Não existem muitos indícios e documentos sobre a caricatura política no Carnaval de Torres, antes do 25 de Abril.
Existem, quanto muito, referências dispersas, na imprensa
local, no início do século XX, sobre algumas criticas a acontecimentos locais e
a alguns conflitos com as autoridades por causa de algumas “pulhas” carnavalescas,
mais criticas em relação à monarquia, às autoridades, à Igreja, ou a atitudes
de caracter brejeiro.
Há registo de grande animação no Carnaval de rua em 1908,
realizado poucos dias depois do assassinato de D. Carlos, onde houve uma
mascarada ridicularizando políticos monárquicos, locais e nacionais.
A mais antiga fotografia conhecida dos festejos
carnavalescos regista uma paródia a um acontecimento político.
Foi em 1912, uma fotografia publicada na “Ilustração
Portuguesa” (nº 315 de Março de 1912), acompanhada da seguinte legenda: “Em
Torres Vedras: Paródia carnavalesca. Invasão dos Paivantes. O exército
afugentado pelo Zé Povinho que lhes atira uma bomba de 5 réis”.
Era uma alusão a uma das incursões de Paiva Couceiro nesse
ano.
Em 1923 surge o primeiro Carnaval organizado, com a presença
de um “rei” “coroado”, passando a ser acompanhado pela “rainha” no ano
seguinte, “rainha” essa que, até aos dias de hoje, é sempre um homem mascarado.
Muitas das personalidades identificadas como organizadores desses primeiros
desfiles estavam conotados com o republicanismo histórico local.
Não deixa de ser curioso que, entre 1923 e 1926, a Câmara
Municipal Torriense tenha sido presidida por um monárquico, podendo
interpretar-se a forma como se apresentavam os “reis” no Carnaval, a partir
dessa data, como uma assumida forma de ironizar e ridicularizar a monarquia,
uma critica ao poder autárquico.
Acrescente-se que, por essa altura, a “corte” era
acompanhada por várias figuras “religiosas”, uma forma de “gozar” com a Igreja,
situação esta que foi proibida e banida durante os anos da ditadura.
Com a instauração da ditadura militar interrompeu-se,
durante alguns anos (1927, 1928, 1929), a realização do Carnaval de rua
organizado, dando-se o regresso em 1930, mas agora sujeito aos limites impostos
pela censura.
O órgão local da recém formada União Nacional, por ocasião
do Carnaval de 1933, chegou mesmo a fazer algumas ameaças veladas a quem se
atrevesse a aproveitar o Carnaval para fazer critica política: “Se aparecerem
carros com fins reservados, atacando pessoalmente, este ou aquele individuo,
este ou aquela instituição (…) as autoridades (…) proibirão terminantemente,
decididamente, estes e outos quaisquer abusos que possam deslustrar os
extraordinários festejos, mas sempre é bom este aviso para evitar escusadas
despezas a quem se prepara para tais brincadeiras de mau gosto (…). De forma
categórica, podemos desde já garantir que estes abusos não se darão durante o
Carnaval, a menos que os seus autores se queiram sujeitar aos rigores das
medidas administrativas (…). Aqui fica, pois, o aviso”.
O “aviso”, juntamente com a acção da censura, da PIDE e do
medo, terá surtido o seu efeito, não se conhecendo, até ao 25 de Abril, a
existência de criticas ou caricaturas de carácter político no Carnaval de
Torres Vedras.
Existe apenas uma excepção, documentada por Joaquim Vieira,
no volume dedicado aos anos 1930-1940 do seu “Portugal – Século XX – Crónica em
Imagens” (círculo de Leitores, ed. 1999), onde se inclui uma imagem, retirada
do arquivo do DN, com a seguinte legenda: “No entrudo em Torres Vedras em 1939,
evoca-se os homens de Munique (Chamberlain, Mussolini, o francês Daladier e
Hitler)” (pág. 169).
Foi a partir de 1985 que o Carnaval de Torres ganhou a
dinâmica actual e a caricatura política, local, nacional e internacional, se
tornou habitual e recorrente, com a qualidade que se conhece, integrando os
carros alegóricos e o “monumento”.
Mesmo assim, tirando a presença regular nos carros da
organização e no “monumento”, a critica politica espontânea não é tão frequente
como seria de prever em democracia, surgindo de forma mais acentuada em
determinadas conjunturas como durante os governos de Cavaco Silva, muito
criticado ( e gozado) por ter retirado o decreto de tolerância da 3ª feira de
Carnaval, a durante os anos da “troika”, quando se voltou a recusar o decreto
de tolerância em nome da austeridade,
De resto, como há décadas que o carnaval de Torres obedece a
uma temática unificadora, esta acaba também por condicionar a critica e a
caricatura política, que nem sempre encaixa nessa temática.
Já em liberdade, também se registaram alguns significativos actos de censura, um na década de 80, exercida sobre um carro da Associação do Património, onde se assumiam criticas à acção camarária, outro durante o governo de Sócrates, quando uma zelosa juíza local obrigou a retirar imagens de teor pornográfico colocadas numa imitação do célebre computador Magalhães, e outra, mais recentemente, quando o monumento incluiu uma imagem caricaturada da Nossa Senhora de Fátima.
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