Pouco passavam das duas da manhã de 28 de Fevereiro de 1969, quando o
país foi acordado por um violento sismo que gerou o pânico em muitos locais.
Foi o maior sismo sentido em Portugal Continental nos últimos cem anos,
o único com essas dimensões que é recordado neste território por testemunhos
ainda vivos, como o autor destas linhas.
Recordamo-nos do abanar das janelas do quarto, que inicialmente
atribuímos a uma rajada de vento, até sermos acordados pelos pais.
Chegaram também até nós testemunhos de pescadores em Santa de Cruz que,
no momento do abalo, viram a noite clarear, embora não existam relatos do
pequeno maremoto que se seguiu, talvez confundido com a maré, até porque o
“tsunami” pouco ultrapassou o meio metro.
Também nos recordamos do relato de um vizinho do andar de baixo que,
estando a estudar a essa hora, descrevia as paredes a mexerem-se em todas as
direcções, ou daquele outro vizinho que, tomado de pânico, abandonou a casa,
esquecendo-se da mulher e filhos, de quem só se lembrou quando estava na rua.
Pouco se dormiu no resto da noite e muitos vizinhos passaram-na ao
relento na larga praceta frente aos prédios, na Praceta Afonso Vilela.
O Jornal “Badaladas”, na sua edição de 8 de Março registou que em
Torres Vedras as “casas foram forte e prolongadamente abaladas e o pânico foi
agravado ainda pela falta de energia elétrica. Muitas pessoas saíram das suas
casas, com o pavor espantado nos rostos, segurando uns os seus filhos, outros
apertando-se mutuamente como que a procurar uma protecção que julgavam
humanamente impossível.
“(…).
“Sabemos que, por todo o lado, a par das pessoas que ficaram extáticas,
outras houve que fugiram em trajes reduzidos; e não faltaram pijamas e robes a
deambular pelas ruas. As camas foram abandonadas e trocadas pelos carros, pelo
asfalto ou pela lama. De cobertores às costas ou tiritando de frio, muitos
esperaram, na rua, pelo amanhecer, depois de uma noite de vigília, transidos de
medo, com receio da repetição do flagelo, repetição que se deu e se tem
repetido, várias vezes, mas de pouca intensidade ”.
Não tendo havido vitimas a lamentar neste concelho, registaram-se,
contudo, alguns estragos, embora ligeiros.
O autor destas linhas lembra-se bem, quando se deslocou para a escola
na manhã seguinte, da grande racha que se abria ao meio da fachada da antiga
sede da Associação de Educação Física, na Avenida 5 de Outubro, hoje entrada
nobre do edifício camarário, e que, apesar de rebocada, foi visível durante
muitos anos.
Por sua vez, na reportagem do “Badaladas”, referiam-se a outros
estragos:
“Aqui na vila, rara é a casa que não acusa a passagem do sismo. As
igrejas, algumas consideradas monumentos nacionais, estão fortemente fendidas.
Algumas fendas sofridas agora outras já do terramoto de 1755, acusam uma maior
abertura, mas, felizmente, não há a registar nesta vila, desastres notáveis.
“Segundo conseguimos apurar, fora da vila foram atingidos pelo abalo
sísmico em paredes, chaminés e telhados, cerca de duas centenas de casas”.
O sismo teve uma magnitude (1) de 7,9 no epicentro, situado no mar, no
chamado Banco de Gorringe, a sudoeste da costa Algarvia, um pouco mais longe do
que o epicentro do terramoto de 1755.
A região do Algarve foi a mais atingida, sendo aí que se registou a
maior parte das cerca de duas dezenas de vítimas mortais.
Nessa região teve uma intensidade (2) de grau VIII . Na região de
Torres Vedras a intensidade foi de grau VI.
Deu-se uma réplica logo às 5h 28 manhã. Várias réplicas , 47 no total,
continuaram-se a fazer sentir até 24 de Março (3).
Aquela zona a sudoeste do Algarve está na origem da maior parte dos
sismos sentidos no país, alguns sentidos em Torres Vedras.
Foi o que aconteceu com o mais antigo sismo histórico de que há memória,
datado de 63 a.C., sentido ao longo de toda a costa, com magnitude de 8,5 e
intensidade IX, provocando um tsunami de
grandes dimensões, com o de 24 de Agosto
de 1356, este com intensidade idêntica (entre VIII e IX) e uma magnitude de
8,5, e, o mais bem documentado de todos, o de 1755, de magnitude 8,7 e intensidade IX,
que também foi aqui muito sentido (4).
(sismo de 1 de Novembro de 1755)
Tal como estes dois últimos, muitos outros sismos históricos tiveram
epicentro, provável ou provado, a sudoeste do Algarve e do Cabo de S. Vicente,
alguns no mesmo Banco de Gorringe, todos muito sentidos em todo o país, e,
logicamente, nesta região :
- em 382, provocando grande
Tsunami , de magnitude 7,5 e intensidade
VIII;
- em 26 Maio de 881, com intensidade entre VIII e X;
- em 15 de Março 1964, de magnitude 6,2 e intensidade máxima de VII no
Algarve, mas apenas V nesta região;
- por último o mais significativo, até agora, já no século XXI, com
epicentro naquela região e sentido em Torres Vedras, teve lugar em 17 dez 2009,
com uma magnitude de 6.
Os sismos que costumam provocar maiores estragos na região de Torres
Vedras têm o seu epicentro na chamada estrutura tectónica do Vale Inferior do
Tejo, incluindo como uma das sub-falhas a de “Torres Vedras- Montejunto” que
atravessa, no sentido nordeste-sudoeste, o concelho, dividindo-o praticamente
ao meio (5).
Foi o que aconteceu como os sismos de 1344, o de 26 de Janeiro de 1531,
este último acompanhado de tsunami, bem como o de 23 de Abril de 1909, que
destrui a localidade de Benavente.
O último sismo conhecido com algum impacto com origem no Vale Inferior
do Tejo aconteceu em 30 Abril 1999, mas apenas com uma magnitude de 4,5.
Teve uma magnitude de 7,1, com intensidade de IX na zona de Vila Franca
de Xira, e entre VII e VIII na região torriense, sendo um dos mais destrutivos
da História, provocando um grande tsunami.
Segundo um manuscrito coevo, existente na Biblioteca Nacional de
Lisboa, Torres Vedras foi muito atingida, referindo o Convento do Varatojo, que
foi muito destruído (6) .
Também Júlio Vieira, sem indicar a fonte, refere-se igualmente a esse
sismo, precedido de vários tremores de terra entre 1 e 28 de janeiro, “sendo o
mais violento o de dia 26 “, em consequência do qual “os muros da vila
derruiram, e como eles muitas casas” (7).
Em 1969 eram ainda vivas muitas
pessoas que em Torres Vedras ainda se recordavam do sismo de 23 de Abril de 1909,
assim descrito pela imprensa local deste ano:
“Na sexta feira, por 5 horas da
tarde, foram os habitantes d’esta villa e concelho sobressaltados por um
violento abalo de terra que durou approximadamente 8 segundos e que se repetiu
às 2 e 4 horas da madrugada do dia seguinte, mas com menos intensidade.
“Louvores à Providência não houve desastres passoaes, apenas alguns
prejuízos materiaes. Na villa abateu uma porção de muro do cemitério, dois
bocados da muralha do castello, havendo a registar alguns prejuízos na egreja
da Graça, edifício d’ administração do concelho e na cadeia, repartições estas
onde abriram bastantes fendas.
“Nas freguesias ruraes há a registar pequenos desabamentos, algumas
casas onde as paredes ficaram fendidas e vários telhados, cujas telhas se
deslocaram, causando alguns prejuízos” (8).
Na terça-feira seguinte, dia 4 de Maio, às 6 e 20 horas da tarde “sentiu-se
novo abalo e ruido subterrâneo, que durou 3 segundos” (9).
Também Julio Vieira foi testemunha presencial deste sismo de 1909,
divergindo no tempo de duração e acrescentando outros dados àquelas notícias:
“Durou 20 segundos e estabeleceu um grande pânico na população que
fugiu espavorida para as ruas da vila.
“Ocasionou muitas fendas nos prédios. A chaminé da estação do caminho
de ferro derruiu, e abateu o tecto de uma sala grande entre o côro da igreja da
Graça e a torre do relogio que serve de casa de ensaio de musica.
“No sábado houve mais duas oscilações” (10).
O sismo de 1909, conhecido pelo sismo de Benavente, localidade que foi
totalmente destruída e onde se registaram vários mortos, teve uma magnitude de
6,7 no epicentro, com uma intensidade de X naquela localidade. Na região de
Torres Vedras a intensidade registada foi entre VI e VII. Foi o sismo mais
destruidor em Portugal Continental no século XX.
Ainda segundo a Vinha de Torres Vedras de 6 de Maio de 1909 anunciava-se uma “excursão” a Benavente
no dia 10 de Maio, de camioneta, ao preço de “ida e volta de 1$000 réis”,
uma importância “diminuta” que permitia “visitar o ponto que mais sofreu com a
catastrophe”.
Há ainda a hipóteses de uma das réplicas do terramoto de 1755, aqui
sentida pouco minutos depois do abalo principal, não ter sido uma réplica mas
outro tremor de terra com epicentro no Vale Inferior do Tejo.
Perto deste vale, mas no oceano frente a Setúbal, teve também lugar o
sismo de 11 de Novembro de 1858, muito destruidor naquela cidade, com as mesmas
dimensões do de 1755, que atingiu na região de Torres Vedras a intensidade
VIII-IX , embora não existam memórias locais deste violento tremor de terra.
(sismo de 11 de Novembro de 1858)
Com epicentro próximo da região de Torres Vedras, mas não fazendo parte
da falha do Vale Inferior do Tejo registaram-se dois sismos em 1962, um em 31
agosto com epicentro no Cabo Carvoeiro onde registou a intensidade V, mas
apenas III em T. Vedras e outro em 26 de Dezembro desse ano, com epicentro na
Falha da Nazaré, de magnitude 5,7 e intensidade V na região de Lisboa.
São ainda conhecidos muitos outros sismos históricos, registados e
sentidos em Lisboa e que, pela
proximidade da capital, também terão sido sentidos nesta região, mas sobre os
quais pouco se conhece, quer sobre a sua origem quer sobre a sua e dimensão, a
não ser uma ou outra referência dispersa:
- 3 de Janeiro de 1117;
-1146 ;
-1183;
-1290;
-22 Fevereiro de 1309;
- 24 de Dezembro de 1337;
- 1340;
- 28 de Novembro de 1347;
- 1350;
- 1355;
- 1357;
- 18 de Junho de 1366;
- 20 de Agosto de 1395;
- 3 de Maio de 1404;
- 1435 (registado em Alenquer);
-28 de Janeiro de 1512, de magnitude 7 e intensidade VIII a IX em Lisboa e arredores;
- 12 de Março de 1528, sentido em Lisboa e a Norte da capital (11).
-1146 ;
-1183;
-1290;
-22 Fevereiro de 1309;
- 24 de Dezembro de 1337;
- 1340;
- 28 de Novembro de 1347;
- 1350;
- 1355;
- 1357;
- 18 de Junho de 1366;
- 20 de Agosto de 1395;
- 3 de Maio de 1404;
- 1435 (registado em Alenquer);
-28 de Janeiro de 1512, de magnitude 7 e intensidade VIII a IX em Lisboa e arredores;
- 12 de Março de 1528, sentido em Lisboa e a Norte da capital (11).
Aqui evocámos, a propósito do cinquentenário do último grande sismo
sentido em Torres Vedras, um pouco da história dos mais importantes sismos que
atingiram esta região, uma história que, fazendo parte da História da Terra,
não terminará aqui…
(1)
– A
magnitude de um sismo é de ordem quantitativa e mede a amplitude da onda sísmica,
a chamada Escala de Richter, com uma escala de magnitude de 1 a 10, sendo que
nunca foi registado nenhum de magnitude 10, sendo que só a partir de 3 são
preceptiveis e a partir de 6 já são fortes.
(2)
– A
intensidade sísmica é qualitativa. Conhecida por Escala Mercalli Modificada
(1956), mede-se em numeração romana de I a XII. É a partir do grau V que se classificam os tremores de terra mais
significativos: V – Forte; VI – bastante forte; VII – Muito forte – (abre
rachas e fracturas); VIII- Ruinoso – (colapsos); IX – Desastroso – (pânico
geral, grandes danos e colapsos); X – destruidor; XI – catastrófico; XII –
Danos quase totais.
(3)
– ver
MIRANDA, J. M. e CARRILHO, F. , 45 ANOS
DO SISMO DE 28 DE FEVEREIRO DE 1969,
IPMA, 2014 (disponível no site do IPMA).
(4)
– o
sismo de 1755 é, de todos os referidos, aquele sobre o qual existem mais
informações em relação ao seu impacto nesta região, em especial sobre o tsunami
que ocorreu na costa torriense, e já foi
por nós abordado nas páginas deste jornal: MATOS, Venerando Aspra de, O
Terramoto de 1755 em Torres Vedras, secção História em Dia, in Badaladas de 11
de Novembro de 2005. De novo em relação a esse trabalho, deve-se acrescentar a
confirmação de vários mortos no concelho, registados nos livros de óbitos das
freguesias de Matacães, Turcifal e Santa Maria, de acordo com a investigação de
João Flores da Cunha (ver: https://vedrografias2.blogspot.com/search/label/Terramoto%20de%201755 e AQUI)
(5)
–
sobre esta falha do Vale Inferior do Tejo existem vários estudos, entre os quais,
disponíveis na internet, os seguintes: VILANOVA, Susana P., FONSECA, João F. B.
D. , “A FALHA DO VALE INFERIOR DO TEJO NA ANÁLISE DA PERIGOSIDADE SÍSMICA” in SÍSMICA
2004 - 6º Congresso Nacional de Sismologia e Engenharia Sísmica, pp.
379 -388; MONIZ, Catarina Maria de Figueiredo Bettencourt, Contributo para
o conhecimento da Falha de Pinhal Novo-Alcochete, no âmbito da neotectónica do
Vale Inferior do Tejo, tese de mestrado da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, Lx. 2010; ZÊZERE,
José Luis , FERREIRA, António Bruno ,RODRIGUES, Maria Luis, Actividade
Sismica e instabilidade de vertentes na cidade de Lisboa, in IV Simpósio
Nacional sobre Taludes y Laderas isntables , Vol III, Madrid, 27 e 30 de
Novembro de 2001.
(6)
– in
Manuscrito 7638 da BNL, códice do séc. XVI, em inglês e apêndice resumido
in BAPTISTA, M.A.,MIRANDA, BATLLÓ, J.,
“The 1531 Lisbon Earthquake: A Tsunami in the Tagus Estuary?” In Bulletin of
seismological society of America, vol. 104, nº5, Outubro de 2014, pp. 1 a 13. Ver
também HENRIQUES, M.C. MOUZINHO, M.T., FERRA, N.M., Sismicidade de Portugal. O
Sismo de 26 de Janeiro de 1531, Ministério do Planeamento e Administração do
Território, Lisboa, 1989 (as duas obras referidas estão disponíveis na
internet).
(7)
- VIEIRA,
Júlio, Torres Vedras Antiga e Moderna ,
ed. Torres Vedras, 1926, pág. 226.
(8)
- A
Vinha de Torres Vedras, 5ª feira 29 de Abril de 1909.
(9)
– A
Vinha de Torres Vedras de 6 de Maio de 1909.
(10)
–
VIEIRA, Júlio, Torres Vedras Antiga e
Moderna , ed. Torres Vedras, 1926, pág. 228.
(11)
– in
COSTA, Marisa e FONSECA, João F.B.D
FONSECA, “Sismicidade Histórica em Portugal no Período Medieval”, pp.1 a 14
in Sismica 2007 – 7º Congresso se
sismologia e engenharia sísmica, pp. 1 a 14 (texto disponível na internet).
Nota:
Consultámos ainda as seguintes obras, todas disponíveis na internet:
BEZZEGHOUD, Mourad, CALDEIRA, Bento, BORGES, José Fernando, “O impacto dos Grandes Sismos
em Portugal” pp. 275-283 (origem desconhecida);
CARRILHO, Fernando José, PENA, José Orlando Areosa , NUNES, José Adelino Costa Fernando, Catálogo Sísmico
de Portugal Continental e região Adjacente para o período 1961-1969, Instituto
Português do Mar e Atmosfera, Fev. 2014;
CARRILHO, Fernando, SENOS, Maria Luísa , SISMICIDADE DE PORTUGAL
CONTINENTAL in Física de la Tierra, 2003,
15,pp. 93-110:
OLIVEIRA, Rui Jorge Braga de, Risco Sísmico, dissertação do Projecto de licenciatura em
Engenharia Geológica Universidade de Aveiro, Aveiro 26 de Julho de 2010.
(uma versão resumida deste texto foi publicada na edição de 22 de Fevereiro de 2019 na secção "Vedrografias" do jornal "Badaladas").
(uma versão resumida deste texto foi publicada na edição de 22 de Fevereiro de 2019 na secção "Vedrografias" do jornal "Badaladas").
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