Retomamos aqui o nosso projecto de registar a vida de Torres Vedras nos
finais do século XIX, tendo como fonte a imprensa local do período entre
1885-1890, que corresponde ao início da publicação dos primeiros títulos da
Imprensa local (sobre a história da Imprensa local podem ler mais AQUI).
Já publicámos AQUI a selecção das notícias mensais dos primeiros oito
meses de 1885.
Completamos agora as notícias dos quatro últimos meses desse ano,
esperando continuar a publicar regularmente um resumo .
9 - Setembro de 1885
Os trabalhos da construção da linha férrea continuavam a bom ritmo e
este mês anunciava-se que ía “muito adiantada a terraplanagem para a estação”,
tendo-se feito “o importante trabalho de desvio de uma das curvas do rio
Sisandro, e o grande cano coberto”, esperando-se a chegada de “tubos para
canalisar o aqueducto” , enquanto o “túnel da Certã” de 150 metos, já estava perfurado em 80
metros, “o túnel em seguimento já está perfurado de todo (60 e tantos metros) ,
e começou o trabalho da abobada; e o da Boiaca (160 metros), também está
perfurado em mais de metade da sua extensão” (JTV, 3/9/1885).
As condições sanitárias da vila e dos seus habitantes era uma outra
preocupação reveladas nas páginas do “Jornal de Torres Vedras” nesse mês de
Setembro, anunciando-se as “visitas sanitárias” dos “srs. administrador d’esta
concelho, sub-delegado de saúde, secretário d administração, e bem mais assim
todos os mais empregados subalternos da
administração (…) incansáveis nas visitas domiciliárias”. Registava-se então um
surto de varíola, e de tosse convulsa e sarampo entre crianças e alguns
adultos.
Os trabalhos sanitários tinham permitido fazer desaparecer “da villa todos os chiqueiros “
permitindo registar a este nível “uma melhoria como nunca se viu n’esta
terra”(JTV, 3/9/1885).
Na noite do dia 8, pelas 21.30, chegava à vila “o cyrio de S. João das
Lampas em transito para a Nazareth. Trazia uma guarda de honra de 8 praças de
lanceiros nº 2 , e a banda marcial de Mafra. Seguiam o cyrio uns 8 a 10 trens. À
entrada da villa três anjos lançaram loas, que foram repetidas à porta da
colegiada de S. Pedro, onde ficou recolhida a imagem da Virgem.
“No dia seguinte às 10 horas, depois da missa, e posta na berlinda a
imagem, continuou o cyrio e a sua penosa peregrinação pela estrada das Caldas
da Rainha. Muita gente a ver a desfilada e a admirar os “hectolitros” que o sr.
juiz da festa e mais romeiros levavam na cabeça. Finalmente os anjos lançaram
ao quatro ventos a despedida:
“Adeus Torres, villa afamada,
“S. Pedro tens por padroeiro…
“E aos desentoados accordes do
“himno da Carta” tudo debandou sem mais incidentes” (JTV, 10/9/ 1885).
Em finais de Setembro começavam a debandar de Santa Cruz algumas das
famílias mais abastadas da vila, que aí costumavam passar as férias de Verão,
anunciando-se que que se “começa a sentir bastante desanimação n’ aquella
praia” anunciando-se a despedida, num dos dias da terceira semana de Setembro
com um “pic-nic” no Alto da Vela “a que concorreram mais de sessenta pessoas,
d’entre as famílias da praia e outras de fóra idos expressamente.
“A tarde estava formosíssima. Muitos brindes, cincoenta dúzias de
foguetes. Os petiscos foram conduzidos por duas dúzias de jumentos, e dizem-nos
que tudo foi devorado, menos os sobreditos conductores, Uma bateria de garrafas
de champagne, e bella pinga de Torres…a rodo. Sessenta dúzias de perdizes.
Tresentos coelhos” (JTV, 24/9/1885).
O “resto da colónia torreense” que ainda se conservava em Santa Cruz “
retirou-se no dia 31. (JTV, 1/10/1885).
Mês de Setembro era mês de
vindimas, esse anos iniciadas com algum atraso:
“Começaram as vindimas na nossa região vinícola; mas por ora estão
limitadas à uva branca. Já se vindima a eito no Sobreiro Curvo, Cunhados, Villa
Facaia, Amial, Ramalhal e Monte Redondo, onde a grande maioria da uva é de
terreno baixo ou varzea.
“Ainda assim, os proprietários abastados, attendendo ao estado de
maturação da uva, que n’este anno se atrazou consideravelmente, ocupam-se por
enquanto no trabalho da “monda” (…)”.(JTV, 12/9/1885).
A imprensa desse mês também refere algumas medidas tomadas de
tratamento e substituição de vinhas atacadas pela filoxera:
“Em Torres Vedras fez-se ultimamente
um tratamento bastante extenso na quinta da Pederneira do sr. Barros e
Cunha, o qual custou nos primeiros dias menos de 1$000 réis por milheiro, em
vinha regular plantada a 1 metro de distância (…).
“Em Torres Vedras as plantações americanas têem tomado um
desenvolvimento extraordinário, mormente os bacellos que já vinham enraizados
que têem varas de 3 metros. As plantações feitas em terreno onde se arrancou
vinha velha , destruída pela phyloxera, também se mostram bem, apesar do parque
ter bastantes insectos nas raízes (…) ( noticia de F. de Almeida e Brito,
inspector, retirada do “Boletim Phylloxerico”, in JTV de 12/9/1885).
10 - OUTUBRO de 1885
Como não podia deixar de ser, nesse primeiro mês de Outono de há cem
anos, a maioria das notícias então publicadas referiam-se ao modo como
decorriam as vindimas : “cootínua o envasilhamento do vinho branco. A produção
no geral é abundante, e a qualidade, peto que ouvimos dizer, não é das peores
(...) Por ora há fraquíssima vindima de tinto (...)(JTV, 15/10/1885)”.
Mas para os finais do mês chegaram à região os compradores de vinho,
entre os quais ingleses com interesses no vinho do Porto. Procurava-se
experimentar a possibilidade de uitilizar o vinho de Torres no fabrico do vinho
do Porto cuja produção havia sido bastante afectada pela filoxera.
Talvez porque esta região não tivesse sido das mais afectadas por
aquela doença da vinha, os preços eram nesse ano bastante lucrativos para os produtores locais:
“Em Runa já se têm feito compras de vinho a 43$200 reis o tonel de 918
litros, e algumas casas de Lisboa têem offerecido em várias localidades d’esta
região por cada tonel 48$000 reis e os
vendedores não se mostram ainda muito condescentes, prevendo já uma procura
excepcional.
“À última hora, sabemos que tem
concorrido um grande numero da compradores estrangeiros e nacionais às nossas
bellas vinhas.
“Na quinta da Alagôa (...) pertencente ao Sr. José Damaso de
Carvalhosa, foi vendido a 55$000 réis cada tonel de 918 litros.
“Há muitas vendas Já realisadas entre 50 e 52$000 réis.
“A procura é extraordinária”.
“(…) Há grande movimento nas ruas da villa, e podemos dizer que a
atmosfera está impregnada de vapores do vinho”.
O outro grande acontecimento jornalístico do mês continuava a ser
a construção do caminho de ferro.
Outubro foi, neste campo, um mês de grandes novidades, como se pode provar pela
selecção de notícias em baixo transcritas:
“Estão abertos e preenchidos os alicerces da estação d’esta villa, que
ficará com perto de 90 metros de comprimento.
“Foi cortada parte do antigo aqueduto da villa e substituida por
encanamentos subterraneos com fortes manilhas de ferro” (JTV , 1/10/1885);
“Foi aprovado o projecto do caminho de ferro de Torres Vedras a
Figueira da Foz e Alfarelos (...) (JTV, 8 /10/ 1885).
“O tunnel da Certã, a 2 Kilómetros d’esta villa. ficou totalmente
perfurado na manhã de 2 de Outubro (...).
“Quando appareceu a luz do lado do cabeço do cabeço do Cabrito subiram
no ar muitos foguetes (...).
“O Tunnel tem sido percorrido da um a outro lado por muitas pessoas
d’esta villa (…).
“Ficou também perfurado no dia 5 o tunnel da Boica, cuja extensão é de 160
metros.
“O tunnel da Azenha do cabaço, o primeiro que foi aberto, já está
abobedado” (JTV, 8/10/ 1885).
Era dado assim um passo Importante na concretização do projecto de
caminho-de-tferro.
Mas outros acontecimentos marcaram o mês de Outubro.
Um deles foi a visita do Cardeal Patriarca:
“No sábbado 3, já de noite, chegou a esta villa sue emª o sr. Canteal
Patriarca, que. depois de descançar alguns momentos em casa do sr.
desembargador Abreu Castello Branco, digno vigário da Vara da Tome Vedras; se dirigiu
ao colégio do Vratojo, onde pernoitou e se demorou no dia seguinte, annuncian
do para segunda feira a sua entrada solene (...)” (JTV, 8/10/1885).
Outro acontecimento foi a realização domercado mensal: “O mercado mensal
de domingo último, n’esta villa, que costuma ser o principal de todo o ano,
esteve de facto muito concorrido e fizeram-se valiosas transacções nas casas
Comerciais da villa e no local do mercado, o largo da Graça” (JTV, 22/10/1885).
Notícia foi também, e para encerrar a crónica deste mês, a partida das
andorinhas, anunciando o início do outuno:
“Estas interessantes aves partiram no dia 3 do corrente, às 3 horas, 3
minutos e 3 segundos da tarde”.
11 - NOVEMBRO DE 1885
Este foi um mês importante na
venda do vinho produzido pelo trabalho das vindimas.
Registou-se com agrado a grande procura de vinhos torrienses por parte de comerciantes portugueses e
estrangeiros, estes últimos em grande
parte provenientes da praça de Bordéus, em França. Eram apontadas como razões para
essa procura o facto de as vinhas francesas terem sido fortemente contaminadas
pela filoxera e pelo míldio, bem como pela fraca produção de vinhos na Itália e
em Espanha, assim como o facto de entre “ nós, e principalmente na nossa região,
alem de ser muito regular a produção, ella é excellente tanto quanto se pode
apreciar na elaboração- dos mostos.
“Alem d’isso, os nossos vinicultores, geralmente fallando, primam pela
honestidade e boa fé. Os vinhos saem das adegas para o poder dos compradores
taes quaes foram fabricados, sem materiais extranhos ,nem mesmo corantes, a maior
parte sem alcool de sobrecellente, e sobretudo sem gesso, o que não succede na
Hespanha, onde este adminiculo é empregado em larga escala, e por isso afasta a
concorrência dos conhecedores.
“São estas algumas das causas que no anno corrente attrahiram ao nosso
mercado tantos compradores. Outros haverá porventura que se relacionem com a
propriedade que têem os nossos vinhos de servirem essencialmente de «typo».
Outra será também, a propaganda excepcional que d’elles se tem feito
ultimamente, tornando-os conhecidos em muitas partes; e cremos que a última
exposição agrícola de Lisboa, não contribuiu pouco para este resultado”(JTV, 12/11/1885).
12 - DEZEMBRO DE 1885
Mês grande para o associativismo local; dava-se início à discussão do
projecto de estatutos da “Associação Torrense de Socorros Mútuos”: “O projecto
foi elaborado por uma Commissão de três membros ,que espontaneamente tomaram
esta iniciativa com os intuitos de protecção e auxilio às classes desprotegidas,
e tendo também em mira o progresso e desenvolvimento localidade”. Refira-se, como aspecto revelador do espirito progressista que esteve
na origem da criação dessa associação, tendo em conta a época que se vivia, que o “sexo feminino, de ordinário posto
injustamente de parte, em tudo o que pode contribuir para a sua educação e
engrandecimento, será admitido n’esta associação”(JTV,24/12/1885).
Cerca de 100 pessoas participaram activamente na reunião onde foi
discutido o projecto de estatutos, que teve lugar no dia 27 de Dezembro, no
salão do Club Torreense.
Nesse mesmo mês anunciava-se que “o elegante edifício do matadouro municipal, à
Cruz das Almas, vae em grande adiantamento. Por todo o proximo mez de Janeiro
deverá ficar prompto para funccionamento este importantíssimo melhoramento de
primeira necessidade para esta terra”(JTV,
10/12/1885).
Data igualmente de Dezembro de
1885 a primeira referência à existência de uma instalação telefónica: “Entre Torres
Vedras e o Casal da Lapa, na freguesia de A-dos-Cunhados, com sete kilometros
de distância , acabou de colocar-se há poucos
dias uma linha telephonica, propriedade do sr. Joaquim Marques Tio, que para
tal fim obteve a necessária autorização.
“O aparelho é de systema Hermann, privilegiado, e funciona
perfeitamente. O trabalho da collocação
dos postes e os da installação foi dirigido habiimente pelo ar Joaquim Pedro Marques
Sobrinho, que ha mezes tem dentro da villa montado um telephone entre a sua importante fabrica de moagem a vapor e o estabelecimento commercial na rua
dos Balcões”(JTV, 24 /12/ 1885).
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