quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A VIDA TORRIENSE NOS FINAIS DO SÉCULO XIX, nos caracteres da Imprensa Local (1885-1890)


Retomamos aqui o nosso projecto de registar a vida de Torres Vedras nos finais do século XIX, tendo como fonte a imprensa local do período entre 1885-1890, que corresponde ao início da publicação dos primeiros títulos da Imprensa local (sobre a história da Imprensa local podem ler mais AQUI).

Já publicámos AQUI a selecção das notícias mensais dos primeiros oito meses de 1885.

Completamos agora as notícias dos quatro últimos meses desse ano, esperando continuar a publicar regularmente um resumo .

9 - Setembro de 1885

Os trabalhos da construção da linha férrea continuavam a bom ritmo e este mês anunciava-se que ía “muito adiantada a terraplanagem para a estação”, tendo-se feito “o importante trabalho de desvio de uma das curvas do rio Sisandro, e o grande cano coberto”, esperando-se a chegada de “tubos para canalisar o aqueducto” , enquanto o “túnel da Certã”  de 150 metos, já estava perfurado em 80 metros, “o túnel em seguimento já está perfurado de todo (60 e tantos metros) , e começou o trabalho da abobada; e o da Boiaca (160 metros), também está perfurado em mais de metade da sua extensão” (JTV, 3/9/1885).

As condições sanitárias da vila e dos seus habitantes era uma outra preocupação reveladas nas páginas do “Jornal de Torres Vedras” nesse mês de Setembro, anunciando-se as “visitas sanitárias” dos “srs. administrador d’esta concelho, sub-delegado de saúde, secretário d administração, e bem mais assim todos os mais empregados subalternos  da administração (…) incansáveis nas visitas domiciliárias”. Registava-se então um surto de varíola, e de tosse convulsa e sarampo entre crianças e alguns adultos.

Os trabalhos sanitários tinham permitido fazer  desaparecer “da villa todos os chiqueiros “ permitindo registar a este nível “uma melhoria como nunca se viu n’esta terra”(JTV, 3/9/1885).
Na noite do dia 8, pelas 21.30, chegava à vila “o cyrio de S. João das Lampas em transito para a Nazareth. Trazia uma guarda de honra de 8 praças de lanceiros nº 2 , e a banda marcial de Mafra. Seguiam o cyrio uns 8 a 10 trens. À entrada da villa três anjos lançaram loas, que foram repetidas à porta da colegiada de S. Pedro, onde ficou recolhida a imagem da Virgem.

“No dia seguinte às 10 horas, depois da missa, e posta na berlinda a imagem, continuou o cyrio e a sua penosa peregrinação pela estrada das Caldas da Rainha. Muita gente a ver a desfilada e a admirar os “hectolitros” que o sr. juiz da festa e mais romeiros levavam na cabeça. Finalmente os anjos lançaram ao quatro ventos a despedida:

“Adeus Torres, villa afamada,
“S. Pedro tens por padroeiro…
“E aos desentoados accordes  do “himno da Carta” tudo debandou sem mais incidentes” (JTV, 10/9/ 1885).

Em finais de Setembro começavam a debandar de Santa Cruz algumas das famílias mais abastadas da vila, que aí costumavam passar as férias de Verão, anunciando-se que que se “começa a sentir bastante desanimação n’ aquella praia” anunciando-se a despedida, num dos dias da terceira semana de Setembro com um “pic-nic” no Alto da Vela “a que concorreram mais de sessenta pessoas, d’entre as famílias da praia e outras de fóra idos expressamente.

“A tarde estava formosíssima. Muitos brindes, cincoenta dúzias de foguetes. Os petiscos foram conduzidos por duas dúzias de jumentos, e dizem-nos que tudo foi devorado, menos os sobreditos conductores, Uma bateria de garrafas de champagne, e bella pinga de Torres…a rodo. Sessenta dúzias de perdizes. Tresentos coelhos” (JTV, 24/9/1885).

O “resto da colónia torreense” que ainda se conservava em Santa Cruz “ retirou-se no dia 31. (JTV, 1/10/1885).

Mês de Setembro era  mês de vindimas, esse anos iniciadas com algum atraso:

“Começaram as vindimas na nossa região vinícola; mas por ora estão limitadas à uva branca. Já se vindima a eito no Sobreiro Curvo, Cunhados, Villa Facaia, Amial, Ramalhal e Monte Redondo, onde a grande maioria da uva é de terreno baixo ou varzea.

“Ainda assim, os proprietários abastados, attendendo ao estado de maturação da uva, que n’este anno se atrazou consideravelmente, ocupam-se por enquanto no trabalho da “monda” (…)”.(JTV,  12/9/1885).

A imprensa desse mês também refere algumas medidas tomadas de tratamento e substituição de vinhas atacadas pela filoxera:

“Em Torres Vedras fez-se ultimamente  um tratamento bastante extenso na quinta da Pederneira do sr. Barros e Cunha, o qual custou nos primeiros dias menos de 1$000 réis por milheiro, em vinha regular plantada a 1 metro de distância (…).

“Em Torres Vedras as plantações americanas têem tomado um desenvolvimento extraordinário, mormente os bacellos que já vinham enraizados que têem varas de 3 metros. As plantações feitas em terreno onde se arrancou vinha velha , destruída pela phyloxera, também se mostram bem, apesar do parque ter bastantes insectos nas raízes (…) ( noticia de F. de Almeida e Brito, inspector, retirada do “Boletim Phylloxerico”, in JTV de 12/9/1885).

10 - OUTUBRO de 1885

Como não podia deixar de ser, nesse primeiro mês de Outono de há cem anos, a maioria das notícias então publicadas referiam-se ao modo como decorriam as vindimas : “cootínua o envasilhamento do vinho branco. A produção no geral é abundante, e a qualidade, peto que ouvimos dizer, não é das peores (...) Por ora há fraquíssima vindima de tinto (...)(JTV, 15/10/1885)”.

Mas para os finais do mês chegaram à região os compradores de vinho, entre os quais ingleses com interesses no vinho do Porto. Procurava-se experimentar a possibilidade de uitilizar o vinho de Torres no fabrico do vinho do Porto cuja produção havia sido bastante afectada pela filoxera.

Talvez porque esta região não tivesse sido das mais afectadas por aquela doença da vinha, os preços eram nesse ano bastante lucrativos  para os produtores locais:

“Em Runa já se têm feito compras de vinho a 43$200 reis o tonel de 918 litros, e algumas casas de Lisboa têem offerecido em várias localidades d’esta região por cada tonel  48$000 reis e os vendedores não se mostram ainda muito condescentes, prevendo já uma procura excepcional.

“À última hora, sabemos  que tem concorrido um grande numero da compradores estrangeiros e nacionais às nossas bellas vinhas. 

“Na quinta da Alagôa (...) pertencente ao Sr. José Damaso de Carvalhosa, foi vendido a 55$000 réis cada tonel de 918 litros.

“Há muitas vendas Já realisadas entre 50 e 52$000 réis.

“A procura é extraordinária”.

“(…) Há grande movimento nas ruas da villa, e podemos dizer que a atmosfera está impregnada de vapores do vinho”.

O outro grande acontecimento jornalístico do mês continuava a ser a  construção do caminho de ferro. Outubro foi, neste campo, um mês de grandes novidades, como se pode provar pela selecção de notícias em baixo transcritas:

“Estão abertos e preenchidos os alicerces da estação d’esta villa, que ficará com perto de 90 metros de comprimento.

“Foi cortada parte do antigo aqueduto da villa e substituida por encanamentos subterraneos com fortes manilhas de ferro” (JTV ,  1/10/1885);    

“Foi aprovado o projecto do caminho de ferro de Torres Vedras a Figueira da Foz e Alfarelos (...) (JTV, 8 /10/ 1885).

“O tunnel da Certã, a 2 Kilómetros d’esta villa. ficou totalmente perfurado na manhã de 2 de Outubro (...).

“Quando appareceu a luz do lado do cabeço do cabeço do Cabrito subiram no ar muitos foguetes (...).

“O Tunnel tem sido percorrido da um a outro lado por muitas pessoas d’esta villa (…).

“Ficou também perfurado no dia 5 o tunnel da Boica, cuja extensão é de 160 metros.

“O tunnel da Azenha do cabaço, o primeiro que foi aberto, já está abobedado” (JTV, 8/10/ 1885).

Era dado assim um passo Importante na concretização do projecto de caminho-de-tferro.
Mas outros acontecimentos marcaram o mês de Outubro.

Um deles foi a visita do Cardeal Patriarca:

“No sábbado 3, já de noite, chegou a esta villa sue emª o sr. Canteal Patriarca, que. depois de descançar alguns momentos em casa do sr. desembargador Abreu Castello Branco, digno vigário da Vara da Tome Vedras; se dirigiu ao colégio do Vratojo, onde pernoitou e se demorou no dia seguinte, annuncian do para segunda feira a sua entrada solene (...)” (JTV, 8/10/1885).

Outro acontecimento foi a realização domercado mensal: “O mercado mensal de domingo último, n’esta villa, que costuma ser o principal de todo o ano, esteve de facto muito concorrido e fizeram-se valiosas transacções nas casas Comerciais da villa e no local do mercado, o largo da Graça” (JTV, 22/10/1885).

Notícia foi também, e para encerrar a crónica deste mês, a partida das andorinhas, anunciando o início do outuno:

“Estas interessantes aves partiram no dia 3 do corrente, às 3 horas, 3 minutos e 3 segundos da tarde”.

11 - NOVEMBRO DE 1885

Este foi um mês importante  na venda do vinho produzido pelo trabalho das vindimas.

Registou-se com agrado a grande procura de vinhos torrienses  por parte de comerciantes portugueses e estrangeiros,  estes últimos em grande parte provenientes da praça de Bordéus, em França. Eram apontadas como razões para essa procura o facto de as vinhas francesas terem sido fortemente contaminadas pela filoxera e pelo míldio, bem como pela fraca produção de vinhos na Itália e em Espanha, assim como o facto de entre “ nós, e principalmente na nossa região, alem de ser muito regular a produção, ella é excellente tanto quanto se pode apreciar na elaboração- dos mostos. 

“Alem d’isso, os nossos vinicultores, geralmente fallando, primam pela honestidade e boa fé. Os vinhos saem das adegas para o poder dos compradores taes quaes foram fabricados, sem materiais extranhos ,nem mesmo corantes, a maior parte sem alcool de sobrecellente, e sobretudo sem gesso, o que não succede na Hespanha, onde este adminiculo é empregado em larga escala, e por isso afasta a concorrência dos conhecedores.

“São estas algumas das causas que no anno corrente attrahiram ao nosso mercado tantos compradores. Outros haverá porventura que se relacionem com a propriedade que têem os nossos vinhos de servirem essencialmente de «typo». Outra será também, a propaganda excepcional que d’elles se tem feito ultimamente, tornando-os conhecidos em muitas partes; e cremos que a última exposição agrícola de Lisboa, não contribuiu pouco para este resultado”(JTV, 12/11/1885).

12 - DEZEMBRO DE 1885

Mês grande para o associativismo local; dava-se início à discussão do projecto de estatutos da “Associação Torrense de Socorros Mútuos”: “O projecto foi elaborado por uma Commissão de três membros ,que espontaneamente tomaram esta iniciativa com os intuitos de protecção e auxilio às classes desprotegidas, e tendo também em mira o progresso e desenvolvimento localidade”. Refira-se,  como aspecto  revelador do espirito progressista que esteve na origem da criação dessa associação, tendo em conta a época que se vivia,  que o “sexo feminino, de ordinário posto injustamente de parte, em tudo o que pode contribuir para a sua educação e engrandecimento, será admitido n’esta associação”(JTV,24/12/1885).

Cerca de 100 pessoas participaram activamente na reunião onde foi discutido o projecto de estatutos, que teve lugar no dia 27 de Dezembro, no salão do Club Torreense.       
  
Nesse mesmo mês anunciava-se que “o  elegante edifício do matadouro municipal, à Cruz das Almas, vae em grande adiantamento. Por todo o proximo mez de Janeiro deverá ficar prompto para funccionamento este importantíssimo melhoramento de primeira necessidade para esta terra”(JTV,  10/12/1885).

Data igualmente  de Dezembro de 1885 a primeira referência à existência de uma instalação telefónica: “Entre Torres Vedras e o Casal da Lapa, na freguesia de A-dos-Cunhados, com sete kilometros de distância , acabou de  colocar-se há poucos dias uma linha telephonica, propriedade do sr. Joaquim Marques Tio, que para tal fim obteve a necessária autorização.

“O aparelho é  de systema  Hermann, privilegiado, e funciona perfeitamente. O  trabalho da collocação dos postes e os da installação foi dirigido habiimente pelo ar Joaquim Pedro Marques Sobrinho, que ha mezes tem dentro da villa montado um  telephone entre a  sua importante fabrica de moagem  a vapor e o estabelecimento commercial na rua dos Balcões”(JTV, 24 /12/ 1885).

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