imbatível projecto jornalístico no panorama
torriense e até a nível nacional.
A partir do jornal Área nasceu aquele que foi o seu maior
projecto cultural de vida, a criação da Cooperativa de Comunicação e Cultura,
no âmbito do qual se incluiu, é bom aqui recordar, o Performarte de 1985, iniciativa
pioneira em Portugal e ainda hoje muito citada.
Pelo meio, a produção de alguns dos mais criativos cartazes
e autocolantes, não só em Torres Vedras, mas também a nível nacional, com
destaque para muitos cartazes para as sessões do cineclube, para as actividades
da Cooperativa, para as comemorações do 25 de Abril, sem esquecer a autoria do
mais icónico cartaz da centenária feira de S. Pedro.
Foram muitas as exposições dedicadas à sua actividade como artista plástico, para além de ter editado vários livros, abordando não só a sua actividade plástica, mas também as suas memórias associativas, com destaque para o livro “Pequenas Crónicas, Grandes Memórias”, em parceria com o Luís Filipe Rodrigues, editado em 2021, onde aborda, com humor e ironia, a sua experiência na criação da “Cooperativa”, e que foi a minha última colaboração com o Ceia, cedendo-lhe alguns documentos do meu arquivo.
Recentemente, aventurou-se pela ficção, com “O Amor
Incerto”, editado já este ano.
Ao longo das nossas vidas cruzamo-nos com muitas pessoas que
nos marcam, umas pelo exemplo, outras pelas ideias e criatividade, outras pela
amizade, outras pela parceria em projectos de vida. Com o Ceia cruzei-me em
todas essas situações.
Dizem que só morremos totalmente quando já ninguém se lembra
de nós. O Ceia vai ser recordado por muitos e por muito tempo, e por isso, vai
continuar a “viver” por aí por muito tempo, tantas foram as marcas que deixou
em nós.
O Ceia vai deixar saudade a todos que com ele se cruzaram.
Até sempre amigo!